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Clostridium Este gênero é extremamente heterogêneo, composto por cerca de 150 espécies e seu hábitat natural é o solo e o intestino. Poucas espécies, no entanto, são responsáveis por importantes infecções no homem e nos animais, a saber: C. perfringens, C. difficile, C. tetani, C. botulinum. O gênero é tradicionalmente definido como aquele que reúne bacilos gram-positivos esporulados, alguns anaeróbios obrigatórios (por exemplo, C. perfringens), outros aerotolerantes (por exemplo, C. tertium) e alguns, raros, que não toleram traços de oxigênio (C. haemolyticum). As células vegetativas da maioria das espécies são bacilos retos ou curvos, variando de pequenas formas de bastonetes cocoides a formas longas, filamentosas, com extremidades arredondadas ou retas. Os endosporos ovais ou esféricos usualmente são maiores do que as células vegetativas. Certas espécies só produzem esporos sob condições especiais, como é o caso de C. perfringens. A maioria não é capsulada, e praticamente todos são catalase-negativos. Os clostrídeos usualmente são fermentadores e/ou proteolíticos. As espécies C. perfringens, C. ramosum e C. innoccum são imóveis, porém a maioria é móvel através de flagelos peritríqueos. Clostridium tetani Bacilo com endosporo oval terminal cujo aspecto de raquete. Gram-positivo, é móvel, com temperatura ótima de crescimento em torno de 37 °C. É metabolicamente inativo, não fermenta carboidratos, não produz lecitinase ou lipase e tampouco digere leite ou outras proteínas. C. tetani produz duas proteínas biologicamente ativas: a neurotoxina – TeNT (tetanus neurotoxina) e a hemolisina. TeNT, produto da expressão de um gene carreado em plasmídeo, é sintetizada como um polipeptídeo que é naturalmente clivado por proteases bacterianas e do hospedeiro, em duas cadeias, uma pesada e uma leve. • A cadeia pesada → ligação da toxina a receptores da superfície celular de neurônios motores e transporte da cadeia leve (fragmento A) ao citoplasma celular. • A internalização, que ocorre em um compartimento semelhante ao endossomo, promove alterações conformacionais na cadeia pesada pela exposição de grupamentos hidrofóbicos, permitindo, assim, a sua inserção na membrana do endossomo. • O fragmento A é uma metaloprotease → atividade catalítica da TeNT → direcionada à proteína VAMP ou sinaptobrevinas participantes das vesículas envolvidas no tráfego de neurotransmissores, nas sinapses centrais, particularmente nas sinapses inibitórias da medula espinhal. Patogênese A doença ocorre após a introdução dos esporos na lesão que, em baixo potencial redox, são capazes de germinar e multiplicar-se. A toxina liberada, após a lise celular, se liga a junções neuromusculares dos neurônios motores para ser então endocitada. A partir da utilização do sistema de transporte retrógrado, através dos axônios, a TeNT chega ao sistema nervoso central para exercer sua atividade. • A TeNT é liberada no espaço intersináptico, entre o neurônio motor e o neurônio inibitório onde se liga a vesículas sinápticas e é endocitada. • Causa clivagem da VAMP/sinaptobrevina impede a liberação de neurotransmissores GABA e glicina pelos neurônios, bloqueando assim os impulsos inibitórios aos neurônios motores e consequentemente levando a uma paralisia espástica. Manifestações clínicas O tétano pode ser localizado ou generalizado. O período de incubação pode variar de 2 a 14 dias. • O tétano generalizado é reconhecido, inicialmente, pelo trismo (espasmos do masseter) e pelo riso sardônico (espasmos dos músculos bucais e faciais). Os espasmos generalizados podem se intensificar, levando a uma postura arqueada típica, denominada de opistotônica. • Já o tétano localizado resulta de espasmos dolorosos nos músculos adjacentes ao sítio da lesão e pode preceder ao tétano generalizado. • O tétano neonatal, em decorrência de contaminação do coto umbilical, manifesta-se após 3 a 12 dias do nascimento de bebês de mães não-vacinadas, através de uma progressiva dificuldade de sugar, que evolui para a diminuição ou paralisia dos movimentos. O diagnóstico do tétano é realizado pela observação clínica e pode ser confirmado por cultura a partir de swab da lesão ou visualização do bacilo por coloração de Gram. A toxina também pode ser detectada diretamente no soro do paciente. Clostridium perfringens Produz uma enterotoxina que causa diarréia no homem. Cepas de C. perfringens produzem uma enterotoxina citotóxica (CPE) com atividade no intestino delgado (especialmente no íleo) → induzem alterações na permeabilidade das membranas → provocando acúmulo de fluidos no lúmen intestinal. Todas as cepas produzem α-toxina que também é conhecida como lecitinase ou fosfolipase C. A α-toxina é hemolítica, destrói plaquetas, leucócitos e aumenta a permeabilidade capilar. Outras toxinas, aparentemente menos importantes, que podem ser associadas ou não à virulência, são produzidas pela espécie, λ-toxina (protease), κ-toxina (colagenase), µ-toxina (hialuronidase). Dos cinco tipos sorológicos (A, B, C, D, E), o tipo A é o causador da maioria das infecções em humanos. Somente as cepas do tipo A podem ser encontradas como microbiota nos intestinos do homem e de animais, e no solo. C. perfringens é a espécie do gênero mais isolada de infecções endógenas, as quais estão frequentemente associadas aos mesmos fatores predisponentes das demais infecções causadas por outras bactérias anaeróbias. Menos frequentemente, a espécie está associada a síndromes histotóxicas, em que a produção de gás e a atividade de toxinas específicas estão envolvidas, além de ser também associada a doenças puramente toxigênicas. Patogênese • Gangrena gasosa (mionecrose) • A gangrena é uma infecção que rápida e progressivamente destrói músculos com toxicidade sistêmica, certamente devido, em grande parte, à ação da α- toxina. A gangrena gasosa está usualmente associada a traumas ou cirurgias. • Infecção alimentar • C. perfringens tipo A causa uma forma branda comum de infecção alimentar, detectada em todo o mundo, especialmente sob a forma de surtos. • A infecção ocorre após a ingestão de alimentos contaminados com no mínimo 108 células produtoras de enterotoxina. • Os alimentos mais comumente envolvidos são os proteicos de origem animal, como carnes de bovinos e de aves que, após a contaminação, são manipulados por longos períodos (cozimento lento e logo após estocados à temperatura ambiente). Os esporos, sobrevivendo ao cozimento, germinam tão logo a temperatura alcança aquela estabelecida como ótima de crescimento. • O tempo de geração de C. perfringens é de 10 a 12 minutos, quando a temperatura é de 43 °C a 47 °C, produzindo então um número expressivo de células vegetativas. Muitas dessas células vegetativas morrem quando expostas ao meio ácido do estômago. Entretanto, se o alimento ingerido estiver suficientemente contaminado, algumas células sobreviventes passam para o intestino, onde no meio alcalino esporulam. A enterotoxina (CPE) acumulada intracelularmente é liberada quando a esporulação se completa e a lise ocorre para liberação do endosporo. • O período de incubação pode variar de 6 a 24 horas após a exposição e os sintomas principais são diarréia aquosa e espasmos intestinais com evolução benigna em 24 horas, em indivíduos sadios. • Outras infecções • Colecistite enfisematosa. Esta forma grave de infecção no trato biliar ocorre, especialmente, entre diabéticos. • Trato genital feminino → ex: abscessos tubo-ovarianos e pélvicos. • A celulite criptante ou celulite anaeróbica é caracterizada por formação de gás em tecido subcutâneo, sem toxicidade sistêmica e ocorre após três dias de um trauma. • A enterite necrótica, causada pela β-toxina de C. perfringens tipo C, sensível à protease, através do consumo de carnes contaminadas desuínos são incapazes de inativar a β-toxina pelos baixos níveis de proteases pancreáticas produzidos, em decorrência da desnutrição e simultânea dieta rica em inibidores de protease, como batata-doce, amendoim, soja. Clostridium botulinum Bacilo que apresenta esporos ovais subterminais, cujo habitat natural é o solo, poeira e sedimentos marinhos, podendo ser encontrado em uma grande variedade de agroprodutos, frescos ou industrializados. A espécie produz sete tipos antigênicos de toxina botulínica (BoNT– botulinum neurotoxin) designados de A-G. A espécie é dividida em quatro grupos fisiológicos: 1. O grupo I reúne os micro-organismos proteolíticos que produzem as toxinas A, B ou F. 2. O grupo II reúne os organismos não proteolíticos e que podem produzir as toxinas B, E ou F. 3. O grupo III engloba os organismos produtores de toxinas C e D. 4. O grupo IV define o tipo G, que não causa doença humana ou animal. As toxinas A, B, E e F são as principais causas de botulismo em humanos. C. botulinum também produz as exoenzimas C3 altera moléculas envolvidas na sinalização intracelular. A toxina botulínica é uma metaloprotease → ativação depende da clivagem proteolítica em duas cadeias polipeptídicas (leve e pesada). A BoNT é uma potente inibidora de neurotransmissores. Associa-se a proteínas não tóxicas para formar complexos cujos respectivos genes estão reunidos em um segmento de DNA denominado locus botulínico, localizado provavelmente em um elemento móvel. Patogênese O botulismo em seres humanos apresenta-se sob quatro formas. O botulismo infantil (bebês); o botulismo clássico; o botulismo de lesão e o botulismo após colonização em adultos. No botulismo infantil, o intestino é colonizado por esporos de C. botulinum, especialmente nos primeiros meses de vida, pelas condições satisfatórias para a colonização. Após germinação e consequente produção de neurotoxina no intestino grosso, a BoNT atravessa o tecido epitelial através de um processo ativo que envolve o reconhecimento de receptores na superfície apical do epitélio, endocitose mediada por receptor e liberação na face basolateral. • A toxina é então absorvida pela corrente sanguínea, sendo carreada às terminações nervosas periféricas, particularmente as junções neuromusculares dos neurônios motores onde se liga, irreversivelmente, às membranas pré-sinápticas, causando paralisia aguda flácida. Casos de colonização do C. botulinum em adultos, sua frequência é extremamente rara, pela alteração excepcional que deve ocorrer na anatomia, fisiologia e microbiota intestinal. O botulismo clássico ocorre após a ingestão de alimento contendo a BoNT pré-formada. Em geral, a toxina se encontra associada de forma não covalente a proteínas auxiliares, como as hemaglutininas (HA), também secretadas pelo C. Botulinum. Essas proteínas auxiliares protegem a BoNT da degradação pelo sistema digestório, permitindo que maiores quantidades da toxina alcancem o intestino delgado. A absorção ocorre primariamente no duodeno e jejuno e, através, da corrente sanguínea alcança as sinapses colinérgicas periféricas (incluindo-se as junções neuromusculares), onde então se ligam a vesículas sinápticas capazes de se fundir com as membranas neuronais permitindo que a toxina seja internalizada por endocitose. • O pH endossomal ácido permite mudanças conformacionais na toxina que levam a translocação da cadeia leve para o citoplasma celular. O alvo terminal dessas toxinas são as proteínas SNAREs (soluble NFS attachment receptor) como a sinaptobrevina e sintaxina, interferindo na liberação de acetilcolina. Manifestações clínicas Em decorrência da distribuição hematogênica da BoNT, as formas de botulismo manifestam-se como uma paralisia simétrica flácida descendente com diplopia, disartria, disfonia, disfagia e possivelmente com sequelas neurológicas, apesar da rota de transmissão (oral). A BoNT é considerada uma das toxinas mais potentes que se conhece. Sua potência é originada pela sua habilidade em bloquear transmissões neuromusculares e levar à morte através da paralisia da musculatura envolvida na respiração. Clostridium difficile C. difficile é um bacilo que se mostra predominantemente Gram-positivo, porém torna-se Gram-negativo após 24 a 48 horas de cultivo. Os esporos ovais subterminais são verificados na fase estacionária de crescimento na maioria dos meios sólidos com exceção dos meios seletivos. É fermentador de glicose, frutose, manitol e manose. C. difficile é normalmente um organismo ambiental desprovido de virulência. Assim como para outros microrganismos, parece que a intervenção do homem foi determinante no delineamento das condições de morbidade e mortalidade. Tais condições, a princípio, se fundamentam em alterações da microbiota intestinal que alguns antimicrobianos são capazes de induzir, uma vez que uma população anfibiôntica equilibrada oferece resistência à sua colonização. Atualmente, o grupo de maior risco para o desenvolvimento das infecções associadas ao C. difficile (CDAD) incluem os indivíduos hospitalizados com mais de 65 anos de idade com exposição recente a antibióticos; pacientes que fazem uso de redutores da acidez estomacal como os bloqueadores de H2 e inibidores da bomba de prótons; pacientes portadores de comorbidades e fazendo uso de imunossupressores. Esporos do C. difficile estão distribuídos na natureza desde solos, rios, lagos, vegetais, expondo o homem na comunidade, que, por sua vez, carrearia tal micro-organismo aos hospitais, onde o uso de antibióticos é mais expressivo. Mais frequente patógeno nosocomial (infecção hospitalar) de diarreias associadas ao uso de antimicrobianos e que eventualmente evoluem para quadros de intensa inflamação denominados de enterocolite pseudomembranosa. A associação entre C. difficile e diarreia seguida por enterocolite, após uso de antimicrobianos, foi definitivamente estabelecida pela atividade de duas toxinas denominadas de toxina A (TcdA) e toxina B (TcdB). • TcdA → potente enterotoxina que danifica o epitélio intestinal (inflamação) e expõe os receptores para a TcdB. • Aumentam a permeabilidade paracelular. • A produção das toxinas A e B depende das cepas e dos fatores ambientais, tais como a oferta de nutrientes, temperatura e a presença de concentrações subinibitórias de antibióticos. • Algumas poucas cepas produzem toxina binária ou CDT, composta de duas cadeias proteicas independentes com funções enzimáticas (CDTa) e de ligação (CDTb) que facilitam a aderência de C. difficile à superfície do epitélio, ajudando assim a colonização. Assim, a CDT aumentaria a virulência da espécie. Vale ressaltar que outros fatores podem contribuir na colonização de C. difficile no hospedeiro, tais como fímbrias, flagelos e moléculas de superfície que reconheçam componentes da matriz extracelular. Patogênese As etapas fundamentais na patogênese das infecções associadas a C. difficile são: 1. Alteração da microbiota do trato intestinal pelo uso de antimicrobianos (especialmente cefalosporinas, penicilinas e clindamicinas) → diminuição da resistência à colonização do C. difficile. 2. Colonização do microrganismo: através da eventual transmissão fecal-oral. Forma vegetativa e o crescimento de C. difficile toxigênico no cólon proporciona a liberação de ambas as toxinas. 3. Elaboração da TcdA e TcdB: a TcdA ativa macrófagos e mastócitos, induzindo a produção de mediadores inflamatórios que causam secreção de fluidos e aumento da permeabilidade da mucosa intestinal responsável pela diarreia. 4. Danos na mucosa e inflamação: a perda dos filamentos de actina, ocorrida em decorrência da ação tanto da TcdA quanto da TcdB, além da quimiotaxia e liberação de citocinas, conduz ao aparecimento de úlceras na superfície da mucosa que são logo recobertas com muco, proteínas séricas e célulasinflamatórias, criando uma típica pseudomembrana, que tende a coalescer e consequentemente caracterizar o estágio de enterocolite, resultado de uma resposta inflamatória intensa. Manifestações clínicas Essa infecção pode produzir um amplo espectro de manifestações clínicas que variam desde o estado de portador assintomático, em bebês e adultos, a fulminantes colites com megacólon e perfuração do cólon, como complicações e recorrências, dependentes de fatores do hospedeiro, como a densidade de receptores, níveis de anticorpos e presença ou ausência da barreira da microbiota. A diarreia associada a C. difficile usualmente ocorre quatro a nove dias após o início da terapia antimicrobiana e é a manifestação clínica mais frequente, regredindo espontaneamente em 25% dos pacientes com a retirada do antimicrobiano em uso. Os sinais típicos e sintomas de uma infecção aguda causada por C. difficile incluem: • Diarréia aquosa, anorexia, náusea, leucocitose e neutrofilia. Já a enterocolite pseudomembranosa que, eventualmente, se segue, é caracterizada pela presença de fezes com muco, febre, e leucocitose. As recorrências clínicas são frequentes e podem ser devido a recaídas com a mesma cepa ou podem ser reinfecções com uma nova cepa.