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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Fernando Haddad - Ministro da Educação Carlos Eduardo Bielschowsky - Secretário SEED/MEC Celso Costa - Diretor da UAB Paulo Speller - Reitor UFMT Elias Alves de Andrade - Vice-Reitor Adriana Rigon Weska - Pró-Reitora Administrativa e Planejamento Tereza Cristina Cardoso de Souza Higa - Pró-Reitora de Planejamento Marilda Calhao E. Matsubara – Pró-Reitora de Vivência Acadêmica e Social Matilde Araki Crudo - Pró-Reitora de Ensino e Graduação Marinez Isaac Marques - Pró-Reitora de Pós-Graduação Paulo Teixeira de Sousa Jr. - Pró-Reitor de Pesquisa Carlos Rinaldi - Coordenador UAB/UFMT Kátia Morosov Alonso - Diretora do Instituto de Educação Roseméry Celeste Petter – Coordenadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia (Ênfase em Educação Infantil) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Psicologia II Desenvolvimento e Aprendizagem na Infância, ou de como nos Tornamos Ser Diferenciado Licenciatura em Pedagogia - (Ênfase em Educação Infaltil) - Modalidade a Distância MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL Conselho Editorial: Profa. Kátia Morosov Alonso - UFMT Profa. Sandra Regina Geiss Lorensini – UFMT Profa. Maria de Lourdes De Lamonica Freire – UFMT Prof. Oreste Preti – UFMT Profa. Roseméry Celeste Petter - UFMT Conselho Editorial: EdUFMT Ilustração Capa: Cerâmica Antígua Indústria e Comércio Ltda Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Eduardo Butakka Revisão: Germano Aleixo Filho Ficha Catalográfica Índice para catálogo sistemático Instituto de Educação Núcleo de Educação Aberta e a Distância Av. Fernando Corra da Costa, s/nº Campus Universitário Cuiabá, MT Tel: 65 3615-8438/ 3628-2819 www.nead.ufmt.br Cuiabá – MT 2008 A553p Andrade, Daniela Barros da Silva Freire Psicologia II: desenvolvimento e aprendizagem na infância ou de como nos tornamos ser diferenciado / Daniela Barros da Silva Freire Andrade. – Cuiabá : EdUFMT/UAB, 2008. 97p. : il. ; color. Inclui bibliografia 1.Psicologia. 2. Psicologia do desenvolvimento. 3. Psicologia da aprendizagem. 4. Educação infantil - Psicologia. 5. Psicologia educacional 6. Educação I. Título. II. Título: Desenvolvimento e aprendizagem na infância ou de como nos tornamos ser diferenciado. CDU – 37.015.3 DANIELA BARROS DA SILVA FREIRE ANDRADE Psicologia II Desenvolvimento e Aprendizagem na Infância, ou de como nos Tornamos Ser Diferenciado Cuiabá – MT 2008 Olá!, O início de toda conversa entre professor e aluno, seja em uma relação presencial seja a distância, remete-me à apresentação inicial. Enfim, o tradicional quem sou eu! Embora meu último sobrenome seja Andrade, meus alunos me conhecem como Daniela Freire. Sou psicóloga com mestrado em Psicologia Social e doutorado em Educação: Psicologia da Educação. Atuo na formação de professores há 17 anos, especialmente nas disciplinas sobre desenvolvimento e aprendizagem humana, muitas vezes com ênfase na Educação Infantil. No Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), participo como especialista da área de Psicologia no curso Licenciatura em Pedagogia para Educação Infantil. No Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, integro o grupo de pesquisa Educação e Psicologia que desenvolve pesquisas coletivas sobre representações sociais acerca do trabalho docente. É um prazer poder acompanhar a formação de vocês, ainda mais ao lado da Ana Rosa, companheira tão querida de antigas caminhadas. Tenho certeza que esse reencontro renderá muitas inspirações para o bem de todos nós. Abraço! Sumário Contextualizando o Fascículo 2 8 Introdução 9 Quadro síntese dos principais aspectos tratados neste fascículo 12 A metáfora do Reizinho Mandão no diálogo com a teoria de Piaget: a diferenciação diante do egocentrismo 16 Faca sem ponta, galinha sem pé: a noção de diferenciação na articulação com a teoria de Wallon 48 De como nos tornamos sujeitos sociais e auto-reguladores, segundo Vygotsky 70 Para encerrar este fascículo, algumas palavras 93 Apêndice A – listagem de livros. CD’s e DVD’s infantis recomendados 95 Apêndice B - sites recomendados 96 Apêndice C – sites de bibliotecas 97 Psicologia II 8 Contextualizando o Fascículo 2 O Fascículo 2 da Psicologia se destina à discussão em torno das contribuições desta ciência para a compreensão dos processos de desenvolvimento e aprendizagem em bebês e crianças pequenas. O que está em jogo nesta leitura é a compreensão de como nos tornamos seres diferenciados. Por isso, as noções de indiferenciação e diferenciação, serão apontadas pelos teóricos aqui abordados, como uma espécie de orientação para a organização do raciocínio relativo ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor. Além disso, este fascículo deve ser compreendido em seu potencial de diálogo com os fascículos 1, 3 e 4. Isto porque, se o Fascículo 1 desvenda os principais conceitos da Psicologia, auxiliando na compreensão daqueles apresentados no Fascículo 2, o Fascículo 3 propõe ao leitor um exercício relativo à reflexão de como a teoria psicológica, acerca do desenvolvimento e aprendizagem, pode ser útil na proposição do trabalho pedagógico na Educação Infantil. Ainda o Fascículo 4 busca, na psicologia social, discutir a produção da subjetividade social articulada com a subjetividade individual, em um exercício de ir- e- vir entre o individual e o social, que começa a ser introduzido neste fascículo que ora se inicia. A especificidade deste fascículo se refere à discussão acerca das contribuições interacionistas e sociointeracionista à Educação Infantil e, por isso, ressalta-se a importância da imitação e da interação social, articulando tais fenômenos com o processo representacional. Este fascículo também objetiva incentivar o estudante a uma aproximação orientada ao desenvolvimento da capacidade de análise do comportamento infantil, bem como dos aspectos destacados pela teoria, que estão retratados nas mais variadas narrativas dedicadas ao público infantil. Outro objetivo a ser destacado se refere à possibilidade de auto-reflexão do estudante associando à sua trajetória de vida desde sua condição de infante, passando pelo processo de construção de sua subjetividade até chegar à sua atuação como educador. Desta forma, está presente nos escritos deste fascículo um desejo de que o estudante, ao analisar os indicadores do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças, supere a dicotomia Psicologia II 9 do eu e do outro. Isto implica dizer que a criança da qual os textos tratarão é, ao mesmo tempo, aquela com a qual se trabalha e aquela que se transformou no adulto e educador (a). Introdução Ao explorar os escritos deste segundo fascículo, uma expressão comumente utilizada na Educação Infantil estará sendo visitada a partir do olhar da psicologia do desenvolvimento e aprendizagem. Ei-la: Educar cuidando1. Essa expressão foi cunhada com base na constatação de que o trabalho educacional com bebês e crianças até dois anos de idade, em geral, é pouco reconhecido. Especialmente os bebês são considerados dentro de uma prática de cuidados rotineiros dissociados de sua função educativa. Um dos fatores que contribuem para tal dissociação se refere à separação entre a definição de creche e pré-escola, fundamentada na idade da criança2 que parece ser apropriada pela comunidade em geral, tomando por base a dicotomia presente entre o cuidar e o educar. Nesse particular, pré-escola se aproxima das práticas alfabetizadoras, como que em um arremedo da prática escolar, e a creche se define a partir do referencial do cuidado materno. Em outras palavras, quanto mais próximo ao modelo escolar adulto, maior é o status do profissional e do trabalhoem si. Essa lógica se aplica tanto para a relação entre creche e pré-escola quanto para a relação entre ensino fundamental e ensino médio, e entre ensino médio e universidade. Uma das conseqüências perversas dessa dicotomia se traduz na falta de reconhecimento do profissional, neste caso do profissional de creche como educador. Concomitantemente, da desvalorização de seu saber e de sua prática. Este movimento perverso de negar a função educacional da creche contribui para que muitas delas se constituam como lugar de guarda, uma espécie de depósito de crianças. A expressão Educação Infantil, de certa forma, intenta a superação da dicotomia entre creche e pré-escola, entre o cuidar e o educar, concebendo que o cuidado à criança é inerente à ação de educar. Mesmo assim, a invisibilidade do trabalho educativo com crianças até dois anos permanece. Essa cristalização do senso comum sugere 1 MONTENEGRO, T. O cuidado e a formação moral na educação infantil. SP: Educ, 2001. 2 Creche - atende crianças até 3 anos. Pré-escola - atende crianças de 4 a 6 anos. Psicologia II 10 uma investida em outro tipo de argumentação, dessa vez voltada para análise do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças até seis anos de idade. Ao conhecer os referenciais teóricos que têm sustentado o trabalho da Educação Infantil na perspectiva interacionista e sociointeracionista, o (a) estudante poderá responder à seguinte pergunta: de que forma pode se dar o trabalho educativo com os bebês e crianças pequenas3? Para responder a esse questionamento, é preciso sublinhar os indicadores do desenvolvimento e da aprendizagem, evidenciando a dinâmica da construção da consciência que se dá ao longo dos primeiros anos de vida. Em termos práticos, é preciso visitar Piaget, Wallon e Vygotsky e percorrer as trilhas do processo de desenvolvimento e de aprendizagem por eles identificadas. Nesse exercício, espera-se que o (a) estudante reflita, do ponto de vista psicológico, sobre a profundidade teórica da expressão educar cuidando, tomando a prática educativa como um dos elementos facilitadores da emergência da consciência e do pensamento representativo, sem os quais se torna tortuoso o trabalho nos demais níveis escolares. Com isso, não se quer dizer que a função da Educação Infantil seja a de preparar a criança para a educação fundamental, embora isso seja um fato. O reconhecimento da importância do trabalho educativo em meio aos bebês e crianças pequenas se dá, antes de tudo, pelo reconhecimento de seus direitos e pelas possibilidades que se abrem à criança e seus familiares de se desenvolverem em condições que assegurem sua cidadania no tempo presente. Tomando como base a importância do entendimento dos principais conceitos propostos pela teoria e a relevância de focalizar o processo de desenvolvimento e de aprendizagem nos seis primeiros anos de vida, este fascículo foi organizado de modo a ressaltar as contribuições de Piaget, Wallon e Vygotsky. Oferece ao leitor notas sobre a contextualização, a concepção de desenvolvimento e de aprendizagem, e os principais conceitos presentes nos trabalhos conhecidos como Epistemologia Genética ou Teoria da Equilibração, Psicologia da pessoa completa e Formação social da mente. _____________ 3 A expressão criança pequena se refere à noção de primeira infância, cobrindo o intervalo de idade que vai de 2 a 6 anos. Salienta-se que está definição não esta convergente com a decisão do governo federal de incluir a criança de 6 anos no ensino fundamental. Psicologia II 11 Ao longo dos textos apresentados, o leitor poderá identificar alguns dos indicadores do desenvolvimento e da aprendizagem da criança até seis anos. As informações desfiladas partem de duas noções importantes: a primeira se refere ao reconhecimento da condição histórico-social da infância e de toda a construção teórica que se deu em torno dela4. A segunda noção diz respeito à indissociabilidade entre desenvolvimento e aprendizagem5, mais claramente defendida por Piaget (apud Moro, 2000) e Vygotsky (1989). Ao argumentar que educar é adaptar o indivíduo ao meio, a perspectiva piagetiana mostra que o processo de adaptação e equilibração são, em si, um processo de aprendizagem em seu sentido amplo. Por meio do conceito de zona de desenvolvimento proximal e a noção de que a boa aprendizagem é aquela que antecede o desenvolvimento, VYGOTSKY (1989) indica a relação de regulação recíproca entre desenvolvimento e aprendizagem. Bassedas, Huguet & Sole (1999, p.23) sintetizam a relação desenvolvimento e aprendizagem, afirmando: [...] para que possa haver desenvolvimento, é necessário que se produza uma série de aprendizagens, as quais, de certo modo, são uma condição prévia. Dessa forma, o fascículo procurou organizar três capítulos dedicados às contribuições de Piaget, Wallon e Vygotsky, no que toca à educação. Como proposta de expansão deste fascículo, é indicado que o (a) estudante se apóie nos indicadores do desenvolvimento e organize fichas de observação orientando o processo de avaliação qualitativa. Ou, ainda, tais indicadores podem ser utilizados para inspirar a proposição de projetos pedagógicos no interior da Educação Infantil. De outro modo, o leitor poderá acompanhar os comentários sobre algumas narrativas voltadas para o público infantil e realizar as sugestões de atividades encontradas, bem como explorar as várias indicações de livros, filmes e produções musicais infantis à luz das reflexões teóricas desenvolvidas. _____________ 4 Sobre esta noção, observar as reflexões sobre a Psicologia do Desenvolvimento, logo abaixo. 5 A aprendizagem neste ponto da apresentação deve ser entendida em seu sentido amplo, como ação social que envolve a aquisição de resposta particular, aprendida em função da experiência e do processo de ação mental do ser que aprende. Psicologia II 12 Quadro síntese dos principais aspectos tratados neste fascículo Abaixo, os principais aspectos tratados neste fascículos, organizados segundo os seus autores proponentes. PIAGET WALLON VYGOTSKY Conhecimento;• Inteligência;• Determinantes do • desenvolvimento e aprendizagem; Esquema;• Estrutura;• Processo de • adaptação ou equilibração majorante; Assimilação;• Acomodação;• Estágios do • desenvolvimento; Desenvolvimento • e aprendizagem em bebês e crianças pequenas pontuações teóricas úteis para o trabalho no berçário; Um olhar mais de • perto para a criança pré-operatória. Motricidade, • emoção e diferenciação no processo de desenvolvimento e aprendizagem; Sublinhando • alguns indicadores do desenvolvimento psicológico na perspectiva walloniana; Gestos de • mímicas e apelos; Olhar, preensão • e marcha; Imitação;• Esquema • corporal; Simulacro;• Linguagem;• Crise de • oposição ou negativismo e sedução. Plano interno de • atividade mental; Internalização;• Atividade • mediada ou mediação simbólica; Interação social;• Lei genética do • desenvolvimento cultural; Operações • mentais inferiores e superiores; Zona do • desenvolvimento proximal; Pensamento • verbal; Representações • mentais; Desenvolvimento • da fala; Sentido pessoal.• QUADRO 1: Principais aspectos destacados no fascículo Notas sobre a psicologia do desenvolvimento A psicologia do desenvolvimento se dedica à descrição e à exploração das mudanças psicológicas que o ser humano sofre ao longo do tempo. A busca implica descrever e compreender as transformações sofridas pelo ser humano, sobretudo na infância, período em que se estruturam as bases da vida psíquica. Em atenção à importância da infância na constituição do psiquismo, muitas vezes se vale da Psicologia Infantil ou da criança como sinônimo de Psicologia do Desenvolvimento. Psicologia II 13 Como toda ciência, a psicologia do desenvolvimento deve ser compreendida como invenção ou construção cultural. Autores como Kessen (1978) e White (1986) acreditamque, por conta de fatores históricos, culturais e sociais importantes, a Psicologia Infantil se desenvolveu a partir do conceito de criança, sobretudo da criança americana, sem atentar aos outros conceitos de infância e organização familiar e social. White (1986) enfatiza o processo dialético entre o conceito de sociedade e de Psicologia da Criança e, por que não dizer, de infância6. Isso enseja que qualquer discussão sobre desenvolvimento e práticas educacionais está vinculada a valores partilhados culturalmente. A princípio, com os trabalhos de Gesell (USA) e Binet (França), a Psicologia preocupou-se em organizar extensas escalas de desenvolvimento passíveis de ser utilizadas na avaliação psicológica de crianças de diferentes culturas e em diferentes condições sociais. Os estudiosos da área objetivavam medir e comparar o desenvolvimento da criança tomando em conta a escala de desenvolvimento padrão. As crianças, cujos resultados coincidissem com o esperado, seriam consideradas “normais”. A concepção de normalidade e de patologia do desenvolvimento infantil passou a ser utilizada como referência importante para o trabalho educacional, sendo, posteriormente, desencorajada pela perspectiva crítica que influenciou a Pedagogia e a própria Psicologia7. Ao invés de medir e comparar o desenvolvimento infantil, a psicologia do desenvolvimento, na atualidade, preocupa-se em: [...] descrever e explicar os eventos ocorridos no decorrer do tempo que levam a determinados comportamentos emergentes durante a infância, adolescência ou a idade adulta. Pretende, pois, explicar como é que, a partir de um equipamento inicial (inato), o sujeito vai sofrendo uma série de transformações decorrentes de sua própria maturação (fisiológica, neurológica e psicológica) que, em contato com as exigências e respostas do meio (físico e social), levam à emergência desses comportamentos. (rappaport, 1981, p.3) Medir e comparar são termos que possuem uma conotação de desenvolvimento como produto quantificável. Descrever e _____________ 6 Sobre esta relação observar a contribuição de Philippe Áries em História Social da Criança e da Família. 7 Sobre a relação da Psicologia com a Pedagogia ler: FREITAS, M. T. A. de. Vygotsky & Bakhtin Psicologia e educação: um intertexto, SP. Ática, 1995. Psicologia II 14 explicar, de sua vez, são termos associados a uma conotação qualitativa e processual. Na primeira, tem-se o objetivo de universalizar os padrões do desenvolvimento segundo a faixa etária. Na segunda, mesmo prevendo estágios de desenvolvimento, o que importa é a ordem com que estes se dão, e não necessariamente a idade em que eles se manifestam na criança. Com isso, surge uma faceta da psicologia do desenvolvimento mais preocupada com as contextualizações históricas, culturais e sociais da criança e de seu desenvolvimento8. Pesquisadores que observam o comportamento infantil nos países de terceiro mundo afirmam que existem vários fatores biológicos e psicológicos que influenciam o desenvolvimento infantil, diferindo-o das crianças de países mais ricos. Entre esses fatores, estão as características de gênero, idade gestacional, peso de nascimento, ordem de nascimento, saúde, condições nutricionais pré e pós-natal, bem assim fatores de ordem biológica diversos. Além desses, outros aspectos podem ser considerados, como as características ambientais, incluindo aspectos pessoais do responsável pelos cuidados com o bebê. Este último fator aponta para variações da intensidade de estimulação concedida à criança, à rotina do cuidado infantil e os ensinamentos deliberados das qualidades válidas em uma dada cultura como sentar, sorrir e falar. Existem, também, características da estrutura doméstica, como o grau de satisfação do bebê, a razão adulto/criança, a mistura de crianças de várias idades, a presença ou ausência de múltiplos agentes de cuidado infantil, entre outros. Ao analisar esses fatores, Werner (1984) chegou à conclusão que, pelo mundo todo, o cuidado exclusivo das crianças por suas mães não constitui regra. Tradicionalmente, famílias dos países _____________ 8 Importante notar o surgimento da Psicologia Trans-cultural que investiga padrões específicos da conduta enquanto expressivos da intervenção de fatores culturais distribuídos em uma faixa transversal do espaço. Seu objetivo compreende em estudar os fenômenos quanto a sua simultaneidade em várias culturas. A Psicologia Trans-cultural assume uma proposta relativista e tenta avaliar a validade de teorias psicológicas desenvolvidas a partir da população de uma determinada cultura, quando esta se propõem a explicar fatos que ocorrem em uma outra. O que se postula é a subordinação da Psicologia à realidade sócio-econômica e cultural. Um dos maiores objetivos da Psicologia Trans-cultural é ajudar estabelecer princípios psicológicos universais que governem o comportamento humano, apesar de algumas leis psicológicas básicas dependerem da cultura ou ainda da sub- cultura. (freire, 1992, p.23) Psicologia II 15 orientais dividem o cuidado dos bebês com as mães, assistidas pelo irmão mais velho, avós e outros parentes cujo tempo não seja intensamente valorizado. Mudanças contemporâneas no Ocidente industrializado têm levado a um aumento da divisão do cuidado à criança por mulheres trabalhadoras nos EUA e Europa, porém os agentes substitutos tendem a variar, de acordo com a classe social. A densidade demográfica, assim como a estratificação econômica, afeta o contexto do cuidado para com a criança. Sob condições de alta fertilidade e mortalidade infantil, prevalecentes nos países de terceiro mundo, crianças crescem com grande número de irmãos mais velhos e primos. Suas babás, usualmente, são as irmãs mais velhas, designadas a dar assistência aos irmãos mais novos, em detrimento de suas características e necessidades infantis e, não raro, de seu processo de escolarização. Diante dessas considerações, pode-se concluir que, sendo a psicologia do desenvolvimento considerada construção cultural, assim como as teorias que produz, o fenômeno por ela estudado deve ser analisado segundo as mesmas prerrogativas. Psicologia II 16 A metáfora do reizinho mandão no diálogo com a teoria de Piaget: a diferenciação diante do egocentrismo Ruth Rocha, em seu livro Reizinho Mandão, retrata a criança egocêntrica e nos dá, por meio da linguagem literária, a dimensão das possibilidades e limitações de uma criança de aproximadamente três anos de idade. O famoso reizinho consegue expressar-se corporal e verbalmente, mas interpreta a realidade de forma rígida, centrada em sua própria perspectiva. O reizinho mandão caracteriza, portanto, a eterna criança egocêntrica que não se insere no mundo socializado dos jogos de regras. Para saber como se desenvolve uma criança tida como egocêntrica, e de que forma ela supera essa condição, vejamos o que diz a teoria piagetiana. 1 A Teoria da Equilibração de Jean Piaget Indiscutivelmente, a teoria piagetiana constitui, em grande parte, a base da formação de professores no Brasil. Ela está presente nos currículos dos cursos de Pedagogia e Licenciatura desde a década de 60, juntamente com a disseminação das publicações do autor. A apropriação da obra piagetiana por gerações de professores ao longo desses anos, incentivada pela visita de Piaget ao Brasil9 e pela solidificação de grupos de estudo e pesquisa fundamentados na teoria piagetiana, contribui, decididamente para a solidificação da formação do docente. Por outro lado, como conseqüência de sua _____________ 9 Em 1949, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ilustração 1: Capa do livro O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha. Psicologia II 17 ação, o aluno como construtor de sua aprendizagem, o professor como mediador da aprendizagem do aluno, entre outros. Tal fato se dá em função da superficialidade das interpretações da obra e, sobretudo, pela negligência a seu caráterdialético que transforma erroneamente a teoria em uma proposição linear e rígida. Nenhuma obra está livre desse movimento de apropriação, familiarização e, ao mesmo tempo, simplificação de seus pressupostos, notadamente se ela está suficientemente enraizada no tecido cultural a ponto de não provocar uma espécie de estranhamento. Este texto constitui a interface entre aquilo que já se conhece da obra piagetiana e o cuidado em não banalizá-la, buscando, por igual priorizar as noções básicas da teoria e a reflexão sobre o desenvolvimento da criança pré-operatória. Inicialmente, é preciso situar a contribuição de Piaget e sublinhar sua importância para a Psicologia e para a Educação. Nessa direção, tem-se que o foco delineado nas pesquisas de Piaget se assenta em seu interesse pelo desenvolvimento da inteligência e pela construção do pensamento racional. Daí dizer que o sujeito que Piaget estudou é o sujeito epistêmico10. Ele procurou relacionar a teoria biológica e epistemológica por meio da teoria do desenvolvimento operatório da inteligência. Moro (2000) caracteriza a teoria de Piaget como teoria epistemológica que traz, em seu núcleo, uma teoria do desenvolvimento da lógica humana. Sobre o desenvolvimento cognitivo, a teoria piagetiana destacou o papel da ação como o elemento que irá assegurar a continuidade entre as formas biológicas e as formas de pensamento constituídas na interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. As ações que inicialmente emergem como formas puras de exploração do mundo - atividade reflexa -, gradativamente se integram em esquemas psíquicos11 mais complexos, elaborados pela criança. Tal processo indica a tendência do sujeito a uma adaptação progressiva ao meio físico e social em uma estruturação contínua, partindo, inicialmente, de uma indiferenciação caótica entre o sujeito 10 Epistêmico - puramente intelectual ou cognitivo. Diz-se sujeito epistêmico para caracterizar um sujeito ideal, universal, que não corresponde a ninguém em particular, embora sintetize as possibilidades de cada um e de todas as pessoas ao mesmo tempo. (Goulart, 1995, p. 18) Epistemologia – relativo à teoria do conhecimento. 11 Mais explicações sobre o esquema psíquico serão apresentadas oportunamente. Psicologia II 18 e o objeto. Ou seja, o indivíduo constrói e reconstrói continuamente as estruturas que o tornam cada vez mais apto ao equilíbrio. Essas construções seguem um padrão denominado de estágios, que se relacionam às idades mais ou menos determinadas12. 1.1 Concepção de desenvolvimento, aprendizagem e método de estudo A teoria piagetiana adotou uma visão interacionista do desenvolvimento e da aprendizagem à medida que concorda que esses se efetuam a partir de interações entre o biológico e o social. As características biológicas preparam a criança para agir sobre o social e modificá-lo, mas essa ação termina por influenciar na construção das próprias características biológicas da criança. O interacionismo defende a reciprocidade de influências também entre o indivíduo e o meio. A experiência da criança em determinado ambiente é ativa: ao mesmo tempo em que o modifica, é modificada por ele. Essa dinâmica parte de uma indiferenciação caótica entre o sujeito e o mundo e se constitui como um processo de sucessivas mudanças qualitativas e quantitativas das estruturas mentais, e cada estrutura deriva de outras precedentes. As transformações são motivadas pela orientação geral do organismo voltada para a auto-regulação e para a adaptação à realidade. Em outras palavras, pode-se dizer que a concepção de desenvolvimento de Piaget está fundamentada na noção de equilibração progressiva ou majorante, que pressupõe uma estruturação contínua de ações que, inicialmente, emergem como atividade reflexa e, gradativamente, integram-se a esquemas psíquicos em um interjogo entre fatores intrínsecos e experiênciais. Sobre a relação desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana, Severino (1994) explica que a aprendizagem está intimamente ligada ao desenvolvimento, porque ela é um processo de conhecimento elaborado operacionalmente, provocado por forças externas desequilibradoras. A aprendizagem ocorre na direção do restabelecimento do equilíbrio adaptativo que, por sua vez, se configura conforme os esquemas endógenos característicos de cada 12 Sobre o desenvolvimento a teoria piagetiana, indica que o mais importante é a ordem dos estágios e não a idade de aparição destes. Para que uma criança atinja o estágio das operações formais, é preciso que, antes, tenha apresentado características egocêntricas. Essa seqüência pode variar e, conforme as condições Psicologia II 19 estágio de desenvolvimento. Os postulados de Piaget refletem sua concepção de desenvolvimento e aprendizagem interacionistas, à medida que considera a apropriação e a elaboração mental como um processo que se dá em condições em que se instaura um conflito sociocognitivo13 entre o sujeito e a realidade, remetendo-o a um desequilíbrio. Dessa forma, Piaget optou pelo estudo do pensamento racional através de uma abordagem experimental e clínica. Os procedimentos de pesquisa adotados se estruturavam em três etapas bem definidas: 1º. - o contato inicial da criança com o material, e suas explorações e respostas iniciais; 2º. - observação do comportamento infantil ante os conflitos ou obstáculos enfrentados na manipulação do material; e 3º. - análise do desempenho da criança a partir da introdução de vários estímulos, questionamentos com o objetivo de identificar a constância e a amplitude da produção da criança14. 1.2 Principais conceitos Os conceitos básicos presentes na teoria piagetiana serão apresentados neste texto sem preocupação em numerá-los segundo uma ordem de importância, isso porque, em um sistema teórico constituído a partir da lógica dialética, esse raciocínio não se aplica. Nesta etapa da leitura, é preciso alertar que o entendimento da base conceitual deve ser atrelado à imagem de uma rede ou teia com vista a enfatizar a interdependência dos conceitos propostos, bem como o suporte que um estabelece para o outro. Como tendência geral, pode-se adiantar que a inteligência e o conhecimento serão tomados como resultado da mútua relação entre _____________ 13 Para Leite (1994), conflito sociocognitivo ocorre em situações sociais nas quais as previsões e antecipações das crianças são contestadas ou anuladas pelas observações que elas próprias realizam em seguida. Nesse sentido, tem-se que, para a perspectiva piagetiana, as interações sociais não são geradoras de novos sistemas ou formas de conhecimento mas suscitam certas situações de conflito que podem propiciar novas estruturações cognitivas. 14 Para saber mais sobre o método de pesquisa adotado por Piaget, ver sobre provas piagetianas. As opções de referência são variadas. Uma delas é: Rappaport, C.R et al. A idade escolar e a adolescência, vol 4. SP. EPU, 1982. Psicologia II 20 entre os fatores determinantes do desenvolvimento, bem assim de sucessivos processos de estruturação das ações mentais. Para a compreensão deste último, torna-se necessário o entendimento de conceitos, como inteligência, conhecimento, determinantes do conhecimento, hereditariedade, esquema, estrutura, adaptação, equilibração, assimilação, acomodação, reversibilidade, irreversibilidade, e estágios do desenvolvimento.. 1.2.1 Inteligência Os apontamentos piagetianos revelam que a inteligência se caracteriza pela capacidade de o sujeito resolver problemas. Essa, por sua vez, desenvolve-se ao longo do processo de adaptação à realidade, tornando-a cada vez mais complexa e eficiente. Portanto, é recorrente a conclusão de que a inteligência não é um dom, não é algo herdado. Inicialmente, parte-se de um pensamento prático que, gradativamente, atinge o pensamento pré-operatório, o operatório concreto e o operatório formal. Nos dois primeiros, tem-se o pensamentomarcado pela irreversibilidade; e nos dois últimos, pela reversibilidade. 1.2.2 Conhecimento Segundo Becker (1994), na perspectiva piagetiana, conhecer implica transformar o objeto e, ao mesmo tempo, transformar a si mesmo. O ato de conhecer acarreta a ação do sujeito que conhece. Daí a expressão conhecimento como construção do sujeito. Lajonquière (1997) sugere que o sujeito, na verdade, re- constrói o conhecimento. Primeiro, porque ele constrói sobre uma construção anterior realizada por outros e, segundo, porque os objetos existem dentro de uma realidade intelectualizada, pensada, que se apresenta para o sujeito no contexto das interações sociais. Daí se conclui que [...] aquilo a ser re-construído não é conhecimento enquanto cópia pré-constituída nem a própria coisa, enquanto realidade heterogênea à inteligência, mas um conjunto de interações responsáveis pela existência intelectual dos objetos de conhecimento. (lajonquière 1997, p. 6) Psicologia II 21 A construção do conhecimento depende das possibilidades genéticas do sujeito, bem como da interação desse com o objeto do conhecimento, tal qual ele é concebido pelo meio ambiente físico e social. O conhecimento possui três fontes diferenciadas, porém co- operantes. São elas: fonte exterior, interior e social. Por fonte exterior entende-se o conhecimento do mundo físico. Nesse caso, a elaboração do sujeito irá depender da articulação entre maturação neuromuscular e a experimentação do material - ação da criança sobre os objetos. A fonte interna do conhecimento se refere ao estabelecimento de relações entre os objetos e a elaboração mais complexa das estruturas mentais, o conhecimento lógico-matemático. Sobre esse tipo de fonte do conhecimento, vale ressaltar que este não se encontra no objeto, mas é construído pelo sujeito através da reflexão sobre a experimentação - abstração reflexiva ou refletidora. O conhecimento social em que como uma terceira forma de conhecimento e se caracteriza pelos valores, normas, leis e tradições culturais progressivamente incorporados pelo sujeito por meio da interação social. De forma geral, as três fontes de conhecimento operam no ato racional. No entanto, a elaboração do conhecimento das fontes exterior e social prescindem do referencial lógico-matemático que atua tendente a operar a construção do conhecimento. 1.2.3 Determinantes do desenvolvimento Ao longo da exposição sobre os conceitos, o leitor poderá ter identificado alguns determinantes do desenvolvimento. De forma mais sistematizada, pode-se dizer que existem fatores de ordem interna e externa ao sujeito que interferem diretamente no processo de construção da inteligência. São eles: a hereditariedade, sobretudo o processo de maturação • neurológica; o ambiente físico;• a influência social e• a equilibração.• Psicologia II 22 1.2.4 Hereditariedade15 Estruturas biológicas sensoriais e neurológicas herdadas que sustentam o surgimento de certas estruturas mentais. Rappaport (1981) explicita que o sujeito herda um organismo que amadurece quando em contato com o meio físico e social. Da interação do organismo com o meio ambiente resultam estruturas cognitivas que irão funcionar, de modo semelhante, durante toda a vida do sujeito. 1.2.5 Esquema Goulart (2000) caracteriza esquema como padrão de comportamento ou ação que se desenvolve com certa organização, consistente num modo de abordar a realidade e conhecê-la. Rappaport (1981), de outra parte, descreve-o como uma unidade estrutural básica de pensamento ou de ação que corresponde à estrutura biológica que muda e se adapta. O esquema é uma estrutura mental, um padrão de ação ou pensamento estabelecido como traço mnemônico que o indivíduo mediante a prática de movimentos provocados pelos mecanismos reflexos. Em seguida, esses padrões são aplicados em situações similares àquela em que foram adquiridos. De forma geral, pode-se dizer que todo esquema nasce da ação reflexa e que, a partir de sucessivas repetições, se submete ao processo de adaptação, tornando-se padrão de comportamento. Esse, de seu lado, possibilitará novas formas de exploração da realidade, alimentando outras adaptações. Uma vez constituído, um esquema pode ser generalizado: de sua origem reflexa - esquema reflexo passa a ser utilizado voluntariamente como conteúdo psíquico aparente, tornando-se um esquema propriamente dito. Como unidade estrutural da mente, o esquema se caracteriza como elemento dinâmico e variado em seu conteúdo. São móveis que, ao se adaptarem, enriquecem o repertório comportamental do sujeito. Os esquemas podem ser simples, a exemplo do reflexo de 15 No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, hereditariedade se refere a um conjunto de processos biológicos que resultam na transmissão de caracteres de uma geração às outras por meio de genes. Psicologia II 23 sucção, e complexos, como as operações lógicas voltadas para a resolução de problemas. Os esquemas simples vão se organizando e integrando a outros, de modo a formarem esquemas complexos. Nessa esteira, pode-se dizer que o esquema serve como chave de ligação na expansão do desenvolvimento cognitivo, à medida que a integração de vários esquemas dá suporte para a emergência de estruturas psicológicas. 1.2.6 Estrutura As estruturas psicológicas, elementos constitutivos das funções mentais, processam as respostas a determinados estímulos segundo suas peculiaridades que são identificadas como qualitativamente diferentes de pessoa para pessoa e nos mais variados momentos do desenvolvimento intelectual. Goulart (2000, p.19) salienta: [...] “em cada momento do desenvolvimento intelectual, uma estrutura é responsável por uma forma particular de se abordar o meio e emitir uma resposta. Essa estrutura está pronta e determina a qualidade da resposta”. A autora acrescenta que, em cada idade, há um modo típico de se relacionar com o meio, derivado de uma estrutura característica determinante de uma forma particular de raciocínio. Uma estrutura é um sistema de transformação que comporta leis enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conversa ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores. Em resumo, uma estrutura compreende os caracteres de totalidade, de transformação e de auto-regulação. (piaGet, 1970, apud Goulart, 2000, p.18) As estruturas não são formas vazias ou abstratas. Elas se realizam em conteúdo diverso de informações e, por isso, podem ser chamadas de estruturas de conhecimento e de linguagem. Até seis anos de idade, a criança constrói estruturas genéricas relacionadas com o conhecimento especializado, tais como a operação mental classificatória que mais tarde se torna numa estrutura de base para a compreensão da Matemática, do Português e das Ciências, por exemplo. Amorim (1987), oportunamente, indica que a criança brinca de descobrir relações que estruturam o modo de pensar e agir pela Psicologia II 24 linguagem e pela lógica, no tempo e no espaço, em um campo social, no contexto de relações socioafetivas. Assim, a autora propõe que, no trabalho com a criança pequena, se priorizem as estruturas de pensamento e ação relacionadas com a linguagem, com a lógica, o espaço e o tempo, com a psicomotricidade e com o socioafetivo. 1.2.7 Processo de adaptação ou equilibração majorante Processo que se torna necessário toda vez que o ambiente físico e social coloca o sujeito diante das questões para as quais ele não tem resposta, rompendo com seu estado de equilíbrio. O sujeito, perante uma situação–problema, busca comportamentos mais adaptativos e, nesse processo, constrói conhecimento. Na perspectiva piagetiana, o processo de adaptação à realidade externa depende da construção do conhecimento que se processa a partir da equilibração majorante, o que proporciona uma adaptação cadavez mais completa e eficiente. A compreensão do conceito de equilibração majorante passa pelo entendimento de que a noção de equilíbrio, na teoria piagetiana, está associada ao equilíbrio progressivo ou majorante que não atinge jamais seu estado final de equilíbrio, dando a entender que a noção de desenvolvimento é vista como infinita em sua construção de novas estruturas. O equilíbrio é apresentado como tendência inerente ao organismo que luta para estabelecer um equilíbrio de forças constantemente móvel e estável dentro do organismo e da psique. Além disso, é preciso lembrar que a noção de equilibração está estreitamente atada à noção de reversibilidade16 que rege os processos mentais e intelectuais superiores. Mais especificamente, o processo de equilibração, responsável pela capacidade adaptativa do sujeito é motivado por situações novas que, ao mobilizarem uma resolução, se utilizam de estruturas mentais já construídas ou, se necessário, modificam-nas. Para tanto, é preciso a ação de dois processos complementares: assimilação e acomodação. Ambos os processos são presentes ao longo de toda a vida do sujeito. 16 Uma criança que apresenta fortes características egocêntricas não consegue, por exemplo relativizar, isto é , conduzir uma operação mental de trás para frente e de frente para trás, como por exemplo: se 4= 2+2; então, 2+2=4. Quando isso acontece diz-se que a criança apresenta uma irreversibilidade no pensamento. Contrário disso, diz-se que o pensamento é reversível. Psicologia II 25 Assimilação e acomodação não são duas funções separadas e sim dois pólos funcionais, dispostos em oposição um ao outro, em forma de adaptação. Assim, somente por abstração é que se pode falar puramente de assimilação... Mas devemos lembrar sempre que não pode haver assimilação de nada no organismo ou seu funcionamento sem uma acomodação correspondente. (piaGet, 1971, apud: Vasconcellos, 1998, p. 51). Assimilação e acomodação são mecanismos psíquicos instrumentais na modificação e desenvolvimento da psique. Mais são veículos de aprendizagem e servem para o sujeito dominar o ambiente que o cerca, constituem instrumentais na mobilização de recursos, tais como esquemas, adquiridos em outro momento, que moldam novos padrões onde e quando necessários. Rappaport (1981) ressalta que o processo de equilibração se dá sucessivamente em direção à aquisição do pensamento operacional formal. Até atingir esse tipo de organização mental, o sujeito sofrerá modificações a ponto de atingir o padrão intelectual que persistirá durante a idade adulta, quando não mais haverá aquisição de novos modos de funcionamento mental, somente ampliação de conhecimentos, tanto em extensão quanto em profundidade. O fato de o adulto ter atingido as operações mentais formais não significa que ele não experimentará desequilíbrios cognitivos, mas apenas que, diante de um desequilíbrio, o adulto recorrerá ao mesmo tipo de estrutura e ao mesmo tipo de funcionamento destas. O mesmo não ocorre com as crianças, que poderão recorrer à organização cognitiva já existente e desenvolver novos processos de funcionamento mental. Assimilação e Acomodação• Assimilação se caracteriza por ser um dos processos constitutivos da capacidade adaptativa, definido pela incorporação de novo objeto ou idéia aos esquemas e estruturas já construídos. Assimilação se dá quando a tentativa de resolução de uma situação é realizada com base em estrutura mental já formada. Neste caso, a nova situação ou o novo elemento é incorporado e assimilado a um sistema já pronto. (rappaport,1981, p.57) Acomodação ocorre quando os esquemas e estruturas construídos não são suficientes para resolver o problema em apreço Psicologia II 26 porque a situação externa se apresenta de forma inédita, fato que desencadeia uma transformação, ou porque a criança, devido à maturação neurológica, supera a utilidade do esquema que não lhe serve mais, recorrendo às estruturas mais complexas. A acomodação se diferencia da assimilação porque, neste processo, se torna necessário um ajustamento das estruturas antigas. Este tipo de ação cognitiva opera-se em função da ineficiência da assimilação na resolução de algumas situações problema. 1.2.8 Centração e Descentração A centração se caracteriza pela fixação da atenção em um só aspecto da realidade, objeto ou situação. Suas transformações não são levadas em conta, privilegiando-se seus aspectos finais. Já a descentração, permite coordenar internamente as relações que surgem de pontos de vista diferentes, isto porque os conceitos conservam seus sentidos e suas definições. 1.2.9 Irreversabilidade e Reversibilidade Duas características do pensamento, que revelam a incapacidade ou a capacidade das ações e operações mentais, examinarem determinado problema por dois ou mais pontos de vista. A irreversibilidade do pensamento anuncia uma dinâmica psicológica egocêntrica17 que marca as associações mentais, tornando-as inadequadas do ponto de vista da lógica formal. Caracteriza-se pela incapacidade de retroceder uma operação a seu ponto inicial. O pensamento se tornar reversível com a emergência da capacidade de inverter uma operação na mente ou na ação. O equilíbrio que a criança atinge com o pensamento reversível é altamente flexível e móvel. A criança pode distribuir suas forças, dirigi- las, regular para determinado propósito, sendo capaz de calcular sua ação, coordenar meios e fins. Sua ação se torna racional, em vez de impulsiva, e a criança passa a considerar simultaneamente uma ação e sua inversa ou sua equivalente, ou mesmo uma ação realizada e uma não realizada, mas possível. 17 No egocentrismo, a criança entende o mundo a partir do seu ponto de vista, somente. O egocentrismo manifesta-se no desenvolvimento cognitivo da linguagem e na socialização, e entra em declínio após o período pré-operatório. Psicologia II 27 1.2.10 Eestágios do desenvolvimento Segundo a teoria piagetiana, na criança existe uma ordem rigorosa e invariável na aquisição de novas capacidades. A essa ordem se dá o nome de estágios do desenvolvimento. Eles se expressam por: características dominantes que são interdependentes e a. formam uma totalidade, um todo estrutural; rupturas no desenvolvimento da psique. Há uma aquisição b. súbita em seu início cujo ganho é consolidado e integrado à aquisições anteriores. Mais tarde, prepara-se nova aquisição. Conseqüentemente, a passagem de um estágio inferior para um superior é uma integração. Daí a noção de que o crescimento psíquico é tanto contínuo como descontínuo; aquisição de faculdades, habilidades e mecanismos c. psíquicos, característicos de determinado estágio, variando consideravelmente de população para população e, dentro da população, de indivíduo para indivíduo. Essa variação é determinada, tanto por um conjunto de fatores externos e intrínsecos quanto pela experiência de vida anterior do indivíduo. Tais circunstâncias podem adiantar, retardar, ou impedir as aquisições; ordem serial das aquisições constante e universal.d. Para Rappaport (1981, p.63): [...] o desenvolvimento consiste em uma passagem constante de um estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio - para um equilíbrio superior no sentido de que a criança terá desenvolvido uma maneira mais eficiente (poderíamos até dizer, mais inteligente) de lidar com seu ambiente. Os estágios do desenvolvimento cognitivo18 anunciados por Piaget são assim caracterizados: 18 Quadro elaborado pela autora, a partir das informações encontradas em RAPPAPORT, C.R. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. vol 1., SP: EPU, 1981. Psicologia II 28 Sensório-motor até 2 anos Pré-operatório de 2 a 7 anos Operações concretas de 7 a 12 anos Operações formais de 12 anos em diante Indiferenciação entre o eu e o mundo externo. Indissociação primitiva entre mundo interno e mundo externo. A consciência começa por um egocentrismoinconsciente e integral (egocentrismo radical). Organização de esquemas sensoriais- motores a partir dos reflexos hereditários - Inteligência prática. Organização inicial dos estímulos ambientais. Organização psicológica básica dos aspectos perceptivo, motor, intelectual, afetivo e social. Exploração do próprio corpo e desenvolvimento da base do autoconceito alicerçado no esquema corporal (idéia que a criança forma acerca de seu próprio corpo). Organização da realidade pela conquista da permanência substancial dos quadros sensoriais (noção de permanência dos objetos - 9 meses). Primeiras noções de objeto, tempo, espaço e causalidade. Estruturação de uma inteligência prática, explícita ou sensório- motora. Inteligência prática estruturada decorrente dos esquemas sensoriais-motores e manifestação de egocentrismo no pensamento, linguagem e socialização. Ausência de esquemas conceituais e de lógica – o pensamento caracteriza-se por uma tendência lúdica que mistura realidade com fantasia, levando a uma percepção distorcida da realidade. Surgimento da linguagem e dos esquemas simbólicos juntamente com a capacidade de representação. Confusão entre objetos e pessoas - atribuição de pensamentos e sentimentos aos objetos (animismo) e atribuição de causas humanas aos fenômenos naturais (artificialismo). Desenvolvimento de pré- conceitos – noções a respeito de objetos. Julgamento dependente de percepção imediata e sujeito a vários erros. Interesse por crianças da mesma idade em situações de brincadeira paralela - fazer coisas juntos, porém sem uma interação efetiva. Dificuldade de considerar o outro como pessoa diferenciada - extensão de si mesmo para os demais. Da linguagem egocêntrica à socializada – treino dos esquemas verbais recém- adquiridos obedecendo à tendência à maior socialização. Passagem gradual do pensamento explícito ou motor para o pensamento interiorizado. Período de grandes aquisições intelectuais. Declínio do egocentrismo intelectual e crescente incremento do pensamento lógico. Formação de esquemas conceituais. Realidade estruturada pela razão e não mais pela assimilação egocêntrica. Conhecimento do real correto e adequado. As ações físicas são internalizadas e passam a ocorrer mentalmente. O problema é resolvido mentalmente sem a necessidade de experimentação empírica. Atitude crítica, a criança não aceita contradição no seu pensamento ou entre o pensamento e a ação. Necessidade de explicar logicamente suas idéias e ações. Ações físicas internalizadas ocorrendo mentalmente. Operações mentais reversíveis e aquisição da noção de conservação e invariância. Julgamento se torna conceitual. Esquemas conceituais regulados por leis responsáveis pela coerência do pensamento. Linguagem socializada. Interação social descentralizada de si e aceitação das regras. Compreensão lógica e adequada da realidade com a percepção diferenciada de si. Formação de esquemas conceituais abstratos e realização de operações mentais que seguem os princípios da lógica formal. Capacidade para criticar o sistema social e proposição de novos códigos de conduta. Sucessão de hipóteses e testes delas na busca de generalização a aplicabilidade de leis gerais. Consciência do próprio pensamento, oferecendo justificações lógicas para seus julgamentos. Busca de identidade e autonomia pessoal. Possibilidade de compreender doutrinas filosóficas e teorias científicas. Forma final de equilíbrio. Quadro 2: Estágios do desenvolvimento cognitivo Psicologia II 29 Analisando a caracterização dos estágios, pode-se pensar em um esquema figurativo19 sobre a orientação do desenvolvimento e aprendizagem assim sistematizado: Ilustração 2: Esquema figurativo referente ao processo de diluição do egocentrismo 1.3 Egocentrismo radical dos bebês: pontuações teóricas úteis ao trabalho no berçário A análise dos processos de desenvolvimento e aprendizagem em bebês e crianças até dois anos de idade se baseia, sobretudo, nos escritos piagetianos sobre o período sensório-motor, destinado à construção do real na criança. Piaget (2002) pontua que o mundo, para o recém-nascido, se organiza de forma caótica, cujos objetos desaparecem continuamente quando fora do campo perceptual da criança. O mundo é percebido de forma fragmentada,20 onipotente e egocêntrica, isto porque a existência de determinados objetos prescinde que este seja percebido pela criança. Caso contrário, o objeto não existe, diz-se que não há permanência do objeto ou o objeto não é permanente e constante. Nesse particular, é importante ressaltar que a criança não concebe a permanência de qualquer objeto, e isso inclui a permanência da mãe e das pessoas significativas para ela. Esse aspecto da organização mental explica porque a criança chora copiosamente, quando sua mãe ou a berçarista, com quem é mais apegada, sai do seu campo visual, e porque se acalma ao ouvir 19 Esquema figurativo elaborado pela autora. 20 Em quadros, como slides, sem conexão entre si. Egocentrismo radical Egocentrismo do pensamento, da linguagem e da socialização Diluição do egocentrismo e emergência da lógica formal Indiferenciação e desorganização do pensamento Compreensão lógica e adequada da realidade Cooperação e solidariedade Psicologia II 30 suas vozes, ou sentir seu cheiro. O choro, nesse caso, revela forte sensação de estar só, sem seu objeto de amor. Portanto, deve ser levado a sério e nunca ignorado, deve ser compreendido não como um problema, mas como manifestação da emergência da inteligência da criança, forma de comunicação que deve ser retribuída, para que se estruturem ou reestruturem os esquemas mentais. Ao responder ao choro da criança, o adulto estará proporcionando a ela uma experiência relacionada, entre outras, com a noção de causalidade. O estabelecimento da noção de causalidade regula-se a partir de em uma relação de causa e efeito. Nesse caso, o choro é a causa, e a resposta do adulto é o efeito que não precisa ser necessariamente a oferta de colo, mas deve ser algum tipo de resposta tal como um simples: - Estou aqui bem pertinho de você! Logicamente, o tipo de resposta do adulto dependerá do conteúdo emocional do choro do bebê e não deve ser, nunca, o silêncio e a indiferença ao choro da criança. Nessa dinâmica, inicia- se o desenvolvimento da competência social infantil que variará para outros comportamentos como gestos, quando o bebê arrebita o corpo para ser pego no colo ou quando estende os braços para um adulto, com a clara intenção de ser carregado por ele. Como proposição desta reflexão, pode-se identificar que um dos pontos centrais da construção do real na criança é a noção de objeto permanente ou conservação do objeto, que se dá quando a criança concebe que o objeto continua existindo mesmo sem ser percebido por ela. Isso implica a emergência da estruturação da noção de tempo, espaço e causalidade. Lajonquière (1997) alerta para a necessidade de compreensão do conceito de objeto como um fragmento da cultura a ser reconstruído pela criança em sua interação com o objeto. Portanto, objeto não é um ente físico, algo externo ao sujeito que passivamente o incorpora, isso porque a criança não assimila algo puro, mas, sim, situações nas quais os objetos cumprem determinadas funções definidas pela cultura. Daí, ao se falar de objeto, infere-se o mesmo no contexto de uma realidade intelectual, isto é, o objeto é situado ou intelectualizado por outras inteligências. A clássica brincadeira de colocar uma fralda na cabeça, escondendo-se da criança, para logo em seguida aparecer, pode ser tomada como exemplo de uma boa experiência que auxilia a estruturação de esquemas mentais relacionados com a construção Psicologia II 31 da permanência do objeto, da noção de tempo, do espaço e da causalidade na criança. A análise detalhada desta brincadeirademonstra a existência de uma articulação entre estar dentro ou fora da área coberta pela fralda em determinado período de tempo e, ainda, ao puxar a fralda, o objeto reaparece, estabelecendo, assim, uma relação de causa e efeito - a causalidade. Piaget (2002) relata, minuciosamente, suas observações de crianças no período sensório-motor na busca de brinquedos escondidos com deslocamento visível e invisível. Quando a criança reconhece a interdependência da existência do objeto nas dimensões de tempo, espaço, e causa e efeito, começa a atribuir causa de transformações dos objetos independentemente de sua ação. A partir deste ponto, ela descobre o universo e se situa na realidade de maneira cada vez menos egocêntrica. Segundo Piaget (2002), os primeiros objetos permanentes são pessoas, porque são objetos muito presentes, ativos e afetivamente significativos na vida da criança, especialmente a figura materna21. Os objetos-pessoas passam a ser vistos pela criança como fontes autônomas de ação. A construção do objeto permanente inclui, ainda, a conquista da consciência da própria perceptibilidade que possibilita à criança se reconhecer como objeto da percepção do outro. A criança compreende que o outro é um ser que a percebe e que, em interação social, é vista e ouvida por ele. Esse processo de tomada de consciência foi assim resumido por Piaget (2002, p. 20-21): É quando o sujeito está mais centrado sobre si mesmo que ele se conhece menos, e é à medida que se outros termos, o egocentrismo significa ao mesmo tempo ausência de consciência de si e ausência de objetividade, ao passo que a construção do objeto enquanto tal caminha junto à tomada de consciência de si. Piaget (2002) identificou seis etapas do período sensório-motor assim caracterizadas: _____________ 21 Essa constatação colabora para a afirmação de que a cognição e a afetividade caminham juntas: a segunda impulsiona a primeira, e a primeira explica como a segunda se torna possível.(la taille, 2002, in piaGet, 2002). Psicologia II 32 Etapas Conceito de objeto22 1ª Etapa dos reflexos (até 1 mês). Apresenta resposta automática quando estimulado. 2ª Etapa dos primeiros hábitos ou primeiras adaptações adquiridas e a reação circular primária (1 a 4 meses). Inexistência da noção de objeto permanente, presença de coordenações entre vários esquemas (preensão/visão, preensão/ audição) – início da aquisição da noção de um único mundo externo. O bebê olha para o que ouve – primeiro passo na constituição do objeto permanente. 3ª Etapa das reações circulares secundárias e os processos destinados a fazer durar os espetáculos interessantes (4 a 8 meses). Diante do desaparecimento do objeto, o bebê apresenta um comportamento restrito de busca, limitando-se a acompanhar a trajetória do objeto. Não ocorre a busca ativa do objeto que não esteja dentro de seu campo perceptivo. 4ª Etapa da aplicação dos meios conhecidos às novas situações ou coordenação dos esquemas secundários e sua aplicação às novas situações (8 a 12 meses). A criança apresenta comportamento de busca ativa dos objetos que são retirados de seu campo perceptivo. A busca não se limita à trajetória percorrida pelo objeto antes de sumir. A criança age como se pensasse da seguinte forma: o objeto continua a existir, mesmo que não esteja acessível aos meus sentidos, e poderá ser encontrado no local onde desapareceu pela primeira vez. Com isso, a criança revela sua limitação que corresponde à impossibilidade de prever deslocamentos sucessivos do objeto. 5ª Etapa da procura ativa do objeto desaparecido, porém sem considerar a sucessão dos deslocamentos visíveis ou a reação circular terciária e a descoberta de novos meios por experimentação ativa (12 a 18 meses). A criança já leva em conta os deslocamentos sucessivos dos objetos. Isso quer dizer que a criança percebe que os deslocamentos se dão em uma continuidade de tempo e de espaço, superando a percepção fragmentada das etapas anteriores. A criança, nesta etapa, não é capaz de fazer inferências e não prevê a possibilidade de movimentos invisíveis do objeto.23 6ª Etapa da consideração dos deslocamentos sucessivos e invisíveis do objeto ou a invenção de novos meios por combinação mental (18 a 24 meses). O objeto desaparecido continua a existir para a criança independentemente de sua percepção. O comportamento de busca é adequado e a criança consegue considerar os deslocamentos invisíveis. Este fato revela a capacidade de a criança representar mentalmente os eventos, isto é, ela imagina o deslocamento e o leva em conta quando sai à procura do objeto. _______________ 22 Síntese elaborada pela autora, a partir de Rappaport (1981). 23 Conforme proposição de atividade, utilize a brincadeira curro-curro (esconder um objeto na mão e pedir para que o outro advinhe onde o objeto se encontra, se na mão de cima ou na mão de abaixo, dizendo assim: - Curro-curro, quer debaixo ou quer de cima, sapatinho de judeu?) para observar a capacidade de a criança buscar o objeto escondido. Psicologia II 33 Na primeira e na segunda etapa, a realidade se apresenta à criança como quadros suscetíveis de reconhecimento, porém sem permanência ou organização espacial. Não se observa nenhuma conduta especial relativa aos objetos desaparecidos. Na terceira etapa, observa-se o início de permanência do objeto que se confere às coisas em prolongamento dos movimentos de acomodação - as reações circulares secundárias24. Nenhuma procura sistemática para reencontrar os objetos ausentes é observada. Em etapa posterior, surge a aplicação de meios conhecidos às novas situações com a apresentação de comportamento de busca de objetos desaparecidos. No entanto, a criança não consegue, ainda, considerar seus deslocamentos. A quinta etapa se caracteriza pela busca ativa do objeto desaparecido, sem considerar a sucessão de deslocamentos visíveis. Já na sexta etapa, a criança leva em conta os deslocamentos sucessivos e invisíveis do objeto, isso porque há representação dos objetos ausentes e de seus deslocamentos. Aos poucos, a criança estabelece uma organização mínima para o jogo de esconde-esconde, obviamente sem se submeter às regras complexas, porque esta capacidade é típica de crianças mais velhas. Observe como é extremamente excitante e prazeroso para a criança descobrir o objeto-pessoa que se esconde embaixo de uma fralda, depois do travesseiro, atrás da porta e assim por diante, chegando ao ponto de a criança procurar em vários lugares, até descobrir o que procura. O desenvolvimento do período sensóriomotor orienta-se em direção ao pensamento representativo e, neste âmbito, decorrem os estudos sobre a imitação e o jogo simbólico. ______________ 24 Reações circulares – estrutura-se quando resultados obtidos por acaso são conservados por repetição. Rappaport (1981), baseando-se em Piaget (1975), caracteriza as reações circulares como exercício funcional adquirido que prolonga o exercício reflexo e alimenta e fortifica um conjunto sensório-motor com novos resultados. As reações circulares possibilitam a incorporação cada vez maior dos dados do ambiente, atuando, em nível crescente de complexidade, no processo de adaptação da criança com o meio. Diz-se reação circular primária, porque o conteúdo dos comportamentos está relacionado com o próprio corpo do bebê e estritamente relacionado com os mecanismos hereditários. A reação circular secundária ocorre, quando a ação da criança está voltada para o meio, com o objetivo de repetir resultados interessantes; terciária, quando a criança apresenta a conduta de suporte, isto é, utiliza um objetivo como suporte para conseguir atingir outro. Psicologia II 34 [...] o que marca a passagem do estágio sensório-motor para o seguinte (pré-operatório) é a emergência da função simbólica ou semiótica, ou seja, a capacidade de trabalhar com representações. (la taille, 1996, p.8) Sobre a capacidade deimitar, a obra piagetiana, esclarece que esta tem sua gênese no começo da vida. Nos quatro primeiros meses, ela é primitiva, desencadeada em uma espécie de contágio25. Aos cinco meses, a imitação passa a ser controlada pela intenção e se torna comportamento sistemático ainda com sérias limitações, uma vez que o bebê imita apenas o que já sabe fazer. Nesta etapa, ele não copia modelos novos e não consegue imitar gestos que correspondem a partes invisíveis de seu corpo. No início do segundo ano de vida, muitas limitações da capacidade imitativa são superadas e, aos 18 meses, a criança já consegue imitar modelos ausentes; tem-se a emergência da imitação diferida. A imitação diferida revela a entrada da criança no mundo simbólico, dado que se sustenta na formação de imagens mentais, preparando a capacidade de representação. Por sua vez, o jogo simbólico ou faz-de-conta se desenvolve paralelamente ao desenvolvimento da capacidade imitativa e aflora juntamente com a imitação diferida, aos 18 meses. Nesta mesma idade, La Taille (2002) chama a atenção para a capacidade de a criança se reconhecer no espelho, indicando a emergência da consciência de si como objeto perceptível no mundo. A convergência desses indicadores do desenvolvimento assinala a constituição do objeto permanente situado no tempo e no espaço, e na relação de causa e efeito. Assim, pode-se compreender que os primeiros pré-conceitos – esquemas verbais – nascem dos esquemas sensóriomotores e representam a gênese da capacidade de a criança situar-se no universo. Com a diminuição do egocentrismo, a criança é capaz de organizar o real, de forma a descobrir-se e situar-se como uma coisa entre as coisas, um acontecimento entre os acontecimentos. (piaGet, 2002) _____________ 25 Em berçários, é muito comum ocorrer o choro por contágio, o que leva várias crianças a chorar ao mesmo tempo. Psicologia II 35 1.4 Um olhar mais de perto para a criança pré-operatória A construção do real na criança pré-operatória ganha outros contornos derivados daqueles explicitados no período sensório-motor. A busca da criança continua sendo pela adaptação e equilibração, condições constantemente ameaçadas pelos desafios próprios do contato da criança com o meio e pelo desenrolar da maturação neurológica. O repertório comportamental e a organização da vida mental da criança pré-operatória se baseiam inicialmente nos esquemas sensoriomotores e nas estruturas cognitivas em formação, que sustentam a emergência da função simbólica26. A função simbólica reforça a interiorização das ações. Tal fato possibilita a reconstrução de situações passadas através da imagem mental. Dessa forma, pode-se dizer que, o pensamento representativo, que emerge, no período pré-operacional, possui um aspecto figurativo e outro operativo. O aspecto figurativo se sustenta pela percepção e pela imagem mental, e o aspecto operativo se refere à ação cognitiva. Assim, a criança, gradativamente, torna-se pré-operatória, apresentando forte tendência lúdica e uma despreocupação com a possibilidade de comprovação empírica de seus julgamentos sobre a natureza, sobre as relações de causalidade entre outros. A criança pré-operatória também está despreocupada com a aceitação social de suas explicações, quase sempre mágicas. Essa dinâmica do pensamento infantil se caracteriza como egocêntrica. No pensamento egocêntrico, predomina uma visão de mundo construída a partir do referencial do próprio eu, mesmo que ainda inconsciente de si mesmo. A criança pré-operatória vive seu pensamento, mas não pensa sobre seu pensamento, daí sua _____________ 26 Função simbólica - consiste na representação de alguma coisa (objeto, acontecimento, esquema conceitual, e - significado) por meio de um significante diferenciado exclusivo da representação em questão. A função simbólica se expressa na linguagem, na imagem mental, nos gestos simbólicos, entre outros. A função simbólica pode ser corretamente substituída por função semiótica para se referir aos funcionamentos fundados no conjunto dos significantes (símbolos, sinais) diferenciados. “O que caracteriza a função simbólica é uma diferenciação entre o significante e o significado. Os símbolos e sinais (significantes) quando diferenciados de suas significações (significados) vão permitir evocar objetos e situações, o que constitui o começo da representação”. (piaGet& inhelder, 1988: p. 47-48) Para esses autores, a função semiótica aparece simultaneamente com cinco outras condutas apresentadas na ordem de complexidade crescente: 1° imitação diferida, 2° jogo simbólico, 3°desenho ou imagem gráfica, 4° imagem mental, 5° evocação verbal de acontecimentos não atuais. Psicologia II 36 despreocupação com sua veracidade. Em sua concepção, a criança experimenta um tipo de isolamento de idéias, porque se fundamenta na mágica, na fantasia e na imaginação. No pensamento egocêntrico, as idéias não são socializadas, não são confrontadas com as idéias de outras pessoas. O egocentrismo do pensamento faz com que a criança apresente uma tendência a pensar que cada um de seus pensamentos é comum a todas as pessoas. Além disso, o egocentrismo se caracteriza pela falta de recursos cognitivos da criança para considerar, diferenciando e integrando os estados das coisas, bem como suas transformações. [...] São egocêntricas, porque ignoram a natureza do seu próprio pensamento (e também do pensamento dos outros), ou simplesmente porque falam e pensam para si mesmas, estendendo o seu próprio conteúdo a todos os outros seres vivos, humanos ou não, bem como a objetos inanimados. (rappaport, 1981, p. 43) O egocentrismo intelectual pode se manifestar de várias formas, assim previstas: Quadro 4: Tipos de manifestações do egocentrismo intelectual Tipos de manifestações do egocentrismo intelectual27 1. Equilíbrio A criança apresenta certo equilíbrio com relação às suas ações e um equilíbrio instável do pensamento. Há um predomínio da assimilação sobre a acomodação. 2. Justaposição, transdução e sincretismo O pensamento não consegue organizar seus elementos em sistemas coerentes. As informações são justapostas, colocadas lado a lado28 por semelhanças ou diferenças. A transdução se caracteriza por uma agregação, uma junção dos elementos que podem ou não manter relações lógicas entre _______________ 27 O egocentrismo intelectual diminui, quando a criança consegue expor seu ponto de vista como um apenas, no conjunto de todos os pontos de vista possíveis. Ou quando consegue tomar conhecimento de si própria como sujeito e desligar o sujeito do objeto, de maneira a não mais atribuir aos últimos, as características do primeiro. Ou, ainda, quando deixa de considerar seu próprio ponto de vista como único possível e consegue coordená-lo com o conjunto dos outros.(rappaport, 1981, p. 47-48) 28 Se pedir à criança que organize vários objetos, por exemplo carrinhos e aviõezinhos, ela não irá separá-los em duas categorias, mas, sim, organizá-los em uma fila interminável que pode atravessar uma pequena saleta. Não há noção de classes ou categorias, porque ainda não se constituiu a relação de inclusão. A criança trabalha com pré-conceitos. Psicologia II 37 a ligação é feita de maneira arbitrária. A criança estabelece conexões sincréticas entre atos ou fatos que não estão logicamente conectados, fazendo com isso generalizações indevidas29. Ela liga tudo com tudo a partir de uma percepção global que não discrimina detalhes e não faz análise detalhada. 3. Irreversibilidade A criança não adquiriu a noção de invariância (que os objetos têm identidade própria, mesmo que mudem sua aparência)- isto, somado à ausência do pensamento conceitual, provoca distorções e deformações de julgamentos e impede que a criança apresente um pensamento reversível.30 No período pré-operatório, o pensamento se apresenta como semi-reversível. 4. Centralização Pensamento centralizado é o mesmo depensamento rígido e inflexível em função da impossibilidade de a criança levar em conta várias relações ao mesmo tempo.31 5. Realismo intelectual Confusão de palavras com coisas, pensamentos com objetos do pensamento. A criança toma como verdade uma percepção momentânea.32 6. Animismo e artificialismo Animismo- a criança atribui alma humana a objetos inanimados.33 artificialismo- atribui causas humanas aos fenômenos naturais.34 A socialização da criança egocêntrica, embora restrita, inclui os familiares e alguns adultos e crianças. O relacionamento estabelecido _______________ 29 Essa característica explica por que uma criança pode querer tomar banho e vestir uma determinada roupa, porque associa esse ritual com a chegada do pai, independentemente de ter percebido a dimensão temporal desse episódio. 30 Provavelmente, por essa característica seja difícil para a criança admitir que uma história possa ter mais de um jeito de ser contada, fazendo com que ela apresente uma certa intolerância a qualquer modificação do enredo, como se esta fosse descaracterizar a história em questão, transformando-a em outra história. 31 A criança apresenta dificuldades de responder perguntas que a coloque sob o crivo do outro, como, perguntar à criança se o irmão dela tem irmão, no caso, ela mesma. (rappaport, 1981) 32 É comum a criança desenhar uma casa com vista externa e frontal, com detalhes de luz e mobiliários e até escadarias, como se a parede frontal da casa fosse transparente e permitisse ao observador ter visão de raios-X, como o Super- Homem. Este fenômeno indica que a criança “desenha conforme entende a situação e não conforme vê”.(rappaport, 1981: p. 47) 33 Uma criança, ao ganhar um coelhinho de chocolate na Páscoa, apronta-se para serrar seus bracinhos. Um adulto ingênuo ou maldoso, a seu lado, exclama com voz de bichinho mimoso: - Aí, meu bracinho está doendo! A criança imediatamente recua e põe-se a chorar com remorso- 34 Para a criança, são os homens, e de preferência seus pais, que fizeram os rios, as montanhas, etc... Psicologia II 38 é autocentralizado, isso porque ainda permanece uma certa indiferenciação entre eu-outro. O contato estabelecido entre crianças, por exemplo, prioriza um estar junto e não um fazer coisas juntas de modo complementar. A esse padrão de relacionamento em situações lúdicas, diz-se jogo paralelo. O jogo paralelo não é uma brincadeira cooperativa, sendo comum a emergência de situações de confronto, disputa e conflitos. Não há troca nem ajuda mútua. Com a diminuição do egocentrismo ao longo do período pré-operacional, a cooperação aparecerá e o jogo evoluirá para s brincadeiras simbólicas, de imitação ou faz-de-conta. Tanto no jogo paralelo quanto no simbólico, observa-se uma projeção dos esquemas simbólicos e dos esquemas de imitação nos objetos novos e, ainda, em um estágio mais elaborado. É possível identificar que a criança realiza combinações simples de várias representações para compor cenas, bem como combinações compensatórias que substituam situações proibidas a ela e combinações liquidantes com o objetivo de lidar melhor com suas emoções, superando seus medos, por exemplo. Até os sete anos, o brincar da criança pré-operatória tende a ordenar-se segundo uma imitação exata da realidade. Além disso, a criança já consegue sustentar um simbolismo coletivo, isto é, brincar em conjunto com papéis definidos para cada participantes. O simbolismo coletivo, de certa forma, anuncia a emergência do jogo de regras que irá emergir no período das operações concretas. A linguagem também se manifesta de forma egocêntrica e, por isso mesmo, criativa. Esse aspecto da linguagem egocêntrica, associado ao egocentrismo intelectual, é responsável pelo reconhecimento do período pré-operatório como o mais inventivo dentre todos. Além de a criança referir-se a si mesma usando a terceira pessoa do singular, é capaz de criar diferentes palavras para denominar objetos corriqueiros ou mesmo emoções próprias. Um bom exemplo de linguagem egocêntrica está no livro infantil intitulado Marcelo, marmelo, martelo, de Ruth Rocha, também em CD, com músicas relacionadas com as temáticas da estória. Veja igualmente o livro infantil O fazedor de amanhecer, de Manuel de Barros, com ilustração de Ziraldo. O Reizinho mandão, de Ruth Rocha; Suriléia-mãe-monstrinha, de Lia Zatz; Quando mamãe virou um monstro, de Harrison, J. Trata-se de bom material para ilustrar a socialização egocêntrica. Psicologia II 39 A linguagem da criança egocêntrica se aproxima da linguagem dos poetas, reinventado os sentidos, como se pode perceber em O fazedor de amanhecer , de Manoel de Barros (2001, p.8-9): Sou leso em tratagens com máquina. Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis. Em toda minha vida só engenhei 3 máquinas. Como sejam: Uma pequena manivela para pegar no sono Um fazedor de amanhecer Para usamentos de poetas E um platinado de mandioca para o fordeco de meu irmão. Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias automobilísticas pelo platinado de Mandioca . Fui aclamado de idiota pela maioria das autoridades na entrega do prêmio. Pelo que fiquei um tanto soberbo. E a glória entronizou-se para sempre em minha existência. O egocentrismo se apresenta para a criança como uma limitação do desenvolvimento que pode ser superada a partir do desenrolar do processo de adaptação. Cabe ao adulto propiciar situações que possam, ao mesmo tempo, desequilibrar a criança que faz um juízo parcial da realidade, por meio da vivência de um conflito sociocognitivo, em direção a uma dinâmica o mais próxima possível do pensamento socializado, fundado na aplicação da lógica formal. Por isso, o estágio pré-operatório é considerado uma fase de transição entre a ação e a operação, e prepara a criança para o estágio das operações concretas através da capacidade interativa mediada por imagens, lembranças, imitações diferidas, jogos simbólicos, evocações verbais, desenhos, dramatizações. Macedo (2002) sugere que, no estágio pré-operatório, a criança pode representar e, ao mesmo tempo, simular situações, sofisticando sua atividade sensório-motora rumo à construção do pensamento formal que será desenvolvido no estágio das operações concretas. Para Macedo (2002), um dos principais objetivos da educação da criança no estágio pré-operatório é o de ensinar a observar os fatos, principalmente aqueles que provocam desequilíbrio com relação ao julgamento egocêntrico. Além disso, a criança deve ser instigada a perguntar, interpretar e registrar. Estas conquistas devem ocorrer no contexto de atividades em grupos de crianças coordenadas, ou não, pelo professor. Macedo (2002) sublinha que, Psicologia II 40 preferencialmente, o adulto deve interferir pouco em situações em que as crianças estejam trabalhando em equipe, isto é, brincando, falando, discutindo, resolvendo problemas práticos. Isso porque a passagem da ação à operação mental exige a capacidade de a criança reconstruir suas ações no plano da representação, superando, com isso, o egocentrismo intelectual e, para tanto, é importante que a criança enfrente o julgamento, a aceitação e a cooperação do grupo. A intenção é levar acriança a falar sobre suas ações, reconstruindo-as por via narrativa, aprendendo a descrevê-las em palavras e desenhos. 1.5 Quando ocorre a diliução do egocentrismo: a emergência das operações concretas Piaget e Inhledre (1989) indicaram três níveis de passagem da ação à operação, relativos aos estágios sensório-motor e pré- operatório, até chegar às operações concretas. Os três níveis são marcados pela emergência e pelo desenvolvimento da capacidade representacional. O primeiro nível destaca a necessidade da reconstrução, no plano da representação, do que já fora adquirido no plano da ação. O segundo nível sublinha a descentração no plano da representação, e o último nível se caracteriza pela inclusão de pessoas, exteriores e análogas ao eu, nouniverso da representação. Com a diferenciação e a coordenação de perspectivas distintas e múltiplas, propiciadas pela noção do outro, tem-se, além da descentração no universo físico, a descentração no universo interindividual ou social. [...] o aspecto cooperativo constitui condição sine qua non da objetividade da coerência interna (equilíbrio) e da universalidade das estruturas operatórias. [...] as construções e a descentração cognitivas, necessárias à elaboração das operações, são inseparáveis de construções e da descentração afetivas e sociais. (piaGet; inhledre, 1989, 83) A característica das operações concretas perfila na emergência da descentração cognitiva, social e moral. A relação com o real se dá mediante ações internalizadas e reversíveis, capazes de reverter ou compensar aquilo que foi feito inicialmente. Esta capacidade reversível permite que o pensamento seja adaptado, que não deforme a realidade. Psicologia II 41 Se bem assim, no período das operações concretas as crianças ainda precisam de uma situação concreta como referência para pensar. A abstração somente será possível no estágio seguinte, com a emergência das operações formais. Quanto à dimensão cognitiva, tem-se que a lógica do pensamento operatório consiste em operar, agir sobre as coisas e/ou sobre as pessoas, empregando agrupamentos ou estruturas por meio de ações reversíveis. Agrupamentos operatórios se caracterizam por ser estruturas cognitivas concretas elaboradas pelo indivíduo entre os 7, 11 e 12 anos de idade. Sua função essencial consiste em organizar os diversos domínios da experiência (noções de peso, volume, área, etc.), mas sem que haja ainda completa diferenciação entre o conteúdo e a forma, uma vez que isto ocorre apenas no estágio das operações formais. Classificação, seriação, correspondência termo a termo são exemplos de agrupamentos operatórios. Constituem encadeamentos progressivos até atingirem mobilidade inteiramente reversível, consequentemente possibilidade de dedução coerente. Sobre as dimensões social e moral, Piaget e Inhledre (1989) aludem à capacidade de coordenação de pontos de vista e de cooperação nas ações e nas informações que possibilitam a socialização do eu. Nas operações concretas, a afetividade se amplia para além das relações familiares, e os sentimentos morais, inicialmente marcados por uma obediência relativa à autoridade sagrada, ganham contornos de respeito mútuo e reciprocidade, noções de justiça. Neste contexto, tem-se a emergência da cooperação. Realizar operações conjuntas é cooperar, porém nem toda ação conjunta corresponde a cooperação. Cooperação requer ação conjunta, motivada por atingir um objetivo, e se constitui por meio da realização de operações lógicas coordenadas e conjuntas. A capacidade de cooperação de um sujeito está diretamente associada com sua capacidade operatória, ações interiorizadas, reversíveis, que se coordenem em estruturas totais formando sistemas. Desta forma, tem-se o sujeito que, embora ainda não prescinda da experiência concreta para operar deduções, apresenta como característica marcante a descentração cognitiva, social e moral. Psicologia II 42 Notas Finais Ao finalizar a apresentação das noções básicas pertinentes à teoria piagetiana, é preciso destacar, mais uma vez, que a compreensão dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, característicos de cada estágios do desenvolvimento, passa pela preservação dos conceitos estruturais da teoria. Com isso, se quer dizer que a caracterização dos estágios não se apresenta como produto simplesmente. Estes antes de tudo, são processos que se sustentam pela ação dos determinantes do desenvolvimento que garantem o contínuo processo de equilibração e de constituição de esquemas e estruturas cognitivas. Assim, pode-se compreender que, no contexto da Educação Infantil, merecem destaque o estágio sensório-motor, em especial a questão do objeto permanente, e o estágio pré-operatório, que opera a partir da capacidade representativa e da função simbólica. O egocentrismo surge como eixo condutor das análises do desenvolvimento que se manifesta, inicialmente, no sensório-motor, na forma de um egocentrismo radical e inconsciente, e se estende ao pré-operacional como egocentrismo intelectual, social e da linguagem. A diluição do egocentrismo dá-se em função da emergência de esquemas sensoriais e cognitivos que, paulatinamente, se formam e propiciam uma equilibração cada vez mais próxima das exigências da realidade, tal qual está formalmente constituída. Ao compreender estas noções, o leitor poderá se perceber como agente social capaz de propor situações cujo potencial de estimulação desafie a ação da criança na direção da re-construção do conhecimento. E, ainda, ao trabalhar as questões indicadas nas notas de rodapé deste texto, o (a) estudantes poderá se postar como sujeito ativo na construção de seu conhecimento, à medida que se apropria do exercício entre teoria e prática, reinventando sua maneira de aprender e aplicar seus conhecimentos. Psicologia II 43 Sugestões de Atividade e Leitura Atividade 1 Procure compreender o conceito de equilibração majorante,estabelecendo relações com as mudanças de estágio. Para isso, elabore um quadro com as observações de, pelo menos, dois autores acerca do conceito. Como sugestão,observe o quadro abaixo: RAPPAPORT, C.R.; FIORI, W.R. da.; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento, vol. 1, SP. EPU, 1981. Atividade 2 2.1 Como exercício para compreensão da dinâmica do desenvolvimento, procure identificar as superações e as limitações de desenvolvimento da criança presentes em cada estágio. Como sugestão, você pode utilizar o quadro assim configurado: Rappaport Spitz Equilibração Majorante Sensório-motor Pré-operatório Operações concretas Superação 1ªetapa 2ªetapa 3ªetapa 4ªetapa 5ªetapa 6ªetapa Limites 2.2 Além disso, identifique as conquistas mais relevantes e estruture um protocolo de observação para orientar sessões de observação de crianças. Os resultados podem servir de exemplificação da teoria. Por exemplo: a) Observe a estruturação de esquemas sensoriais de sucção em crianças de um mês e, depois, o mesmo esquema em crianças de três meses. Reflexo de sucção (1º. mês de vida) Reflexo de sucção (3º. mês de vida) Descrição do comportamento observado Psicologia II 44 b) O mesmo pode ser feito com relação à descoberta das mãos pelo bebê, dos sons e dos objetos. Permanência do objeto 1º. mês Permanência do objeto 3 º. mês Permanência do objeto 8º. mês Descoberta das mãos Descoberta dos sons Descoberta dos objetos Veja correlação com a atividade 3 c) Outra situação rica para observação se refere à brincadeira livre entre crianças da mesma idade. Isto é, observe grupos de criança de 1, 2, 3 ,4, 5 e 6 anos e procure verificar a questão do egocentrismo e a evolução da brincadeira paralela e brincadeira regrada com troca de papéis complementares. Identifique, neste processo, as características do pensamento irreversível e do pensamento reversível. 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos Brincadeira isolada Brincadeira paralela Brincadeira regrada Pensamento irreversível Prensamento reversível d) Se preferir experimentar o método clínico, adotado por Piaget, você, ainda, pode aplicar as provas piagetianas e aprender a forma por meio da qual Piaget abordava a criança, perguntando sobre as sua maneira de resolver situações-problema. Para essa atividade, você precisará consultar a seguinte bibliografia: RAPPAPORT, C.R. Teorias do desenvolvimento : conceitos fundamentais. vol. 1 e 2, SP, EPU, 1981. Atividade 3 Você já ouviu falar da brincadeira curro-curro? Aquela que você esconde um pequeno objeto em uma das mãos e, colocando-o em uma mão sobre a outra, na frente de uma criança, diz: curro- curro, quer de baixo quer de cima, sapatinho de judeu! A criança deve indicar a mão que supõe conter o objeto escondido. Seacertar, ganhou e tem o direito de esconder o objeto para você adivinhar na seqüência. Psicologia II 45 Pois bem, faça essa brincadeira com crianças de diferentes idades. Sugiro crianças com 1 e 2 anos. Procure observar a capacidade da criança em buscar o objeto escondido e relacione os resultados com o conceito de permanência do objeto. Você ainda pode listar outras brincadeiras do gênero que apontem observações significativas sobre o comportamento das crianças ante às manifestações do egocentrismo intelectual. Atividade 4 É comum ocorrer de crianças egocêntricas não comunicarem suas intenções e serem mal interpretadas. Imagine a seguinte cena: um menino de três anos, vestido de guerreiro com uma espada na mão, oferece outra espada para sua mãe. A mãe, distraída, conversando com outro adulto, é surpreendida com violento golpe de espada na cabeça. Converse com seus colegas e interprete a cena à luz do conceito de egocentrismo. Se você fosse o adulto envolvido nesta interação social, de que modo agiria com a criança? Atividade 5 Rappaport (1981) se preocupou em distinguir egocentrismo de egoísmo. Sugestão de atividade: identifique esta discussão e discuta com seus colegas. Como referência de leitura, você pode consultar: RAPPAPORT, C.R. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. vol. 1 e 2, SP, EPU, 1981. Atividade 6 Exemplo de conflito sociocognitivo pode-se dar com o confronto de uma mesma história contada por dois pontos de vista diferentes. Já existem no mercado da literatura infanto-juvenil estórias como A verdadeira história dos três porquinhos e Chapeuzinho Amarelo. São histórias baseadas nos contos tradicionais, porém contadas com base em outra perspectiva, isto é, a perspectiva do outro. O confronto dessas histórias pode causar certo desconforto para a criança egocêntrica, mas, à medida que o egocentrismo se dilui a criança, tenderá a aceitá-los. Em tempo: é preciso salientar que conflito cognitivo se dá pelo simples fato de a criança perceber que seu julgamento está inadequado, mas, não, errado. Enganar-se é muito diferente de errar! Psicologia II 46 Para observar isso ao vivo e em cores, sugiro que conte as duas versões da história para grupos de crianças de idade diferente e observe a reação delas. Faça anotações sobre seus comentários e procure identificar a linha de raciocínio das argumentações que, porventura, surgirem. Isto é, os critérios que a criança utiliza para organizar seu pensamento. Afinal, é essa a informação mais valorizada pela teoria piagetiana, a forma como o pensamento se organiza. Para conseguir identificar esse fenômeno, é preciso indagar a criança sobre o que a levou a pensar desta ou daquela forma sem induzi-la a uma resposta. Referências AMORIM, M. Atirei o pau no gato: a pré-escola em serviço. SP: Brasiliense, 1987. BECKER, F. O que é construtivismo. In: ALVES, M. L. (ORG.). Construtivismo em revista, Série Idéias, 20, SP. 1994,87-94. DE LATAILLE, Y., OLIVEIRA, M. & DANTAS, H. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. SP: Summus, 1992. GOULART, I. B. (ORG.) A educação na perspectiva construtivista: reflexões de uma equipe interdisciplinar. RJ: Petrópolis, Vozes, 1995. HOUAISS, A .; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de M. 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Tese apresentada para concurso de titular na Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1996 Psicologia II 48 Faca sem ponta, galinha sem pé: a noção de diferenciação na articulação com a teoria de Wallon A diferenciação pode ser compreendida como a capacidade de nos distinguirmos de outra pessoa, de nos reconhecermos distintos do outro. Dito em termos genéricos, até parece que o fato de sabermos nosso nome e que não somos a mesma pessoa que nossa mãe ou quem nos materna já é o suficiente. Ledo engano. A diferenciação é um processo complexo que concorre para a construção de nossa identidade e se dá na articulação das dimensões sociais, cognitivas e afetivas. Pensemos na simples pergunta: quem sou eu?, pois é isso que está em jogo em Faca sem ponta, galinha sem pé, outra obra de Ruth Rocha. Desta vez, a pergunta se aplica às questões de gênero, mas também podia referir-se às questões raciais, mesmo religiosas, classe social e todas as diferenças que marcam o ser humano e, em seu nome, recebem um significado. Nessa linha, sabe-se que a humanidade tem problemas em compreender a experiência da diferença como valor humano positivo. Diante do diferente ou desconhecido, o ser humano é regido pela negação desse outro que lhe é estranho, em nome da supervalorização, da necessidade do incremento da auto-imagem do eu. Neste movimento, o outro é manipulado, ganha valor meramente instrumental e, quando não se põe a serviço do eu, ele é prontamente descartado. O que se destaca com isso é que a construção de nossa identidade se dá em um contínuo, que começa quando nascemos e não tem hora para acabar: está em constante retro-alimentação com a cultura e com o processo histórico. Será que ser menino ou ser menina, hoje, abarca os mesmos significados que há cinqüenta anos? Que outros significados surgiram Ilustração 3: Imagem do livro Faca sem ponta, galinha sem pé de Ruth Rocha. Psicologia II 49 na cena social que envolvem a construção de nossa identidade sexual e de gênero? Então, vejamos o que nos diz Wallon sobre a diferenciação. 2 A psicologia da pessoa completa de Henri Wallon A contribuição de Henri Wallon para a Psicologia sinaliza para a possibilidade de compreender o desenvolvimento humano em sua complexidade. Isto quer dizer que Wallon buscou uma Psicologia da Pessoa Completa35, comprometida com o entendimento do humano em suas dimensões afetiva, cognitiva, social e motora, concomitantemente. Este é o desafio proposto pelo autor: entender o desenvolvimento humano na convergência de suas forças e das suas possibilidades. A obra de Wallon vem sendo requisitada na instância da Educação, sobretudo da Educação Infantil, e tem fundamentado importantes pesquisas em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem. Zazzo (1968, p. 10), ao escrever o prefácio do livro A evolução Psicológica da Infância, de Wallon, caracteriza o autor como aquele que fez “ um eterno esforço para nos arrancar a preguiça das palavras e dos pensamentos habituais”, um observador, um clínico, um homem de intuição, tanto ou mais que um experimentador, mas também um filósofo. Para o próprio Wallon, um psicólogo no sentido mais completo do termo. Este texto busca explorar as noções introdutórias da teoria com ênfase nos pressupostos básicos e em sua forma de articulação. Uma vez compreendida a estrutura básica do pensamento walloniano, o estudante poderá recorrer a outras leituras mais minuciosas sobre a teoria, sustentando um olhar mais próximo daquele postulado por Wallon. _____________ 35 Para acompanhar a leitura feita por Wallon, é indispensável um esforço para escapar de um raciocínio dicotômico, que fragmentaa pessoa (ou motor ou afetivo; ou afetivo ou cognitivo), na direção de um raciocínio que apreenda a pessoa como resultado da integração dessas dimensões (motor-afetiva-cognitivas). Essas dimensões estão vinculadas entre si e se encontram em interações em constante movimento; a cada configuração resultante, temos uma totalidade que se expressa na pessoa. (Mahoney, alMeida 2000) Psicologia II 50 Nesse sentido, o texto inicialmente analisa a concepção do desenvolvimento humano de Wallon e sua relação com o método de pesquisa utilizado. Em um segundo momento, enfatiza a regulação recíproca entre maturação neurológica, motricidade e emoção no contexto do desenvolvimento humano. As sínteses apresentadas, ao longo do texto, procuram retratar, ao menos minimamente, a articulação teórica na sua complexidade e, neste contexto, caracteriza os estágios de desenvolvimento, demarcando o processo de construção da diferenciação da personalidade, bem como do pensamento simbólico. 2.1 Concepção de desenvolvimento, aprendizagem e método de estudo, sob o ponto de vista de Henri Wallon No cerne do trabalho de Wallon, encontra-se uma afirmação: “O ser humano é social geneticamente”36. (ZaZZo,1968, p.17) A explicação desse pressuposto repousa na noção de uma complexa relação de determinação recíproca entre o equipamento orgânico e a dimensão social. Galvão (1996) explica que, para Wallon, o ser humano é determinado fisiológica e socialmente, a partir de uma dupla história que envolve as disposições internas e as situações exteriores que o ser humano encontra ao longo de sua vida. Desenvolvimento biológico e desenvolvimento social são, na criança, condições um do outro e estabelecem entre si relações recíprocas. O autor afirma que “As capacidades biológicas são as condições da vida em sociedade - mas o meio social é a condição do desenvolvimento destas capacidades“. (ZaZZo, 1968, p. 14) Dito de outra forma, tem-se que os fatores orgânicos são responsáveis pela seqüência fixa do desenvolvimento, no entanto, podem sofrer as influências das circunstâncias sociais e mesmos individuais nas quais se insere cada sujeito. Esse raciocínio sugere que a duração dos estágios de desenvolvimento possui caráter relativo e variável, sendo mais determinado biologicamente no início e, progressivamente, vai cedendo espaço para a determinação social, para a influência da cultura e da linguagem na construção da _____________ 36 A sobrevivência humana seria impossível sem os cuidados constantes de outros atores sociais ao longo de vários anos. Psicologia II 51 inteligência simbólica37. A concepção walloniana de desenvolvimento humano, também, se reflete em seu método inspirado no materialismo dialético, voltado para o estudo das condições materiais do desenvolvimento da criança, condições estas orgânicas e sociais a ponto de analisar como estas edificam o psiquismo, a personalidade. Essa forma de compreender o ser humano, na perspectiva da Psicologia Genética38, se caracteriza pela “busca do sentido dos fenômenos em sua origem e transformações conservando sempre sua unidade”. (Mahoney, alMeida, 2000, p 10). Na articulação entre a dialética, a Psicologia Comparada39 e a Psicologia Genética, Wallon propôs seu próprio método: “a análise genética comparativa multidimensional”, e elegeu a observação40 seu principal instrumento. Mahoney & Almeida (2000) explicam que o método de análise genética comparativa multidimensional consiste em fazer uma série de comparações entre crianças patológicas41 e crianças normais; de crianças normais com adultos normais; de adultos normais da atualidade com o de civilizações primitivas, de crianças normais da mesma idade com crianças de diferentes idades; da criança com o animal, a depender das necessidades da investigação. Essas comparações sustentam-se pela noção de que [...] o fenômeno é um conjunto de variáveis e só pode ser compreendido pela comparação com outros conjuntos do mesmo tipo ou semelhantes. (Mahoney, alMeida, 2000, p. 16). Além disso, as autoras acrescentam que as proposições wallonianas consideram que o desenvolvimento humano é determinado por vários campos funcionais e, daí decorrente, é multidimensional, o que envolve elementos: _____________ 37 Esse raciocínio coincide com o processo de maturação neurológica que se inicia com respostas reflexas e involuntárias para, paulatinamente, com o amadurecimento do córtex cerebral, dar lugar a funções de maior complexidade, como a linguagem e o pensamento. 38 Psicologia genética – estuda as origens, a gênese dos processos psíquicos. 39 Refere-se à necessidade de o pesquisador buscar comparar seus dados com os dados provenientes de outras áreas de conhecimento. No caso de Wallon, a Antropologia, Neurologia, Psicopatologia e a Psicologia animal foram os campos de comparação privilegiados. 40 Sobre a observação, o autor acrescentou ser indicado um esforço de objetividade por parte do observador, possível quando este se esforça por explicitar os referenciais prévios que influenciam seus olhar e sua reflexão. Caso contrário, os dados de observação não passam de ilusão impregnada de expectativas do observador. 41 A patologia era considerada uma espécie de lente de aumento que permite enxergar, de forma acentuada, fenômenos também presentes no indivíduo normal (GalVão, 1996: p.33). (GalVão, 1996: p.33) Psicologia II 52 orgânicos, neurofisiológicos, sociais e as relações entre eles. Ainda alerta o autor que o estudo do desenvolvimento humano deve levar em conta a criança contextualizada em suas relações com o meio. O contexto do desenvolvimento envolve os recursos do meio ambiente desde o aspecto físico do espaço, até as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios de cada cultura. Galvão (1996) complementa que, conforme a disponibilidade da idade, a criança interage mais fortemente com um ou outro aspecto do contexto. Essa afirmação resulta na conclusão de que o meio não é uma entidade estática e homogênea, mas está, juntamente com a criança, em contínua transformação. Sobre o ritmo do desenvolvimento, para a teoria walloniana, entende-se que este se dá de forma descontínua, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas. A passagem de um estágio para o outro provoca crise em seu processo de transição. Na seqüência, observa-se uma reformulação do comportamento da criança. Para a prática docente, é extremamente importante que o professor considere esta possibilidade e compreenda que as condutas aparentemente desajustadas de seus alunos podem não passar de períodos de transição do processo de desenvolvimento. O sentido de crise pode ser exemplificado nas modificações corporais do adolescente ou mesmo aquelas sofridas na gravidez. Nessas condições, fica evidente a forma desengonçada, pouco adaptada e até mesmo desajustada das pessoas. Na gravidez, esse processo se dá em uma velocidade maior, explícita nos relatos de gestantes do tipo: - Quando estava me acostumando com o trimestre, ele já mudou. O estar se acostumando refere-se a estar se adaptando às novas condições. O mal-estar causado pelas transformações instala- se em função do desequilíbrio imposto pela nova fase. Se o professor conseguir ler o comportamento infantil desse ponto de vista, poderá construir um diagnóstico de seu grupo de crianças mais apurado. Por isso é importante marcar o sentido de crise, que pode ser provocada por fatores exógenos - relativos aos desencontros das ações da criança com o ambiente exterior; ou por fatores endógenos, quando gerados pelo efeito da maturação neurológica. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a exercícios de si mesmas em atividades desajustadas das circunstâncias exteriores. Isso desorganiza, conturba as formas de conduta que já tinham atingido certa estabilidade na relação com o meio. (GalVão, 1996, p.42) Psicologia II 53 Os conflitos são reconhecidos como propulsores do desenvolvimento, fatores dinamogênicos. Resumidamente, Wallon entende assim o desenvolvimento da pessoa: [...] uma construção progressiva em que sucedem fases com predominância alternadamente afetiva e cognitiva. Cada fase tem um colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo predomínio de um tipo de atividade. As atividades predominantes correspondem aos recursos que a criança dispõe, no momento, para interagir com o ambiente. (GalVão, 1996, p. 43) O desenvolvimento dos estágios ou fases é orientado por três princípios convergentes, a saber: 1. predominância funcional, 2. alternância funcional e 3. integração funcional. Esses estágios são marcados por uma predominância funcional que oscila entre momentos de predomínio afetivo, relacionados com o subjetivo e ao acúmulo de energia, e predomínio cognitivo, correspondente ao objetivo e ao dispêndio de energia. O caráter intelectual predomina em etapas em que a ênfase da criança está na elaboração do real e no conhecimento do mundo físico. O caráter afetivo e das relações com o mundo humano se relacionam com as etapas dedicadas à construção do eu, a personalidade. Outro princípio que rege o desenvolvimento é o da alternância funcional, que se manifesta na sucessão dos estágios, quando nova fase inverte a orientação das atividades e do interesse da criança. Assim, tem-se uma orientação do eu para o mundo, das pessoas para as coisas, altera-se a dominância da afetividade e da cognição sem, no entanto, essas se manterem como funções exteriores, uma da outra. Estas, segundo Galvão (1996), ao reaparecerem como atividades predominantes em dado estágio, incorporam as conquistas realizadas pela outra no estágio anterior, construindo- se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação graças à ação do princípio da integração funcional. No princípio da integração funcional, as funções mais evoluídas e de amadurecimento recente não suprimem as funções mais arcaicas, mas exercem sobre elas um controle. Esse aspecto da maturação neurológica se repete na dinâmica psicológica. Dessa forma, as novas possibilidades das funções psíquicas, que surgem em cada estágio do desenvolvimen, não suprimem as capacidades anteriores, mas integram-nas. Enquanto a integração não se dá, as funções ficam sujeitas às aparições intermitentes ou, até mesmo, surgem de forma desajustada de objetivos exteriores em um Psicologia II 54 exercício de si mesmas - os exercícios de uma capacidade recém- adquirida são repetidos inúmeras vezes sem uma finalidade aparente. A esse fenômeno denomina-se jogo funcional.42 Por fim, a integração funcional não se dá de maneira definitiva, uma vez que com o fluxo contínuo de desenvolvimento, os centros de controles das atividades psíquicas podem ser desintegrados. Em termos técnicos, desenvolvimento é sinônimo de diferenciação. Já em termos práticos, é preciso se despojar de certa sensibilidade para perceber quando ocorrem os pequenos saltos do desenvolvimento rumo à autonomia, portanto, à diferenciação se dá. Se não, veja: Senti meu filho, parede-e-meia, às minhas costas. Sentia-o nesse afeto-rural-menino, na cintura. Igual, sim, sinto-me como sentia o corpo de meu pai chumbado no meu peito. Garupa do meu cavalo no equilíbrio de Murillo. Garupa de meu pai – seu cavalo café - no meio-enleio- cavaleiro que eu era... Ontem, porém, meu filho se deu de inventação e alumbramento; -trotar sozinho, comandando rédea -largação de homem escriturando o mando -furacão criança arregaçando o vento -bundinha de vampt-vampt -saltitando sela, e a trama da vontade na mansa dignidade do animal. Virou espinho a despedida da dependência, e me ficou cosquinhas de respingos d’água-de-corixos por onde zanzávamos, parede-e-meia, unidos. Que lucidez de afago e proteção de amigos! (zanzávamos lendo a natureza) Tão raro e vasto menino no seco da garupeira, e minhas pernas pesando o exargo das águas de visitação... (pesa que pinga pernas d’água) A galope, agora, vai o fim fininho de seu medo e susto. Ah, gurizinho, incluindo-se na paisagem adquirida, a muque! Eis quando: -Paiê, vou acordar primeiro da noite voltar -Vou passear de cavalo, à bessa, mesmo. -De cavalo, não, meu filho, à cavalo, viu! -Olha, paiê, nem de nem a, no cavalo, tá! Depois, adiante da manhã seguinte: -Vai, paiê, primeiro; aí eu vô na sujeira de sua água. -Vai, eu já sei ir..., não caio no poço escondido... _______________ 42 Jogo funcional é considerado o tipo de atividade mais primitivo de atividade lúdica. (GalVão, 1996) Psicologia II 55 A boa sorte, desde então, sai correndo atrás, vigiando seu equilíbrio. E esse frio que escorrega nos meus sentidos vai se esconder no quentinho em que Murillo os recobriu de aperto e abraço, engarupados. Seu coração de tic-tac ficou tamborilhando emoçãozinha dentro de mim. Sim, eu sei, ainda o vejo no estirão: lá vai o velhaquinho, riso-risco-de-gente na terra inventada, empinando meu orgulho leve, triste e livre... Meus olhos, soltos de pássaro, sobrevoam adiante da liberdade conquistada, Mas, um pedaço de vazio inteiro incha-se, aqui, na caixa do peito. Enquanto o novo hominho desata -os ritmos do chão -balanço do ponto equilíbrio -o fino crivo do olho -conteúdo desses miúdos prazeres -colheita dos cheiros silvestres, e se alfabetiza de mato, veredas, corixos e socavões... Na garupa, hoje, carrego a tatuagem de seu corpo verdoengo empedrada da trama-entranha do meu poema. (silVa freire, 1991, p. 252-253) Livros infantis que abordam a questão da diferenciação: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque; Ana e Ana de Godoy, C.; Faca sem ponta, galinha sem pé, de Ruth Rocha e Boneca de pano, de Ziraldo. Na mesma proposta do livro Boneca de Pano, o CD Canções Curiosas da Palavra Cantada traz duas músicas particularmente especiais para a discussão do processo de diferenciação. Trata-se da música Antigamente, cuja letra fala da queixa de uma boneca de estimação que foi abandonada por sua dona. Na música seguinte, a menina responde à boneca desolada. Como se pode notar, desenvolvimento, na perspectiva walloniana, ocorre à medida que emerge no ser humano a consciência de si e a consciência do mundo em uma relação recíproca entre emoção e cognição. O desenvolvimento dá-se em um processo de ação educativa que se baseia na transmissão do patrimônio cultural e no papel do educador. Mesmo enfatizando a questão da transmissão do conhecimento, o autor, também, ressalta a necessidade de a escola assumir o compromisso de atender ao sujeito em seus aspectos afetivos e psicomotores. (GalVão, 1994) Psicologia II 56 O posicionamento de Wallon, acerca do desenvolvimento e da aprendizagem, se ancora no sociointeracionismo que o define como um empreendimento conjunto, e não individual, que se constrói por meio da interação social, em especial daquelas afetivamente significativas. A ação compartilhada é influenciada por características dos parceiros, e a contribuição da criança dependerá de seu nível de desenvolvimento, este que, por sua vez, irá influenciar as respostas do interlocutor. Nessa perspectiva, o adulto exerce a função de mediador na relação da criança com seu meio, e as expectativas com relação ao desenvolvimento da criança irão orientar suas ações e escolhas metodológicas. 2.2 Motricidade, emoção e o desenvolvimento humano Na teoria walloniana, movimento e emoção43 estabelecem uma relação de reciprocidade que sustentam todo o processo de desenvolvimento humano. A função motora recebe um sentido humano, quando relacionada com a emoção. Para compreender este pilar da perspectiva walloniana, é preciso partir do pressuposto que existem duas funções motoras interdependentes: 1. atividade clônica ou cinética, associada ao movimento propriamente dito que regula o estiramento e encurtamento das fibras musculares, e 2. atividade tônica, estabelecida pelotônus muscular – estado de tensão variável entre o músculo. Mais ainda. O tônus muscular se relaciona com a postura e atitude, que são moduladas pelos adultos quando _____________ 43 A emoção da qual fala Wallon não deve ser confundida com afetividade. A emoção é reação fisiológica que apresenta alteração orgânica tal como o aumento do batimento cardíaco, a sudorese e a descarga de adrenalina; e pode ser apresentada como reação postural na exteriorização da afetividade. Afetividade é um conjunto de processos psíquicos que acompanham as manifestações orgânicas da emoção, canalizando-a para dentro do próprio indivíduo. A emoção carrega a possibilidade da articulação do biológico com o social à medida que promove a interação da criança com o meio ambiente, com o processo de maturação neurológica e o desenvolvimento psicológico. A imitação surge como mecanismo propiciador da transferência entre o biológico e o social. Psicologia II 57 apresentadas pela criança. As atitudes44 estruturam-se em função dos estados de bem-estar, indisposição e necessidade e se mostram como uma espécie de infra-estrutura das emoções, sendo reconhecidas pela postura de prazer-relaxamento e desprazer- contração. A emoção está na origem da consciência e das manifestações da vida afetiva e opera na passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o psíquico. A organização das reações emocionais fica a cargo do sistema nervoso central, especificamente da região subcortical. As emoções são a exteriorização da afetividade e provocam transformações que se orientam em direção ao desenvolvimento da atividade intelectual que, uma vez instalada, tenderá para o controle da potência totalizadora e contagiosa das atitudes emocionais45. Essa peculiaridade das emoções possibilita que a criança torne os significados das emoções mais precisos e autônomos, passíveis de ocorrer por meio do controle estabelecido no nível intelectual, por volta dos três anos. Embora a emoção seja fato fisiológico em seus componentes humorais, é também comportamento social, à medida que estabelece uma comunicação rudimentar com o ambiente a partir da expressividade dos primeiros sinais orientadores para o mundo humano, como a manifestação de alegria, fúria, sorriso, por exemplo. Neste sentido, pode-se entender a emoção como uma linguagem antes da linguagem. (ZaZZo apud Wallon,1968, p. 14) No primeiro ano de vida, a emoção é comportamento primordial na relação da criança com o meio social. Aliás, a emoção se nutre do efeito que causa no outro, das reações que as emoções suscitam no ambiente que funciona como uma espécie de combustível para sua manifestação. Neste sentido, pode-se dizer que a emoção possui um poder de contágio que a retro-alimenta. Quando as emoções se diluem nas relações interindividuais, sendo indiscriminadamente compartilhadas pelos atores sociais, fala-se de _____________ 44 Mal-estar está associado a fome, cólica ou desconforto postural, que provocam espasmos, contrações e gritos. Bem-estar refere-se a saciedade, sabor do leite, contato com o seio materno que provocam movimentos menos tensos e mais harmoniosos. Os olhos se abrem bem, os lábios esboçam um sorriso e ainda, quando a satisfação é intensa, as pernas se mexem como se estivessem pedalando no vazio. 45 Ataque de choro, birras, surtos de alegria, ciúmes frenéticos, ligações afetivas exclusivas, ambições mais ou menos vagas ou exigentes, por exemplo. Psicologia II 58 contágio emocional.46 Diante do contágio emocional, a noção de individualidade se dilui em meio à partilha coletiva da emoção, o que estabelece uma sintonia afetiva e uma comunhão de sensibilidade. As emoções, também, são compreendidas como a primeira forma de adaptação da criança ao meio e propiciam, antes da emergência da linguagem, o acesso da criança ao universo simbólico da cultura, uma vez que é o mecanismo inicial que assegura as relações sociais. Ao longo do desenvolvimento, a emoção rebusca cada vez mais seus meios de expressão, utilizando-os como instrumento de socialidade cada vez mais especializados. Para a perspectiva walloniana, o desenvolvimento humano é motivado pela ação das emoções que se expressa através da motricidade, nos contextos das relações sociais. Este processo recebe importante influência da maturação neurológica, que se orienta, inicialmente, pela maturação no nível medular, seguida do nível mesobulbar até o nível cortical. Estas observações podem ser reconhecidas como a “seqüência psicogenética de aparecimento dos diferentes tipos de movimento” (dantas, 1992) e podem ser assim resumidas: _____________ 46 Bastante comum na relação mãe-bebê mas também nos rituais religiosos, em eventos musicais e comícios. Figura 2: esquema figurativo acerca da maturação neurológica e da tipologia dos movimentos MOVIMENTOS VOLUNTÁRIOS OU PRAXIAS IMITAÇÃO DIFERIDA (nível cortical) MOVIMENTOS AUTOMÁTICOS , MÍMICAS E ATITUDES INCONSCIENTES (nível subcortical) MOVIMENTOS EXPRESSIVOS - APELOS MOVIMENTOS IMPULSIVOS GLOBAIS E INCOORDENADOS MOVIMENTOS REFLEXOS (nível medular) Psicologia II 59 2.3 Quadros síntese dos estágios de desenvolvimento segundo a teoria walloniana, analisado sob o ponto de vista do desenvolvimento psicomotor, cognitivo e afetivo. - Desenvolvimento psicomotor (movimento) Condição inicial - atividade motora reflexa • Condição final - movimento ideomotor• Quadro 5: Estágios do desenvolvimento – motricidade ESTÁGIO IMPULSIVO EMOCIONAL ATÉ 1 ANO IMPULSIVO (ATÉ 3 MESES) EMOCIONAL (3 A 12 MESES) ESTÁGIO SENSÓRIO- MOTOR E PROJETIVO 1 A 3 ANOS PERSONALISMO 3 A 6 ANOS CATEGORIAL 6 A 11 ANOS Movimentos impulsivos e incoordenados. Atividade motora reflexa. Movimentos expressivos, gestos dirigidos às pessoas – apelos. Primeiros atos voluntários começam a despontar (ex. a criança descobre sua mão – atividade circular, possível pela coordenação dos campos perceptivo e motor). Manifestações gradativamente intencionais. Etapa dominantemente práxica da motricidade. Gestos instrumentais, práxias (andar, pegar, investigação ocular, etc). Exploração direta da realidade. Ação estimuladora do ato mental. Exploração objetiva dos objetos partes do corpo. Repetição dos movimentos em cadeia circular (coordenação mútua dos campos sensoriais e motores - ajustamento dos gestos a seu efeito). Organização dos gestos úteis. Exuberância motora. Execução de movimentos com perfeição e interesse na ocasião e pretexto exterior que motiva o movimento. Inibição da atividade motora e aumento da concentração. Gestos mais precisos e localizados, de forma a selecionar o gesto adequado à ação que deseja . Planejamento mental do movimento e previsão de etapas e conseqüências do deslocamento. Maior desenvoltura na exploração do ambiente e nas atividades de conquista do mundo objetivo. - Desenvolvimento cognitivo (pensamento) Condição inicial - sincretismo subjetivo (percepção e • pensamento indiferenciados, confusos e globais dos objetos) Condição final – pensamento simbólico• Psicologia II 60 Quadro 6 : Estágios do desenvolvimento – pensamento ESTÁGIO IMPULSIVO EMOCIONAL ATÉ 1 ANO IMPULSIVO (ATÉ 3 MESES) EMOCIONAL (3 A 12 MESES) ESTÁGIO SENSÓRIO- MOTOR E PROJETIVO 1 A 3 ANOS PERSONALISMO 3 A 6 ANOS CATEGORIAL 6 A 11 ANOS Estado embrionário da dominância do movimento e do gesto motivados pela emoção. Inaptidão para agir diretamente sobre a realidade exterior. Associação entre o ato e seu efeito, tende a repetir o ato cujo efeito tenha sido desejável. Associações de respostas ao atendimento de necessidades, o que transforma as explosões impulsivas orgânicas em formas de ação sobre o meio externo. Transformação das descargas motoras em meio de expressão e comunicação. Linguagem primitiva constituída de emotividade pura. Primeiros sinais da cognição. Inteligência se dedica à construção da realidade - Inteligênciaprática ou das situações. Surgimento da palavra e de maior capacidade de deslocamento - marcha. Descoberta dos objetos Atividade simbólica - capacidade de dar a um objeto uma representação. Conhecer mediante a ação sobre o objeto. Pensamento projetado para o exterior por meio dos movimentos que o exprimem -gestos. Pensamentos projetivos em gestos. Inteligência prática e emergência da inteligência simbólica. Imitação diferida. Refere-se a si mesma na terceira pessoal do singular. Linguagem nomeia os objetos e estimula a inteligência prática, possibilitando a distinção, comparação e agrupamento deles. A atividade representacional emerge com o desenvolvimento da linguagem, dos gestos e do simulacro (exercício ideomotor, pensamento apoiado em gestos - o gesto é capaz de torn.Pelo gesto, a criança simula uma situação de utilização de objeto sem tê-lo de fato presente. Capacidade de encontrar para um objeto uma representação e para esta representação, um signo. Distinção entre fantasia e realidade. Imagem mental. Maior distinção eu-outro expressa na linguagem a partir do uso dos pronomes possessivos (meu, teu) e da identificação de si pelo pronome pessoal na primeira pessoal (eu, mim). Diminuição do sincretismo. Duas etapas: a pré- categorial, por volta dos 9 anos, quando o pensamento ainda está marcado pelo sincretismo e o pensamento categorial entre os 9 e 10 anos,quando ocorrem condições estáveis para a exploração mental do mundo físico, mediante atividades de agrupamento, seriação, classificação, categorização em vários níveis de abstração, até chegar ao pensamento categorial. Emergência da inteligência discursiva. Superação do sincretismo do pensamento. Psicologia II 61 ESTÁGIO IMPULSIVO EMOCIONAL ATÉ 1 ANO IMPULSIVO (ATÉ 3 MESES) EMOCIONAL (3 A 12 MESES) ESTÁGIO SENSÓRIO-MOTOR E PROJETIVO 1 A 3 ANOS PERSONALISMO 3 A 6 ANOS CATEGORIAL 6 A 11 ANOS Primeiros sinais orientadores para o mundo humano (alegria, angústia, sorriso, cólera). Diálogo tônico. Predomínio da emoção, a afetividade orienta as primeiras reações do bebê às pessoas. Simbiose afetiva com o meio em função das necessidades. A criança partilha das emoções daqueles que a rodeiam. Primeiro esboço do psiquismo. Primeira forma de sociabilidade, cujas trocas são essencialmente afetivas e inicialmente sem relação intelectual. Afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas. Início da constituição do eu corporal - individualização e diferenciação das partes do corpo. Diferenciação entre aquilo que pertence ao mundo exterior e aquilo que pertence ao próprio corpo. Eu diferenciado corporalmente, mas não do ponto de vista psíquico. Eu psíquico continua indiferenciado, sincrético. Diálogos consigo mesmo e com um interlocutor imaginário. Consciência corporal adquirida gradualmente oferece condições para a emergência da imagem corporal e da capacidade de reconhecer a imagem diferenciada do próprio corpo. Imagem das partes do corpo unificada em uma totalidade capaz de representar o eu. Prelúdio da consciência de si. Representação de si ainda débil. 2 anos e ½ a 3 anos: Três fases : 1. Fase da recusa ou reivindicação: Negativismo - crise de oposição. 2. Fase da gratidão - idade da graça. Formação da personalidade. 3.Imitação necessidade de auto- substituir os outros, passando a compor papéis e personagens em um exercício de se tornar preferido ou desejado. Ao mesmo tempo, possibilita ampliação e enriquecimento das possibilidades da pessoa. Reprodução enriquecida da pessoa-modelo. Diferenciação nítida entre o eu e o outro. Melhor compreensão de si. Exercício de diferentes papéis com solicitações diferentes. Percepção maior de um eu em relação com os outros, em um processo permeado por conflitos e cooperação com os demais. - Desenvolvimento afetivo (personalidade) Condição inicial – indiferenciação • Condição final – diferenciação• Quadro 7: Estágios do desenvolvimento - personalidade Psicologia II 62 2.4 Indicadores do desenvolvimento psicológico na perspectiva walloniana Os indicadores que surgem, ao longo do desenvolvimento humano, podem ser tomados como sintomas que anunciam a organização psíquica em andamento. São esses os referenciais que devem ser levados em conta na avaliação da criança e, por isso, são considerados fatores orientadores na elaboração da proposta de avaliação na Educação Infantil. Em se tratando de Educação Infantil, esta prática se torna fundamental, visto que propicia a abordagem processual do desenvolvimento. A utilização dos referenciais propostos por Wallon deve se reportar aos principais pressupostos da teoria, sobretudo, a concepção de desenvolvimento humano explicitada pelo autor. A simples adoção dos marcos aqui destacados, sem a devida contextualização teórica, se constituirá em um grande equívoco acadêmico. Como exemplo de possíveis equívocos na avaliação da criança pequena, destacam-se as recorrentes queixas de uma suposta hiperatividade infantil, apressadamente diagnosticada pela observação de uma explosão psicomotora na fase sensório-motora projetiva, quando a emoção é cada vez mais expressa através do movimento. Também é comum a presença de queixas referentes aos distúrbios de comportamento em crianças que estão apresentando sintomas de negativismo já previsto por Wallon como típico do personalismo. Sendo assim, alguns indicadores do desenvolvimento psicológico na perspectiva walloniana, podem ser sublinhados sem, contudo, correr o risco de esgotá-los. 2.4.1 Gestos de mímicas e apelos A expressividade, presente na função tônica, propicia a emergência de gestos da mímica e apelos que recebem uma significação do meio social e, gradativamente, evoluem de um diálogo tônico para a especialização dos gestos e para a imitação. O gesto precede a palavra e a representação, e pode ser reconhecido como o elemento da expressividade com forte poder de contágio emocional, que tende a se interiorizar, à medida que é inibido pelo pensamento, fato que provoca uma espécie de especialização do gesto. Segundo Dantas (1992), a Psicologia II 63 especialização do gesto se caracteriza pela utilização dos grupos musculares diretamente envolvidos nas tarefas, mantendo imóveis os que não participam delas. A especialização garante a economia do esforço e a independência do resto do corpo, abrindo possibilidades para ações complementares simultâneas. Além disso, os gestos podem ser simbolizados, isto é, ser providos de significado, recebendo o nome de movimento ideomotor. Ainda com relação ao gesto, Dantas (1992) chamou a atenção para o desenho entendido como gesto cuja expressão inicial é desprovida de intencionalidade, sendo sua forma adquirida sem um projeto específico. Somente com o desenvolvimento do processo pensante, a idéia prévia orientará a busca e a escolha do gesto. O mesmo ocorre com a palavra como meio de expressão. 2.4.2 Olhar, preensão e marcha Concomitantemente ao desenvolvimento dos gestos, ocorrem, nos primeiros meses de vida, quatro importantes marcos para o desenvolvimento infantil, relativos à maturação das possibilidades sensoriais e motoras: 1º acompanhamento de uma trajetória simples, horizontal com o olhar (metade do segundo semestre de vida); 2º preensão mais eficiente (movimento de pinça -opõe o polegar ao indicador), superando a preensão palmar (final do primeiro ano); 3º complementaridade na atuação das duas mãos com definição da mão diretora e da mão auxiliar na atividade; 4º aquisição da marcha. Olhar, preensão, coordenação mão-cérebro-atividade e marcha completam as competências necessárias para o início da fase de atividade exploratória imoderada da realidade externa. 2.4.3 Imitação47 Ferramenta psicológica que se estrutura a partir dos gestos dos outros e caracteriza-se como ato espontâneo. Inicialmente,_______________ 47 A imitação é um processo de aprendizagem que propicia a associação entre a percepção e o movimento, que, por sua vez, é adquirido de forma criativa e cada vez, se torna mais complexo. Na imitação, o foco está na função do gesto que revela o significado extrínseco do movimento a ser imitado e que se aperfeiçoa, constituindo a base da comunicação do final do segundo ano e ao longo do terceiro ano de vida. Além de auxiliar na constituição das representações, a imitação está presente no processo de construção da identidade pessoal da criança, em um exercício contraditório de se colocar ora como imitador, ora como modelo, em uma alternância de ações que obedece ao movimento ativo-passivo. Neste exercício, a criança toma consciência de suas percepções e de si mesma. Psicologia II 64 dá-se em contexto cuja experiência com o modelo seja imediata e fragmentária, e em condições de indiferenciação entre a criança e o modelo. Nesse estágio, se manifesta o mimetismo48, uma forma prefigurada de imitação mais próxima a um diálogo tônico. Posteriormente, no estágio sensório motor projetivo, a imitação passa a emergir sob a forma de similaridade e simultaneidade de ações ou mesmo de um tipo de troca social denominada de pseudo-imitação ou imitação espontânea. Vasconcellos (1996, p.88) explica que, [...] neste caso, a compreensão que a criança faz de si e dos outros nada mais é que uma assimilação. Depois da segunda metade do segundo ano, no personalismo, surge a imitação real ou imitação inteligente que apresenta maior potencial de diferenciação. Em Vasconcellos (1996, p.90): “Nesta etapa, a criança já é capaz de ter e perceber seus próprios motivos para agir, e a referência dada pelas ações do outro não é mais a única alternativa”. Uma vez conquistada a diferenciação eu-outro, a imitação se amplia para a imitação de cenas e eventos, transformando-se em instrumento de representação49. A capacidade imitativa pressupõe o início do pensamento simbólico e das representações, e solidifica-se com o aparecimento da imitação diferida que se caracteriza pela ausência do modelo. A imitação só é possível a partir dos 2 (dois) anos e possibilita a capacidade de discriminação e seleção dos gestos para copiar o modelo e distribuí-lo no tempo e no espaço. 2.4.4 Esquema corporal O processo de diferenciação, bem como a estruturação do pensamento simbólico, também se estrutura a partir do esquema _______________ 48 No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2003), mimetismo se refere à adaptação na qual um organismo possui características que o confundem com um indivíduo de outra espécie. Em Psicologia, utiliza-se o termo para caracterizar a indiferenciação entre o eu e o outro, estágio inicial da organização psíquica humana. 49 Para a perspectiva walloniana, a representação, entendida como expressão mediante imagens e símbolos, origina-se da imitação e, gradativamente, minimiza os efeitos desta última para emergir como verdadeira representação. Essa passagem só é possível porque, ao longo da atividade imitativa, a criança realiza uma transição da inteligência prática ou sensório-motora, para a inteligência verbal que prescinde da presença do modelo, dado que opera por meio de símbolos e representações. Psicologia II 65 corporal que se inicia com a emergência do eu corporal50, solidifica-se com a construção do objeto representado mentalmente e se encerra com a constituição do eu psíquico51. 2.4.5 Simulação Outro marco importante, para a definição do pensamento simbólico e da representação dos objetos e de si mesmo é o simulacro. Este é caracterizado como ato sem o objeto real, atividade que envolve movimento e representação ou, como gesto simbólico, servindo de apoio à narrativa da criança. Por meio do simulacro, a criança desenvolve o faz-de-conta e pode lidar com a ficção e o exercício do desdobramento da realidade, pressupondo o início da representação, fazendo notar uma organização psíquica mais organizada, estável e diferenciada. 2.4.6 Linguagem A linguagem surge como um marco decisivo no desenvolvimento do psiquismo o que garantirá a continuação do desenvolvimento da abstração e do pensamento categorial também conhecido como o pensamento discursivo. Ao substituir a coisa, a linguagem oferece à representação mental o meio de evocar os objetos ausentes e de confrontá-los entre si. Os objetos e situações concretas passam a ter equivalentes em imagens e símbolos e são operados no plano mental de forma cada vez mais desvinculada da experiência pessoal e imediata. _______________ 50 Sobre o trabalho com bebês e a formação do esquema corporal, destaca-se o contato com o corpo da criança como forma de o adulto delimitar, para a criança, o limite entre seu corpo e o mundo, haja vista sua condição de indiferenciação, isto é, a criança não discrimina seu corpo do outro e, muito menos, do mundo que a circula. Neste particular, tem sido indicada a prática de massagens para bebês nos berçários. No entanto, esta prática só é válida, se o adulto se propuser a uma relação afetiva e prazerosa com a criança. Uma das referências sobre o assunto é LEBOYER, F. Shantala: uma arte tradicional massagem para bebês. SP, Editora Ground, 1986. 51 Uma sugestão de filme que retrata de maneira bem-humorada a questão do esquema corporal é a comédia - Ligado em você. Este filme conta a história de dois irmãos siameses, ligados pelo tronco, que decidem separar-se na vida adulta. Após a separação dos corpos, surge a dificuldade de adaptação de noções básicas como a locomoção do corpo no tempo e no espaço, além da reelaboração da identidade de cada um. Vale a dica a respeito das imagens que passam ao longo da ficha técnica que mostram flashes da infância dos meninos. Psicologia II 66 2.4.7 Crise de oposição ou negativismo e sedução A crise de oposição ou negativismo, típica do estágio do personalismo, faz notar um importante movimento de diferenciação do eu, à medida que indica a capacidade cognitiva de a criança representar a si mesma e, dessa forma, atuar em um movimento típico de auto-afirmação. A crise de oposição é seguida de um movimento de sedução, também conhecido como idade da graça, relativa à necessidade da criança em se mostrar e ser admirada pelo que é e, na seqüência, inicia-se uma busca da criança por novos referenciais que ela busca nos modelos mais significativos, contexto onde se instalam ricas situações de imitação. Essa dinâmica revela um movimento ambíguo em que a criança nega o outro para se perceber como pessoa diferenciada para, em um momento mais adiante, identificar-se com esse outro. Notas Finais Este texto procurou sistematizar as principais contribuições de Henri Wallon no que se refere ao entendimento do desenvolvimento psicológico. Para tanto, destaca a concepção de desenvolvimento e sua articulação com o método de estudo do autor, com o objetivo de reconstituir minimamente as bases iniciais do pensamento walloniano. Foi preciso destacar a íntima relação entre emoção e motricidade, além da articulação destes com o processo de maturação neurológica em um exercício de entendimento coordenado das diferentes forças propulsoras do desenvolvimento. Os estágios de desenvolvimento, segundo a proposição de Wallon, foram apresentados, assegurar suas relações com a maturação neurológica e retratar as diferentes possibilidades de explicar o desenvolvimento humano, seja pelo recorte da motricidade, da cognição, da afetividade, seja pela articulação entre eles. Finalmente, optou-se por evidenciar alguns marcos do desenvolvimento humano, presentes nas proposições wallonianas, de grande interesse para a Educação Infantil, com especial destaque para a imitação, ferramenta psicológica útil para a emergência das representações. De forma figurada, pode-se dizer que a ponta do iceberg da Psicologia II 67 Teoria da Pessoa Completa foi delineada com o objetivo de contribuir para queo leitor se sinta encorajado a se lançar em direção a um maior aprofundamento da teoria. Propostas de atividades e leitura Atividade 1 Escreva livremente sobre como, no seu entender dá-se o desenvolvimento de um ser humano. Após a leitura de Wallon, volte ao que você escreveu e procure identificar o enfoque dado no seu texto. Estabeleça um paralelo entre a sua tentativa e a de Wallon. Assim você poderá compreender o desafio que ele se propôs ao estudar a pessoa completa. Atividade 2 Construa um quadro síntese com os seguintes cruzamentos: amadurecimento neurológico e emergência de competências do desenvolvimento. Você pode encontrar maiores informações em TAILLE, Y, OLIVEIRA, M.K, DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. SP: Summus Editorial, 1992. Atividade 3 Para melhor aprofundar o conceito de diferenciação, retome ao poema Garupa e Largação, de Silva Freire e faça uma análise deste na intersecção com, pelo menos, duas das seguintes obras já citadas: Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque; Ana e Ana, de Godoy, C.; Faca sem ponta, galinha sem pé, de Ruth Rocha e Boneca de pano, de Ziraldo. Além destes, também pode ser consultado o CD Canções Curiosas da Palavra Cantada que traz duas músicas particularmente especiais para a discussão do processo de diferenciação, trata-se da música Antigamente tal com o retratado anteriormente. Utilize o texto de Izabel Galvão para orientar suas reflexões. GALVÃO, I. Henri Wallon. Petrópolis: RJ, Vozes, 1996. Medular Sub-cortical Cortical Competências Psicologia II 68 Atividade 4 4.1 Exercite a sua capacidade de compreensão do diálogo corporal. A partir da caracterização de Wallon sobre a expressão de bem e mal- estar do bebê, procure observar um por 20 minutos e descreva o que viu, depois tente analisar este material à luz da teoria walloniana. Se quiser, filme e analise o material com seus colegas. Para o caso de videografia, faça o seguinte: escolha um momento em que o bebê esteja bem confortável, 1. já alimentado, em um período de atividade; despreze os primeiros 10 minutos de filmagem, porque 2. o comportamento apresentado pode estar alterado pela presença do observador; estabeleça um intervalo de tempo para congelar a imagem que 3. será analisada. De um em um minuto, dois em dois ou cinco em cinco; congele a imagem no 4. pause e analise o que está acontecendo neste intervalo de tempo; para classificar o que está acontecendo na imagem congelada, 5. você precisa analisar o minuto anterior e o minuto posterior, só depois você classifica o que viu. (contextualização do comportamento) o registro deve obedecer a seqüência dos episódios que foram 6. congelados, conforme abaixo: 4.2 Em uma variação deste exercício, você pode fazer o seu registro e depois comparar com o de seus colegas para ver se vocês identificaram os mesmos comportamentos. O nome desta técnica é acordo entre juízes e visa diminuir o grau de interferência subjetiva do observador. Em outras palavras, você estará apurando a sua capacidade de observar o fenômeno sem deturpá-lo com projeções exageradas. Não se trata de buscar a neutralidade científica, até porque ela vem sendo questionada. O que se quer, nesta atividade, Episódios Descrição do comportamento 1º episódio 2º episódio 3º episódio 4º episódio Psicologia II 69 é evitar uma descrição muito contaminada pelos preconceitos do observador. Atividade 5 : Perguntas úteis para emergências no percurso I Por que gestos, mímicas e imitação são referências importantes para o pensamento representacional? Afinal, por que se fala tanto sobre a importância da capacidade de representação? O que isso tem a ver com o trabalho na Educação Infantil? Atividade 6: Perguntas úteis para emergências no percurso II Por que a noção de esquema corporal e a crise de oposição estão intimamente ligadas ao processo de diferenciação? Referência AJURIAGUERRA, J. de. Manual de Psiquiatria Infantil. Paris: Masson Éditeur, 1974. DANTAS, H. Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência, In: LA TAILLE, Y, OLIVEIRA, M.K, DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. SP: Summus Editorial, 1992. DANTAS, P. da S. Para conhecer Wallon. SP: Editora brasiliense, 1983. GALVÃO, I. Henri Wallon. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de M. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. MAHONEY, A. A; ALMEIDA, L. R. (orgs.) Henri Wallon. SP: Edições Loyola, 2000. FREIRE, S. Presença na ausência do tempo. Cuiabá: Edições UFMT, 1991. VASCONCELLOS, V. Co-construtivismo na Psicologia. Tese apresentada para concurso de titular na Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1996. WALLON, H. A Evolução Psicológica da Criança. Portugal, Lisboa: Editora Persona, 1968. Psicologia II 70 De como nos tornamos sujeitos sociais e auto-regulados, segundo Vygotsky As funções psíquicas não se desenvolvem como se fossem esferas independentes do contexto social e histórico. Aliás, antes mesmo de seu nascimento, o ser humano já existe, e muitas coisas operam a favor da construção de sua identidade. Tem sempre alguém esperando por ele, falando sobre o que o aguarda, conferindo suas características, significados herdados de outras gerações, sem que tenhamos consciência do que esta sendo dito a nosso respeito. Após o nascimento, serão os adultos que guiarão as ações do pequeno para que, só depois, o filhote de homem, já operando pelo pensamento verbal, consiga atuar segundo sua capacidade de planejamento, simbolização e significação. Este é um longo processo, cuja explicação Vygotsky tomou como desafio. Como companhia na travessia, destaquei o sensível e emocionante livro de Ziraldo, intitulado O menino e seu amigo, em homenagem a nossos avós. 3 Pressupostos básicos da teoria da formação social da mente Nos últimos anos, o interesse de educadores pela obra de Lev Semyonovich Vygotsky (1896-1934) tem se tornado cada vez maior, indicando que o costumeiro modismo que assolou as propostas construtivistas no período de 1970 a 1990, neste caso, não se confirma. Ilustração 4: Imagem do livro O menino e seu amigo de Ziraldo. Psicologia II 71 As experiências em sala de aula, nos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu, revelam que, em seu primeiro contato com a obra de Vygotsky, o acadêmico, inicialmente, age como se precisasse identificar, nas propostas vygotskyanas, algo próximo das teorias de orientação maturacionista que entendem o desenvolvimento humano com base na noção de estágios, em conformidade com a faixa etária. Um misto de satisfação e decepção passeia no semblante dos alunos. Ao descobrirem a possibilidade de compreender o desenvolvimento humano de uma forma menos linear, enfrentam a insegurança causada, naturalmente, por uma proposta diferenciada que resiste em ancorar, na idade cronológica, a sustentação de seus pressupostos. O que explica, então, o insistente interesse pela abordagem vygotskyana, já que, em um primeiro momento, tal proposta se apresenta ao estudante de forma tão desconfortável? Uma possível resposta para essa pergunta pode ser identificada em Freitas (1994, 1995) e refere-se à releitura possível acerca da Psicologia mediante seu potencial interdisciplinar que permite a superação da dicotomia individual e coletivo e mediante o diálogo estabelecido entre o indivíduo, a cultura e a sociedade. Além disso, Vygotsky construiu uma abordagem que colocou a educação como atividade humana fundamental, articulada com uma teoria do desenvolvimento psicológico. Neste texto, o estudante poderá encontrar breve explicação sobre alguns dos conceitos vygotskyanos, buscando articulá-los com preocupações educacionais típicas da Educação Infantil. Além da interlocução teórica desenvolvida, será possível uma aproximação mais interativa com o estudante, que consegue extrapolar a leitura e interpretação do texto. Paraisso, será preciso que o estudante acompanhe as notas de rodapé quando poderá entrar em contato com notas reflexivas, propostas de exercícios práticos pensados com o objetivo de potencializar a compreensão e contribuir para o processo de formação do docente. 3.1 Concepção de desenvolvimento, aprendizagem e método de estudo do ponto de vista de Vygotsky A teoria proposta por Vygotsky, também conhecida como Teoria da Formação Social da Mente, aponta, já em sua estrutura, para Psicologia II 72 uma concepção de desenvolvimento humano em processo, cujas realizações são abordadas com base no ponto de vista qualitativo, dentro de uma rede de significações atravessadas pela história da humanidade, o que inclui o aspecto biológico, entendido desde sua dimensão filogenética até a ontogenética52. De outra forma, poderia-se-ia dizer que o autor criticou a ênfase descritiva das teorias sobre o desenvolvimento humano, uma vez que estas estariam centradas em características e manifestações atuais, delineando um produto. Em sua proposta, focalizou a perspectiva genética que privilegia a explicação do lugar que um fenômeno psicológico ocupa no desenvolvimento humano. Esta proposição se preocupa com a descoberta da gênese, da origem e das bases dinâmicas causais de determinado fenômeno psicológico. Essa forma de compreender o desenvolvimento humano caracteriza o método de análise genética. Vygotsky não só estudou os processos evolutivos, tais como eles se apresentam, mas acrescentou a investigação sobre os efeitos das interrupções e das intervenções sobre eles. Esta perspectiva, derivada da análise genética, também, conhecida como análise genético-comparativa, estudava, por exemplo, de que modo a interrupção de uma das forças do desenvolvimento, como a surdez, afetava a evolução da atividade prática e intelectual do ser humano. Esta dimensão da investigação vygotskyana vem contribuindo para as discussões da educação especial, principalmente no que se refere ao debate sobre a educação inclusiva. Outra variação do método de análise genética, utilizada por Vygotsky, refere-se ao método de análise experimental-evolutivo, que implica a intervenção do experimentador em um processo evolutivo para observar sua variação, visando reconstruí-lo em seus estágios iniciais. Esse método pode ser considerado como uma das estruturas que reorganizou o pensamento psicológico de nossa época, remetendo a Psicologia à sua dimensão social, não apenas biológica. Os pressupostos da Teoria da Formação Social da Mente _____________ 52 Filogênese se circunscreve à origem e evolução do ser humano ao longo de milhões e milhões de anos. Ontogênese abarca o desenvolvimento do ser humano, de seu nascimento até sua morte. Sobre a filogênese, o filme Guerra do fogo é bastante ilustrativo. No tocante à ontogênese, o filme Olhe quem está falando 1 pode ser uma experiência bem-humorada e esclarecedora. Psicologia II 73 estão pautados no materialismo histórico-dialético que revela a interdependência da história, da cultura e do social, manifestada no processo de desenvolvimento humano, determinando-o e sendo determinada por ele. Vasconcellos (1995), identificando a influência marxista nas proposições vygotskyanas, comenta que a ênfase histórica pode ser observada, quando a teoria aponta para a capacidade de o ser humano mudar o contexto social e, ao fazê-lo, transformar-se a si mesmo. As modificações, por sua vez, só podem ser observadas na dimensão histórica da sociedade. O materialismo é revelado, quando o autor concebe a natureza como uma realidade independente da consciência humana. No entanto, a partir da dimensão dialética da teoria, pode-se entender que a natureza é o resultado de múltiplas formas de interação. A concepção de desenvolvimento psicológico em Vygotsky (1989) revela tais influências, à medida que é compreendida como saltos revolucionários fundamentais, experimentados a partir da mediação e que devem ser explicados pela análise dos domínios genéticos de diversos tipos de desenvolvimento, incluindo os constituídos na ontogênese, filogênese e no processo histórico-social. Esse entendimento sobre o desenvolvimento humano pode ser identificado como método evolutivo, visto que focaliza as complexas transformações, tais como a apropriação e transformação da cultura herdada, em uma convergência com os processos maturacionais53 e culturais. Nessa trama, o sistema psicológico do ser humano constitui-se no exato momento em que as adaptações biológicas transformam-se em relações sociais. Em Vygotsky (1989), os processos biológicos e culturais compõem uma unidade dialética regida pela lei da interdependência. Inicialmente, o desenvolvimento é comandado por um estado de indiferenciação, orientado pelas bases biológicas, de maneira preponderante. A partir de certo momento, o peso da explicação sobre o desenvolvimento passa dos fatores biológicos para os sociais. Nessa nova organização, as forças biológicas perdem sua primazia como vetor principal das mudanças e o desenvolvimento ________________ 53 Processos maturacionais – relativos ao crescimento biológico. Psicologia II 74 começa a se definir a partir de interações simbólicas básicas, com outros sujeitos sociais mais desenvolvidos. O ser em desenvolvimento, na perspectiva vygotskyana, ao mesmo tempo em que é abordado pelo social, por meio da fala externa, interage e constrói sua própria subjetividade, introduzindo- se nas relações sociais. Esse processo se revela marcado por crises, conflitos e contradições de forma descontínua. “Subjetividade é o conteúdo que está dentro de nós, atravessado por milhões de relações que estabelecemos.” (Guareschi,1999, p.54 ) Rey (2001) caracteriza a subjetividade como um macroconceito que estabelece a origem histórico- social da psique em uma relação indivisível entre o indivíduo e a sociedade, à medida que regula os processos permanentes de significação e sentidos. Daí, Rey (2001) fala de subjetividade social e subjetividade individual como mutuamente constituídas e constituintes. O indivíduo internaliza o significado social presente na sociedade e, ao mesmo tempo, elabora-o de forma particular e original para aplicá-lo, ou mesmo reavaliá-lo. Assim, a partir de sua originalidade, devolve para a sociedade os conteúdos processados, contribuindo para a transformação da subjetividade social. Um exemplo lúdico é o filme O tubarão, de Steve Spilberg, que foi tão impactante na vida de várias gerações, a ponto de passarem a apresentar comportamentos hostis para com o animal e estados fóbicos variados, quando em contato com água, seja do mar, da piscina, seja do rio. Pois bem, na contramão desse significado, há uma intensa luta de grupos de ambientalistas que se esforçam para desmistificar o estereótipo do tubarão associado ao alto poder de ataque e destruição. Esse movimento de ressignificar o sentido atribuído ao tubarão na cultura da atualidade, pode ser percebido, por exemplo, no filme Caça tubarões, co-estrelado por um tubarão que não gostava de se alimentar de peixe e, por isso, vivia uma crise de identidade. Ou, ainda, em Procurando Nemo, pode-se assistir a um trio de tubarões que freqüentava uma espécie de grupo de auto- ajuda do tipo “alcoólicos anônimos”, com o objetivo de controlar a compulsão por comer peixes. Como se vê, a subjetividade, tanto em seu aspecto social quanto individual, está em contato direto com o imaginário e com as narrativas, locus privilegiado para o processo de significação e de re- significação. Só para lembrar Brougère (2005): se a indústria do Psicologia II 75 cinema descobriu este poder, por que não utilizá-lo para fins educacionais? Portanto, o desenvolvimento humano e o da sociedade são concebidos como processos interdependentes, voltados para o futuro, e devem ser entendidos em seu todo, não havendo indicação para estudos de aspectos isolados como a inteligência, a memória, a personalidade,nem mesmo para sua compreensão ancorada na progressividade, na forma de estágios fixos e previstos detalhadamente. 3.2 Principais conceitos A articulação dos conceitos básicos da teoria vygotskyana, ora proposta objetiva delinear uma trilha que leve o estudante ao entendimento da construção da subjetividade humana circunscrita na dimensão simbólica, representacional. Para isto, prioriza-se a explicação do surgimento do plano interno de atividade mental, sustentando-se nos conceitos de internalização, atividade mediada e na articulação entre pensamento e linguagem, bem como nas reflexões acerca do sentido pessoal e da zona do desenvolvimento proximal. Na lei genética do desenvolvimento cultural, Vygotsky (1989) indicou a direção do desenvolvimento. O autor sugere que qualquer função no desenvolvimento humano aparece em dois planos: primeiro, no plano social ou interpessoal, a partir das interações sociais, visando à internalização construtiva de tais interações; surgindo, posteriormente, o plano interno, intrapessoal, também denominado como intrapsicológico. Qualquer função no curso do desenvolvimento cultural aparece em duas vezes ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social e, posteriormente, no plano psicológico. Primeiro aparece entre pessoas, como categoria interpsicológica, e em seguida nas pessoas, como categoria intrapsicológica. (VyGotsky 1984, p. 163) Nesse sentido, a internalização surge como conceito-chave, à medida que representa a possibilidade de “reconstrução interna de uma operação externa” (VyGotsky 1989, p.63). O processo Psicologia II 76 de internalização54 desponta como um dos responsáveis pela formação do plano interno de atividade, marcado por influências de instituições sociais e sistemas educacionais que auxiliam na construção da consciência. Ao internalizar, o ser humano ativa uma dinâmica psíquica que pressupõe uma série de transformações identificadas por Vygotsky (1989) como operações de processos mentais superiores, originários das relações reais entre os indivíduos, porque envolvem signos55, formas culturais de comportamento, atividade psicológica e atividade mediada. Signo, atividade psicológica e atividade mediada sustentam o conceito de internalização, à medida que viabilizam o desenrolar do processo. Para compreendê-los de forma articulada, é preciso lembrar que o signo se caracteriza por ser o instrumento da atividade psíquica e possibilita a comunicação entre as pessoas, sugerindo uma atividade mediada. Vygotsky (1989) inspirou-se nos conceitos marxistas acerca de instrumento e trabalho para, por analogia, propor uma correspondência no campo psicológico. Segundo a perspectiva vygotskyana: [...] a invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. (VyGotsky 1989, p.60) Outro elemento importante se refere à atividade mediada, cujo entendimento pressupõe dois planos: a mediação pela _______________ 54 Internalização - Vygotsky (1989) desenvolve um bom exemplo sobre o processo de internalização, focalizando o desenvolvimento do gesto de apontar. Para o autor, o gesto de apontar nada mais é do que uma tentativa fracassada de pegar alguma coisa. Quando a criança tenta pegar um objeto, fora de seu alcance, mantém suas mãos esticadas. Esse comportamento é interpretado pela mãe, por exemplo, como apontar, dando um significado socialmente construído para o comportamento da criança que o internaliza. 55 No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2003) Signo - refere-se a sinal indicativo; indício, marca, símbolo. Significado- conteúdo semântico de um signo lingüístico; acepção, sentido, significação, conceito, noção. Símbolo- palavra ou imagem que designa outro objeto ou qualidade, por ter com estes uma relação de semelhança; alegoria, comparação, metáfora. Psicologia II 77 linguagem e a mediação social, mediante interação social, berço dos conteúdos representacionais construídos no tecido cultural, quando lhes são atribuídos significados. No diálogo tem-se uma atividade mediada, na qual significados são compartilhados, como se pode observar na descrição de uma cena proposta por Ferreira-Rossetti et al. (1992, p. 13), em que as autoras exploram a construção do significado de creche por crianças de dois e três anos . O cenário é uma sala da creche com muitos e variados brinquedos espalhados pelo chão. Os personagens são crianças de 2 e 3 anos e a educadora. Pedro Luís Ana Pedro Ana Pedro Ana Luís Pedro Ana Luís Pedro Ana Pedro Ana Educadora Ana Educadora Pedro Tudo é meu, tudo! (tentando agarrar um objeto.) – Sorvete? (apontando para o objeto que Pedro segura.)– È sorvete? (olhando para Pedro.) – Eu quero sorvete! – É da quéche! – É meu!– É da quéche, viu? (gritando.)– É escolinha– Quéche! (gritando.)– Creche!– É escolinha.– Não é escolinha... é quéche (corpo ereto, olhar bravo.)– Creche!– Minha mãe falou que é escolinha...um dia minha falou que aqui é – escolinha! Não falou!– Falou!– Mentira! (gritando.)– Pedro, oh Pedro! Creche é escolinha? Creche é escola?– Não é creche! – Pedro, é escolinha e creche, não é?– _ Não! é escola! Ao nascer, o ser humano é desprovido da capacidade de compartilhar significados. Nesse aspecto, pode-se dizer que a consciência do bebê é a consciência social, de um tutor, alguém mais competente que ele, de sua mãe, por exemplo. A palavra do adulto converte-se em um regulador de sua conduta, elevando a organização da atividade da criança a um nível mais alto e qualitativamente novo. Esta subordinação das reações da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos complexos da sua vida consciente e voluntária. Ao subordinar-se às ordens verbais do adulto, a criança adquire um sistema de instruções verbais e começa a utilizá-las gradualmente para regular a sua própria conduta. (luria & yudoVich 1987, p.13) Psicologia II 78 A partir do falar e do fazer do adulto é que a criança se organizará em direção a uma consciência individual e intrapsicológica, transformando a fala, inicialmente reconhecida, como um meio básico de comunicação, em um meio de análise e síntese da realidade. Para tanto, será preciso que os eixos do desenvolvimento da linguagem e do pensamento se cruzem por volta dos dois anos, possibilitando o surgimento do pensamento verbal, da capacidade representacional e da função planejadora da fala. Por fim, das operações mentais complexas ou superiores. O aflorar do pensamento verbal representa um ganho qualitativo no desenvolvimento, uma vez que oferece condições para a criança construir representações mentais, plenas de significado, caracterizando uma fase intelectual, cuja função simbólica evidencia a curiosidade da criança pelas palavras. O processo de representação possibilita que a própria idéia do ser humano seja capaz de operar sobre o mundo, por meio de um conteúdo mental de natureza simbólica que representa os objetos, situações e eventos do mundo real no universo psicológico. Essa capacidade de lidar com representações que substituem o real é que possibilita que o ser humano faça relações mentais na ausência dos referentes concretos, imagine coisas jamais vivenciadas, faça planos para tempo futuro, enfim, transcenda o espaço e o tempo presentes, libertando-se dos limites dados pelo mundo fisicamente perceptível e pelas ações motoras abertas. (la taille et. al. 1992, p.26-27). Em seu livro Pensamento e Linguagem, Vygotsky (1989) revela que o instante em que a fala começa a servir ao intelecto pode ser delineado a partir de dois sintomas. Primeiro, a curiosidade ativa e repentina da criança pelas palavras, característica da pergunta:“O que é isto?” Esta questão aparece exatamente porque a criança entendeu que cada coisa tem um nome. O segundo sintoma ressalta a ampliação do vocabulário da criança que ocorre de forma rápida e aos saltos. [...] a criança sente a necessidade das palavras e, ao fazer perguntas, tenta ativamente aprender os signos vinculados aos objetos. Ela parece ter descoberto a função simbólica das palavras. A fala, que na primeira fase era afetivo-conativa, agora passa para a fase intelectual. As linhas do desenvolvimento da fala e do pensamento encontram-se. (VyGotsky, 1989, p. 38) Psicologia II 79 No processo que antecede o pensamento verbal, a criança se organiza pela consciência social, apresentando uma fala pré-intelectual, na forma de balbucio, choro, primeiras palavras, consideradas formas de comportamento predominantemente emocionais. Esse processo se revela independente do pensamento pré-verbal, identificado a partir da compreensão de relações mecânicas e utilização de instrumentos. Paulatinamente, a partir do surgimento do pensamento verbal, a criança começará a se auto- regular, à medida que sua consciência interna se constitui. No entanto, esse processo não se dá de forma tão linear quanto possa parecer. Vygotsky (1989) identificou um período intermediário, responsável pela transição do plano externo para o plano interno da consciência, o período egocêntrico. No estudo sobre o desenvolvimento da fala, esse processo fica claramente caracterizado. Inicialmente, a criança é orientada pela fala do adulto, ator social temporariamente mais competente. Na seqüência, por um período, a criança passa a falar para si mesma, buscando uma auto- regulação para, só depois, conversar internamente consigo, na forma de pensamento verbal e fala interior. O egocentrismo, segundo a proposta vygotskyana, não configura característica peculiar de determinado estágio de desenvolvimento, passível de ser superado. Nessa teoria, o egocentrismo atua toda vez que o ser humano desencadeia novo processo de internalização, buscando novos planos de ação, novas soluções mais inteligentes e menos automáticas para seus problemas. Luria & Yudovich (1987, p. 18) revelam que: Já em 1929, Vigotsky demonstrou que, sempre que a criança de quatro a cinco anos de idade enfrenta um problema que lhe traz algum tipo de dificuldade, produz- se fala externa não dirigida a seu interlocutor; a criança enuncia a situação colocada, toma dela cópia verbal e reproduz, depois, aquelas conexões da sua experiência passada que podem tirá-la de suas dificuldades presentes. Vigotsky tentou demonstrar que não se tratava de linguagem egocêntrica afetiva, sobre a qual escrevia Piaget na época, mas, sim, da intervenção da linguagem como mediadora da conduta, através da mobilização de conexões verbais que ajudem a resolver um problema difícil. Suas observações mostraram que a criança fala primeiro em voz alta para si mesma, mas que sua fala se enfraquece pouco a pouco, convertendo-se num sussurro e acaba, afinal, em fala interna. Mostraram também que a criança de sete a oito anos começa a resolver os problemas complexos com a ajuda de Psicologia II 80 sistemas de conexões verbais internos construídos antes, no transcurso do intercâmbio verbal, e que, a partir de então, converteram-se em seus próprios mecanismos individuais, capacitando-a a incluir as conexões verbais na organização da sua atividade.5 O desenvolvimento da fala, segundo Vygotsky (1989), pode ser considerado detentor do mesmo curso, obedecendo às mesmas leis que do desenvolvimento de todas as outras operações mentais que envolvem o uso de signos, como a contagem ou a memorização. Nesse processo, o autor identificou quatro estágios, esquematizados da seguinte forma: 1.º estágio natural ou primitivo• : é caracterizado pela fala pré-intelectual e pelo pensamento pré-verbal. Portanto, pode ser identificado como ocorrendo antes dos dois anos de idade. 2.º estágio da • psicologia ingênua: revela a experiência da criança com propriedades físicas do próprio corpo e dos objetos à sua volta, além da aplicação desses instrumentos. Esse estágio circunscreve o primeiro exercício de inteligência prática da criança e as primeiras manifestações corretas das formas e estruturas gramaticais antes que a criança tenha entendido as operações lógicas que representam. 3.º estágio• : caracteriza-se por signos exteriores, operações externas que são usadas como auxiliares na solução de problemas internos. Nesse estágio, a criança conta com os dedos, recorre a recursos auxiliares para se lembrar das coisas ou eventos, o que corresponde a função da fala egocêntrica. 4.º estágio, • denominado de crescimento interior, pode- se observar a internalização das operações externas que, ao se efetuarem, provocam profunda mudança no funcionamento psicológico da criança. Comportamentos característicos desse processo podem ser identificados quando a criança passa a contar mentalmente, a usar a memória lógica, operando com relações intrínsecas e signos interiores. Quando comparado ao desenvolvimento da fala, esse estágio corresponde à conquista da fala interior, silenciosa. _______________ 5 Na literatura brasileira, você irá encontrar a grafia de Vygotsky com “y” e com “i”. O uso de “Y” refere-se à influência dos textos originais do autor traduzidos pelo inglês e o uso de “i” indica a influência das traduções em espanhol. Psicologia II 81 Mesmo após a construção do crescimento interior, continua a existir uma interação constante entre as operações externas e as internas. Uma operação transformando a outra, por exemplo, quando alguém se prepara repassando mentalmente o conteúdo de uma conferência, como bem lembrou Vygotsky (1989). Uma vez internalizado, o conteúdo ganha, através de processos psicológicos mais sofisticados, como a vontade e a intenção, um sentido pessoal, levando o ser humano a construir seus significados e a recriar sua própria cultura. Para La Taille et al. (1992), à medida que o ser humano internaliza formas de funcionamento psicológico culturalmente construídas, toma posse delas, utilizando-as como instrumentos pessoais de pensamento e de ação no mundo. O sentido pessoal, para Leontiev (1983), não possui uma existência própria. Ocorre quando o indivíduo relaciona, em sua consciência, o conteúdo externo com as significações da realidade do mundo objetivo, vinculando-as à sua própria vida dentro desse mundo, com suas motivações. Esse processo origina a parcialidade da consciência humana e expressa as forças internas que movem o ser humano. Uma das conclusões destacadas por Vygotsky (1989) se refere ao pensamento verbal como não sendo forma de comportamento natural ou inato. Longe disso. Ele é determinado por um processo histórico-cultural e está sujeito a todas as premissas do materialismo histórico que são válidas para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana. Esse raciocínio pode ser mais bem esclarecido pelas reflexões de Leontiev (1983), acerca do sentido pessoal, quando o autor revela que o indivíduo não possui um idioma próprio de significações elaborado por ele mesmo. Por isso, a conscientização dos fenômenos da realidade só pode operar-se no ser humano por meio de significações elaboradas pelo contexto social. Conhecimento, conceitos e pontos de vista são identificados a partir da comunicação interpessoal, ou de massa, Podem, perfeitamente, conter significados fantásticos e deformados, berço de estereótipos e ideologias que Psicologia II 82 somente poderão ser questionadas diante de sérias confrontações.56 Dessa forma, torna-se necessário que a consciência do indivíduo produza uma re-significação do conteúdo em um contexto onde os indivíduos lutem pela construção de suas consciências. Con esto quiero decir, que el individuo no se encuentra sencillamente parado ante una cierta vitrina de significaciones que en ella se exponen, entre las cuales a él leresta solamente hacer su elección, estas significaciones representaciones, ideas, conceptos - no están esperando pacientemente ser elegidas, sino que penetran en sus relaciones com las personas que conforman el círculo de su esfera de comunicaciones reales. Si el individuo se ve impelido a elegir ante determinadas condiciones de vida, su elección no es entre las significaciones, sino entre posiciones sociales en conflicto, que se manifestan y conscientizan através de estas significaciones En la esfera de las representaciones ideológicas este processo es inevitable y de caráter general solamente dentro de la sociedad de clases. Pero, se mantiene también, aún en las condiciones de la sociedad socialista y comunista, en la medida que entonces se manifiesten las particularidades de la vida individual del hombre, las particularidades de sus relaciones personales en conflicto, su forma de comunicación com las demás personas y relaciones cotidianas vitales; se mantiene también este processo, debido a que en el ínterin, sus particularidades como esencia corpórea y las condiciones externas concretas son sui generis, no pueden ser idénticas para todos.”7 (leontieV, 1983, p. 127-128) _______________ 56 Neste ponto, é oportuno retomar o debate acerca da construção da imagem social do tubarão, ou da creche, ambos apresentados neste texto. 7 “Com isso, quero dizer que o indivíduo não se encontra simplesmente “parado” diante de uma certa “vitrine” de significações que nela se expõe, entre as quais lhe resta somente fazer uma eleição. Estas significações - representações, idéias, conceitos - não estão esperando pacientemente para serem eleitas em sua sorte, penetram nas relações pessoais que configuram o círculo da esfera de comunicações reais. Se o indivíduo se vê impulsionado a escolher ante a determinadas condições de vida, sua escolha não se dá entre as significações, mas entre posições sociais em conflito que se manifestam e conscientizam-se através destas significações. Na esfera das representações ideológicas, este processo é inevitável e de caráter geral somente dentro de uma sociedade de classes. Mas, também, mantém-se ainda nas condições das sociedades socialistas e comunistas, à medida que se manifestam as particularidades da vida individual dos homens, as particularidades de suas relações pessoais no conflito, sua forma de comunicação com as demais pessoas e relações cotidianas vitais. Este processo mantêm-se, nesse ínterim, suas particularidades como essência corpórea e as condições externas concretas serem condições sui generis, não podendo ser idênticas para todos. (Tradução da autora). Psicologia II 83 No livro intitulado Psicologia Social Contemporânea, Bonin (1998) relata que, na proposição vygotskyana, emerge a questão da pessoa e da intencionalidade circunscrita à questão semiótica,57 enfocando a mente formada por meio de um diálogo de vozes, atinente à produção de representações e ideologias. Neste contexto, o ser humano assimila a narrativa de sua cultura, que supõe uma diversidade de diálogos, incluindo conformidade, contradição e discordância. Narrativas manifestam-se em histórias contadas por autores formais ou pessoas comuns. As narrativas desenvolvidas não são simples acontecimentos, carregam implicitamente a capacidade humana de elaborar os significados encontrados ao longo da vida. O exercício de análise de narrativas contemporâneas, tais como as produções de desenhos animados, livros e músicas dirigidas ao público infantil, é recomendado ao educador infantil. Particularmente, esse texto destaca o trabalho da cantora Adriana Calcanhoto em CD Adriana Partimpim e no livro O Poeta aprendiz, que acompanha CD, além do trabalho musical do Palavra Cantada, de Toquinho em: No mundo da criança. Na parceria com Vinícius de Moraes em: A arca de Noé e A casa de brinquedos e do CD Tutu o menino índio, de Tony Brandão. Os últimos filmes da Disney, como Rei Leão I, Lilo & Stitch, Toy Story I, Procurando Nemo, Dinossauro são narrativas que merecem ser revisitadas com olhar analítico para o conteúdo socioafetivo subjacente a seus enredos. Ainda falando de filmes, também, merece distinção Spirit: o corcel indomável, da Dreamworks Pictures. Na literatura infanto-juvenil contemporânea, podem-se encontrar narrativas que estabelecem um diálogo com a criança, buscando a superação de pensamentos estereotipados a partir de temáticas polêmicas, como é o caso de Menina Bonita do Laço de Fita, Dani e O menino Nito, que abordam as questões relativas à etnia. Miguel e O menino Maluquinho falam da criança incompreendida pelos adultos, classificadas como endiabradas em uma visão maniqueísta que as condenam ou a anjo ou a diabo, negando a dialética de amor e ódio presente em todo ser humano. Uma família parecida com a da gente busca relativizar o conceito de família. _____________ 57 No Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa (2003), semiótica se refere ao estudo dos fenômenos culturais considerados como sistemas de significação, tenham ou não a natureza de sistemas de comunicação (inclui, assim, práticas sociais, comportamentos, etc.); Semiologia. Psicologia II 84 Suriléa a mãe-mostrinho, Quando mamãe virou monstro, As muitas mães de Ariel focalizam a relação da criança com a mãe dentro de um contexto de superação da visão linear que defende que somente o adulto tem razão. Mostram diferentes pontos de vista que revelam que cada um possui sua razão. Boneca de Pano discute a relação da menina com a boneca e a representação do amadurecimento e da relação do adulto com sua razão em detrimento de sua emoção. Faca sem ponta, galinha sem pé trabalha as questões de gênero, buscando superar os preconceitos socialmente postos, apostando no reconhecimento do outro como diferente e, ao mesmo tempo, complementar. Isso sem esquecer dos autores clássicos como Monteiro Lobato. Você já pensou sobre o rico potencial de elaboração dos significados da identidade sexual infantil presente em Reinações de Narizinho, por exemplo? Outro exercício bastante produtivo de análise de publicações, já citadas neste fascículo, que revisitaram os contos clássicos, como Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque e A verdadeira História dos três porquinhos, de Jon Scieszka58. O texto sobre a importância da brincadeira na Educação Infantil, deste fascículo, as referências sobre Gilles Brougère um antropólogo que propõe um debate em torno do conceito de cultura lúdica. A cultura, na perspectiva vygotskiana, é compreendida como práticas coletivas e normativas que envolvem expectativa, valores e formas de agir em conjunto. Essas atividades são apropriadas pela criança com o apoio de adultos em um processo que perpassa gerações. Nessa configuração, pode-se afirmar que, o que uma criança consegue fazer hoje com a ajuda de um adulto, amanhã ela poderá fazer sozinha, garantindo que a tradição cultural seja transmitida por meio de ações e interpretações das práticas cotidianas que são socializadas no contexto da história do grupo. A história do grupo e a tradição cultural são noções que, na teoria vygotskyana, são possíveis, quando sustentadas pelas noções de interação social, mediação simbólica e pelo conceito de zona de desenvolvimento proximal. Este último define-se como sendo _______________ 58 O texto sobre a importância da brincadeira na educação infantil, do fascículo 3 da Psicologia, traz as referências sobre Gilles Brougère, um antropólogo que propõe um debate em torno do conceito de cultura lúdica bastante útil para a análise das obras direcionadas ao público infantil. Psicologia II 85 [...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VyGotsky 1989, p.97) Sass (1992) indica que o conceitode zona de desenvolvimento proximal59 é um dos pressupostos vygotskyanos que fazem a mediação entre a Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem com a Psicologia Social. Tal afirmação se dá porque o conceito de zona de desenvolvimento proximal se configura a partir da relação comunicativa que se estabelece entre os indivíduos, situação em que um deles se caracteriza como tutor, orientador, aquele que dá pistas, dicas, modelos. Em uma situação de exploração da criança com um material pedagógico, por exemplo, o que se percebe é que, em um primeiro plano, ocorre a mediação do orientador acadêmico com o aprendiz e, em decorrência desta, se dá a atividade operativa da criança sobre o material. Essa dinâmica da ação comunicativa pode ser mais bem compreendida no contexto das discussões sobre zona do desenvolvimento proximal, quando associada à noção de imitação. Sobre isso, Vygotsky (1987, p. 89) acrescenta: [...] a imitação e aprendizagem desempenham um papel importante; trazem à tona as qualidades especificamente humanas da mente e levam a criança a novos níveis de desenvolvimento. Na aprendizagem da fala, assim como na aprendizagem das matérias escolares, a imitação é indispensável. O que a criança é capaz de fazer hoje em cooperação, será capaz de fazer sozinha amanhã. Portanto, o único positivo de aprendizagem é aquele que caminha à frente do desenvolvimento, servindo- lhe de guia; deve voltar-se não tanto para as funções já maduras, mas principalmente para as funções em amadurecimento. Vasconcellos (1995), apoiando-se em seu trabalho com Valsiner (1984), revela a existência de numerosas tentativas conceituais com o objetivo de compreender o conceito de zona do desenvolvimento proximal. Dessas tentativas, destaca três, mais populares. _______________ 59 O menino e seu amigo, de Ziraldo, aborda com muita sensibilidade a relação adulto-criança no contexto temporal, demarcando o processo de educação que atravessa gerações. Psicologia II 86 A primeira proposição, versão quantitativa60, refere-se à preocupação original do autor com a situação de ensino e às avaliações formais nas escolas de sua época. Com base no conceito de zona de desenvolvimento proximal, o autor estabelece uma crítica às questões relativas à “idade mental” 61 estipulada por testes de QI. Essa crítica influenciou os métodos de diagnóstico na educação, sobretudo, porque o conceito de zona de desenvolvimento proximal focaliza o potencial de desenvolvimento identificado ao longo do processo educacional. A noção de “idade mental” está mais focalizada na idade atual62 ou real, portanto, no produto. O desenvolvimento potencial pode ser medido por meio da comparação - “contagem de diferença” - da observação de situações, em que o sujeito realiza suas ações sozinho e ‘assistido’ por um adulto ou companheiro mais competente. A distância entre o desenvolvimento atual e o potencial é o que se denomina de desenvolvimento proximal, isto é, aquilo que está entre os dois estágios de desenvolvimento, um já realizado e o outro em potencial. Entre um e o outro, desenvolve-se o que está próximo, as estruturas que estão em via de amadurecer, em processo de estruturação.63 Outro elemento subjacente ao conceito de zona de desenvolvimento proximal se refere aos aspectos qualitativos64 da capacidade de resolução de problemas que estariam mais otimizadas _________________ 60 Contagem da diferença. 61 Com relação à idade mental, Vasconcellos (1995) salienta que a escola obtém o nível “da idade mental ideal”, isto é, o que pode ser esperado a partir de uma visão de desempenho por estágios universais. Sendo assim, se a idade mental atual e a idade mental ideal diferirem muito, a criança terá poucas possibilidades de desfrutar dos ensinamentos escolares. 62 Nível atual ou real de desenvolvimento - é o resultado do ciclo de desenvolvimento já completo. 63 Um exemplo exagerado às vezes ajuda na compreensão. Então, imagine um bebê de três meses interagindo com uma criança de dois anos. Pensar que desta interação pode resultar na aprendizagem da fala do bebê, em função da orientação da criança de dois anos seria uma inadequação do ponto de vista do conceito de zona de desenvolvimento proximal, isto porque o bebê ainda não possui maturação neurológica suficiente para tal. Ainda que este seja o seu potencial de desenvolvimento, as estruturas necessárias para o exercício da fala ainda são rudimentares, porém, do ponto de vista do bebê, a condição rudimentar da função relacionada à linguagem representa um desenvolvimento atual ou real. No entanto, o fluxo do desenvolvimento não cessa e este bebê está preste ou está próximo do balbucio e, não tarda, demonstrará isso de forma cada vez mais intencional. Nesta perspectiva, pode-se identificar a zona proximal, aquela que será estimulada pela ação da criança de dois anos. Daí se falar que a zona proximal está entre a zona atual ou real e a zona potencial de desenvolvimento. 64 Fazer com assistência. Psicologia II 87 pares mais competentes, se comparado à atuação solitária da criança. Estes aspectos sustentam a afirmação da escola como lugar privilegiado, no sentido de oferecer diferentes situações em que o desenvolvimento potencial da criança Por meio do mecanismo da internalização, o desenvolvimento proximal paulatinamente se transforma em atual. “Vygotsky detalha sua explicação, refletindo sobre o ambiente, intencionalmente mediado de significados, que é a escola : - locus de aprendizagem sistematizada e de potencialização das conquistas culturais sobre os modos de pensamento do cidadão. Quando a performance de uma criança, numa atividade ou na solução de um problema se dá com a ajuda de um companheiro mais experiente, tal atividade ou solução do problema acontece, primeiramente, na forma de uma operação externa, realizada entre companheiros (interpsíquica); mais tarde, tal operação precisa ser reconstruída, pelo sujeito, passando a ser internalizada pelo próprio aprendiz (intrapsíquica). Assim sendo, o processo interpessoal, existente no ser guiado (ou ajudado), só é completo após ser transformado num processo intrapessoal, isto é, interno à própria criança e será reconhecido ao ser novamente externalizado em forma de ações intencionais, organizadoras, expandidoras ou inibidoras da ação dos outros sociais. A transformação é resultante de uma longa série de eventos internos de desenvolvimento, constituidores do sujeito.”(Vasconcellos, 1995, p.51) As conclusões advindas da análise do conceito de zona de desenvolvimento proximal apontam: 1. as funções que compõem o desenvolvimento psicológico e sustentam a aprendizagem estruturam-se de maneira prospectiva, referindo-se sempre ao que está para ser. Essas funções poderiam ser chamadas de” brotos “ou” flores “do desenvolvimento, ao invés de” frutos “do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivo, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente. (VyGotsky, 1984, p.97) 2. a aprendizagem sempre depende de interações de indivíduos (presentes ou representados por objetos culturais ou instituições), que despertarão o desenvolvimento interno. 3. a terceira proposição decorrente do conceito de zona de desenvolvimento proximal se refere à constatação de que o sujeito Psicologia II 88 _______________ 65 Sobre este assunto, vale ler o texto intitulado Considerações acerca do espaço: alguns subsídios para se pensar a organização espacial dos ambientes escolares, apresentado no Fascículo 3. 66 Para análise complementar sobre a relação estabelecida entre a teoria vygotskyana e a brincadeira, consultar o texto Por que se afirma que na Educação Infantil, brincadeira é coisa séria?, presente no Fascículo 3. 67 Protofunções - funções ainda imersas em sua potencialidade ou processos intrapsíquicos que ainda permanecem inacessíveis. 68Somente possível no âmago de uma proposta pedagógica que valoriza a documentação acerca do desenvolvimento de cada criança. sujeito social, mesmo sozinho, vive em um mundo mediado por recursos socioculturais como a organização espacial65 , os brinquedos66e demais objetos, eventos, linguagem. Ao analisar a brincadeira a partir das reflexões de Valsiner (1988), Vasconcellos (1995, p.53) destaca que: Na brincadeira, a criança usa os recursos disponíveis do ambiente para criar sua própria zona de desenvolvimento proximal, tais como arranjos espaciais próprios e estratégias de ação organizadas pelas gerações anteriores. De forma geral, Vasconcellos (1995) salienta que o conceito de zona de desenvolvimento proximal foi proposto por Vygotsky (1989) com o objetivo de chamar a atenção dos educadores para a importância do processo de construção da estrutura futura das funções psicológicas superiores, as protofunções67. Estas, por sua vez, quando observadas e trabalhadas pedagogicamente, revelam o desenvolvimento em sua forma plena68. Notas Finais O questionamento inicial deste fascículo convida o estudante a descobrir a relevância das contribuições de Vygotsky para a Psicologia e para a Educação. Para tanto, focalizaram- se as contribuições desse autor no que se refere à psicologia do desenvolvimento e alguns elementos convergentes à Psicologia Social, atuais aos interesses da Psicologia Educacional. O foco principal que o estudante é levado a analisar persegue o fenômeno da construção ontogenética do pensamento representacional e da construção do plano interno de atividade mental, com a emergência das funções mentais superiores. Psicologia II 89 Dentre vários apontamentos, destacam-se os conceitos de internalização, atividade mediada, sentido pessoal, pensamento verbal e zona do desenvolvimento proximal. Tais conceitos, articulados com o caráter discursivo-ideológico da linguagem, oferecem subsídios para o entendimento de como se dá a construção da subjetividade na qualidade de produto e de processo. A discussão em torno do conceito de imitação propicia ao estudante o desvelamento da abstração teórica, indicando as possibilidades concretas de teoria viva nas interações entre crianças, e entre adulto-criança. A imitação, nesse sentido, parece ser elemento esclarecedor da teoria, ainda mais fortalecido, quando se compreende sua articulação com a ação comunicativa, a zona de desenvolvimento proximal, a internalização e a construção de representações, sustentados por uma matriz histórico-social e ideológica que se expressa por recursos socioculturais, tais como eventos, linguagem, brinquedos, organizações espaciais e a construção das narrativas. Por fim, vale ressaltar o convite ao estudante para o exercício de análise dos processos de significação subjacentes às narrativas contemporâneas dirigidas às crianças e sua relação com a construção das subjetividades, atividade imprescindível para o educador no exercício de conhecer e comunicar-se com o universo infantil. Proposta de atividades e leitura Atividade 1 Retome o diálogo sobre creche apresentado por Ferreira-Rossetii et al (1992, p.13) que retrata um momento de elaboração de significado em torno da representação de creche. Esse episódio configura-se em uma negociação rica de conteúdos simbólicos, alguns deles internalizados ou em vias de internalização. É possível perceber como a criança pode evocar episódios de interações sociais já internalizadas para se assegurar da atribuição do significado. Procure identificar situações como essas no seu cotidiano, registre-as e analise à luz da teoria. Psicologia II 90 Atividade 2 Diferencie a concepção acerca do egocentrismo presente na teoria piagetiana daquela proposta por Vygotsky. Neste exercício, considere a situação abaixo caracterizada. Ao lembrar da reação das pessoas frente ao atentado de 11 de setembro de 2001, em Nova York, o que se pôde observar, foi uma reação segundo a qual as pessoas falavam sozinhas, como que repetindo para si mesmas o que seus olhos enxergavam e suas mentes, de imediato, não podiam representar, traduzir, dar sentido. Como estratégia para construir um significado para aquela tragédia, muitas pessoas assistiam compulsivamente as reportagens, buscavam imagens e informações que pudessem auxiliá-las na construção de um enredo, de uma versão dos fatos a ser internalizada. Interessante notar que, ao longo do processo de internalização, as pessoas foram elaborando e reelaborando significados, criando um sentido pessoal para os fatos. Atividade 3 Explore o conceito de zona de desenvolvimento proximal, identificando as três proposições possíveis no entendimento do conceito. Neste exercício, busque analisar o papel da relação adulto- criança, criança-criança e criança-linguagem midiática no processo de desenvolvimento e aprendizagem. Atividade 4 Consulte o livro A Formação Social da Mente, dedique-se a leitura sobre as observações de Vygotsky acerca da relação estabelecida entre a brincadeira, o brinquedo e o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Depois, identifique no livro Creches: crianças, faz de conta & cia, como a proposta pedagógica para a Educação Infantil contempla as proposições de Vygotsky. Faça um resumo e um texto analisando esta temática. Esta atividade também pode servir como preparação para um debate mais ampliado com seus colegas. Psicologia II 91 Referências BONIN, L. Indivíduo, Cultura e Sociedade, In: STREY, M. et al. Psicologia Social Contemporânea, Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. DE LATAILLE, Y., OLIVEIRA, M. & DANTAS, H. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão, SP: Summus, 1992. FREITAS, M. T. de A. 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Actividad, conciencia, personalidad, Ciudad de La Habana: Editorial Pueblo Y Educación, 1983. OLIVEIRA, Z., MELLO, A. M., ROSSETTI-FERREIRA, M. C. Creches: crianças, faz- de- conta & cia. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1992. REY, F. L. G. A pesquisa e o tema da subjetividade em educação. In: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados PUC-SP. Nº 13, 2001, 9 -15. SASS, O. Crítica da razão solitária: a psicologia social de George Herbert Mead, Tese de doutorado, PUC-SP, SP, 1992. VASCONCELLOS, V. M. de. Zona de desenvolvimento proximal: brincadeira na creche. In: FREITAS, M.T. de A. Vygotsky: um século depois. Juiz de Fora: EDUFJF, 1998. Psicologia II 92 VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente, SP: Martins Fontes, 1989. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem, SP: Martins Fontes, 1987. Psicologia II 93 Para encerrar este fascículo, algumas palavras Ao finalizar a apresentação das principais contribuições da Psicologia à Educação Infantil, é possível constatar que desenvolver e aprender significam tornar-se autônomo, seja no plano intelectual , seja no plano afetivo. A autonomia deve ser compreendida como a capacidade de auto-regulação, governar-se por si mesmo, levando em consideração seu ponto de vista e o ponto de vista do outro, pronunciando-se contra ou a favor aos dados da realidade,compreendendo as razões implícitas que os geram e aderindo, ou não, a elas. Na construção da autonomia, o sujeito está em constante exercício de análise, entendimento e convencimento. De outra forma, diz-se que autonomia remete ao sentido de diferenciação, de superação da dependência total do meio, de uma percepção centrada no eu para uma consciência da relação eu-outro que se amplia em direção à constituição do eu inserido no grupo, como sujeito social, cidadão. No entanto, é preciso ressaltar que desenvolver- se autonomamente não é a direção natural do curso do desenvolvimento, até porque, de acordo com os autores estudados neste fascículo, o desenvolvimento não se dá aprioristicamente, mas, sim, no entrecruzamento das dimensões biológicas, sociais e culturais. Isso implica dizer que nem todo processo educacional se orienta pelos objetivos da emancipação do sujeito. Em contrário disso, acabam reproduzindo relações nas quais a criança simplesmente aceita as regras ou o conhecimento em si como algo pronto, submetendo-se a eles. Deste ponto de vista, a problemática, a educação para a autonomia ainda enfeixa outra reflexão: o mesmo que se reivindica para a criança, também deve ser reivindicado para seus professores. Antes que o estudante pense que a chave para esse dilema encontra-se muito longe do que foi exposto neste fascículo, é preciso lembrar que os ensinamentos de Piaget, Wallon e Vygotsky explicitam o processo de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano e, como tal, devem ser reconhecidos. Isso comporta dizer que, ao refletir sobre os conceitos apresentados neste fascículo, o leitor deverá ampliar o foco de sua análise para além da criança, na qualidade Psicologia II 94 de aluno. Neste sentido, deverá analisar a si mesmo como ser em desenvolvimento, como aluno que foi e que é. Eis as perguntas que seguem: como vejo meu processo de desenvolvimento e de aprendizagem? Em que medida posso dizer que minha formação foi ou é pautada pela autonomia? Quais são minhas limitações e minhas possibilidades? Na condição de profissional da Educação Infantil, como sou influenciado pelos significados desta profissão? Como me posto diante disso? Como se pode notar, as reflexões sobre desenvolvimento e aprendizagem, tendo na autonomia sua questão de fundo, requerem elementos que extrapolam os limites deste fascículo, ao mesmo tempo em que remetem o leitor à leitura de outros, cuja temática aborde a questão identitária da educadora infantil, por exemplo. Boa caminhada! Psicologia II 95 Apêndice A – listagem de livros, CD’s e DVD’s infantis recomendados LIVROS BRADMAN, T. Miguel. RJ: Salamandra, 1998. BARROS, M. O fazedor de amanhecer. RJ:: Salamandra, 2001. BUARQUE, F. Chapeuzinho Amarelo. SP: José Olympio, 2003. GODOY, C. Ana e Ana. SP: Difusão Cultural do Brasil, 2003. HARRISON, J. Quando mamãe virou um monstro. SP: Brinque-Book, 1996. MACHADO, A. M. Menina bonita do laço de fita. SP: Ática, 2004. PINSKY, M. As muitas mães de Ariel. SP.: Melhoramentos, 1998. ROCHA, R. Faca sem ponta, galinha sem pé. SP: Ática, 2001. ROCHA, R. Marcelo, marmelo, martelo e outras estórias. RJ.: Salamandra, 1999. ROCHA, R. O Reizinho mandão. SP.: Quinteto editorial, 1997. ROSA, S. O menino Nito. SP: Pallas, 2002. ROSS, T. Dani. RJ.: Salamandra, 1998. SCIESZKA, J. A verdadeira história dos três porquinhos. SP.: Companhia das letrinhas, 1993. STRAUSZ, R. A.Uma família parecida com a da gente. SP. :Ática, 1998. ZATZ, L. Suriléia-mãe-monstrinha. SP.: Paulus, 1984. ZIRALDO, A. P. O menino e seu amigo. SP.: Melhoramentos, 2003. MORAES, V.; TOQUINHO. O poeta aprendiz. Cantado e ilustrado por Adriana Calcanhoto, SP.: Companhia das Letrinhas, 2003. (acompanha cd) Psicologia II 96 CD’s BRANDÃO, T. Tutu, o menino índio. SP.:Velas Produções Artísticas, Musicais e comércio Ltda, 1998, 1 CD. CALCANHOTO, A . Adriana Partimpim. SP. :BMG Brasil Ltda, 2004. CARVALHO, J. L. Marcelo, marmelo, martelo: trilha original do espetáculo musical. SP.: Fato Produções, 2000, 1 CD. PERES, S. de; TATIT, P. Canções de brincar. Manaus: Editora Palavra Cantada, 1996, 1 CD. PERES, S. de; TATIT, P. Canções Curiosa. Manaus. Editora Palavra Cantada, 1998, 1 CD. PERES, S. de; TATIT, P. Pé com pé. Manaus :Editora Palavra Cantada, 2004, 1 CD. TOQUINHO. No mundo da criança. RJ.: Circuito Musical/Editora Delta, 2004, 1 CD. DVD’s indicados CALCANHOTO, A. Adriana Partimpim: o show. SP. : BMG Brasil Ltda, 2004. 1 DVD PERES, S; TATIT, P. Palavra Cantada: 10 anos, SP. : Palavra Cantada, 2004. 1 DVD. TOQUINHO. No mundo da criança. RJ.: Circuito Musical/Editora Delta, 2004, 1 DVD. Apêmdice B - sites recomendados Google acadêmico http://scholar.google.com.br/scholar Livraria eletrônica científica online http://www.scielo.br/ Prossiga http://prossiga.ibict.br/ Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia http://www.psicologia.ufrgs.br/gidep/ Psicologia II 97 Centro Brasileiro de Investigações sobre o Desenvolvimento e Educação Infantil (Cindedi) http://cindedi.ffclrp.usp.br Creche UFF http://www.uff.br/creche/ Centro de Estudo e Pesquisa da Infância- Universidade Santa Úrsula http://www.usu.br/cespi/default.htm Laboratório de brinquedos e materiais pedagógicos http://www2.fe.usp.br/estrutura/index_labrimp.htm Site oficial da Adriana Partimpim http://www.adrianapartimpim.com/ Site Palavra Cantada http://www.palavracantada.com.br/final/index.aspx Apêndice C – sites de bibliotecas USP Ribeirão Preto - Biblioteca Central http://www.bcrp.pcarp.usp.br/ USP Educação http://www.fe.usp.br/biblioteca/ USP Psicologia http://www.usp.br/ip/biblioteca/menubib.htm Pontifícia Universidade Católica de São Paulo http://biblio.pucsp.br/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Biblioteca Central http:// www.biblioteca.ufrgs.br/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Psicologia http://www.psicologia.ufrgs.br/ Psicologia da Educação - UFGRS http://www.ufrgs.br/faced/slomp/ PUC - Rio de Janeiro http://www.dbd.puc-rio.br/ Psicologia II 98