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Universidade Federal da Paraíba 
CNPJ/MF: 24.098.477/000 –10 
Cidade Universitária – Campus I S/N° ‐ Castelo Branco 
João Pessoa – PB – 58059‐900 
Fone/Fax: (83) 32167131/3216‐7135 e 3216‐7178 
Coordenação do Curso de Matemática a Distância: (83) 3216‐7434 
Home‐page: www.virtual.ufpb.br  
Home‐page do curso: www.mat.ufpb.br/ead 
 
Ficha Técnica  
 
 
Reitor da UFPB                                        
Rômulo Soares Polari 
 
Departamento de Matemática 
Fágner Dias Araruna 
 
Coordenador da UFPB – Virtual 
Renata Patrícia Jerônymo Moreira 
Edson de Figueiredo Lima Junior 
 
Arte, Design e Diagramação 
Romulo Jorge Barbosa Silva 
Pró‐Reitor de Graduação 
Valdir Barbosa Bezerra 
  
Centro de Ciências Exatas e da Natureza 
Antônio José Creão Duarte 
 
Coordenador do Curso 
José Gomes de Assis 
 
Revisão Técnica e Linguística 
Inaldo Barbosa de Albuquerque
 
 
S586u   Silva, Antônio de Andrade e 
 
Uma introdução axiomática dos conjuntos / Antônio de 
Andrade e Silva.   – João Pessoa: Editora Universitária da 
UFPB, 2011. 
 
               311 p.    
 
                          1. Álgebra 
 
                                                                      CDU: 512 
Sumário
Prefácio iii
1 O Método Axiomático 1
1.1 Introdução Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Modelos Axiomáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Caracterização de um Sistema de Axiomas . . . . . . . . . . . . 16
2 Conjuntos 35
2.1 Introdução Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.3 Gráficos e Famílias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.4 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3 Conjuntos Parcialmente Ordenados 101
3.1 Conjuntos Ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.2 Isomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3 Elementos Notáveis e Dualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
3.4 Conjuntos Bem Ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
4 Axioma da Escolha e Aplicações 175
4.1 Axioma da Escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
4.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
4.3 Princípio da Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
i
ii SUMÁRIO
5 Os Números Naturais 219
5.1 Os Números Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
5.2 Aritmética dos Números Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
6 Números Cardinais 255
6.1 Conjuntos Equipotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256
6.2 Números Cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
6.3 Aritmética dos Números Cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . 277
Bibliografia 301
Índice Remissivo 302
Prefácio
Este texto surgiu da experiência do autor quando este ministrou algu-
mas vezes a disciplina para os cursos de Matemática e na Licenciatura em
Matemática a Distância.
O principal objetivo deste texto é levar o leitor a compreender os axiomas
da Teoria dos Conjuntos, segundo “Zermelo-Fraenkel”, a ponto de aplicá-los em
diferentes contextos tais como o axioma da escolha, modelagem de situações-
problema envolvendo o princípio do máximo de Hausdorff, Lema de Zorn,
conjuntos bem ordenados, construção dos números naturais e números cardi-
nais.
O texto é dividido em seis capítulos, dos quais o primeiro é responsável
pela introdução do método axiomático e resultados utilizados em todo o texto.
Em cada estudo específico, busca-se a caracterização do objeto por meio de
propriedades que possibilitem ao leitor estabelecer correspondências entre de-
terminadas situações-problema da vida real e a espécie de função focalizada,
objetivando sua utilização na construção de uma tradução matemática da
respectiva situação.
É nossa expectativa que este texto assuma o carater de espinha dorsal de
uma experiência permanentemente renovável, sendo, portanto, bem vindas às
críticas e/ou sugestões apresentadas por todos - professores ou alunos quantos
dele fizerem uso.
Para desenvolver a capacidade do leitor de pensar por si mesmo em termos
das novas definições, incluímos no final de cada seção uma extensa lista de
exercícios, onde a maioria dos exercícios dessas listas foram selecionados dos
livros citados no final do texto. Devemos, porém, alertar aos leitores que os
iii
iv SUMÁRIO
exercícios variam muito em grau de dificuldade, sendo assim, não é necessário
resolver todos numa primeira leitura.
No capítulo 1 apresentaremos um pouco da história do surgimento do
método axiomático na matemática, que serão necessárias para o entendimento
dos próximos capítulos.
No capítulo 2 apresentaremos, via método axiomático, os elementos básicos
da Teoria dos Conjuntos através dos sete primeiros axiomas. Além disso, defi-
nimos as operações com conjuntos: união, interseção, complementar, diferença,
gráficos, famílias, produto cartesiano e algumas propriedades algébricas.
No capítulo 3 estudaremos os problemas de aplicações ordinárias de mate-
mática tais como: relação de ordem, conjuntos parcialmente ordenados, ele-
mentos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e ínfimo de
um conjunto. Além disso, estudaremos reticulados e conjuntos bem ordenados.
No capítulo 4 apresentaremos as formulações clássicas do axioma da escolha
dada por Zermelo e suas principais consequências.
No capítulo 5 construiremos, formalmente, o conjunto dos números natu-
rais, o qual será munido com todas as propriedades que são associadas com
os números naturais do nosso pensamento. Além disso, com o “axioma da
infinidade” completaremos a Teoria Axiomática dos Conjuntos, segundo Zer-
melo.
Finalmente, no capítulo 6 apresentaremos o conceito de conjuntos equipo-
tentes e o conceito formal de números cardinais via método axiomático. Tam-
bém, veremos que o conjunto dos números cardinais possui quase todas as
propriedades algébricas do conjunto dos números naturais.
Agradecemos aos colegas e alunos do Departamento de Matemática que,
direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. Em
particular, aos professores João Bosco Nogueira e Glauber Dantas Morais.
Antônio de Andrade e Silva.
Capítulo 1
O Método Axiomático
Quando falamos que um objeto pertence a outro objeto, queremos dizer,
simplesmente, que o primeiro deles depende do segundo. Situações de per-
tinência fazem-se presentes constantemente em nossa vida. Por exemplo, um
ponto pertence a uma reta.
A partir de agora, você está convidado a nos acompanhar neste passeio
pelo mundo dos axiomas e postulados. Juntos analisaremos detalhadamente
as caracterizações de um sistema de axiomas e a independência de um axioma.
É importante salientar que alguma familiaridade com conceitos tais como:
conjuntos, conjuntos numéricos, espaço vetorial, grupo etc. é necessário para
uma boa leitura deste capítulo.
No nosso dia-a-dia, os axiomas e postulados aparecem com mais frequência
na Geometria Plana. Considere, por exemplo,
“Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos
interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas
retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma
é menor que dois ângulos retos.”
Este e outros axiomas da Geometria Plana serão tratados neste capítulo.
1
2 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
1.1 Introdução Histórica
Nesta seção apresentaremos um pouco da história do surgimento do método
axiomático na matemática. O leitor interessado em mais detalhes pode con-
sultar Tarski, A. [8] ou Wilder, R. L. [9].
Nos textos de Geometria Plana, visto no ensino fundamental, encontramos
dois grupos fundamentais de afirmações, um chamado de axiomas e outro
chamado de postulados. Formalmente:
Um axioma é uma afirmação que dispensa explicação, ou seja, é uma ver-
dadeuniversal.
Exemplo 1.1
1. O todo é maior do que cada uma de suas partes.
2. O todo é a soma de suas partes.
3. Coisas iguais a uma outra coisa são iguais entre si.
Um postulado é um fato geométrico simples e óbvio que podemos supor sua
validade.
Exemplo 1.2
1. Dois pontos distintos determinam uma e somente uma reta.
2. Uma reta pode ser estendida indefinidamente.
3. Se r é uma reta e P é um ponto fora de r, então existe uma única reta
s paralela à reta r e passando por P .
Um teorema é uma verdade que não se torna evidente senão por meio de
uma prova.
Observação 1.3 Um teorema é composto de duas partes:
1.a Hipótese - é o conjunto de suposições.
1.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 3
2.a Tese - é a consequência que o raciocínio deduz da hipótese, por meio de
verdades já conhecidas.
Exemplo 1.4 (Teorema de Pitágoras) Em qualquer triângulo retângulo, a
área do quadrado cujo lado é a hipotenusa é igual à soma das áreas dos quadra-
dos que têm como lados cada um dos catetos. (Pitágoras, 569-480, a.C.)
Um lema é um teorema auxiliar.
Finalmente, um corolário é uma proposição que é uma consequência de um
teorema previamante provado.
Esses agrupamentos de axiomas e postulados já eram conhecidos em Aristó-
teles (384-321, a.C.) e em Euclides (330-260, a.C.) como noções comuns e
postulados. A partir dessas afirmações e de um certo número de definições,
Euclides demonstrou 465 teoremas em uma sequência lógica. Por exemplo, o
quinto postulado de Euclides, em sua forma original, foi enunciado como:
E5 - Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos
interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas
retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma
é menor que dois ângulos retos, confira Figura 1.1.
Proclus (Proclus Lycaeus, 412-485, d.C, filósofo grego) descreveu a con-
trovérsia que estava se formando com relação a esse postulado mesmo nessa
época, sendo ele próprio a favor da eliminação do postulado por classificá-lo
de ingênuo, plausível e sem carater de necessidade lógica.
No período Renascentista (séculos XV e XV I) iniciou-se novo período de
controvérsias com relação ao quinto postulado a partir dos outros postulados,
ou seja, demonstrá-lo a partir dos outros postulados e axiomas da geometria
usando princípios da lógica. Vamos dar uma pausa para relembrar a definição
de retas paralelas.
Duas retas distintas r e s, em Geometria Plana, são chamadas de paralelas
se elas não se interceptam, isto é, r 6= s e r ∩ s = ∅. Assim, atualmente, o
quinto postulado de Euclides é enunciado como:
E5 - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma
reta s que contém P e é parelela à reta r, confira Figura 1.2.
4 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Figura 1.1: Quinto postulado de Euclides.
Figura 1.2: Geometria Euclidiana.
Note que esse postulado afirma que retas paralelas existem.
No século dezenove, Lobachevsky (Nikolai Ivanovich Lobachevsky, 1792-
1856, matemático russo) em 1820, Gauss (Carl Friedrich Gauss 1777-1855,
matemático alemão) e Bolyai (János Bolyai, 1802-1860, matemático húngaro)
em 1823, descobriam que poderiam obter uma teoria matemática “consistente”
partindo de um postulado que afirma a existência de infinidade de retas parale-
las contendo P .
1.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 5
Postulado de Lobachevsky-Gauss-Bolyai - Dada uma reta r e um
ponto P fora de r, existem pelo menos duas retas s e t que contém P e são
paralelas à reta r.
Figura 1.3: Geometria Hiperbólica.
Um “modelo” para esta geometria é dado pelo o semiplano H, em que
as retas são semi-retas e semicírculos perpendiculares à reta que determina o
semiplano, confira Figura 1.3.
Riemann (Georg Friedrich Bernhard Riemann, 1826-1866, matemático ale-
mão), descobriu uma nova geometria partindo de um postulado que nega a
existência de retas paralelas.
Postulado de Riemann - Duas retas nunca são paralelas.
Figura 1.4: Geometria Esférica.
Um modelo para esta geometria é dado pela esfera S2, em que as retas são
os grandes círculos, ou seja, as interseções de S2 com os planos π contendo o
6 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
centro de S2, confira Figura 1.4.
Com esses postulados temos três tipos de geometrias. Em cada uma dessas
geometrias é claro que precisamos de muitos outros postulados.
Hilbert (David Hilbert, 1862-1943, matemático alemão), em 1899, no seu
célebre trabalho “Fundamentos da Geometria”, apresenta a ideia de que apenas
um nome - axiomas - deve ser usado com relação às proposições fundamentais,
e que certos termos básicos como ponto e reta são deixados completamente
indefinidos.
Embora esse trabalho de Hilbert seja reconhecido por muitos como sendo
o primeiro a tratar de método axiomático em sua forma moderna, devemos
reconhecer que ideias análogas também apareceram em trabalhos de outros
estudiosos da época.
Em 1882 apareceu a primeira edição do livro de Pasch (Moritz Pasch,
1843-1930, matemático alemão) “Vorlesungen über Neuere Geometrie.” Pasch
baseou seu tratamento da geometria em um pequeno número de “conceitos nu-
cleares” e “proposições nucleares” que são introduzidas respectivamente sem
definição e sem demonstrações, mas que ele acredita ter uma base comum de
aceitação pela nossa experiência. Depois que o sistema básico de proposições
(axiomas) é introduzido, a dedução lógica das outras proposições do sistema
são obtidas de forma rigorosa. Suas ideias foram descritas por ele mesmo como
segue:
“Na realidade, se a geometria deve ser dedutiva, a dedução deve ser in-
dependente do significado dos conceitos geométricos, da mesma forma que
deve ser independente de diagramas; somente as relações especificadas nas
proposições e definições (teoremas) empregadas podem ser usadas. Durante
a demonstração é útil e correto, mas de modo algum necessário, pensar no
significado dos termos; aliás, se for necessário proceder desse modo a ineficiên-
cia da prova está clara. Se, entretanto, um teorema é rigorosamente derivado
de um conjunto de proposições (os axiomas), a demonstração tem um valor que
transcende o objetivo inicial. Pois se substituirmos os termos geométricos nos
axiomas por outros termos certos, proposições verdadeiras serão obtidas, então
fazendo substituições análogas nos teoremas obteremos um novo teorema sem
termos que repetir a demonstração.”
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 7
1.2 Modelos Axiomáticos
Nesta seção apresentaremos alguns modelos axiomáticos que serão necessá-
rios para o desenvolvimento deste texto.
O modelo axiomático organiza as teorias de um modo sistemático a partir
de proposições primitivas e definições, procedendo ao desenvolvimento por via
dedutiva.
Um sistema de axiomas é uma coleção formada pelos termos indefinidos,
axiomas e “teoremas.”
Intuitivamente, um sistema de axiomas é construído como segue: primeiro
escolhemos os conceitos básicos e procuramos explicá-los sua natureza da mel-
hor maneira possível. Segundo escrevemos os axiomas para os conceitos.
Agora, apresentaremos um sistema “parcial” de axiomas como uma amostra
do modelo axiomático.
Exemplo 1.5 O sistema de axiomas E da Geometria Plana (Euclides).
Termos indefinidos: Ponto e Reta.
E1 - Toda reta é uma coleção de pontos.
E2 - Existem pelo menos dois pontos.
E3 - Se P e Q são pontos distintos, então existe uma e somente uma
reta contendo P e Q.
E4 - Se r é uma reta, então existe um ponto fora de r.
E5 - Se r é uma reta e P um ponto fora de r, então existe uma e somente
uma reta s contendo P e paralela à reta r.
Observação 1.6 Seja E o sistema de axiomas da Geometria Plana (Euclides)
1. Ponto e reta em E desempenham o mesmo papel que as variáveis em
equações algébricas, por exemplo,
(x+ y)2 = x2 + xy + yx+ y2,
8 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
com x e y representando qualquer objeto (número, matriz, etc.) de um
certo conjunto especificado.
2. Note que o axioma E1 em E estabelece uma relação entre os termos
indefinidos ponto e reta.
3. Vamos mostrar,com um exemplo, que o sistema de axiomas E não
é adequado para a Geometria Plana. Seja C uma cidade com duas bi-
bliotecas distintas,
C = {b1, b2} ,
em que os termos indefinidos são: “livro = ponto” e “biblioteca = reta.”
Note que o axioma E3 não é satisfeito, enquanto os outros o são.
4. Seja Z uma comunidade formada de quatro pessoas
Z = {a, b, c, d}
e seis clubes
ab, ac, ad, bc, bd e cd,
em que os termos indefinidos são: “pessoa = ponto” e “clube = reta.”
Então todos os axiomas são satisfeitos.
Teorema 1.7 Todo ponto pertence a pelo menos duas retas distintas.
Prova. Seja P um ponto qualquer. Pelo axioma E2 existe um pontoQ distinto
de P . Pelo axioma E3 existe uma e somente uma reta r contendo P e Q. Além
disso, pelo axioma E4 existe um ponto R fora de r. Novamente, pelo axioma
E3 existe uma reta s contendo P e R.
Finalmente, pelo axioma E1 temos que r 6= s, com r ∩ s = {P}. ¥
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 9
Figura 1.5: Esboço da Prova.
Corolário 1.8 Toda reta contém pelo menos um ponto.
Prova. Primeiro note que pelo axioma E2 existe um ponto P e pelo Teorema
1.7 existem duas retas distintas r e s contendo P . Agora, suponhamos, por
absurdo, que exista uma reta t sem pontos. Então, por definição, r e s são
paralelas à reta t. Como P está fora de t temos, pelo axioma E5 que existe
uma e somente uma reta u contendo P e paralela à reta t, o que contradiz o
fato de r e s serem paralelas à reta t. ¥
Teorema 1.9 Toda reta contém pelo menos dois pontos.
Prova. Seja r uma reta qualquer. Então, pelo Corolário 1.8, r contém um
ponto P e pelo Teorema 1.7, existe uma reta s distinta de r contendo P . Logo,
pelo axioma E1, existe um ponto Q tal que
(Q ∈ r e Q /∈ s) ou (Q /∈ r e Q ∈ s).
Se Q ∈ r, então o Teorema está provado. Se Q ∈ s, então, pelo axioma E4
existe um ponto R fora de s. Assim, temos duas possibilidades: se R ∈ r,
então o Teorema está provado. Se R /∈ r, então pelo axioma E5 existe uma e
somente uma reta t contendo R e paralela à reta s.
Afirmação. r ∩ t 6= ∅.
De fato, se r ∩ t = ∅, então a reta t é paralela à reta r. Logo, r e s são retas
contendo P e paralelas à reta t, o que contradiz o axioma E5.
Seja X ∈ r ∩ t. Então X é um ponto distinto de P , pois P /∈ t. Portanto,
r contém pelo menos dois pontos P e X. ¥
10 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Figura 1.6: Esboço da Prova.
Corolário 1.10 Toda reta fica completamente determinada por quaisquer dois
de seus pontos que sejam distintos.
Prova. Seja r uma reta qualquer. Então, pelo Teorema 1.9, a reta r contém
dois pontos distintos P e Q. Portanto, pelo axioma E3, a reta r é completa-
mente determinada pelos pontos P e Q. ¥
Teorema 1.11 Existem pelo menos quatro pontos distintos.
Prova. Pelo axioma E2 existem pelo menos dois pontos distintos P e Q. Pelo
axioma E3 existe uma única reta r contendo P e Q. Além disso, pelo axioma
E4 existe um ponto R fora de r e, pelo axioma E5, existe uma única reta s
contendo R e paralela à reta r.
Finalmente, pelo Teorema 1.9, s contém um ponto S distinto de R. Por-
tanto, existem pelo menos quatro pontos P , Q, R e S. ¥
Figura 1.7: Esboço da prova.
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 11
Teorema 1.12 Existem pelo menos seis retas distintas.
Prova. Pela prova do Teorema 1.11, existe uma reta r contendo P e Q; uma
reta s paralela à reta r contendo pontos distintos R e S. Logo, pelo axioma E3
existem retas u e v contendo Q e S; P e R, respectivamente. Note que Q /∈ v,
pois se Q ∈ v, então v = r e R ∈ r, o que é impossível. De modo inteiramente
análogo, prova-se que S /∈ v e P,R /∈ u. Novamente, pelo axioma E3 existem
retas t e x contendo P e S; Q e R, respectivamente. Observe que Q /∈ t e
S /∈ x. Portanto, r, s, t, u, v e x são retas distintas. ¥
Figura 1.8: Esboço da prova.
Note, nas provas dos resultados acima, que as Figuras nos ajudam a me-
morizar os vários símbolos
(r, s, P,Q, . . .)
bem como, seus significados de maneira mais fácil. Não obstante, nenhum
significado especial foi dado aos termos “ponto” e “reta”, e, consequentemente,
são válidas se substituirmos pessoas por pontos e duas pessoas por reta. Além
disso, é claro que não provamos acima todos os teoremas possíveis.
Finalizaremos esta seção apresentado mais um exemplo de um sistema de
axiomas para definirmos um “corpo.”
12 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Exemplo 1.13 O sistema de axiomas F formado por um conjunto não vazio
K de objetos (corpo).
Termos indefinidos: Objetos (Conjunto e Pertinência).
O conjunto K é munido com duas operações binárias:
+ : K ×K −→ K
(a, b) 7−→ a+ b
e
· : K ×K −→ K
(a, b) 7−→ a · b
chamadas adição e multiplicação tais que os seguintes axiomas são satis-
feitos:
F1 - Sejam a, b, c, d ∈ K. Se a = c e b = d, então a+ b = c+ d, isto é,
a operação + está bem definida.
F2 - a+ (b+ c) = (a+ b) + c, para todos a, b, c ∈ K.
F3 - Existe 0 ∈ K tal que a+ 0 = 0 + a = a, para todo a ∈ K.
F4 - Para cada a ∈ K, existe −a ∈ K tal que a+ (−a) = (−a) + a = 0.
F5 - a+ b = b+ a, para todos a, b ∈ K.
F6 - Sejam a, b, c, d ∈ K. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é, a
operação · está bem definida
F7 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ K.
F8 - Existe 1 ∈ K tal que a · 1 = 1 · a = a, para todo a ∈ K.
F9 - K possui pelo menos dois elementos. Neste caso, o elemento 0 é
diferente do elemento 1.
F10 - Para cada a ∈ K∗, existe a−1 ∈ K tal que a · a−1 = a−1 · a = 1.
F11 - a · b = b · a, para todos a, b ∈ K.
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 13
F12 - A operação binária + é distributiva sobre a operação binária ·, isto
é,
a · (b+ c) = a · c+ a · b e (a+ b) · c = a · c+ b · c, ∀ a, b, c ∈ K.
Teorema 1.14 Sejam K um corpo e a, b, x ∈ K.
1. Se a+ x = a, então x = 0.
2. Se b 6= 0 e b · x = b, então x = 1.
3. Se a+ b = 0, então b = −a.
4. A equação a+ x = b possui uma única solução x = (−a) + b.
5. Se b 6= 0, então a equação b ·x = a possui uma única solução x = b−1 · a.
6. x · 0 = 0 · x = 0.
7. −x = (−1)x.
8. −(a+ b) = (−a) + (−b).
9. −(−x) = x.
10. (−1) · (−1) = 1.
11. Não existe y ∈ K tal que 0 · y = 1.
Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (6), (8) e (11): (1) Usando sucessi-
vamente, os axiomas F3, F4 e F2, obtemos
x = 0 + x
= [(−a) + a] + x
= (−a) + (a+ x) hipótese
= (−a) + a = 0.
(6) Pelo axioma F3, 1 = 1 + 0. Logo, pelo axioma F6,
x · 1 = x · (1 + 0).
14 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Assim, pelos axiomas F8 e F12, x = x+x ·0. Portanto, pelo item (1), x ·0 = 0.
(8) Pelo item (7), −(a+ b) = (−1)(a+ b). Pelo axioma F12,
(−1)(a+ b) = (−1)a+ (−1)b.
Novamente, pelo item (7),
(−1)a+ (−1)b = (−a) + (−b).
Portanto, −(a+ b) = (−a) + (−b).
(11) Pelo item (6), 0 ·x = 0, para todo x ∈ K. Suponhamos, por absurdo,
que exista y ∈ K tal que 0 · y = 1. Então 0 = 0 · y = 1, o que contradiz o
axioma F9. ¥
EXERCÍCIOS
1. O sistema de axiomas V formado por um conjunto não vazio V de “ve-
tores” (espaço vetorial).
Termos indefinidos: Vetores.
O conjunto V é munido com duas operações:
+ : V × V −→ V
(u, v) 7−→ u+ v
e
· : K × V −→ V
(a, u) 7−→ a · u
chamadas adição e multiplicação por escalar tais que os seguintes
axiomas são satisfeitos:
V1 - Sejam u, v, w, t ∈ V . Se u = w e v = t, então u + v = w + t,
isto é, a operação + está bem definida.
V2 - u+ (v + w) = (u+ v) + w, para todos u, v, w ∈ V .
V3 - Existe 0 ∈ V tal que u+ 0 = 0 + u = u, para todo u ∈ V .
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 15
V4 - Para cada u ∈ V , existe −u ∈ V tal que
u+ (−u) = (−u) + u = 0.
V5 - u+ v = v + u, para todos u, v ∈ V .
V6 - Sejam a, b ∈ K e u, v ∈ V , em que K é um corpo. Se a = b e
u = v, então a · u = b · v, isto é, a operação · está bem definida.
V7 - a(b · u) = (ab) · u, para todo u ∈ V e a, b ∈ K.
V8 - (a+ b) · u = a · u+ b · u, para todo u ∈ V e a, b ∈ K.
V9 - a · (u+ v) = a · u+ a · v, para todos u, v ∈ V e a ∈ K.
V10 - 1 · u = u, para todo u ∈ V e 1 o elemento identidade de K.
(a) Mostre que o vetor 0 é único em V .
(b) Mostre que o vetor −u é único em V .
(c) Mostre que existe um único x ∈ V tal que u + x = v, para todos
u, v ∈ V .
(d) Mostre que seu+ u = u, então u = 0.
(e) Mostre que a · 0 = 0, para todo 0 ∈ V e a ∈ K.
(f) Mostre que 0 · u = 0, para todo u ∈ V e 0 ∈ K.
(g) Mostre que se a ·u = 0, então a = 0 ou u = 0, onde u ∈ V e a ∈ K.
(h) Mostre que −u = (−1)u, para todo u ∈ V .
(i) Mostre que (−a) ·u = a · (−u) = −(a ·u), para todo u ∈ V e a ∈ K.
2. Mostre que o conjunto dos números complexos
C = {a+ bi : a, b ∈ R e i2 = −1}
satisfaz o sistema de axiomas V com as operações usuais, onde K = R.
3. O sistema de axiomas G formado por um conjunto não vazio G de
objetos (grupo).
16 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Termos indefinidos: Objetos.
O conjunto G é munido com uma operação binária:
· : G×G −→ G
(a, b) 7−→ a · b
chamada produto tais que os seguintes axiomas são satisfeitos:
G1 - Sejam a, b, c, d ∈ G. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é,
a operação · está bem definida.
G2 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ G.
G3 - Existe e ∈ G tal que a · e = e · a = a, para todo a ∈ G.
G4 - Para cada a ∈ G, existe a−1 ∈ G tal que a · a−1 = a−1 · a = e.
(a) Mostre que o elemento e é único em G.
(b) Mostre que o elemento a−1 é único em G.
(c) Mostre que para quaisquer a, b ∈ G, as equações a ·x = b e y · a = b
possuem soluções únicas x, y ∈ G.
(d) Mostre que as funções Lc : G −→ G e Rc : G −→ G definidas como
Lc(x) = c · x e Rc(x) = x · c, respectivamente, são bijetoras, para
todo c ∈ G fixado.
4. Seja M2(R) o conjunto das 2 × 2 matrizes com entradas em R. Mostre
que o conjunto das matrizes invertíveis
GL 2(R) = {A ∈M2(R) : det(A) 6= 0}
satisfaz o sistema de axiomas G, com a operação usual de multiplicação
de matrizes.
1.3 Caracterização de um Sistema de Axiomas
Quando os termos indefinidos e os axiomas forem selecionados, como pode-
remos garantir que o sistema de axiomas obtido é adequado aos propósitos
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 17
para que foi estabelecido? Se, por exemplo, ele foi estabelecido para servir
de base para os fundamentos da Geometria Plana, então desejaríamos saber
de alguma maneira se de fato os axiomas estabelecidos são suficientes. Outra
questão que poderíamos abordar, é sobre a “independência” dos axiomas;
algum dos axiomas pode ser provado a partir dos outros, e caso isto ocorra,
não deveríamos enunciá-lo como um teorema para ser depois demonstrado?
A experiência tem mostrado, entretanto, que uma questão mais fundamen-
tal é a seguinte: o sistema implica teoremas contraditórios? Se isto ocorre,
então é claro que alguma coisa está errada, e teremos então que eliminar este
defeito antes de abordarmos qualquer outro aspecto. Consideraremos portanto
esta questão em primeiro lugar.
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é consistente se ele não im-
plicar teoremas contraditórios. Caso contrário, diremos que Σ é inconsistente.
Observação 1.15 Como cada axioma é implicado pelo sistema de axiomas
temos, em particular, que um sistema de axiomas consistentes não pode ter
axiomas contraditórios.
Exemplo 1.16 Se acrescentarmos o axioma, E6 - “Existe no máximo três
pontos”, ao sistema de axiomas E da Observação 1.6, então E é inconsistente,
pois, contradiz o Teorema 1.11, “Existem pelo menos quatro pontos.”
Seja Σ um sistema de axiomas. Uma interpretação de Σ é uma atribuição
de significados aos termos indefinidos do sistema, de modo que os axiomas
se tornem simultaneamente proposições verdadeiras para todos os valores va-
riáveis (por exemplo, pontos e retas no sistema E).
Exemplo 1.17 O conjunto Z de quatro pessoas é uma interpretação para o
sistema de axiomas E da Observação 1.6.
Exemplo 1.18 O conjunto dos números reais R é uma interpretação para o
sistema de axiomas F do Exemplo 1.13.
Seja Σ um sistema de axiomas. Um modelo para Σ é o resultado de uma
interpretação. Assim, o conjunto dos números reais R é um modelo do sistema
18 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
de axiomas F , e a coleção de quatro pessoas Z é também um modelo para o
sistema E . Em geral, quando fazemos uma interpretação I de um sistema de
axiomas Σ, o modelo resultante da interpretação será representado por M(I).
Para alguns modelos de um sistema de axiomas Σ, alguns axiomas do
sistema podem ser verdadeiros por vacuidade, isto é, axiomas da forma “se
. . . , então . . . ” (p → q), que chamaremos de “axiomas condicionais”, podem
ser verdadeiros quando interpretados simplesmente porque a parte condicional
“se . . . ” não é satisfeita pelo modelo.
Exemplo 1.19 Sejam p a sentença “dois ângulos opostos pelo vértice” e q a
sentença “dois ângulos congruentes.” Então comprove intuitivamente a tabela
da sentença p → q sendo verdadeira se pudermos desenhar o diagrama dos
ângulos, caso contrário, falsa, confira Figura 1.9.
Figura 1.9: Tabela de Verdade.
p q p→ q (∼ p) ∨ q
V V V V
V F F F
F V V V
F F V V
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é satisfatório se ele admitir
uma interpretação.
Exemplo 1.20 Os sistemas de axiomas E e F da Observação 1.6 e do Exem-
plo 1.13, respectivamente, são satisfatórios.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 19
Vamos determinar ummétodo de verificarmos a consistência de um sistema
de axiomas Σ. Para isso, vamos relembrar dois princípios da lógica clássica
(Aristoteliana). Seja p uma sentença (ou proposição). Então:
1. Princípio da contradição. Se p é verdadeira, então ∼ p é falsa, isto
é, dadas duas proposições contraditórias uma delas é falsa. Em símbolos,
∼ [p ∧ (∼ p)].
2. Princípio do terceiro excluído. p ou ∼ p é sempre verdadeira, isto
é, dadas duas proposições contraditórias pelo menos uma delas é sempre
verdadeira. Em símbolos,
p ∨ (∼ p).
Exemplo 1.21 Seja p a proposição “hoje é quarta-feira.” O princípio da con-
tradição vale, pois hoje não pode ser ambos quarta-feira e quinta-feira. O
princípio do terceiro excluído afirma p ou ∼ p é sempre verdadeira.
Exemplo 1.22 Seja A um conjunto e P (x) uma propriedade “a qual é signi-
ficativa para cada elemento x em A.” O princípio do terceiro excluído afirma
ou existe um x ∈ A tal que P (x) é verdadeira ou ao contrário, P (x) é falsa,
para todo x ∈ A.
Seja Σ um sistema de axiomas. Uma Σ-proposição é uma proposição que
pode ser expressa com base nos termos indefinidos e universais de Σ.
Exemplo 1.23 Os axiomas e teoremas de Σ são Σ-proposições.
Vamos enunciar mais dois princípios da lógica aplicados ao sistema de
axiomas Σ.
L1 Todas as proposições implicadas pelos axiomas de Σ, são verdadeiras para
todos os modelos de Σ.
L2 O princípio da contradição se aplica a todas as proposições sobre um
modelo de Σ, desde que elas sejam Σ-proposições cujos termos técnicos
tenham os significados dados na interpretação.
20 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Sejam Σ um sistema de axiomas e I uma interpretação de Σ. Uma (Σ, I)-
proposicão é o resultado de atribuirmos aos termos técnicos de uma Σ-proposi-
ção seus significados em I. Assim, os princípios (L1) e (L2) podem ser enunci-
ados como seguem:
L
0
1 Toda (Σ, I)-proposição, tal que a correspondente Σ-proposição é impli-
cada por Σ, é verdadeira para M(I).
L
0
2 (Σ, I)-proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras para
M(I).
Teorema 1.24 Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é satisfatório, então ele
é consistente.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ seja inconsistente. Então existem
duas Σ-proposições contraditórias em Σ. Como Σ é satisfatório temos que
existe uma interpretação I para Σ. Logo, pelo princípio (L
0
1), essas proposições
podem ser vistas como (Σ, I)-proposições e são ambas verdadeiras para M(I),
o que contradiz o princípio (L
0
2). Portanto, Σ é um sistema consistente. ¥
Observação 1.25 Seja Σ um sistema de axiomas. A existência de uma in-
terpretação em Σ garante a sua consistência.
Exemplo 1.26 A interpretação I = R garante a consistência do sistema de
axiomas F do Exemplo 1.13.
Sejam Σ um sistema de axiomas satisfatório e A1, . . . , An os axiomas de Σ.
Diremos que um axioma Aj é independente em Σ se o sistema de axiomas
(Σ−Aj) + (∼ Aj)
for satisfatório, ouseja, o sistema de axiomas Σ excluindo o axioma Aj mais
a negação do axioma Aj é satisfatório.
Observação 1.27 Sejam Σ um sistema de axiomas e A1, . . . , An os axiomas
de Σ. Se Aj for provado pelo sistema de axiomas Σ − Aj, então Aj não é
independente. Neste caso, todo modelo que satisfaça Σ−Aj satisfaz necessari-
amente Aj (prove isso!) e, portanto, não podemos achar uma interpretação
para Σ−Aj, que não seja interpretação de Aj.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 21
Exemplo 1.28 O axioma E5 do sistema de axiomas E do Exemplo 1.5 é in-
dependente.
Solução. Seja E6 o seguinte axioma: “existe uma reta r e um ponto P fora
de r tal que não existe nenhuma reta s contendo P e paralela à reta r.”
Afirmação. E6 =∼ E5 e (E −E5) + E6 é um sistema de axiomas satis-
fatório.
De fato, sejaM o conjunto de três moedas distintas, em que “moeda = ponto”
e “par de moedas = reta.” Então é fácil verificar que os axiomas E1, E2, E3
e E4 de E são satisfeitos, mas o axioma E5 não é satisfeito. Assim, M é uma
interpretação para (E − E5) +E6. Portanto, (E −E5) +E6 é satisfatório e E5
é independente em E . ¥
Exemplo 1.29 O axioma F10 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 é
independente.
Solução. Seja F13 o axioma: “para algum a ∈ K∗, não existe a−1 ∈ K tal que
a · a−1 = a−1 · a = 1.”
Afirmação. F13 =∼ F10 e (F − F10) + F13 é um sistema de axiomas
satisfatório.
De fato, o conjunto dos números inteiros Z, com as operações usuais de adição e
multiplicação, é uma interpretação para (F − F10)+F13. Portanto, (F − F10)+
F13 é satisfatório e F10 é independente em F . ¥
Exemplo 1.30 O axioma F5 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 não
é independente, ou seja, F − F5 implica F5.
Solução. Devemos provar que F5 é uma consequência do sistema de axiomas
F − F5. Primeiro vamos desenvolver (a+ b) (1 + 1) de duas maneiras: Pelos
axiomas F12, F8 e F2, obtemos
(a+ b) (1 + 1) = (a+ b) · 1 + (a+ b) · 1
= (a+ b) + (a+ b)
= a+ (b+ a) + b.
22 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Por outro lado, pelos axiomas F12, F8 e F2, obtemos
(a+ b)(1 + 1) = a(1 + 1) + b(1 + 1)
= (a+ a) + (b+ b)
= a+ (a+ b) + b.
Logo,
a+ (b+ a) + b = a+ (a+ b) + b.
Portanto, pelos axiomas F3, F4 e F2, obtemos
a+ b = [0 + (a+ b)] + 0
= (−a) + [a+ (a+ b) + b] + (−b)
= (−a) + [a+ (b+ a) + b] + (−b)
= [0 + (b+ a)] + 0
= b+ a,
que é o resultado desejado. Faça outra prova desenvolvendo (1 + a) (1 + b) de
duas maneiras. ¥
Sabemos que com o sistema de axiomas E não podemos provar todos os
teoremas da Geometria Plana. Na realidade vimos uma interpretação para o
sistema E com apenas um número finito de pontos. É claro que isto não deveria
ocorrer se fosse um sistema adequado para o estudo da Geometria Plana.
Agora, vamos iniciar a noção de completividade de um sistema de axiomas,
com a ideia de serem os axiomas desses sistemas suficientes para provarmos
todos os teoremas, podemos afirmar que se encontrarmos um teorema tal que,
tanto ele como sua negação não podem ser provados no sistema, então esse
“teorema” é um candidato a um novo axioma do sistema.
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é independente se todos os
axiomas de Σ o são.
Exemplo 1.31 O sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 não é independente.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 23
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é completo se não existir
uma Σ-proposição p tal que p seja um axioma independente em Σ+ p, isto é,
os sistemas de axiomas Σ+ p e Σ+ (∼ p) sejam satisfatórios.
Observação 1.32 Seja Σ um sistema de axiomas. Vimos que Σ é completo
se for impossível adicioná-lo um novo axioma independente. Neste caso, os
termos indefinidos devem permanecer os mesmos.
Exemplo 1.33 O sistema de axiomas E do Exemplo 1.5 não é completo. Pois
se E6 é o axioma: “existe no máximo quatro pontos”, então E+E6 e E+(∼ E6)
são satisfatórios, um vez que, o primeiro admite a interpretação das quatro
pessoas e o segundo admite a interpretação da Geometria Plana.
Sejam Σ um sistema de axiomas e M1, M2 dois modelos para Σ. Diremos
que M1 é isomorfo a M2 se existir uma função bijetora de M1 sobre M2 que
preserva as Σ-proposições.
Exemplo 1.34 Sejam E6 o axioma: “existe no máximo quatro pontos” e E 0 =
E +E6 um sistema de axiomas. Então os modelos M1 =M(I1) e M2 =M(I2)
para E 0 são isomorfos, onde I1 = conjunto de quatro pessoas e I2 = conjunto
de quatro moedas.
Com a definição de isomorfismo à nossa disposição, podemos determinar um
método que nos permita verificar a completividade de um sistema de axiomas.
Este método baseia-se no seguinte conceito:
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é categórico se quaisquer
dois modelos para Σ são isomorfos com relação a Σ.
Teorema 1.35 Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é categórico, então ele
é completo.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ não seja completo. Então existe
uma Σ-proposição p tal que Σ+p e Σ+(∼ p) sejam satisfatórios. Logo, existe
uma interpretação I1 para Σ+p e uma interpretação I2 para Σ+(∼ p). Como
Σ é categórico temos que existe uma função bijetora
ϕ :M(I1)→M(I2)
24 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
que preserva Σ-proposições, o que é uma contradição, pois p é verdadeira em
M(I1) e falsa em M(I2). ¥
Para finalizarmoos esta seção vamos fazer alguns comentários sobre as
vantagens do método axiomático: o primeiro é a “economia” que obtemos
quando um sistema de axiomas Σ possui muitos modelos em diferentes ramos
da matemática; pois um único teorema em Σ fornece um teorema em cada in-
tepretação; sem que seja necessário uma prova especial uma vez que o teorema
foi provado no sistema Σ. Outra grande vantagem do método axiomático que
merece especial atenção é o carater de definição implícita. Embora a origem e
o desenvolvimento matemático pode ocorrer por linhas inteiramente diversas,
uma vez o conceito estabelecido, a sua caracterização axiomática é extrema-
mente vantajosa. Por exemplo, o desenvolvimento do sistema de todos os
números reais, que forma os fundamentos da moderna Análise, e evoluiu va-
garosamente durante muitos séculos.
Atualmente, como veremos neste texto, podemos dar uma definição
axiomática precisa e estudarmos suas propriedades através de teoremas basea-
dos nos axiomas. Muitos outros conceitos matemáticos se desenvolveram de
modo análogo.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que o axioma F9 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 é
independente.
2. Seja V o sistema de axiomas do Exercício 1 da Seção 1.2.
(a) Mostre que V não é independente.
(b) Mostre que o axioma V10 de V é independente.
3. Seja G o sistema de axiomas do Exercício 3 da Seção 1.2.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 25
(a) Mostre que o conjunto dos números reais não nulos R∗ com a mul-
tiplicação usual é um modelo para G.
(b) Mostre que o conjunto dos números racionais Q com a soma usual
é um modelo para G.
(c) O sistema de axiomas G é consistente?
(d) O sistema de axiomas G é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de G é independente.
4. O sistema de axiomasA formado por um conjunto não vazio A de objetos
(anel).
Termos indefinidos: Objetos.
O conjunto A é munido com duas operações binárias:
+ : A×A −→ A
(a, b) 7−→ a+ b
e
· : A×A −→ A
(a, b) 7−→ a · b
chamadas adição e multipicação tais que os seguintes axiomas são
satisfeitos:
A1 - Sejam a, b, c, d ∈ A. Se a = c e b = d, então a+ b = c+ d, isto
é, a operação + está bem definida.
A2 - a+ (b+ c) = (a+ b) + c, para todos a, b, c ∈ A.
A3 - Existe 0 ∈ A tal que a+ 0 = 0 + a = a, para todo a ∈ A.
A4 - Para cada a ∈ A, existe−a ∈ A tal que a+(−a) = (−a)+a = 0.
A5 - a+ b = b+ a, para todos a, b ∈ A.
A6 - Sejam a, b, c, d ∈ A. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é,
a operação · está bem definida
A7 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ A.
A8 - As operações binárias + e · são distributivas, isto é, para todos
a, b, c ∈ A,
a · (b+ c) = a · c+ a · b
26 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
e
(a+ b) · c = a · c+ b · c.
(a) Mostre que o conjunto dos números inteiros Z com a soma e a
multiplicação usualé um modelo para A.
(b) Mostre que o conjunto das matrizes M2(R) com a soma e a multi-
plicação usual é um modelo para A.
(c) Mostre que cada axioma de A é independente.
(d) O sistema de axiomas A é consistente?
(e) O sistema de axiomas A é categórico?
(f) O sistema de axiomas A é completo?
5. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Uma relação binária sobre X
é uma função R : X ×X −→ {0, 1} definida como
R(x, y) =
(
1, se x está relacionado com y
0, se x não está relacionado com y.
Quando R(x, y) = 1 é conveniente escrever xRy. Uma relação de equi-
valência sobre X é uma relação binária R sobre X tal que os seguintes
axiomas são satisfeitos:
R1 - xRx, para todo x ∈ X.
R2 - Se xRy, então yRx, para todos x, y ∈ X.
R3 - Se xRy e yRz, então xRz, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Seja X = Z×Z∗. Para (a, b), (c, d) ∈ X, definimos a relação binária
(a, b)R(c, d)⇔ ad = bc.
Mostre que X é um modelo para R.
(b) Seja Y = {1, 2, 3}. Definimos a relação binária
R = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1), (1, 3), (3, 1), (2, 3), (3, 2)}.
Mostre que Y é um modelo para R.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 27
(c) O sistema de axiomas R é consistente?
(d) O sistema de axiomas R é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de R é independente.
6. SejaX um conjunto não vazio qualquer. Uma relação de ordem (parcial)
sobre X é uma relação binária P sobre X tal que os seguintes axiomas
são satisfeitos:
P1 - xPx, para todo x ∈ X.
P2 - Se xPy e yPx, então x = y, para todos x, y ∈ X.
P3 - Se xPy e yPz, então xPz, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Seja X = N. Para x, y ∈ X, definimos
xPy ⇔ x divide y.
Mostre que X é um modelo para P.
(b) Sejam Y = {1, 2, 3} um conjunto e P(Y ) o conjunto das potências
de Y . Para A,B ∈ P(Y ), definimos
APB ⇔ A ⊆ B.
Mostre que P(Y ) é um modelo para P.
(c) O sistema de axiomas P é consistente?
(d) O sistema de axiomas P é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de P é independente.
7. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Uma ordem simples sobre
X é uma relação binária ≺ sobre X tal que os seguintes axiomas são
satisfeitos:
S1 - Se x, y ∈ X, com x 6= y, então x ≺ y ou y ≺ x.
S2 - Se x ≺ y, então x 6= y, para todos x, y ∈ X.
28 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
S3 - Se x ≺ y e y ≺ z, então x ≺ z, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Mostre que se x, y ∈ X, então x ≺ y ou y ≺ x e não ambos
(b) SejamX = R e x < y significa que “x está à esquerda de y.” Mostre
que X é um modelo para ≺.
(c) Sejam X = N e x < y significa que “x é menor do que y.” Mostre
que X é um modelo para ≺.
(d) O sistema ≺ é consistente?
(e) O sistema de axiomas ≺ é categórico?
8. SejaX um conjunto não vazio qualquer. Uma coleção T de subconjuntos
de X, chamados abertos de X, é uma topologia sobre X se os seguintes
axiomas são satisfeitas:
T1 - ∅, X ∈ T .
T2 - A união de um número qualquer de conjuntos de T pertence a
T .
T3 - A interseção de dois conjuntos quaisquer de T pertence a T .
(a) Mostre que o conjunto dos intervalos abertos da reta real R é um
modelo para T .
(b) Sejam
X = {1, 2, 3, 4, 5} e B = {∅, {1}, {3, 4}, {1, 3, 4}, {2, 3, 4, 5}, X}.
Mostre que B é um modelo para T .
(c) O sistema T é consistente?
(d) O sistema de axiomas T é categórico?
Respostas e/ou Soluções
É importante observar que os exercícios deste Capítulo constam de dois
objetos: Um conjunto de “pontos” P e um conjunto de “retas” R formado de
subconjuntos de P .
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 29
Seção 1.2
1. Vamos provar apenas os itens (a) e (e): (a) Suponhamos que exista outro
vetor 00 ∈ V tal que u + 00 = u, para todo u ∈ V . Então, pelo axioma
V3, obtemos 0 = 0 + 00 = 00.
(e) Pelo axioma V3, u+0 = u, para todo u ∈ V . Em particular, 0+0 = 0.
Logo, pelos axiomas V6 e V9, obtemos
a0 = a(0 + 0) = a0 + a0.
Portanto, pelo item (a), a0 = 0.
2. É fácil verificar que C munido com as operações
+ : C×C −→ C
(z, w) 7−→ z + w
e
· : R×C −→ C
(a, z) 7−→ a · z
satisfaz o sistema de axiomas V, pois R é um subcorpo de C e essas
operações já existem de modo natural em C.
3. Vamos provar apenas o item (c). É claro que x0 = a−1 · b é uma solução
da equação a · x = b, pois pelos axiomas G2, G4 e G3, obtemos
a · x0 = a · (a−1 · b) = (a · a−1) · b = e · b = b.
Agora, se x1 é outra solução da equação a · x = b, então, pelos axiomas
G3, G4 e G2, obtemos
x1 = e · x1 = (a−1 · a) · x1 = a−1 · (a · x1) = a−1 · b = x0.
4. Dados A,B ∈ GL 2(R). Então, pelo Teorema de Binet-Cauchy, obtemos
det(AB) = det(A) det(B) 6= 0.
Logo, AB ∈ GL 2(R), isto é, o produto usual de matrizes satisfaz o
axioma G1. É claro que essa operação satisfaz o axioma G2 e a matriz
30 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
identidade I2 satisfaz o axioma G3. Se A ∈M2(R) é tal que det(A) 6= 0,
então, com alguns cálculos, obtemos
A−1 =
1
det(A)
"
a22 −a12
−a21 a11
#
, em que A =
"
a11 a12
a21 a22
#
.
Como det(A−1) = (det(A))−1 6= 0 temos que
A−1 ∈ GL 2(R) e AA−1 = A−1A = I2,
ou seja, GL 2(R) satisfaz o axioma G4.
Seção 1.3
1. Seja F13 o axioma: “K possui no máximo dois elementos.” Então F13 =∼
F9 e (F − F9) + F13 é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, o
conjunto K = {0, 1}, com as operações binárias definidas via tabelas:
⊕ 0 1
0 0 1
1 1 0
e
· 0 1
0 0 0
1 0 1
é uma interpretação para (F − F9) + F13. Portanto, (F − F9) + F13
é satisfatório e F9 é independente em F . Note que para provar que
K satisfaz a maioria dos axiomas de F , basta verificar que a função
f : Z→ K definida como
f(n) =
(
0, se n par
1, se n ímpar
é sobrejetora e satisfaz as propriedades
f(m+ n) = f(m)⊕ f(n) e f(mn) = f(m) · f(n).
2. (a) Use o mesmo argumento do Exemplo 1.28 para provar que o axioma
V5 não é independente.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 31
(b) Seja V11 o axioma: “existe u ∈ V tal que 1·u 6= u.” Então V11 =∼ V10 e
(V − V10)+V11 é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, o conjunto
V = R2 munido com as operações de adição e multiplicação por escalar
u+ v = (x1 + y1, x2 + y2) e a · u = (ax1, 0),
onde u = (x1, x2), v = (y1, y2) ∈ V e a ∈ R, é uma interpretação para
(V − V10) +V11. Portanto, (V − V10) +V11 é satisfatório e V10 é indepen-
dente em V.
3. (a) É fácil verificar que R∗ munido com a operação binária
· : R∗ ×R∗ −→ R∗
(a, b) 7−→ a · b
satisfaz o sistema de axiomas G.
(b) Novamente, é fácil verificar que Q munido com a operação binária
+ : Q×Q −→ Q
(a, b) 7−→ a+ b
satisfaz o sistema de axiomas G.
(c) O sistema de axiomas G é consistente, pois o item (a) ou (b) serve
como uma interpretação para G.
(d) Não, os modelos M(R∗) e M(Q) não são isomorfos.
(e) Vamos provar apenas que os axiomas G2 e G4 são independentes.
Seja G5 o axioma: “existem a, b, c ∈ G tais que
a · (b · c) 6= (a · b) · c.”
Então G5 =∼ G2 e (G −G2) +G5 é um sistema de axiomas satisfatório,
pois o conjunto
G = {±1,±i,±j,±k,±l,±il,±jl,±kl}
32 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
com a operação · sobre G definida via tabela
· 1 i j k l il jl kl
1 1 i j k l il jl kl
i i −1 k −j il −l −kl jl
j j −k −1 i jl kl −l il
k k j −i −1 kl −jl il −l
l l −il −jl −kl −1 i j k
il il l −kl jl −i −1 −k j
jl jl kl l −il −j k −1 −i
kl kl −jl il l −k −j i −1
é uma interpretação para (G −G2) +G5. Por exemplo, se a = l, b = il e
c = jl, então
a(bc) = l(−k) = kl e (ab)c = i(jl) = −kl,
ou seja,
a(bc) 6= (ab)c.
Portanto, (G −G2) +G5 é satisfatório e G2 é independente em G.
Agora, seja G6 o axioma: “para algum a ∈ G, a 6= e, não existe a−1 ∈ G
tal que a · a−1 = a−1 · a = e.” Então G6 =∼ G4 e (G −G4) + G6 é
um sistema de axiomas satisfatório, pois o conjunto dos números inteiros
Z∗, com a operação usual de multiplicação, é uma interpretação para
(G −G4)+G6. Portanto, (G −G4)+G6 é satisfatório eG4 é independente
em G.
4. (c) Vamos provar apenas que o axioma A7 é independente. Seja A9 o
axioma: “existem a, b, c ∈ A tais que
a · (b · c) 6= (a · b) · c.”
Então A9 =∼ A7 e (A−A7) +A9 é um sistema de axiomas satisfatório,
pois o conjunto
S = {A ∈M2(R) : At = A},
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 33
com a soma usual e a multiplicação· sobre S definida como
A ·B = 1
2
(AB+BA)
é uma interpretação para (A−A7) + A9. Portanto, (A−A7) + A9 é
satisfatório e A7 é independente em A.
(f). Não é completo, pois se A9 é o axioma:
“a · b = b · a, ∀ a, b ∈ A”,
então A + A9 e A + (∼ A9) são satisfatórios, um vez que, o primeiro
admite a interpretação do item (a) e o segundo admite a interpretação
do item (b).
5. (e) Vamos provar apenas que o axioma R1 é independente. Seja R4
o axioma: “existe x ∈ X tal que x não está relacionado com x, isto é,
R(x, x) = 0.” Então R4 =∼ R1 e (R−R1)+R4 é um sistema de axiomas
satisfatório, pois o conjunto X = {1, 2, 3}, com a relação binária
R1 = {(1, 1), (2, 2), (1, 2), (2, 1), (1, 3), (3, 1), (2, 3), (3, 2)},
é uma interpretação para (R−R1) + R4. Portanto, (R−R1) + R4 é
satisfatório e R1 é independente em R.
6. (e) Vamos provar apenas que o axioma P2 é independente. Seja P4 o
axioma: “existem x, y ∈ X tais que xPy e yPx, mas x 6= y.” Então
P4 =∼ P2 e (P − P2) + P4 é um sistema de axiomas satisfatório, pois o
conjunto X = Z, com a relação binária
xPy ⇔ x divide y,
é uma interpretação para (P − P2) + P4. Neste caso, x divide −x e −x
divide x, mas x 6= −x. Portanto, (P − P2) + P4 é satisfatório e P2 é
independente em P.
7. Vamos provar apenas o item (a). Se x ≺ y e y ≺ x, então, pelo axioma
S3, obtemos x ≺ x, o que impossível.
34 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
8. (a) Seja I o conjunto dos intervalos abertos de R. É claro que ∅,R ∈ T .
Seja
J =
[
λ∈Λ
Iλ
uma união qualquer de intervalos abertos de I. Então devemos provar
que J é um intervalo aberto, ou seja, dado x ∈ J , existe > 0 tal que
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ J.
Dado x ∈ J , existe λ ∈ Λ tal que x ∈ Iλ. Como Iλ é um intervalo aberto
temos que existe > 0 tal que
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ Iλ.
Portanto,
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ Iλ ⊆ J
e J ∈ T .
Finalmente, dados intervalos abertos I1 e I2 de I. Então devemos provar
que I1 ∩ I2 é um intervalo aberto. Dado x ∈ I1 ∩ I2, obtemos x ∈ I1 e
x ∈ I2. Assim, existem 1 > 0 e 2 > 0 tais que
x ∈ (x− 1, x+ 1) ⊆ I1 e x ∈ (x− 2, x+ 2) ⊆ I2.
Pondo = min{ 1, 2}, obtemos
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ I1 ∩ I2.
Portanto, I1 ∩ I2 ∈ T , ou seja, I é um modelo para T .
(b) Verificação direta de união e interseção de conjuntos.
(c) Sim, pois o item (a) ou (b) é um modelo.
(d) Não, os modelos M(I) e M(B) não são isomorfos.
Capítulo 2
Conjuntos
A teoria avançada dos conjuntos foi desenvolvida por volta do ano 1872 por
Cantor (Georg Cantor, 1845-1918, matemático alemão), quando investigava o
problema de unicidade da representação de funções por séries trigonométricas.
Foi aperfeiçoada no início do século XX por outros matemáticos, entre eles,
Zermelo (Ernst Zermelo, 1871-1956, matemático alemão), Skolem (Thoralf Al-
bert Skolem, 1887-1963, matemático norueguês), Fraenkel (Adolf Fraenkel,
1891-1965, matemático alemão), Gödel (Kurt Gödel, 1906-1978, matemático
austríaco), von Neumann (John von Neumann, 1903-1957, matemático hún-
garo), entre outros.
O que se estuda deste assunto no ensino fundamental, é tão somente uma
introdução elementar à teoria dos conjuntos, base para o desenvolvimento de
temas futuros, a exemplo de relações, funções, análise combinatória, probabi-
lidades etc.
Neste capítulo vamos nos dedicar ao estudo dos conjuntos via método
axiomático. É comum na Teoria dos Conjuntos, se ouvirem frases como:
(...) um “conjunto” é qualquer coleção, dentro de um todo de objetos
definidos e distinguíveis, chamados de elementos ou membros, de nossa in-
tuição ou pensamento.
G. Cantor (1895).
(...) por “conjunto” nada mais do que um objeto do qual se sabe não mais
e quer-se saber não mais do que aquilo que se segue dos postulados.
35
36 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
J. von Neumann (1928).
Estas e outras afirmações sobre definições de conjuntos vão ser contornadas
via método axiomático, em que “conjunto” é um termo indefinido.
2.1 Introdução Histórica
É importante observar que o matemático usa a palavra “definição” em um
sentido diferente daquele do dicionário, ou seja, quando um matemático dá
uma definição, pretende-se que não será um mero sinônimo que o leitor possa
saber o significado, mas um critério para identificação; uma “caracterização”
da coisa definida.
Um paradoxo ou antinomia é uma contradição entre duas proposições ou
princípios. Tomando uma abordagem informal ou ingênua que qualquer coleção
de objetos é um conjunto, podem ocorrer os seguintes fatos:
- Se A é o conjunto de todos os animais, então A /∈ A “conjunto”.
- Se N é o conjunto de todos os “números naturais”, então N /∈ N “con-
junto”.
- Se B é o conjunto de todas as coisas abstratas, então B ∈ B “classe”.
- Se C é o conjunto de todos os conjuntos, então C ∈ C “classe”.
Pelos fatos acima vimos que um conjunto de objectos é bem definido, desde
que seja sempre possível determinar se ou não um elemento particular pertence
ao conjunto.
Vamos apresentar os paradoxos de Russell (Bertrand Arthur William Rus-
sell, 1872-1970, matemático e filósofo inglês).
Paradoxo Lógico (1902) - Sejam C um conjunto e
R = {A ∈ C : A /∈ A}.
Então:
1. R ∈ R.
2.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 37
2. R /∈ R.
Solução. Primeiro note que como A pode assumir qualquer objeto da teoria
temos, em particular, que ele pode assumir o “conjunto” R. (1) R ∈ R é im-
possível, pois se R ∈ R, então, por definição, R /∈ R, o que é uma contradição.
(2) R /∈ R é impossível, pois se R /∈ R, então, por definição, R ∈ R, o que é
uma contradição. Portanto,
R ∈ R⇔ R /∈ R,
o que contradiz o princípio do terceiro excluído. ¥
O paradoxo Russell é equivalente a: em uma cidade tem um barbeiro que
faz a barba somente dos homens que não se barbeiam a si mesmo. Pergunta:
Quem faz a barba do barbeiro?
Paradoxo Semântico (1906, atribuído por Russell a G. G. Berry) - Seja
T = {x : x é um número inteiro positivo que pode ser descrito por uma frase
com menos de vinte palavras da língua portuguesa}. Então existe um inteiro
positivo x0 tal que
1. x0 /∈ T .
2. x0 ∈ T .
Solução. Suponhamos que as palavras da língua portuguesa estejam catalo-
gadas em um dicionário. Então T é finito, pois um dicionário contém apenas
um número finito de palavras e o número de frases envolvendo menos de vinte
palavras é finito. Assim, existem inteiros positivos (infinitos) que são maiores
do que todos os outros inteiros positivos de T . Portanto, existe um menor
inteiro positivo x0 que é maior do que todos os inteiros positivos de T . Então
x0 /∈ T . Por outro lado, como x0 = menor inteiro positivo que não pode
ser descrito por uma frase com menos de vinte palavras da língua
portuguesa (19 palavras) temos que x0 ∈ T , o que contradiz o princípio do
terceiro excluído. ¥
38 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Com o surgimento dos paradoxos houve muita controvérsia por parte dos
matemáticos da época. Mas, com o trabalho de Dedekind (Julius Wilhelm
Richard Dedekind, 1831- 1916, matemático alemão) em 1888mostrando que os
nossos “números naturais” podem ser construídos por meio da teoria elementar
dos conjuntos:
0 = ∅, 1 = {∅}, 2 = {∅, {∅}} . . .
a teoria passou a ser aceita.
Enunciaram-se, em 1905, várias correntes para contornar os paradoxos,
as quais podemos classificar em três grupos: Axiomático, Logicista e In-
tuicionista.
A primeira axiomatização da Teoria dos Conjuntos foi dada por Zermelo
em 1908, com certas modificações em 1922 devidas a Skolem e Fraenkel. No
sistema de axiomas ZF os termos indefinidos e relações indefinidas são: con-
junto, pertinência e igualdade.
2.2 Conjuntos
Embora a ideia intuitiva de conjunto dada, no curso de Matemática Ele-
mentar, seja suficiente para os nossos propósitos, uma exposição geral da Teoria
dos Conjuntos requer mais precisão, pois a não axiomatização da Teoria dos
Conjuntos nos leva a várias contradições. Sendo assim, nesta seção iniciare-
mos o estudo formal da Teoria dos Conjuntos segundo Zermelo-Fraenkel. Neste
contexto formal, uma classe é qualquer coleção de objetos (conjuntos) C tal
que dado qualquer objeto X é possível determinar se X ∈ Cou se X /∈ C, ou
seja,
C = {X : X é um conjunto com a propriedade P}.
Uma classe que não é um conjunto é chamada de classe própria. Por exemplo,
R = {A : A é um conjunto e A /∈ A}.
Portanto, uma classe A é um conjunto se existir uma classe C tal que A ∈ C.
Salvo menção explícita em contrário, os objetos considerados neste texto são
conjuntos.
2.2. CONJUNTOS 39
Antes de iniciarmos o estudo formal da Toeria de Conjuntos vamos rever
os sinais em uma Teoria MatemáticaM:
Os sinais lógicos: ∼,∨,∧ . . .
As letras: a, b, c, d . . .; A,B,C,D . . .
Os sinais específicos: =,∈,⊆ . . .
O símbolo ∃! significa existe um único.
O símbolo := significa por definição.
Uma sentença (ou uma fórmula) emM é uma sucessão de sinais deM do
tipo
∀ x ∃ y ∀ z : p(x, y, z).
Lê-se “para cada x existe um y tal que, para cada z, p(x, y, z) é verdadeira”,
sua negação é
∃ x ∀ y ∃ z : ∼ p(x, y, z).
Lê-se “existe um x para cada y tal que, existe z, p(x, y, z) é falsa.” Note que na
negação mantivemos a ordem das variáveis. O principal objetivo de introdução
de símbolos, é facilitar a escrita e a leitura das definições e resultados em
Matemática, ou seja, são imprescindíveis para uma boa compreenção deM.
Finalmente, é pertinente lembrar que a construção deM (vista no Capítulo
1) é do seguinte modo:
1. Definimos os axiomas explícitos (relações) emM;
2. Definimos uma ou mais regras (axiomas implícitos) sobreM, chamadas
operações sobreM.
As letras a, b, c, d, . . . serão usadas, preferencialmente, para indicar ele-
mentos e A, B, C, D, . . . elementos ou conjuntos. Assim, se x é um elemento
e existe um conjunto A tal que x ∈ A, diremos que x é um elemento de A.
(um objeto que não é uma coleção, por exemplo, um ponto sobre uma reta de
Euclides)
40 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A e B são iguais se, e somente se,
eles têm os mesmos elementos. Em símbolos,
∀ A ∀ B [A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B e x ∈ B ⇒ x ∈ A]]
ou, simplesmente,
A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇔ x ∈ B].
Esta definição implica a seguinte propriedade:
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A e A = B]⇒ x ∈ B.
Essa propriedade é nosso primeiro axioma.
ZF1 - Axioma da extensão. ∀ A ∀ x [[x ∈ A e x = y]⇒ y ∈ A].
O axioma ZF1 significa que um conjunto é completamente determinado
pelos seus elementos.
É importante observar que o axioma ZF1 pode ser visto como uma lei que
relaciona o conceito indefinido de pertinência com o conceito indefinido de
igualdade. Além disso, ele garante a unicidade dos conjuntos.
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A está contido em B ou A é um
subconjunto de B ou que B é uma extensão de A se qualquer elemento de A é
um elemento de B, em símbolos,
∀ A ∀ B [A ⊆ B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B]]
ou, simplesmente,
A ⊆ B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B]
Neste caso, A = B significa que A ⊆ B e B ⊆ A.
Se A ⊆ B e A 6= B (∼ [A = B]), diremos que A está contido propriamente
em B ou A é um subconjunto próprio de B e denotaremos por A ⊂ B.
Teorema 2.1 Sejam A, B e C conjuntos. Então:
1. A = A.
2.2. CONJUNTOS 41
2. A = B ⇒ B = A.
3. A = B e B = C ⇒ A = C.
4. A ⊆ A.
5. A ⊆ B e B ⊆ A⇒ B = A.
6. A ⊆ B e B ⊆ C ⇒ A ⊆ C.
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B e x ∈ B ⇒ x ∈ A]
e
B = C ⇔ ∀ x [x ∈ B ⇒ x ∈ C e x ∈ C ⇒ x ∈ B].
Pela primeira e terceira dessas afirmações, obtemos
∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ C]⇔ A ⊆ C.
Pela quarta e segunda dessas afirmações, obtemos
∀ x [x ∈ C ⇒ x ∈ A]⇔ C ⊆ A.
Portanto, A = C. ¥
ZF2 - Axioma da construção de conjuntos. Seja P (x) uma pro-
priedade ou uma afirmação com relação a x, a qual pode ser expressa in-
teiramente em termos dos símbolos
∈,=,∨,∧,∼,⇒,∃,∀, colchetes e variáveis livres x, y, z, A,B,C . . .
Então existe um conjunto C que consiste de todos os elementos x que satis-
fazem P (x), que denotaremos por
C = {x : P (x)}.
42 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
e lê-se: “o conjunto de todos os elementos x que satisfazem a propriedade
P (x).” Formalmente,
∃ C ∀ x [x ∈ C ⇔ P (x)].
Observação 2.2
1. O axioma ZF2 é também conhecido como Axioma do subconjunto,
Axioma da separação, Axioma da compreensão, ou ainda, Axioma de
especificação. Esse axioma é na verdade uma “família” de axiomas, pois
para cada propriedade P (x) temos um axioma.
2. Note que o axioma ZF1, garante que o conjunto C é unicamente deter-
minado, pois se D é o conjunto de todos os elementos x que satisfazem
P (x), então qualquer elemento de C é um elemento de D e vice-versa.
Portanto, C = D.
3. Em geral, a propriedade P (x) é uma fórmula.
4. O axioma ZF2 nos permite formar o conjunto de todos os “elementos”
x que satisfazem P (x), mas não o conjunto de todas os “conjuntos”
x que satisfazem P (x). Assim, eliminamos todos os paradoxos lógicos.
Formalmente, se P (x) é a afirmação
∼ [x ∈ x] = x /∈ x,
então
∃ C ∀ x [x ∈ C ⇔ x /∈ x].
Em particular, se x = C, então
C ∈ C ⇔ C /∈ C,
o que é impossível. Portanto, C é uma classe própria.
5. O axioma ZF2 admite somente as afirmações P (x) que podem ser escritas
inteiramente em forma de símbolos
∈,=,∨,∧,∼,⇒,∃,∀, colchetes e variáveis livres x, y, z, A,B,C . . .
Assim, eliminamos todos os paradoxos semânticos.
2.2. CONJUNTOS 43
Agora vamos apresentar as operações Booleanas (George Boole, 1815-1864,
matemático e lógico inglês). Sejam A e B conjuntos. A união ou a reunião de
A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a A ou B ou ambos.
Em símbolos,
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A ∪B ⇔ x ∈ A ou x ∈ B]
ou, simplesmente,
A ∪B = {x : x ∈ A ou x ∈ B}.
A interseção de A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a
ambos os conjuntos A e B. Em símbolos,
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A ∩B ⇔ x ∈ A e x ∈ B]]
ou, simplesmente,
A ∩B = {x : x ∈ A e x ∈ B}.
Note, pelo axioma ZF2, que os conjuntos A ∪B e A ∩B estão bem definidos.
O “conjunto” universal U é um conjunto que tem a propriedade de conter
como subconjuntos todos os conjuntos em pauta. Em símbolos,
∀ A ∃ U [∀ x [x ∈ U ⇔ x ∈ A e x = x]]
ou, simplesmente,
U = {x : x = x}.
Neste caso, P (x) é a afirmação x = x. É importante lembrar que o conjunto
universal não existe, mas a “classe universal” é a classe de todos os conjuntos.
Por isso, adotamos esta convensão de conjunto universal.
O conjunto vazio ∅ é o conjunto sem nenhum elemento. Em símbolos,
∀ A ∃ ∅ [∀ x [x ∈ ∅ ⇔ x ∈ A e x 6= x]]
ou, simplesmente,
∅ = {x : x 6= x}.
44 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Neste caso, P (x) é a afirmação x 6= x. A existência do conjunto vazio será
dada pelo axioma ZF9. Note que se existem conjuntos A e B sem elementos,
então A = B. De fato,
∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B],
é uma afirmação verdadeira, pois é uma implicação com um antecedente falso
(confira Exemplo 1.19). De modo inteiramente análogo, prova-se a outra in-
clusão.
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A e B são disjuntos se eles não têm
elementos em comum. Em símbolos,
A ∩B = ∅.
Neste caso, o símbolo
•
∪ significa união disjunta. O complementar de A é o
conjunto de todos os elementos que não pertencem a A. Em símbolos,
A0 = {x : x /∈ A}.
Assim,
∀ x [x ∈ A0 ⇔ x /∈ A].
A diferença de A e B é o conjunto de todos os elementos de A que não per-
tencem a B. Em símbolos,
A−B = {x : x ∈ A e x /∈ B}.
Logo,
∀ x [x ∈ A−B ⇔ x ∈ A e x /∈ B].
Note que A−B = A∩B0 e, pelo axioma ZF2, que o conjunto A−B está bem
definido. Além disso, pelo o axioma ZF1,
A 6= B ⇒ ∃ x [x ∈ A−B ou x ∈ B −A]⇔ (A−B) ∩ (B −A) = ∅.
Como
(A ∪A)−A 6= A ∪ (A−A)
temos que a localização dos parênteses na diferença de conjuntos é importante.
2.2. CONJUNTOS 45
É instrutivo observar que o relacionamento entre os conjuntos pode ser
representado graficamente por meio de uma linha fechada e não entrelaçada,
quando a linha fechada for um círculo, chama-se diagrama de Venn, (John
Venn, 1834-1923, matemático inglês).
Teorema 2.3 Sejam A, B e C conjuntos. Então:
1. ∅ ⊆ A e A ⊆ U .
2. A ⊆ A ∪B e B ⊆ A ∪B.
3. A ∩B ⊆ A e A ∩B ⊆ B.
4. A ⊆ B se, e somente se, A ∪B = B se, e somente se, A ∩B = A.
5. A ∪ (A ∩B) = A e A ∩ (A ∪B) = A.
6. (A ∪B)0 = A0 ∩B0 e (A ∩B)0 = A0 ∪B0 (Lei de De Morgan).
7. A ∪ (B∪ C) = (A ∪B) ∪ C e A ∩ (B ∩ C) = (A ∩B) ∩ C.
8. A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C) e A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C).
Prova. Vamos provar apenas uma afirmação do item (6).
∀ x [x ∈ (A ∪B)0 ⇔ x /∈ (A ∪B)⇔ x /∈ A e x /∈ B
⇔ x ∈ A0 e x ∈ B0 ⇔ x ∈ (A0 ∩B0)],
que é o resultado desejado. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A, B subconjuntos de U e X um subconjunto de U com as
seguintes propriedades:
(a) A ⊆ X e B ⊆ X.
46 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
(b) Se A ⊆ Y e B ⊆ Y , então X ⊆ Y , para todo Y ⊆ U .
Mostre que X = A ∪B.
2. Enuncie e demonstre um resultado análogo ao Exercício 1, caracterizando
A ∩B.
3. Sejam A, B, C e D conjuntos.
(a) Mostre que se A ⊆ B e C ⊆ D, então (A ∪ C) ⊆ (B ∪ D) e
(A ∩ C) ⊆ (B ∩D).
(b) Mostre que se A = B e C = D, então (A ∪ C) = (B ∪ D) e
(A ∩ C) = (B ∩D).
4. Sejam A e B conjuntos. Mostre que:
(a) A−A = ∅.
(b) A−B = A− (A ∩B) = (A ∪B)−B.
(c) (A−B) ∩ (B −A) = ∅.
(d) A−B = B0 −A0.
(e) A = (A ∩B) ∪ (A−B).
(f) A ∪B = (A ∩B) ∪ (A−B) ∪ (B −A).
(g) (A−B)− C = A− (B ∪ C).
(h) A− (B − C) = (A−B) ∪ (A ∩ C).
(i) A ∪ (B − C) = (A ∪B)− (C −A).
(j) A ∩ (B − C) = (A ∩B)− (C ∩A).
5. Sejam A e B conjuntos.
(a) Mostre que A ∪B = A ∪ (B −A), com A ∩ (B −A) = ∅.
(b) Mostre que B = (A ∩B) ∪ (B −A), com (A ∩B) ∩ (B −A) = ∅.
2.2. CONJUNTOS 47
6. Vamos definir a operação de “+” em conjuntos como segue: se A e B
são conjuntos, então
A+B = (A ∩B0) ∪ (A0 ∩B) = (A−B) ∪ (B −A).
Mostre que:
(a) A+ ∅ = A.
(b) A+B = ∅ ⇔ A = B.
(c) A+B = (A ∪B)− (B ∩A).
(d) A+B = B +A.
(e) A+B = A+ C ⇒ B = C.
(f) (A+B)0 = (A ∩B) ∪ (A0 ∩B0).
(g) A+ (B + C) = (A+B) + C.
(h) A ∩ (B + C) = (A ∩B) + (A ∩ C).
(i) A ∪ C = B ∪ C ⇔ A+B ⊆ C.
(j) (A ∪ C) + (B ∪ C) = (A+B)− C.
7. Sejam A um conjunto qualquer e
R = {x ∈ A : x /∈ x}.
Mostre que R é um conjunto e R /∈ A. Conclua que a coleção de todos
os conjuntos não é um conjunto.
8. Mostre que o conjunto ∅ é caracterizado pelas seguintes condições:
(a) ∅ ⊆ A, para todo conjunto A.
(b) Se B é um conjunto tal que B ⊆ A, para todo conjunto A, então
B = ∅.
48 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
2.3 Gráficos e Famílias
Seja a um elemento. Então, pelo axioma ZF2, obtemos o conjunto
{a} = {x : x = a}
Assim, a é o único elemento do conjunto {a} e x ∈ {a} significa que x = a.
Sejam a e b elementos. Então, pelo axioma ZF2, obtemos o conjunto
{a, b} = {x : x = a ou x = b} = {a} ∪ {b}.
Note que {a, b} = {b, a}. De modo inteiramente análogo, obtemos os conjuntos
{a, b, c}, {a, b, c, d}
e, assim por diante. Isto motiva o axioma.
ZF3 - Axioma do par (não ordenado). Se a e b são elementos, então
{a, b} é um elemento. Em símbolos,
∀ a ∀ b ∃ c [c = {a, b}]
Observação 2.4
1. O axioma ZF3 é equivalente a: dados conjuntos quaisquer existe um con-
junto ao qual eles pertencem. Mais precisamente, dados conjuntos quais-
quer A e B, existe um conjunto C tal que
∀ x [x ∈ C ⇔ x ∈ A ou x ∈ B],
ou seja,
∀ A ∀ B ∃ C [∀ x [x ∈ C ⇔ x ∈ A ou x ∈ B]].
Neste caso, A 6= C, caso contrário, A ∈ A, o que é impossível.
2. É claro que {a, a} = {a}. Assim, fazendo a = b no axioma ZF3, obtemos
“se a é um elemento, então {a} é um elemento”, ou seja, existem con-
juntos unitários. Em particular, ∅ e {∅} são conjuntos distintos. Neste
caso, existe uma “infinidade” de conjuntos.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 49
3. Note que a ∈ A se, e somente se, {a} ⊆ A.
4. Se A é um conjunto, então
{x ∈ A : x = x} = {x : x ∈ A} = A.
Teorema 2.5 Se {x, y} = {u, v}, então [x = u e y = v] ou [x = v e y = u].
Prova. Há dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se x = y, então, pelo axioma ZF1, {x, y} = {x}. Portanto, por
hipótese, x = u = v = y.
2.o Caso. Se x 6= y, então, pelo axioma ZF1, [x = u ou x = v] e [y = u ou
y = v]. Se x = u e y ∈ {u, y} = {u, v}, então y = v, pois x 6= y. Se x = v e
y ∈ {v, y} = {u, v}, então y = u, pois x 6= y. Portanto, em qualquer caso,
[x = u e y = v] ou [x = v e y = u],
que é o resultado desejado. ¥
Sejam a e b elementos. Então, aplicando o axioma ZF3 três vezes, temos
que
{{a}, {a, b}}
é um conjunto o qual chama-se, devido a Kuratowski (Kazimierz Kuratowski,
1896-1980, matemático e lógico polonês), par ordenado. Em símbolos,
(a, b) = {{a}, {a, b}}.
Note que
(b, a) = {{b}, {b, a}} = {{b}, {a, b}}.
Neste caso, fica clara a distinção entre os pares ordenados (a, b) e (b, a).
Teorema 2.6 Se (a, b) = (c, d), então a = c e b = d.
Prova. Por definição, obtemos
{{a}, {a, b}} = {{c}, {c, d}}.
50 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Então, pelo Teorema 2.5,
[{a} = {c} e {a, b} = {c, d}] ou [{a} = {c, d} e {a, b} = {c}].
Se {a} = {c} e {a, b} = {c, d}, então a = c e, pelo Teorema 2.5, [a = c e b = d]
ou [a = d e b = c]. Assim, a = c e b = d ou b = c = a = d. Se {a} = {c, d} e
{a, b} = {c}, então a = c = d, pois c, d ∈ {c, d}. Por outro lado, b = c, pois
b ∈ {a, b}. Portanto, a = b = c = d. ¥
Sejam A e B conjuntos. O produto cartesiano de A e B é a classe de todos
os pares ordenados (a, b), onde a ∈ A e b ∈ B. Em símbolos,
A×B = {(a, b) : a ∈ A e b ∈ B}
= {x : x = (a, b), para algum a ∈ A e b ∈ B}.
Teorema 2.7 Sejam A, B, C e D conjuntos. Então:
1. A× (B ∩ C) = (A×B) ∩ (A× C).
2. A× (B ∪ C) = (A×B) ∪ (A× C).
3. (A×B) ∩ (C ×D) = (A ∩ C)× (B ∩D).
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (A×B) ∩ (C ×D)
⇔ (x, y) ∈ A×B e (x, y) ∈ C ×D
⇔ (x ∈ A e y ∈ B) e (x ∈ C e y ∈ D)
⇔ (x ∈ A e x ∈ C) e (y ∈ B e y ∈ D)
⇔ x ∈ A ∩ C e y ∈ B ∩D
⇔ (x, y) ∈ (A ∩ C)× (B ∩D)],
que é o resultado desejado. ¥
Um gráfico é qualquer conjunto de pares ordenados (x, y), isto é, qualquer
subconjunto de U × U . Isto significa que
∃ G ∀ z [z ∈ G⇒ z = (x, y)].
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 51
Note que a relação (x, y) ∈ G significa que y está relacionado com x sob G,
ou seja,
G = {(x, y) : (x, y) ∈ G}.
Observação 2.8 Intuitivamente, uma relação sobre um conjunto A é uma
afirmação R(x, y) que é verdadeira ou falsa, para cada par ordenado (x, y) de
elementos de A. No entanto, a representação gráfica de uma relação sobre A
é um gráfico G ⊆ A × A que consiste de todos os pares (x, y) tal que R(x, y)
é verdadeira. Reciprocamente, qualquer gráfico G ⊆ A×A define uma relação
sobre A, a saber, a relação R tal que R(x, y) é verdadeira se, e somente se,
(x, y) ∈ G.
Se G é um gráfico, então G−1 é o gráfico definido como
G−1 = {(x, y) : (y, x) ∈ G}.
O domínio do gráfico G é definido como
Dom(G) = {x : ∃ y tal que (x, y) ∈ G}
e a imagem do gráfico G é definida como
Im(G) = {y : ∃ x tal que (x, y) ∈ G}.
Portanto,
G ⊆ Dom(G)× Im(G).
Neste caso, se Dom(G) = ∅ ou Im(G) = ∅, então G = ∅.
Note que se A e B são conjuntos, então A×B é um gráfico, pois qualquer
elemento de A está relacionado com qualquer elemento de B.
O gráfico identidade sobre A é definido como
IA = {(x, y) ∈ A×A : y = x}.
Sejam G e H dois gráficos. Então o gráfico G ◦H é definido como
G ◦H = {(x, y) : ∃ z tal que (x, z) ∈ H e (z, y) ∈ G}.
Note, em geral, que G ◦H 6= H ◦G, pois se G = {(1, 2)} e H = {(0, 1)}, então
G ◦H = {(0, 2)} e H ◦G = ∅.
52 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Teorema 2.9 Sejam G, H e J gráficos. Então:
1. G ◦ (H ◦ J) = (G ◦H) ◦ J.
2. (G−1)−1 = G.
3. (G ◦H)−1 = H−1 ◦G−1.
4. Dom(G) = Im(G−1) e Im(G) = Dom(G−1).
5. Dom(G ◦H) ⊆ DomH e Im(G ◦H) ⊆ Im(G).
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (G ◦H)−1 ⇔ (y, x) ∈ G ◦H
⇔ ∃ z tal que (y, z) ∈ H e (z, x) ∈ G
⇔ ∃ z tal que (x, z) ∈ G−1 e (z, y) ∈ H−1
⇔ (x, y) ∈ H−1 ◦G−1],
que é o resultado desejado. ¥
Seja I um conjunto não vazio. Se a cada elemento i ∈ I associarmos um
conjunto Ai, o conjunto
{Ai}i∈I = {Ai : i ∈ I}
chama-se a família de conjuntos (indexada por I) e I chama-se o conjunto de
índices para a família, sem nenhuma condição de que os conjuntos com índices
distintos sejam diferentes ou não.
Observe que qualquer conjunto C cujos elementos são conjuntos pode ser
convertido para uma família de conjuntos pelo autoíndice, ou seja, usaremos
o conjunto C como conjunto de índices e associaremos a cada elemento do
conjunto o conjunto que o representa. Mais precisamente, pondo I = C e
Ai = i, para todo i ∈ I, obtemos
{i : i ∈ I}= {Ai : i ∈ I} ou {A}A∈C = {A : A ∈ C}.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 53
Note que a família de conjuntos
{1, 2}, {3, 4}, {5, 6}, . . . , {2n− 1, 2n}, . . .
pode ser considerada como uma família de conjuntos indexada pelo conjunto
dos números naturais N, em que
An = {2n− 1, 2n},
para todo n ∈ N. Portanto,
{An}n∈N = {An : n ∈ N}
= {A1, A2, . . . , An, . . .}.
Neste caso, diremos que a família {An}n∈N é uma sequência e An o n-ésimo
conjunto da sequência.
Observação 2.10 Formalmente, uma família de conjuntos {Ai}i∈I é um grá-
fico G, com Dom(G) = I e
Ai = {x : (i, x) ∈ G}.
Por exemplo, se I = {1, 2}, A1 = {a, b} e A2 = {c, d}, então
{Ai}i∈I = G = {(1, a), (1, b), (2, c), (2, d)}.
Exemplo 2.11 Sejam b ∈ R fixado e
Rb = {(x, y) ∈ R× R : y = x+ b}
Então {Rb}b∈R é uma família de retas do plano R×R. Note que a família
{Rb}b∈R
é uma partição de R×R, ou seja,
R =
•[
b∈R
Rb.
54 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Seja {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U . A união dos conjuntos
Ai é o “conjunto” de todos os elementos que pertencem a pelo menos uma
conjunto Ai da família. Em símbolos,[
i∈I
Ai = {x ∈ U : ∃ i ∈ I tal que x ∈ Ai},
ou ainda, [
i∈I
Ai = {x ∈ U : x ∈ Ai, para algum i ∈ I}.
Note, em particular, que se A é um conjunto, então[
x∈A
{x} = A.
A interseção dos conjuntos Ai é o “conjunto” de todos os elementos que per-
tencem a todos os conjuntos Ai da família. Em símbolos,\
i∈I
Ai = {x ∈ U : ∀ i ∈ I, x ∈ Ai},
ou ainda, \
i∈I
Ai = {x ∈ U : x ∈ Ai, para todo i ∈ I}.
Exemplo 2.12 Sejam i ∈ R e
Si = {x ∈ R : x > i},
ou seja, a cada número real i ∈ R associamos um subconjunto Si de R. Neste
caso, obtemos a família {Si}i∈R de subconjuntos de R. Agora, é fácil verificar
que
Si1 ∪ Si2 = Si, em que i = min{i1, i2},
Si1 ∩ Si2 = Sj, em que j = max{i1, i2},[
i∈I
Si = S0 e
\
i∈I
Si = S1,
com I = [0, 1] um intervalo fechado de R.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 55
ZF4 - Axioma de subconjuntos. Qualquer subclasse de um conjunto é
um conjunto. Em símbolos,
∀ x [x ∩A é um conjunto],
Observe que se A e B são conjuntos, então pelo item (3) do Teorema 2.3,
A ∩B ⊆ A. Portanto, pelo axioma ZF4, a interseção A ∩B é um conjunto.
ZF5 - Axioma de união. Se C é um conjunto cujos elementos são con-
juntos, então [
C = {x : x ∈ A, para algum A ∈ C} =
[
A∈C
A
é um conjunto. Formalmente,
∀ C [C 6= ∅ ⇒ ∃ D [D =
[
C]].
Por exemplo, [
∅ = ∅ e
[
{x} = x.
Observação 2.13 Seja C um conjunto cujos elementos são conjuntos.
1. Note que x ∈
S
C significa que existe A ∈ C tal que x ∈ A. Em
particular, se A ∈ C, então A ⊆
S
C. Portanto,
S
C representa a união
de todos os conjuntos em C.
2. Se A e B são elementos de C, então, pelo axioma ZF3, {A,B} é um
conjunto. Assim, por definição,[
{A,B} = {x : x ∈ X, para algum X ∈ {A,B}}
= {x : x ∈ X, com X = A ou X = B}
= A ∪B.
Portanto, pelo axioma ZF5, A ∪B é um conjunto.
56 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Seja A um conjunto. O conjunto das potências de A é a família (classe) de
todos os subconjuntos de A. Em símbolos,
P(A) = {B : B ⊆ A}.
Note que P(A) é a família de todos os subconjuntos B que satisfazem a pro-
priedade B ⊆ A. Portanto, pelo axioma ZF2, a classe P(A) está bem definido.
ZF6 - Axioma das potências. Se A é um conjunto, então P(A) é um
conjunto. Formalmente,
∀ A ∃ C [C = P(A)].
Observação 2.14 Seja A um conjunto qualquer.
1. Se Q(X) é uma propriedade com relação à um subconjunto X de A,
então, pelos axiomas ZF4 e ZF2,
B = {X : X ⊆ A e Q(X)}
é um conjunto. Assim, se X ∈ B, então X ∈ P(A). Logo, B ⊆ P(A).
Portanto, pelos axiomas ZF6 e ZF4, B é um conjunto, ou seja, se A
é um conjunto e Q(X) é uma propriedade de X, então a conjunto de
todos os subconjuntos de A é um conjunto. Por exemplo, se C é um
subconjunto de P(A), então[
B∈C
B = {x ∈ A : x ∈ B, para algum B ∈ C}
é um conjunto. Em particular,[
B∈P(A)
B = A.
2. A união e a interseção são operações binárias sobre P(A). Além disso,
se A é um conjunto não vazio, então
P(A)∗ = P(A)− {∅}
é uma família de conjuntos não vazios.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 57
3. A classe universal U é caracterizada por:
(a) Se A ∈ U , então A ⊆ U .
(b) Se A ∈ U , então P(A) ⊆ U .
Exemplo 2.15 Se A = {1, 2}, então P(A) = {∅, {1}, {2}, A} é um conjunto.
Note que X ⊆ A significa que X ∈ P(A) e x ∈ A significa que {x} ∈ P(A).
Exemplo 2.16 Sejam A um conjunto e a, b ∈ A. Mostre que
(a, b) ∈ P(P({a, b}) e a, b ∈
[
(a, b).
Conclua que (a, b) ∈ P(P(A)).
Solução. Como {a}, {a, b} ⊆ {a, b} temos que {a}, {a, b} ∈ P({a, b}). Por-
tanto,
{{a}, {a, b}} ⊆ P({a, b})⇒ (a, b) = {{a}, {a, b}} ∈ P(P({a, b})).
Note que como a ∈ {a} e b ∈ {a, b} temos que a, b ∈ (a, b). Logo,
a, b ∈
[
(a, b) = {x : x ∈ B, para algum B ∈ (a, b)},
que é o resultado desejado. ¥
Exemplo 2.17 Seja G um gráfico. Mostre que se G é um conjunto, então
Dom(G) e Im(G) são conjuntos.
Solução. Seja x ∈ Dom(G). Então existe y tal que (x, y) ∈ G. Logo,
(x, y) ∈
[
G = {a : a ∈ A, para algum A ∈ G},
Em particular,
{x} ∈
[
G.
De modo inteiramente análogo, prova-se que
x ∈
[³[
G
´
.
Portanto,
Dom(G) ⊆
[³[
G
´
,
ou seja, pelo axioma ZF5, Dom(G) é um conjunto. ¥
58 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Teorema 2.18 Se A e B são conjuntos, então A×B é um conjunto.
Prova. Note, pelos axiomas ZF5 e ZF6, que P(A∪B) é um conjunto. Nova-
mente, pelo axioma ZF6, P(P(A ∪B)) é um conjunto.
Afirmação. A×B ⊆ P(P(A ∪B)).
De fato, seja (x, y) ∈ A×B. Então x ∈ A∪B e y ∈ A∪B. Logo, {x} ⊆ A∪B
e {x, y} ⊆ A ∪B. Assim, {x}, {x, y} ∈ P(A ∪B). Consequentemente,
{{x}, {x, y}} ⊆ P(A ∪B)⇒ (x, y) = {{x}, {x, y}} ∈ P(P(A ∪B)),
ou seja, A × B ⊆ P(P(A ∪ B)). Portanto, pelo axioma ZF4, A × B é um
conjunto. ¥
Observação 2.19 Se A e B são conjuntos, então, pelo axioma ZF4, qualquer
gráfico G de A×B é um conjunto e
A×B = {(x, y) ∈ P(P(A ∪B)) : x ∈ A e y ∈ B}.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que os conjuntos ∅, {∅}, {∅, {∅}} . . . são todos distintos.
2. Sejam A, B, C e D conjuntos não vazios.
(a) Mostre que A e B são disjuntos se, e somente se, A × E e B × E
são disjuntos, para qualquer conjunto E.
(b) Mostre que A ⊆ B e C ⊆ D se, e somente se, A× C ⊆ B ×D.
(c) Mostre que A×B = C ×D se, e somente se, A = C e B = D.
(d) Mostre que A×B e A0 × C são disjuntos.
(e) Mostre que B ×A e C ×A0 são disjuntos.
3. Sejam G e H gráficos.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 59
(a) Mostre que se G ⊆ A×B, então G−1 ⊆ B ×A.
(b) Mostre que se G ⊆ A×B e H ⊆ B × C, então H ◦G ⊆ A× C.
4. Sejam G, H gráficos e B, C subconjuntos de Dom(G). Vamos definir a
restrição de G a B como
G|B = {(x, y) : (x, y) ∈ G e x ∈ B}.
Note que G|B = G ◦ I, em que I é o gráfico (inclusão) I ⊆ B×Dom(G).
Mostre que:
(a) G|B = G ∩ (B × Im(G)).
(b) G|(B∪C) = G|B ∪G|C.
(c) G|(B∩C) = G|B ∩G|C.
(d) (H ◦G)|B = H ◦ (G|B).
5. Sejam G e H gráficos. Mostre que se G e H são conjuntos, então G−1 e
G ◦H são conjuntos.
6. Sejam A e B conjuntos. Mostre que A−B e A+B são conjuntos.
7. Sejam {Ai}i∈I , {Bj}j∈J famílias de subconjuntos de U e B um subcon-
junto qualquer de U .
(a) Mostre que se Ai ⊆ B, para todo i ∈ I, então
S
i∈I Ai ⊆ B.
(b) Mostre que se B ⊆ Ai, para todo i ∈ I, então B ⊆
T
i∈I Ai.
(c) Mostre que se Ai ⊆ Bi, para todo i ∈ I, então
S
i∈I Ai ⊆
S
i∈I Bi
(d) Mostre que se Ai ⊆ Bi, para todo i ∈ I, então
T
i∈I Ai ⊆
T
i∈I Bi.
8. Sejam {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U e X um subconjunto
de U com as seguintes propriedades:
(a) Para todo i ∈ I, tem-se X ⊆ Ai.
(b) Se Y ⊆ Ai para todo i ∈ I, então Y ⊆ X.
60 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Mostre que X =
T
i∈I Ai.
9. Enuncie e demonstre um resultado análogo ao Exercício 8, caracterizandoS
i∈I Ai.
10. Seja {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U . Mostre que:
(a) (
S
i∈I Ai)
0 =
T
i∈I A
0
i.
(b) (
T
i∈I Ai)
0 =
S
i∈I A
0
i.
11. Sejam {Ai}i∈I e {Bj}j∈J famílias de subconjuntos de U . Mostre que:
(a) (
S
i∈I Ai) ∩ (
S
j∈J Bj) =
S
(i,j)∈I×J(Ai ∩Bj).
(b) (
T
i∈I Ai) ∪ (
T
j∈J Bj) =
T
(i,j)∈I×J(Ai ∪Bj).
(c) (
T
i∈I Ai)× (
T
j∈J Bj) =
T
(i,j)∈I×J(Ai ×Bj).
(d) (
S
i∈I Ai)× (
S
j∈J Bj) =
S
(i,j)∈I×J(Ai ×Bj).
12. Sejam {Ai}i∈I uma família de subconjuntosde U e A um subconjunto
de U . Mostre que:
(a)
S
i∈I P(Ai) ⊆ P(
S
i∈I Ai).
(b)
T
i∈I P(Ai) = P(
T
i∈I Ai).
(c) A ∪ (
T
i∈I Ai) =
T
i∈I(A ∪Ai).
(d) A ∩ (
S
i∈I Ai) =
S
i∈I(A ∩Ai).
13. Sejam A e B conjuntos.
(a) Mostre que A ⊆ B se, e somente se, P(A) ⊆ P(B).
(b) Mostre que A = B se, e somente se, P(A) = P(B).
(c) Mostre que A ∩B = ∅ se, e somente se, P(A) ∩ P(B) = {∅}.
14. Determine explicitamente os conjuntos P(P(∅)) e P(P(P(∅))).
2.4. FUNÇÕES 61
2.4 Funções
O conceito de função é um dos mais básicos em toda a Matemática. Assim,
nesta seção, vamos apresentar formalmente o conceito de função via gráfico.
A origem do conceito de funções (transformações) vem da Geometria, con-
forme exemplos a seguir:
• Geometria Projetiva: Sejam r, s retas e O /∈ r∩s. Então transformamos
(perspectiva) o ponto P sobre s no ponto Q (representação de P ) de
interseção da reta passando por O e P com a reta r, confira Figura
2.1. Portanto, a transformação consiste de dois conjuntos r e s e um
subconjunto de pares ordenados (P,Q) de r × s.
• Geometria de Euclides: Sejam E um plano e r uma reta em E Então
transformamos (projeção ortogonal) cada ponto R do plano E sobre o pé
S da perpendicular (projeção de R) de R sobre à reta r, confira Figura
2.1. Portanto, a transformação consiste de dois conjuntos E e E e um
subconjunto de pares ordenados (R,S) de E ×E.
Figura 2.1: Perspectiva e Projeção.
Estes exemplos geométricos motiva a seguinte definição:
Sejam A e B conjuntos. Uma função de A em B é um subconjunto f de
A×B que satisfaz as seguintes propriedades:
F1 - Para cada x ∈ A, existe y ∈ B tal que (x, y) ∈ f .
62 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
F2 - Para cada x ∈ A e y1, y2 ∈ B, se (x, y1) ∈ f e (x, y2) ∈ f , então
y1 = y2.
Observação 2.20 As condições F1 e F2 significam que para cada x ∈ A existe
um único y ∈ B tal que (x, y) ∈ f , em símbolos,
∀ x ∈ A ∃! y ∈ B [(x, y) ∈ f ].
Em particular, F2 afirma que a função f está bem definida. Além disso, se
A = ∅, então existe uma única função ∅ de A em B, pois ∅ = ∅ × B é um
subconjunto com as propriedades desejadas. Não obstante, se A 6= ∅ e B = ∅,
então ∅ não é uma função.
Teorema 2.21 Sejam A, B conjuntos e f um gráfico. Então f é uma função
de A em B se, e somante se,
1. F2 está satisfeita.
2. Dom(f) = A.
3. Im(f) ⊆ B.
Prova. Suponhamos que f seja uma função. Então, por definição, F2 está
satisfeita. Além disso,
∀ x [x ∈ Dom(f)⇒ ∃ y tal que (x, y) ∈ f
⇒ (x, y) ∈ A×B ⇒ x ∈ A].
Por outro lado, pela condição F1,
∀ x [x ∈ A⇒ ∃ y ∈ B tal que (x, y) ∈ f ⇒ x ∈ Dom(f)].
Logo, Dom(f) = A.
Finalmente,
∀ y [y ∈ Im(f)⇒ ∃ x ∈ A tal que (x, y) ∈ f
⇒ (x, y) ∈ A×B ⇒ y ∈ B].
2.4. FUNÇÕES 63
Assim, Im(f) ⊆ B.
Reciprocamente,
∀ (x, y) [(x, y) ∈ f ⇒ x ∈ Dom(f) e y ∈ Im(f)
⇒ x ∈ A e y ∈ B
⇒ (x, y) ∈ A×B].
Portanto, f ⊆ A×B.
Agora, dado x ∈ A = Dom(f), existe y tal que (x, y) ∈ f . Como y ∈
Im(f) ⊆ B temos que y ∈ B. Portanto, a condição F1 está satisfeita. ¥
Seja f uma função, com A = Dom(f) e Im(f) ⊆ B. Então é comum usar
as notações:
f : A→ B, (f(x) : x ∈ A), (fx : x ∈ A) ou (fx)x∈A
para a função f . A notação f(x) foi introduzida por Euler (Leonhard Paul
Euler, 1707-1783, matemático e físico suíço). A imagem de f pode ser denotada
por
{fx : x ∈ A} ou {fx}x∈A.
Como (x, y) ∈ f significa que y = f(x) ou x 7−→ y, diremos que f(x) é o valor
que f assume no elemento x. Neste caso, diremos que {fx}x∈A é uma família
de elementos de B.
É importante lembrar que duas funções são iguais se elas possuem o mesmo
domínio, o mesmo contradomínio e o mesmo gráfico, ou seja, se f : A → B e
g : A→ B são funções, então f = g se, e somente se
f(x) = g(x), ∀ x ∈ A.
Por exemplo, se f = g, então
∀ x [y = f(x)⇔ (x, y) ∈ f ⇔ (x, y) ∈ g ⇔ y = g(x)].
Portanto,
f(x) = g(x), ∀ x ∈ A.
A família de todas as funções de A em B será denotada por
BA = {f ∈ P(A×B) : f é uma função}.
64 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Corolário 2.22 Sejam f : A → B uma função e C um conjunto não vazio
qualquer tal que Im(f) ⊆ C. Então f : A→ C é uma função.
Prova. Como f : A→ B é uma função temos que a condição F2 está satisfeita
e Dom(f) = A. Portanto,f : A→ C é uma função, pois Im(f) ⊆ C. ¥
Sejam A, B, C conjuntos quaisquer e f : A → B, g : B → C funções
quaisquer. Diremos que o diagrama comuta se h = g ◦ f .
Figura 2.2: Diagrama de flechas.
Teorema 2.23 Sejam A, B conjuntos e f : A→ B uma função. Então:
1. F : P(A)→ P(B) definida como F (X) = f(X) é uma função, com
f(X) = {y ∈ B : ∃ x ∈ X tal que y = f(x)} =
[
x∈X
{f(x)}.
2. G : P(B)→ P(A) definida como G(Y ) = f−1(Y ) é uma função, com
f−1(Y ) = {x ∈ A : f(x) ∈ Y } =
[
y∈Y
f−1(y)
e f−1(y) = f−1({y}).
3. Se f é uma função bijetora, então F é uma função bijetora, com inversa
G.
Prova. Vamos provar apenas o item (1). Note que
(X,Y1) ∈ F e (X,Y2) ∈ F ⇒ Y1 = Y2,
2.4. FUNÇÕES 65
pois
∀ y [y ∈ Y1 = f(X)⇔ ∃ x ∈ X tal que y = f(x)
⇔ y ∈ Y2 = f(X)].
Agora,
∀ X [X ∈ Dom(F )⇒ ∃ Y tal que (X,Y ) ∈ F
⇒ (X,Y ) ∈ P(A)×P(B)
⇒ X ∈ P(A)].
Por outro lado,
∀ X [X ∈ P(A)⇒ ∃ Y = f(X) ⊆ B tal que (X,Y ) ∈ F
⇒ X ∈ Dom(F )].
Logo, Dom(F ) = P(A). É claro que Im(F ) ⊆ P(B). Portanto, F é uma
função. ¥
Exemplo 2.24 Sejam A, B conjuntos e f : A→ B uma função. Mostre que
f é injetora se, e somente se,
f(X − Y ) = f(X)− f(Y ).
para todos X,Y ⊆ A.
Solução. Note que a inclusão
f(X)− f(Y ) ⊆ f(X − Y )
é sempre verdadeira, pois
∀ y [y ∈ f(X)− f(Y )⇒ y ∈ f(X) e y /∈ f(Y )
⇒ ∃ x ∈ X tal que y = f(x) e y 6= f(z), ∀ z ∈ Y,
⇒ ∃ x ∈ X − Y tal que y = f(x)
⇒ y ∈ f(X − Y )].
66 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Agora, suponhamos que f seja injetora. Então
∀ y [y ∈ f(X − Y )⇒ ∃ x ∈ X − Y tal que y = f(x)
⇒ ∃ x ∈ X tal que y = f(x) e y /∈ f(Y )
⇒ y ∈ f(X)− f(Y )],
pois se y ∈ f(Y ), então existe x1 ∈ Y tal que y = f(x1) = f(x), ou seja,
x1 = x ∈ X − Y , o que é impossível.
Reciprocamente, suponhamos, por absurdo, que f não seja injetora. Então
existem x, y ∈ A, com x 6= y e f(x) = f(y). Pondo X = {x} e Y = {y},
obtemos
X − Y = X.
Logo,
{f(x)} = f(X) = f (X − Y ) = f (X)− f (Y ) = {f(x)}− {f(y)} = ∅,
o que é impossível. Portanto, f é injetora. ¥
Observação 2.25 A condição sobre f ser injetora, no Exemplo 2.24, é neces-
sária para que ocorra a igualdade. Por exemplo, se f : R2 → R é a função
definida como f(x, y) = x. Então claramente f não é injetora. Se
X = {(x, y) ∈ R2 : y = x} e Y = {(x, y) ∈ R2 : y = x+ 1},
então
X − Y = X e f(X) = R = f(Y ).
Assim,
f(X) = f(X − Y ) 6= f(X)− f(Y ) = ∅.
Sejam {Ai}i∈I uma família de conjuntos e
A =
[
i∈I
Ai.
O produto cartesiano dos conjuntos Ai é a família
P =
Y
i∈I
Ai = {f ∈ AI : f(i) ∈ Ai, ∀ i ∈ I}.
2.4. FUNÇÕES 67
É conveniente representar o elemento f do produto cartesiano por f = (ai)i∈I
para distinguir da imagem da função
Im(f) = {ai : i ∈ I} = {ai}i∈I
que é um subconjunto de A.
Observação 2.26 Se Aj = ∅, para algum j ∈ I, então
P =
Y
i∈I
Ai = ∅,
pois não existe função f : I → A tal que f(j) ∈ Aj. Se I = ∅, então P = {∅}.
Exemplo 2.27 Sejam I = Z e Ai = ]i, i+1[ um intervalo aberto em R. Então
f =
µ
i+
1
5
¶
i∈I
é um elemento de
Q
i∈I Ai. Note que f : I → R− Z.
Exemplo 2.28 Se I = {1, 2}, A1 = {a, b} e A2 = {c, d}, entãoY
i∈I
Ai = {f ∈ (A1 ∪A2)I : f(1) ∈ A1 e f(2) ∈ A2}.
Logo,
i f(i)
1 a
2 c
i f(i)
1 a
2 d
i f(i)
1 b
2 c
i f(i)
1 b
2 d
Note a diferença entre os conjuntos A1 × A2 e
Q
i∈I Ai, pois já vimos que os
elementos de A1 ×A2 são {{x}, {x, y}}, onde x ∈ A1, y ∈ A2 e
{{x}, {x, y}} ⊆ P(A1 ∪A2),
mas os elementos de
Q
i∈I Ai são funções f : I → A1 ∪A2, ou seja,
f ⊆ I × (A1 ∪A2).
68 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Não obstante, como qualquer função f : I → A1 ∪ A2 é completamente deter-
minada pelo par ordenado
(f(1), f(2)) ∈ A1 ×A2
temos que a função
σ : (A1 ∪A2)I → A1 ×A2
definida como σ(f) = (f(1), f(2)) é bijetora. Portanto, podemos identificar o
produto cartesiano Y
i∈I
Ai
com o conjunto
A1 ×A2 = {(a, c), (a, d), (b, c), (b, d)}.
Se
f = (ai)i∈I ∈
Y
i∈I
Ai,
é um elemento de
S
i∈I Ai tal que ai ∈ Ai, para todo i ∈ I, diremos que Ai é
a i-ésima componentede
Q
i∈I Ai e ai ∈ Ai é a i-ésima coordenada da família.
Para cada j ∈ I, definimos uma função pj de A em Aj como
pj(f) = pj((ai)i∈I) = aj, ∀ f = (ai)i∈I ∈ A.
A função pj chama-se a j-ésima projeção de A sobre Aj. Mostraremos no
Capítulo 4 que se cada Ai 6= ∅, então cada pj é sobrejetora. Note que se
X = Ai, para todo i ∈ I, então Y
i∈I
Ai = X
I .
Assim, a função d : X → XI definida como d(x) = fx, em que
fx(I) = x,
é claramente injetora e chama-se de imersão diagonal. Neste caso,
pj ◦ d = IX ,
2.4. FUNÇÕES 69
para todo j ∈ I. A função E : XI × I → X definida como
E(f, i) = f(i),
chama-se de função avaliação. Portanto,
pj(f) = E(f, j),
Teorema 2.29 Seja {Ai}i∈I uma família de conjuntos. Então existe um con-
junto P e uma família de funções {pi : P → Ai}i∈I com a seguinte pro-
priedade universal: Dado qualquer conjunto C e qualquer família de funções
{gi : C → Ai}i∈I, existe uma única função f : C → P tal que pi ◦ f = gi, para
todo i ∈ I. Além disso, P é unicamente determinado, a menos, de bijeção.
Prova. (Existência) Sejam P =
Q
i∈I Ai e pi as projeções canônicas sobre
as i-ésimas componentes. Então dado C e a função gi : C → Ai, definimos
f : C → P como f(c) = gc, em que f(c)(i) = gc(i) = gi(c), para todo i ∈ I.
Assim,
(pi ◦ f)(c) = pi(f(c)) = pi(gc) = gi(c), ∀ i ∈ I,
ou seja, pi ◦ f = gi, para todo i ∈ I.
Agora, seja g : C → P outra função tal que pi ◦ g = gi, para todo i ∈ I.
Então, para um c ∈ C fixado temos, por definição de pi, que
g(c)(i) = pi(g(c)(i)) = (pi ◦ g)(c) = gi(c) = gc(i) = f(c)(i), ∀ i ∈ I.
Logo, g(c) = f(c), para todo c ∈ C. Portanto, g = f , ou seja, f é única.
(Unicidade) Sejam Q um conjunto e {hi : Q → Ai}i∈I uma família de
funções com a mesma propriedade universal. Então vamos primeiro considerar
o diagrama da Figura 2.3.
Figura 2.3: Visualização da unicidade do produto cartesiano.
70 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
No diagrama (a) fizemos C = Q e no diagrama (b) fizemos C = P . Logo,
pi ◦ f = hi e hi ◦ g = pi, ∀ i ∈ I.
Assim,
pi = hi ◦ g = (pi ◦ f) ◦ g = pi ◦ (f ◦ g), ∀ i ∈ I.
Mas, pela comutatividade do diagrama (c), temos que IP : P −→ P é a única
função tal que
pi ◦ IP = pi, ∀ i ∈ I.
Portanto,
f ◦ g = IP .
Por um argumento simétrico, prova-se que g ◦ f = IQ. ¥
Observação 2.30 Sejam {Ai}i∈I uma família de conjuntos,
P =
Y
i∈I
Ai
e B um conjunto não vazio qualquer. Pondo
F = {ϕ : B → P : ϕ é uma função}
um conjunto de funções e
S = {{ϕi}i∈I : ϕi é uma função de B em Ai}
um conjunto de “sequências.” Então:
1. F : F → S definida como
F (ϕ) = {(pi ◦ ϕ)}i∈I
é uma função, em que pi é a i-ésima projeção de P sobre Ai.
2. G : S → F definida como
G({ϕi}i∈I) = ϕ
é uma função, com
ϕ(b) = {ϕi(b)}i∈I , ∀ b ∈ B.
É fácil verificar que F é bijetora com inversa G.
2.4. FUNÇÕES 71
Sejam A e B conjuntos quaisquer. Já vimos que BA ou F(A,B) representa
o conjunto de todas as funções com domínio A e contradomínio B, isto é,
BA = {f : f é uma função de A em B}.
Neste caso, se f ∈ BA, então podemos escrever f como um gráfico
G = {(x, f(x)) : x ∈ A} ⊆ A×B.
Portanto, a função ϕ : A→ G definida como
ϕ(x) = (x, f(x))
é bijetora. Além disso, se I, A são conjuntos e f : I → P(A) é uma função,
então a imagem Ai = f(i) é um subconjunto de A, para todo i ∈ I. Portanto,
a função f pode ser escrita como
f = {Ai : i ∈ I},
ou seja, f é uma família de conjuntos indexada por I.
No que segue vamos denotar o conjunto {0, 1} por 2. Sejam A um conjunto
e B um subconjunto de A. A função característica de B em A é a função
χB : A→ 2 definida como
χB(x) =
(
1, se x ∈ B
0, se x /∈ B
é claro que χB = χC se, e somente se, B = C. Note que χA(x) = 1, para todo
x ∈ A, e χ∅(x) = 0, para todo x ∈ A. Portanto, a função característica χB é
sobrejetora se, e somente se, B /∈ {∅, A}, pois A = B
•
∪ (A− B) é uma união
disjunta.
Teorema 2.31 Se A é um conjunto não vazio, então existe uma correspondên-
cia biunívoca entre 2A e P(A). Portanto, 2A é um conjunto, confira o axioma
ZF7 a seguir.
72 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Prova. Consideremos a função F : P(A)→ 2A definida como
F (B) = χB : A→ 2.
Note que ϕ está bem definida, pois dados B,C ∈ P(A),
B = C ⇒ χB = χC ⇒ F (B) = F (C).
A função F é injetora, pois dados B,C ∈ P(A),
F (B) = F (C)⇒ χB = χC
⇒ {x ∈ A : χB(x) = 1} = {x ∈ A : χC(x) = 1}
⇒ B = C.
Finalmente, a função F é sobrejetora, pois dado f ∈ 2A, existe
B = f−1(1) = {x ∈ A : f(x) = 1} ∈ P(A)
tal que f = χB = F (B). ¥
Observação 2.32 Se A = Z+, então a função F : P(A) → 2A do Teorema
2.31 é definida como
F (B) = (xn)n∈Z+ , com xn =
(
1, se n ∈ B
0, se n /∈ B.
Note que se B é um conjunto qualquer e todo elemento de B for substituído
por um objeto de um domínio qualquerA, entãoB continua sendo um conjunto
ou, equivalentemente, se alguma regra f , quando aplicada ao conjunto A, tem
a “cara” de uma função, então existe um conjunto f(x). Mais precisamente
temos o seguinte axioma.
ZF7 - Axioma da substituição. Seja P (x, y) a seguinte afirmação: para
qualquer x existe um único y tal que P (x, y) é verdadeira. Então, para qualquer
conjunto A, existe um conjunto B tal que, para qualquer x ∈ A, existe y ∈ B
para que P (x, y) seja verdadeira.
2.4. FUNÇÕES 73
Observação 2.33
1. O axioma ZF7 é equivalente a: para qualquer conjunto A, existe uma
função f tal que Dom(f) = A e y = f(x), para todo x ∈ A, ou seja, a
partir de um conjunto velho criamos um conjunto novo f(A). Note que
f(x) = {y ∈ B : P (x, y) é verdadeira}.
2. Se {Ai}i∈I é uma família de conjuntos, então a função
f : I → {Ai : i ∈ I} = {Ai}i∈I
definida como f(i) = Ai é sobrejetora. Logo, pelo axioma ZF7, {Ai}i∈I
é um conjunto. Portanto, pelo axioma ZF5,[
i∈I
Ai
é um conjunto.
3. Se I, A são conjuntos e f : I → A é uma função, então, pelo axioma
ZF4, f é um conjunto, pois f é uma subclasse de I×A. Isto mostra que
nossa definição de função é legítima.
Teorema 2.34 Seja {Ai}i∈I uma família de conjuntos. Então
P =
Y
i∈I
Ai
é um conjunto.
Prova. Note, pelo item (3) da Observação 2.33, que
f : I →
[
i∈I
Ai
é um conjunto. Como Y
i∈I
Ai ⊆ P
Ã
I ×
[
i∈I
A
!
temos, pelos axiomas ZF6 e ZF4, queY
i∈I
Ai
é um conjunto. ¥
74 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Teorema 2.35 Sejam {Ai}i∈I uma família de conjuntos,
A =
[
i∈I
Ai
e {fi : Ai → B}i∈I uma família de funções tais que
fi|(Ai∩Aj) = fj|(Ai∩Aj), ∀ i, j ∈ I.
Então existe uma única função f : A → B tal que f |Ai = fi, para todo i ∈ I.
Neste caso, diremos que {fi : Ai → B}i∈I é uma família compatível de funções.
Prova. (Existência) Seja
f =
[
i∈I
fi.
Se (x, y1) ∈ f e (x, y2) ∈ f , então existem i, j ∈ I tais que (x, y1) ∈ fi e
(x, y2) ∈ fj. Logo, x ∈ Ai e y1 = fi(x); x ∈ Aj e y2 = fj(x). Como x ∈ Ai∩Aj
temos que
y1 = fi(x) = fj(x) = y2.
Finalmente, dado x ∈ A, existe i ∈ I tal que x ∈ Ai = Dom(fi). Logo,
x ∈
[
i∈I
Dom(fi).
Reciprocamente, se
x ∈
[
i∈I
Dom(fi),
então existe i ∈ I tal que x ∈ Dom(fi) = Ai. Logo, x ∈ A. Portanto,
f : A→ B é uma função tal que f |Ai = fi, para todo i ∈ I.
(Unicidade) Seja g : A→ B outra função tal que g|Ai = fi, para todo i ∈ I.
Então dado x ∈ A, existe i ∈ I tal que x ∈ Ai. Logo,
g(x) = fi(x) = f(x).
Portanto, f = g. ¥
Corolário 2.36 Se A é um conjunto, {Ai}i∈I é uma partição de A e existe
uma função fi : Ai → B, para todo i ∈ I, então existe uma única função
f : A→ B tal que f |Ai = fi, para todo i ∈ I.
2.4. FUNÇÕES 75
Prova. Basta observar que Ai ∩Aj = ∅, para todos i, j ∈ I, implica que
fi|(Ai∩Aj) = fj|(Ai∩Aj).
Enão o resultado segue do Teorema 2.35. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A, B conjuntos, f : A → B uma função, {Ci}i∈I uma família de
subconjuntos de A e {Di}i∈I uma família de subconjuntos de B.
(a) Mostre que f(
S
i∈I Ci) =
S
i∈I f(Ci).
(b) Mostre que f−1(
S
i∈I Di) =
S
i∈I f
−1(Di).
(c) Mostre que f−1(
T
i∈I Di) =
T
i∈I f
−1(Di).
(d) Mostre que f(
T
i∈I Ci) ⊆
T
i∈I f(Ci). Mostre que se f é injetora,
então ocorre a igualdade.
2. Sejam {An}n∈N uma sequência de conjuntos e Bn =
Sn
i=1Ai. Mostre que[
n∈N
An = A1 ∪
[
n∈N
(An+1 −Bn)
é uma união disjunta.
3. Sejam {Ai}i∈Ie {Bi}i∈I duas famílias tais que Bi ⊆ Ai, para todo i ∈ I.
Mostre que Y
i∈I
Bi ⊆
Y
i∈I
Ai.
4. Sejam {Ai}i∈I e {Bi}i∈I duas famílias tais que Ai ⊆ Bi, para todo i ∈ I.
Mostre que Y
i∈I
Ai =
\
i∈I
p−1i (Ai),
em que pi é a i-ésima projeção de B =
Q
i∈I Bi sobre Bi.
76 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
5. Seja A um conjunto. Diremos que uma família {Ai}i∈I é uma cobertura
de A se
A ⊆
[
i∈I
Ai.
Sejam {Ai}i∈I e {Bj}j∈J duas coberturas distintas de A. Mostre que a
família
{Ai ∩Bj}(i,j)∈I×J
é uma cobertura de A.
6. Sejam {Ai}i∈I e {Bj}j∈J partições de A e B, respectivamente. Mostre
que a família
{Ai ×Bj}(i,j)∈I×J
é uma partição de A×B.
7. Sejam f : A→ B uma função sobrejetora e {Bj}j∈J uma partição de B.
Mostre que {f−1(Bj)}j∈J é uma partição de A.
8. Sejam f : A → B uma função injetora e {Ai}i∈I uma partição de A.
Mostre que {f(Ai)}i∈I é uma partição de f(A).
9. Mostre que o axioma ZF3 é uma consequência do axioma ZF7. Assim,
o axioma ZF3 pode ser agora eliminado.
10. Sejam A e B conjuntos. Use o axioma ZF7 para mostrar que A × B é
um conjunto.
11. Sejam A e B conjuntos. Mostre que a família BA é um conjunto.
12. Sejam A, B e C conjuntos.
(a) Mostre que AC ∪BC ⊆ (A ∪B)C.
(b) Mostre que AC ∩BC = (A ∩B)C .
(c) Mostre que AC −BC = (A−B)C.
2.4. FUNÇÕES 77
13. Seja f : A→ B uma função sobrejetora. Dados x, y ∈ A, definimos
xRy ⇔ f(x) = f(y) ou R = f−1 ◦ f.
Mostre que R é uma relação de equivalência sobre A, cujas classes de
equivalências x são as imagens inversas de f . Além disso, mostre que
se RA = {x : x ∈ A}, então a função g : RA → B definida como
g(x) = f(x) é bijetora e f = g ◦ π, em que π : A → RA é a função
definida como π(x) = x. A relação R chama-se o núcleo de f .
14. Sejam f : A→ A uma função e R uma relação de equivalência sobre A
determinada por f . Mostre que f ◦ f = f se, e somente se,
y ∈ x⇒ f(y) ∈ x,
para todos x, y ∈ A.
15. Seja A = NN. Dados f, g ∈ A, definimos
f ∼ g ⇔ S = {n ∈ N : f(n) 6= g(n)}
é um conjunto finito. Mostre que ∼ é uma relação de equivalência sobre
A.
16. Seja {Ri}i∈I uma família de relações de equivalência sobre A. Mostre
que
T
i∈I Ri é uma relação de equivalência sobre A.
17. Seja A ⊆ B fixado. Dados X,Y ∈ P(B), definimos
XRY ⇔ A ∩X = A ∩ Y.
Mostre que R é uma relação de equivalência sobre P(B).
18. Sejam A um conjunto e para cada subconjunto B ⊆ A a função carac-
terística de B em A, χB : A→ 2. Mostre que:
(a) χB∩C = χB · χC, para todos B,C ⊆ A.
(b) χB∪C = χB + χC − χB · χC , para todos B,C ⊆ A.
78 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
(c) χB∪C = χB+χC se, e somente se, B∩C = ∅, para todos B,C ⊆ A.
(d) χA−B = 1− χB, para todo B ⊆ A.
(e) B ⊆ C ⇔ χB ≤ χC , para todos B,C ⊆ A.
19. Sejam {Ai}i∈I uma família, com I 6= ∅, e f : J → I uma função sobreje-
tora.
(a) Mostre que
S
j∈J Af(j) =
S
i∈I Ai.
(b) Mostre que
T
j∈J Af(j) =
T
i∈I Ai.
20. Seja f : A→ B uma função, com A um conjunto não vazio. Mostre que:
f : A→ B é injetora se, e somente se, existe uma função g : B → A tal
que g ◦ f = IA. A função g chama-se retração de f .
21. Seja f : N→ N definida como f(n) = n+1. Mostre que existem infinitas
funções g : N→ N tais que g ◦ f = IN, mas não existe inversa à direita.
22. Seja f : A→ B uma função. Mostre que: f : A→ B é sobrejetora se, e
somente se, existe uma função g : B → A tal que f ◦ g = IB. A função
g chama-se seção de f .
23. Seja f : N→ N definida como
f(n) =
(
n
2
, se n é par
n+1
2
, se n é ímpar.
Mostre que existem infinitas funções g : N→ N tais que f ◦ g = IN, mas
não existe inversa à esquerda.
24. Seja I = ]− 1, 1[ um intervalo aberto de R.
(a) Mostre que a função f : I → R definida como
f(x) =
x
1− x2
f é bijetora. Defina sua inversa.
2.4. FUNÇÕES 79
(b) Mostre que a função f : I → R definida como
f(x) =
x
1− |x|
f é bijetora. Defina sua inversa.
(c) Mostre que a função f : R→ I definida como
f(x) =
x√
1 + x2
f é bijetora. Defina sua inversa.
(d) Mostre que a função f : I → R definida como
f(x) = tan
³π
2
x
´
f é bijetora. Defina sua inversa.
25. Sejam g : B → C e h : B → C duas funções. Mostre que se
g ◦ f = h ◦ f,
para qualquer função f : A→ B, então g = h.
26. Sejam g : A → B e h : A → B duas funções. Mostre que se C é um
conjunto com pelo menos dois elementos e
f ◦ g = f ◦ h,
para qualquer função f : B → C, então g = h.
27. Mostre que as seguintes afirmações são equivalentes:
(a) f : A→ B é sobrejetora;
(b) Para todas as funções g, h : B → C,
g ◦ f = h ◦ f ⇒ g = h;
(c) Para qualquer subconjunto X ⊆ A,
B − f(X) ⊆ f(A−X).
80 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
28. Mostre que as seguintes afirmações são equivalentes:
(a) f : A→ B é injetora;
(b) Para todas as funções g, h : C → A,
f ◦ g = f ◦ h⇒ g = h;
(c) Para qualquer subconjunto X ⊆ A,
f(A−X) ⊆ B − f(X).
29. Sejam f : A→ B, g : B → A duas funções e X ⊆ A, Y ⊆ B.
(a) Mostre que (g ◦ f) |X= g ◦ (f |X).
(b) Mostre que (f |X)−1(Y ) = X ∩ f−1(Y ).
30. Sejam f : A → C e g : A → B duas funções. Mostre que existe uma
função h : B → C tal que f = h ◦ g se, e somente se,
g(x) = g(y)⇒ f(x) = f(y), ∀ x, y ∈ A.
Conclua que h é única.
31. Sejam f : C → A e g : B → A duas funções, com g bijetora. Mostre
que existe uma função h : C → B tal que f = g ◦ h se, e somente se,
Im(f) ⊆ Im(g). Conclua que h é única.
32. Seja f : Z→ Z uma função tal que:
(a) f(x+ y) = f(x) + f(y), para todos x, y ∈ Z.
(b) f(x · y) = f(x) · f(y), para todos x, y ∈ Z.
Mostre que f = IZ ou f = 0.
33. Seja f : Q→ Q uma função tal que:
(a) f(x+ y) = f(x) + f(y), para todos x, y ∈ Q.
2.4. FUNÇÕES 81
(b) f(x · y) = f(x) · f(y), para todos x, y ∈ Q.
Mostre que f = IQ ou f = 0.
34. Seja f : A → A uma função injetora e f(A) 6= A. Mostre que os
conjuntos
f(A− f(A)), f2(A− f(A)) = f(f(A− f(A))), f3(A− f(A)) . . .
são mutualmente disjuntos. Conclua que se x ∈ A−f(A), então x, f(x),
f(f(x)) . . . são mutualmente distintos.
35. Seja f : A→ A uma função injetora, com A um conjunto finito. Mostre
que f é sobrejetora.
Respostas e/ou Soluções
Seção 2.2
1. Pelo item (a), obtemos A ∪B ⊆ X. Por outro lado, pondo Y = A ∪ B,
temos, pelo item (2) do Teorema 2.3, que A ⊆ Y e B ⊆ Y . Assim, pelo
item (b), obtemos X ⊆ Y = A ∪B. Portanto, X = A ∪B.
2. Sejam A, B subconjuntos de U e X um subconjunto de U com as
seguintes propriedades:
(a) X ⊆ A e X ⊆ B.
(b) Se Y ⊆ A e Y ⊆ B, então Y ⊆ X, para todo Y ⊆ U .
Mostre que X = A ∩B. Agora, faça a prova.
3. Vamos provar apenas o item (a).
∀ x [x ∈ A ∪ C ⇒ x ∈ A ou x ∈ C
⇒ x ∈ B ou x ∈ D⇒ x ∈ B ∪D].
Portanto, (A ∪ C) ⊆ (B ∪D).
82 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
4. Vamos provar apenas o item (j).
∀ x [x ∈ A ∩ (B − C)⇔ x ∈ A e x ∈ (B − C)
⇔ x ∈ A e x ∈ B e x /∈ C
⇔ x ∈ A ∩B e x /∈ A ∩ C
⇔ x ∈ (A ∩B)− (C ∩A)].
Portanto, A ∩ (B − C) = (A ∩B)− (C ∩A).
5. Vamos provar apenas o item (a).
∀ x [x ∈ A ∪B ⇔ x ∈ A ou x ∈ B
⇔ x ∈ A ou x ∈ (B −A)
⇔ x ∈ A ∪ (B −A)].
Portanto, A ∪B = A ∪ (B −A). Note que
∀ x [x ∈ A ∩ (B −A)⇒ x ∈ A e x ∈ B −A
⇒ x ∈ A e x /∈ A],
o que é impossível. Portanto, A ∩ (B −A) = ∅.
6. Vamos provar apenas os itens (f) e (g): (f) Pelos itens (6), (7) e (8) do
Teorema 2.3, obtemos
(A+B)0 = [(A ∩B0) ∪ (A0 ∩B)]0
= (A ∩B0)0 ∩ (A0 ∩B)0
= (A0 ∪B) ∩ (A ∪B0)
= (A ∩B) ∪ (A0 ∩B0).
(g) Novamente, pelos itens (7) e (8) do Teorema 2.3 e o item (f), obtemos
A+ (B + C) = (A ∩ (B + C)0) ∪ (A0 ∩ (B + C))
= (A ∩ [(B ∩ C) ∪ (B0 ∩ C 0)])
∪(A0 ∩ [(B ∩ C 0) ∪ (B0 ∩ C)])
= (A ∩B ∩ C) ∪ (A ∩B0 ∩ C 0)
∪(A0 ∩B ∩ C 0) ∪ (A0 ∩B0 ∩ C).
2.4. FUNÇÕES 83
Como esta expressão é simétrica em relação A, B e C temos, pelo item
(d), que
A+ (B + C) = C + (A+B) = (A+B) + C.
Uma solução gráfica do item (g), confira Figura 2.4. Note que A =
{1, 2, 4, 5}, B = {2, 3, 5, 6} e C = {4, 5, 6, 7}. Assim, A+B = {1, 3, 4, 6}
e B + C = {2, 3, 4, 7}. Portanto,
A+ (B + C) = {1, 3, 5, 7} = (A+B) + C.
Figura 2.4: Solução Gráfica do item (g).
7. É claro, pelo axioma ZF2, que R é um conjunto e que R /∈ A, pois R ∈ R
ou R /∈ R.
8. (a) Como a afirmação x ∈ ∅ é sempre falsa temos que a condição
∀ A ∀ x [x ∈ ∅ ⇒ x ∈ A],
é sempre verdadeira. Portanto, ∅ ⊆ A, para todoconjunto A.
(b) Se B ⊆ A, para todo conjunto A, então B ⊆ ∅. Portanto, pela
unicidade de ∅, obtemos B = ∅.
Seção 2.3
1. Basta observar a relação entre elemento e conjunto.
84 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
2. Vamos provar apenas o item (e).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (B ×A) ∩ (C ×A0)
⇒ (x, y) ∈ B ×A e (x, y) ∈ C ×A0
⇒ y ∈ A e y /∈ A],
o que é impossível. Portanto, (B ×A) ∩ (C ×A0) = ∅.
3. Vamos provar apenas o item (b).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ H ◦G⇒ ∃ z tal que (x, z) ∈ G e (z, y) ∈ H
⇒ (x, z) ∈ A×B e (z, y) ∈ B × C
⇒ x ∈ A e y ∈ C
⇒ (x, y) ∈ A× C].
Portanto, H ◦G ⊆ A× C.
4. Vamos provar apenas o item (a).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ G|B ⇔ (x, y) ∈ G e x ∈ B
⇔ (x, y) ∈ G e (x, y) ∈ B × Im(G)
⇔ (x, y) ∈ G ∩ (B × Im(G))].
Portanto, G|B = G ∩ (B × Im(G)).
5. Note que
∀ (x, y) [(x, y) ∈ G−1 ⇒ (y, x) ∈ G
⇒ (y, x) ∈ Im(G)×Dom(G)].
Assim, G−1 ⊆ Im(G)×Dom(G). Portanto, pelo axioma ZF4, G−1 é um
conjunto.
6. Note que A−B = A∩B0 ⊆ A. Portanto, pelo axioma ZF4, A−B é um
conjunto.
2.4. FUNÇÕES 85
7. Vamos provar apenas o item (a).
∀ x [x ∈
[
i∈I
Ai ⇒ ∃ i ∈ I tal que x ∈ Ai
⇒ x ∈ B],
pois Ai ⊆ B, para todo i ∈ I. Portanto,
S
i∈I Ai ⊆ B.
8. Pelo item (a) e o item (b) do Exercício anterior, obtemos
X ⊆
\
i∈I
Ai.
Por outro lado, pondo
Y =
\
i∈I
Ai,
temos, pelo item (3) do Teorema 2.3, que
Y ⊆ Ai, ∀ i ∈ I.
Assim, pelo item (b), obtemos Y ⊆ X. Portanto,
X =
\
i∈I
Ai.
9. Confira o Exercício 1 da Seção 2.2.
10. Vamos provar apenas o item (b).
∀ x [x ∈
Ã\
i∈I
Ai
!0
⇔ x /∈
\
i∈I
Ai
⇔ ∃ i ∈ I tal que x /∈ Ai
⇔ ∃ i ∈ I tal que x ∈ A0i
⇔ x ∈
[
i∈I
A0i].
86 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
11. Vamos provar apenas o item (d).
∀ (x, y) [(x, y) ∈
Ã[
i∈I
Ai
!
×
Ã[
j∈J
Bj
!
⇔ x ∈
[
i∈I
Ai e y ∈
[
j∈J
Bj
⇔ ∃ i0 ∈ I tal que x ∈ Ai0 e ∃ j0 ∈ J tal que y ∈ Bj0
⇔ ∃ (i0, j0) ∈ I × J tal que (x, y) ∈ Ai0 ×Bj0
⇔ (x, y) ∈
[
(i,j)∈I×J
(Ai ×Bj)].
12. Vamos provar apenas o item (a).
∀ X [X ∈
[
i∈I
P(Ai)⇒ ∃ i ∈ I tal que X ∈ P(Ai)
⇒ ∃ i ∈ I tal que X ⊆ Ai
⇒ X ⊆
[
i∈I
Ai ⇒ X ∈ P
Ã[
i∈I
Ai
!
].
Note que se A1 = {1} e A2 = {a, b}, então P(A1)∪P(A2) ⊂ P(A1∪A2).
13. Vamos provar apenas o item (c).
∀ X [X ∈ P(A) ∩ P(B)⇒ X ∈ P(A) e X ∈ P(B)
⇒ X ⊆ A e X ⊆ B
⇒ X ⊆ A ∩B = ∅],
o que é impossível. Portanto, P(A) ∩ P(B) = {∅}. Reciprocamente,
∀ x [x ∈ A ∩B ⇒ x ∈ A e x ∈ B
⇒ {x} ⊆ A e {x} ⊆ B
⇒ {x} ∈ P(A) ∩ P(B) = {∅}],
o que é impossível. Portanto, A ∩B = ∅.
2.4. FUNÇÕES 87
14. Note que
P(P(∅)) = P({∅}) = {∅, {∅}} e
P(P(P(∅))) = {∅, {∅}, {{∅}}, {∅, {∅}}}.
Seção 2.4
1. Vamos provar apenas o item (d). Como\
i∈I
Ci ⊆ Ci, ∀ i ∈ I,
temos que
f
Ã\
i∈I
Ci
!
⊆ f(Ci), ∀ i ∈ I.
Portanto,
f
Ã\
i∈I
Ci
!
⊆
\
i∈I
f(Ci).
Como f é injetora temos que f = i ◦ g, em que i : f(A)→ B é a função
inclusão e g : A → f(A) é uma função bijetora. Seja h a inversa de
g. Então f(X) = h−1(X), para todo X ⊆ A. Portanto, pelo item (b),
obtemos
f
Ã\
i∈I
Ci
!
= h−1
Ã\
i∈I
Ci
!
=
\
i∈I
h−1(Ci)
=
\
i∈I
f(Ci).
2. Confira o item (a) do Exercício 5 da Seção 2.2.
3. Note que se
f ∈
Y
i∈I
Bi,
88 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
então
f : I →
[
i∈I
Bi
é uma função tal que f(i) ∈ Bi, para todo i ∈ I. Como Bi ⊆ Ai temos
que f(i) ∈ Ai, para todo i ∈ I. Portanto,
f ∈
Y
i∈I
Ai, ou seja,
Y
i∈I
Bi ⊆
Y
i∈I
Ai.
4. Como
pj
ÃY
i∈I
Ai
!
⊆ Aj , ∀ j ∈ I,
temos que Y
i∈I
Ai ⊆ p−1j (Aj), ∀ j ∈ I,
ou seja, Y
i∈I
Ai ⊆
\
i∈I
p−1i (Ai).
Por outro lado, dado f ∈
T
i∈I p
−1
i (Ai), obtemos
f ∈ p−1i (Ai) =
(
g ∈
Y
i∈I
Bi : pi(g) ∈ Ai
)
, ∀ i ∈ I.
Assim,
pi(f) ∈ Ai, ∀ i ∈ I.
Portanto, f = (pi(f))i∈I ∈
Q
i∈I Ai.
5. Para qualquer x ∈ A, existe i ∈ I e j ∈ J tais que x ∈ Ai e x ∈ Bj.
Logo, existe (i, j) ∈ I × J tal que x ∈ Ai ∩Bj, ou seja,
x ∈
[
(i,j)∈I×J
(Ai ∩Bj).
Portanto,
A ⊆
[
(i,j)∈I×J
(Ai ∩Bj).
2.4. FUNÇÕES 89
6. Primeiro note que uma família {Ai}i∈I de subconjuntos não vazios de A
é uma partição de A se as seguintes condições são satisfeitas:
A =
[
i∈I
Ai e [Ai ∩Aj = ∅ ou Ai = Aj, ∀ i, j ∈ I].
Agora, como Ai 6= ∅, para todo i ∈ I, e Bj 6= ∅, para todo j ∈ J , temos
que Ai ×Bj 6= ∅, para todo (i, j) ∈ I × J . Pelo item (d) do Exercício 11
da Seção 2.3, obtemos
A×B =
Ã[
i∈I
Ai
!
×
Ã[
j∈J
Bj
!
=
[
(i,j)∈I×J
(Ai ×Bj).
Finalmente, se
(x, y) ∈ (Ai ×Bj) ∩ (Ak ×Bl),
então
(x, y) ∈ (Ai ×Bj) e (x, y) ∈ (Ak ×Bl).
Logo, x ∈ Ai ∩Ak e y ∈ Bj ∩Bl, ou seja, Ai ×Bj = Ak ∩Bl. Portanto,
a família
{Ai ×Bj}(i,j)∈I×J
é uma partição de A×B.
7. Como Bj 6= ∅, para todo j ∈ J , e f é sobrejetora temos que
f−1(Bj) = {x ∈ A : f(x) ∈ Bj} 6= ∅,
para todo j ∈ J . Sendo f−1(Bj) ⊆ A, para todo j ∈ J , obtemos[
j∈J
f−1(Bj) ⊆ A.
Por outro lado, para qualquer x ∈ A, temos, pelo item (b) do Exercício
1, que
f(x) ∈ f(A) = B =
[
j∈J
Bj
⇒ x ∈ f−1
Ã[
j∈J
Bj
!
=
[
j∈J
f−1(Bj).
90 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
ou seja,
A ⊆
[
j∈J
f−1(Bj).
Finalmente, se
x ∈ f−1(Bj) ∩ f−1(Bk),
então
f(x) ∈ Bj e f(x) ∈ Bk.
Logo, Bj = Bk, isto é, f−1(Bj) = f−1(Bk). Portanto, {f−1(Bj)}j∈J é
uma partição de A.
8. Veja a prova do Exercício 7.
9. Sejam A e B conjuntos. Então, pelo axioma ZF5, A∪B é um conjunto.
É fácil verificar que a função f : A ∪B → {A,B} definida como
f(x) =
⎧⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎩
A, se x ∈ A−B e A 6⊂ B
B, se x /∈ A−B e A 6⊂ B
B, se x ∈ B −A e A ⊂ B
A, se x /∈ B −A e A ⊂ B
é sobrejetora. Portanto, pelo axioma ZF7, {A,B} é um conjunto.
10. Para qualquer a ∈ A fixado, a função fa : B → Ba definida como
fa(y) = (a, y), em que
Ba = {(a, y) : y ∈ B} = {a} ×B,
é claramente bijetora. Assim, pelo axioma ZF7, Ba é um conjunto, para
todo a ∈ A. Como
A×B =
[
a∈A
Ba
temos, pelo axioma ZF5, que A × B é um conjunto. O conjunto Ba
chama-se faixa vertical.
2.4. FUNÇÕES 91
11. Sejam A e B conjuntos. Então, pelo Exercício 10, A × B é um con-
junto. Assim, pelo axioma ZF6, P(A × B) é um conjunto. Como BA
é um subconjunto de P(A× B) temos, pelo axioma ZF4, que BA é um
conjunto.
12. Vamos provar apenas o item (a). Para qualquer f ∈ AC ∪ BC, obtemos
f ∈ AC ou f ∈ BC , ou seja, f é uma função de C em A ou f é uma
função de C em B. Como A ⊆ A∪B e B ⊆ A∪B temos, pelo Corolário
2.22, que f é uma função de C em A∪B Logo, f ∈ (A∪B)C. Portanto,
AC ∪BC ⊆ (A ∪B)C .
13. É fácil verificar que R é uma relação de equivalência sobre A e que
f−1(b) = {x ∈ A : b = f(x)} 6= ∅, ∀ b ∈ B,
pois B = Im(f). Assim, se b ∈ Im(f), então existe x ∈ A tal que
b = f(x). Logo,
f−1(b) = f−1(f(x))
= {y ∈ A : f(x) = f(y)}
= {y ∈ A : xRy} = x.
Portanto, as classes de equivalências são as imagens inversas de f . Neste
caso, {f−1(b)}b∈B é uma partição de A e o subconjunto f−1(b) chama-se
fibra sobre o elemento b ∈ Im(f).
14. Primeiro note que dados x, y ∈ A,
xRy ⇔ f(x) = f(y)⇔ y = (f−1 ◦ f)(x).
Portanto,
(x, y) ∈ R⇔ xRy ⇔ y = (f−1 ◦ f)(x)
⇔ (x, y) ∈ (f−1 ◦ f), ∀ (x, y) ∈ A×A,
92 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
ou seja, R = f−1 ◦ f . Suponhamos que f ◦ f = f , então
y ∈ x⇒ f(x) = f(y)⇒ f(x) = (f ◦ f)(y) = f(f(y))
⇒ x = (f−1 ◦ f)(f(y))
⇒ f(y) ∈ x.
Reciprocamente, dado x ∈ A, obtemos
x ∈ x⇒ f(x) ∈ x = (f−1 ◦ f)(x)
⇒ (f ◦ f)(x) = f(x).
Portanto, f ◦ f = f .
15. Dados f, g, h ∈ A. É claro que f ∼ f e se f ∼ g, então g ∼ f . Agora, se
f ∼ g e g ∼ h, então os conjuntos
S1 = {n ∈ N : f(n) 6= g(n)} e S2 = {n ∈ N : g(n) 6= h(n)}
são finitos. Neste caso, se f(n) 6= h(n), então f(n) 6= g(n) ou f(n) = g(n)
e g(n) 6= h(n). Logo,
S = {n ∈ N : f(n) 6= h(n)} ⊆ S1 ∪ S2
é um conjunto finito. Assim, f ∼ h. Portanto, ∼ é uma relação de
equivalência sobre A.
16. Pondo R =
T
i∈I Ri. Para quaisquer x, y, z ∈ A, obtemos xRix, para
todo i ∈ I. Logo, xRx. Se (x, y) ∈ R, então xRiy, para todo i ∈ I.
Como yRix, para todo i ∈ I, temos que (y, x) ∈ R, ou seja, se xRy,
então yRx. Finalmente, se (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ R, então xRiy e yRiz,
para todo i ∈ I. Assim, xRiz, para todo i ∈ I. Portanto, xRz, isto é,
R é uma relação de equivalência sobre A.
17. Para quaisquer X,Y,Z ∈ P(B). É claro que XRX e se XRY , então
YRX. Finalmente, se XRY e YRZ, então
A ∩X = A ∩ Y = A ∩ Z.
Portanto, XRZ, isto é, R é uma relação de equivalência sobre P(B).
2.4. FUNÇÕES 93
18. Vamos provar apenas o item (b). Noteque
∀ x [χB∪C(x) = 1⇔ x ∈ B ∪ C = (B ∩ C) ∪ [B ∪ C − (B ∩ C)]
⇔ x ∈ B ∩ C ou x ∈ B ∪ C − (B ∩ C)].
Por outro lado,
∀ x [(χB + χC − χB∩C)(x) = 1⇔ x ∈ B ∩ C ou x ∈ B ∪ C − (B ∩ C)].
Portanto, pelo item (a),
χB∪C = χB + χC − χB · χC .
19. Vamos provar apenas o item (a). Se x ∈
S
i∈I Ai, então existe i ∈ I tal
que x ∈ Ai. Como f(J) = I temos que existe j ∈ J tal que i = f(j).
Logo, x ∈ Af(j). Consequentemente, x ∈
S
j∈J Af(j). Por outro lado, se
x ∈
S
j∈J Af(j), então existe j ∈ J tal que x ∈ Af(j). Como f(j) ∈ I
temos que x ∈
S
i∈I Ai. Portanto,[
j∈J
Af(j) =
[
i∈I
Ai.
20. Suponhamos que f : A → B seja injetora. Então, pelo Corolário 2.22,
f : A → C é uma função bijetora, onde C = Im(f) ⊆ B. Assim,
f−1 : C → A é uma função. Seja a ∈ A fixado. Então a função g : B → A
definida como
g(y) =
(
f−1(y), se y ∈ C
a, se y /∈ C,
tem as propriedades desejadas, pois para qualquer x ∈ A, obtemos
(g ◦ f)(x) = g(f(x) = f−1(f(x) = x = IA(x).
21. Pelo Exercício 20, basta considerar a função gk : N→ N definida como
gk(n) =
(
n− 1, se n > 1
k, se n = 1,
onde k ∈ N é arbitrário (infinitas possibilidades). Se existissem inversa
à direita, então f seria sobrejetora, o que é impossível.
94 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
22. Suponhamos que f : A → B seja sobrejetora, então f−1(y) 6= ∅, para
todo y ∈ B = Im(f). Assim, pelo Exercício 13,
{f−1(y)}y∈B
é uma partição de A. Logo, para qualquer y ∈ B, podemos escolher um
x = x(y) ∈ f−1(y) ⊆ A.
Então a função g : B → A definida como g(y) = x tem as propriedades
desejadas, pois para qualquer y ∈ B, obtemos
(f ◦ g)(y) = f(g(y)) = f(x) = y = IB(y).
23. Pelo Exercício 22 temos que
{f−1(n)}n∈N = {2n− 1, 2n}n∈N
é uma partição de N. Assim, basta considerar a função gk : N → N
definida como
gk(n) =
(
2n− 1, se 1 ≤ n < k
2n, se n ≥ k,
onde k ∈ N é arbitrário (infinitas possibilidades). Se existissem inversa
à esquerda, então f seria injetora, o que é impossível.
24. Vamos provar apenas o item (c). Dados x, y ∈ R, se f(x) = f(y), então
x√
1 + x2
=
yp
1 + y2
.
Como os denominadores destas frações são positivos temos as seguintes
possibilidades: x = y = 0 ou x > 0 e y > 0 ou x < 0 e y < 0. A primeira
possibilidade é clara. Se x > 0 e y > 0, entãor
x2
1 + x2
=
√
x2√
1 + x2
=
x√
1 + x2
=
yp
1 + y2
=
s
y2
1 + y2
.
2.4. FUNÇÕES 95
Logo, elevando ao quadrado ambos os membros, obtemos
x2
1 + x2
=
y2
1 + y2
⇒ x2 = y2
⇒ x = |x| =
√
x2 =
p
y2 = |y| = y.
A possibilidade x < 0 e y < 0 é tratada de modo inteiramente análogo.
Portanto, x = y, ou seja, f é injetora. Para provar que f é sobrejetora,
dado y ∈ I, devemos resolver a equação y = f(x) para obter x como
função de y. Para isso, devemos considerar as seguintes possibilidades:
y = 0 ou y > 0 ou y < 0. Se y = 0, então existe x = 0 ∈ R tal que
0 = f(0). Se y > 0, então x > 0 e
y =
x√
1 + x2
=
r
x2
1 + x2
⇒ y2 = x
2
1 + x2
⇒ x = yp
1− y2
,
ou seja, se y > 0, então existe
x =
yp
1− y2
∈ R
tal que y = f(x). A possibilidade y < 0 é tratada de modo inteiramente
análogo. Portanto, f é bijetora. Note que
lim
x→−∞
f(x) = −1 e lim
x→+∞
f(x) = 1.
Finalmente, é fácil verificar que a função g : I → R definida como
g(x) =
x√
1− x2
é a inversa de f .
25. Basta considerar f = IB.
96 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
26. Suponhamos, por absurdo, que g 6= h. Então existe x0 ∈ A tal que
g(x0) 6= h(x0). Consideremos a função f : B → {g(x0), h(x0)} definida
como
f(y) =
(
h(x0), se y ∈ B − {h(x0)}
g(x0), se y = h(x0).
Então
(f ◦ g)(x0) = h(x0) e (f ◦ h)(x0) = g(x0)⇒ (f ◦ g)(x0) 6= (f ◦ h)(x0),
o que é uma contradição.
27. (a⇒ b) Dado x ∈ B, existe a ∈ A tal que x = f(a). Logo,
g(x) = g(f(a)) = (g ◦ f)(x) = (h ◦ f)(x) = h(f(a)) = h(x).
Portanto, g = h.
(b⇒ c) Suponhamos, por absurdo, que existaX ⊆ A tal que B−f(X) 6⊂
f(A −X), isto é, existe y0 ∈ B − f(X) tal que y0 /∈ f(A −X). Então
y0 6= f(x), para todo x ∈ A. Para qualquer b ∈ B fixado, com b 6= y0,
consideremos a função g : B → B definida como
g(y) =
(
y, se y 6= y0
b, se y = y0
e seja h = IB. Então
f(x) = (g ◦ f)(x) e f(x) = (h ◦ f)(x), ∀ x ∈ A,
isto é, g ◦ f = h ◦ f . Logo, g = h, o que é uma contradição.
(c⇒ a) Pondo X = A, obtemos
B − f(A) ⊆ f(A−A) = f(∅) = ∅.
Assim, f(A) = B, ou seja, f é sobrejetora.
2.4. FUNÇÕES 97
28. (a⇒ b) Dado x ∈ C,
f(g(x)) = (f ◦ g)(x) = (f ◦ h)(x) = f(h(x)
⇒ g(x) = h(x).
Portanto, g = h.
(b⇒ c) Suponhamos, por absurdo, que existaX ⊆ A tal que f(A−X) 6⊂
B − f(X), isto é, existe y0 ∈ f(A −X) tal que y0 /∈ B − f(X). Então
existem a ∈ A−X e x0 ∈ X tais que f(a) = y0 = f(x0). Consideremos
a função h : A→ A definida como
h(x) =
⎧⎪⎨⎪⎩
x, se x ∈ A− {a, x0}
x0, se x = a
a, se x = x0
e seja g = IA. Então
f(x) = (f ◦ g)(x) e f(x) = (f ◦ h)(x), ∀ x ∈ A,
isto é, f ◦ g = f ◦ h. Logo, g = h, o que é uma contradição.
(c⇒ a) Suponhamos, por absurdo, que f não seja injetora. Então, pelo
Exemplo 2.24, existe X ⊆ A tal que
f(A)− f(X) ⊂ f(A−X).
Como f(A) ⊆ B temos que
f(A)− f(X) ⊆ B − f(X)
(prove isto!). Portanto,
f(A−X) 6⊂ B − f(X),
o que é uma contradição.
98 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
29. Vamos provar apenas o item (a).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (g ◦ f) |X⇔ (x, y) ∈ g ◦ f e x ∈ X
⇔ ∃ z tal que (x, z) ∈ f e (z, y) ∈ g e x ∈ X
⇔ ∃ z tal que ((x, z) ∈ f e x ∈ X) e (z, y) ∈ g
⇔ (x, y) ∈ g ◦ (f |X)].
Portanto, (g ◦ f) |X= g ◦ (f |X).
30. Suponhamos que exista uma função h : B → C tal que f = h ◦ g. Então
g(x) = g(y)⇒ f(x) = h(g(x) = h(g(y)) = f(y), ∀ x, y ∈ A.
Reciprocamente, seja c ∈ C fixado. Então a função h : B → C definida
como
h(y) =
(
f(x), se y = g(x)
c, se y 6= g(x)
tem as propriedades desejadas, pois para qualquer x ∈ A, obtemos
f(x) = h(y) = h(g(x)) = (h ◦ g)(x).
Seja h1 : B → C outra função com a mesma propriedade de h. Então,
pelo Exercício 25, h = h1.
31. Suponhamos que exista uma função h : C → B tal que f = g ◦ h. Então
∀ y [y ∈ Im(f)⇒ ∃ x ∈ C tal que y = f(x)
⇒ ∃ x ∈ C tal que y = (g ◦ h)(x)⇒ (x, y) ∈ g ◦ h
⇒ ∃ z ∈ C tal que (x, z) ∈ h e (z, y) ∈ g
⇒ y ∈ Im(g)].
Reciprocamente, a função h : C → B definida como h(x) = g−1(f(x))
tem as propriedades desejadas, pois para qualquer x ∈ C, obtemos
f(x) = IA(f(x)) = (g ◦ g−1)(f(x)) = g(g−1 ◦ f)(x) = (g ◦ h)(x).
2.4. FUNÇÕES 99
Seja h1 : C → B outra função com a mesma propriedade de h. Então
h1 = IB ◦ h1 = (g−1 ◦ g) ◦ h1 = g−1 ◦ (g ◦ h1)
= g−1 ◦ f = g−1 ◦ (g ◦ h) = (g−1 ◦ g) ◦ h = IB ◦ h
= h.
32. Primeiro note que
f(0) = f(0 + 0) = f(0) + f(0)⇒ f(0) = 0
e
0 = f(0) = f(1 + (−1)) = f(1) + f(−1)⇒ f(−1) = −f(1).
Segundo
f(1) = f(1 · 1) = f(1) · f(1)
⇒ f(1) · (f(1)− 1) = 0
⇒ f(1) = 0 ou f(1) = 1.
Se f(1) = 0, então f(x) = f(x · 1) = f(x) · f(1) = 0, para todo x ∈ Z,
isto é, f = 0. Agora, se f(1) = 1, então, pela Lei da Tricotomia, dado
x ∈ Z, x < 0 ou x = 0 ou x > 0. Assim,
x > 0⇒ f(x) = f(1 + 1 + · · ·+ 1) = xf(1) = x
e
x < 0⇒ −x > 0
⇒ f(x) = f(−1 · (−x)) = f(−1)(−x) = −f(1)(−x) = x.
Portanto, f(x) = x, para todo x ∈ Z, isto é, f = IZ.
33. Pelo Exercício 32, obtemos f = 0 ou f(x) = x, para todo x ∈ Z. Agora,
dado y ∈ Z, com y 6= 0, obtemos
1 = f(1) = f
µ
y · 1
y
¶
= f(y) · f
µ
1
y
¶
= y · f
µ
1
y
¶
⇒ f
µ
1
y
¶
=
1
y
.
100 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Finalmente, dado r = x
y
∈ Q, com y 6= 0, obtemos
f(r) = f
µ
x
y
¶
= f
µ
x · 1
y
¶
= f(x) · f
µ
1
y
¶
= x · 1
y
=
x
y
= r.
Portanto, f = IQ.
34. Note que se n ∈ N e
fn(A− f(A)) ∩ fn+1(A− f(A)) 6= ∅,
então existe
z ∈ fn(A− f(A)) ∩ fn+1(A− f(A)),
ou seja, existem x, y ∈ A− f(A) tais que
z = fn(x) e z = fn+1(y).
Como f é injetora temos que
fn+1(y) = fn(x)⇒ fn(y) = fn−1(x)⇒ · · ·⇒ f(y) = x.
Logo, x ∈ f(A), o que é impossível. Portanto,
f(A− f(A)), f2(A− f(A)), f3(A− f(A)) . . .
são mutualmente disjuntos.
35. Se f(A) 6= A, então, pelo Exercício 34, A seria um conjunto infinito.
Capítulo 3
Conjuntos Parcialmente
Ordenados
Com os conhecimentos dos axiomas básicos da Teoria dos Conjuntos es-
tudaremos os problemas de aplicações ordinárias de matemática tais como:
relação de ordem, conjuntos parcialmente ordenados, elementos maximais e
minimais,maior e menor elemento, supremo e ínfimo de um conjunto. Além
disso, estudaremos reticulados e conjuntos bem ordenados.
Já vimos que a ideia intuitiva de uma “coleção ordenada de elementos”
era significativa para qualquer coleção A quando A era um conjunto. Neste
capítulo, porém, estaremos interessados nos conceitos formais de conjuntos
parcialmente ordenados e suas consequências.
Da mesma forma que o conjunto de todos os números reais é o modelo
para todos os conceitos nos cursos de Análise Real, o conceito de conjuntos
parcialmente ordenados pode ser utilizado como eficiente ferramenta de mo-
delagem em diversas situações-problema, principalmente aquelas que possuem
como objetivo a limitação de determinados conjuntos. Vejamos um exemplo de
uma situação dessa natureza. Mostraremos a Lei de Arquimedes (Archimedes
de Syracuse, 287 a.C.-212 a.C., matemático, físico, engenheiro, inventor e as-
trônomo grego):
Supondo que o conjunto de todos os números reais R, com a ordem usual,
seja “completo”, mostraremos que dados a, b ∈ R, com a > 0, existe n ∈ Z tal
101
102 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
que na > b.
Em bem pouco tempo estaremos aptos a efetuar os cálculos necessários à
obtenção da resposta a essa questão.
3.1 Conjuntos Ordenados
Seja A um conjunto. Diremos que uma relação ≤ sobre A é uma pré-ordem
se os seguintes axiomas são satisfeitos:
1. x ≤ x, para todo x ∈ A. (reflexividade)
2. Se x ≤ y e y ≤ z, então x ≤ z, para todos x, y, z ∈ A. (transitividade)
Se uma pré-ordem ≤ sobre A satisfaz o axioma:
3. Se x ≤ y e y ≤ x, então x = y, para todos x, y ∈ A, (antissimétrica)
diremos que ≤ é uma ordem (parcial) sobre A.
Se uma ordem ≤ sobre A satisfaz o axioma:
4. x ≤ y ou y ≤ x, para todos x, y ∈ A, (x e y são comparáveis)
diremos que ≤ é uma ordem total (ou ordem linear) sobre A.
Observe que os axiomas (1) e (3) são equivalentes ao axioma (10) x ≤ y e
y ≤ x se, e somente se, x = y, para todos x, y ∈ A. O axioma (4) é equivalente
ao axioma (40) existe z ∈ A tal que z ≤ x e z ≤ y.
Notações:
• y ≥ x significa que x ≤ y.
• x < y significa que x ≤ y e x 6= y.
• y > x significa que x < y.
A notação x ≤ y lê-se “x é menor do que ou igual a y ou x precede y ou
y segue x.”
3.1. CONJUNTOS ORDENADOS 103
Exemplo 3.1 Seja A um conjunto qualquer. Dados a, b ∈ A, definimos
a ≤ b⇔ a = b.
Então ≤ é uma ordem sobre A.
Exemplo 3.2 Seja Q o conjunto de todos os números racionais. Dados r, s ∈
Q, diremos que r divide s ou s é um múltiplo de r em Q se existir n ∈ Z tal
que s = nr. Dados r, s ∈ Q, definimos
r ≤ s⇔ r divide s.
Note que se r 6= 0, então r divide s significa que sr−1 ∈ Z. Então ≤ é uma
pré-ordem sobre Q, mas não é uma ordem, pois r ≤ −r e −r ≤ r, com r 6= −r.
Exemplo 3.3 Seja
Z+ = {0, 1, 2, 3, . . .}
o conjunto de todos os números inteiros positivos. Dados m,n ∈ Z+, definimos
m ¹ n⇔ m divide n.
Mostre que ¹ é uma ordem sobre Z+.
Solução. Dados k,m, n ∈ Z+. É claro que k ¹ k, pois k = 1 · k. Se k ¹ m
e m ¹ k, então k divide m e m divide k. Logo, em relação a ordem usual de
Z+, obtemos
k ≤ m e m ≤ k.
Assim, k = m.
Finalmente, se k ¹ m e m ¹ n, então existem r, s ∈ Z+ tais que m = rk e
n = sm. Logo,
n = sm = s(rk) = (rs)k,
ou seja, k ¹ n. Portanto, ¹ é uma ordem sobre Z+. ¥
Um conjunto parcialmente ordenado - poset (partially ordered set) é um
conjunto A munido de uma ordem ≤ (R), em símbolos, o par ordenado
(A,≤) ou (A,R).
104 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Observe que ≤ ∈ P(A×A) e R ∈ P(A×A).
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Então A induz uma ordem
sobre B do seguinte modo:
∀ x, y ∈ B [x ≤ y ⇔ x ≤ y sobre A].
Ou, equivalentemente, se R é uma ordem sobre A, então
R0 = R ∩ (B ×B)
= {(x, y) : x, y ∈ B e xRy}
= R|B
é uma ordem sobre B. Neste caso, diremos que R0 é a ordem induzida por R.
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Diremos que B é um subcon-
junto totalmente ordenado ou uma cadeia de A se a ordem induzida por A for
total. Em particular, se quaisquer dois elementos de A são comparáveis, isto
é, x ≤ y ou x ≥ y, para todos x, y ∈ A, diremos que A é um conjunto total-
mente ordenado ou um conjunto ordenado linearmente. Assim, um conjunto
A é totalmente ordenado se uma e apenas uma das condições ocorre:
∀ x, y ∈ A [x < y, x = y ou x > y] (Lei da Tricotomia).
Note que se em um poset (A,≤) nenhum par de elementos é comparável, então
≤ é a igualdade.
Observação 3.4 O conjunto de todos os números reais R, com a ordem usual,
é totalmente ordenado. Consequentemente, os subconjuntos N, Z e Q, com a
ordem induzida, são totalmente ordenados. Note que
C = R−Q
é uma cadeia em R. Em particular, se N é munido com a ordem r divide s
em N, então o conjunto
{20, 21, 22, . . . , 2n−1, . . .}
é uma cadeia de N (prove isto!).
3.1. CONJUNTOS ORDENADOS 105
Exemplo 3.5 Sejam A um conjunto qualquer com pelo menos dois elementos
e P(A) o conjunto das potências de A. Dados X,Y ∈ P(A), definimos
X ≤ Y ⇔ X ⊆ Y.
Mostre que ≤ é uma ordem sobre P(A), chamada ordenação pela inclusão.
Note que esta ordem não é total. No entanto, se C é uma cadeia de P(A),
digamos
C = {X1,X1 ∪X2, . . . , X1 ∪ · · · ∪Xn, . . .},
então X ⊆ Y ou Y ⊆ X, para todos X,Y ∈ C.
Solução. Para provar que ≤ é uma ordem, confira o Teorema 2.1.
Finalmente, se X = {x} ∈ P(A) e Y = {y} ∈ P(A), com x 6= y, então X
e Y não são comparáveis. Portanto, ≤ não é uma ordem total sobre P(A). ¥
Observe que se A é um conjunto e E é o conjunto de todas as relações de
equivalência sobre A, então E é um poset com a ordem induzida por P(A×A).
Exemplo 3.6 Sejam A e B dois posets disjuntos. Mostre que A ∪ B é um
poset, com a seguinte ordenação: dados x, y ∈ A ∪B, definimos
x ¹ y ⇔
⎧⎪⎨⎪⎩
x, y ∈ A e x ≤A y ou
x, y ∈ B e x ≤B y ou
x ∈ A e y ∈ B.
Por exemplo, x ¹ x, para todo x ∈ A ∪ B, pois x ∈ A ou x ∈ B implica que
x ≤A x ou x ≤B x.
Sejam A um poset e a, b ∈ A fixados. O segmento inicial ou o intervalo
aberto não limitado à esquerda de A determinado por a é o conjunto
Sa = {x ∈ A : x < a}.
Note que Sa 6= A. O segmento final ou o intervalo aberto não limitado à
direita de A determinado por a é o conjunto
Sa = {x ∈ A : a < x}.
106 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
O intervalo aberto de A determinado por a e b é o conjunto
]a, b[ = {x ∈ A : a < x < b} = Sa ∩ Sb.
O intervalo fechado de A determinado por a e b é o conjunto
[a, b] = {x ∈ A : a ≤ x ≤ b}.
Exemplo 3.7 Sejam N o conjunto de todos os números naturais com a ordem
usual e n ∈ N fixado. Note que
Sn = {1, 2, , . . . , n− 1} e Sn = {n+ 1, n+ 2, . . .}.
Em particular, S1 = ∅ e S0 = N.
Teorema 3.8 Seja A um poset. Se P é um segmento inicial de A e Q é um
segmento inicial de P , então Q é um segmento inicial de A.
Prova. Por hipótese, existem a ∈ A e b ∈ P tais que
P = {x ∈ A : x < a} e Q = {y ∈ P : y < b},
respectivamente. Seja
Sb = {x ∈ A : x < b}.
Então, por definição, Sb é um segmento inicial de A.
Afirmação. Q = Sb
De fato, é claro que Q ⊆ Sb. Por outro lado, se x ∈ Sb, então x ∈ A e x < b.
Como b ∈ P temos que x ∈ P , pois b < a. Assim, x ∈ Q, pois x < b e x ∈ P .
Portanto, Sb ⊆ Q. ¥
SejaA um poset. Um corte deA é um par ordenado (E,D) de subconjuntos
não vazios de A com as seguintes propriedades:
1. E ∩D = ∅ e E ∪D = A.
2. Se a ∈ E e x ≤ a, então x ∈ E.
3.1. CONJUNTOS ORDENADOS 107
3. Se a ∈ D e a ≤ x, então x ∈ D.
Exemplo 3.9 Seja Q o conjunto de todos os números racionais com a ordem
usual. Mostre que o par
E = {x ∈ Q : x ≤ 0 ou [x > 0 e x2 < 2]} e D = {x ∈ Q : x > 0 e x2 > 2}
é um corte de Q. Note que D = Q−E.
Solução. É fácil verificar que E, D são subconjuntos não vazios de Q,
E ∩D = ∅ e E ∪D = Q.
Suponhamos que a ∈ E e x ≤ a. Então há dois casos a serem considerados:
se x ≤ 0, então automaticamente x ∈ E. Caso contrário, x > 0 e a2 − x2 ≥ 0,
pois
a2 − x2 = (a− x)(a+ x) ≥ 0.
Logo, x2 ≤ a2 < 2. Assim, x ∈ E. Portanto, em qualquer caso, x ∈ E. De
modo inteiramente análogo, prova-se o item (3). ¥
Seja A um poset. Diremos que A é um poset finito se oconjunto A for
“finito”. A cardinalidade do conjunto A chama-se comprimento do poset.
Seja A um poset finito. Um diagrama de linha ou um diagrama de Hasse
(Helmut Hasse, 1898-1979, matemático alemão) para A é um diagrama em que
os elementos de A são representados por vértices e as comparações entre dois
elementos a, b ∈ A são representadas por arestas, com a seguinte convenção:
um elemento a está abaixo de um elemento b se, e somente se, a < b e não
existe c ∈ A− {a, b} tal que a < c < b.
Exemplo 3.10 Sejam A = {a, b, c, d, e, f} e B = {1, 2, 3, 4, 5, 6} dois conjun-
tos ordenados pelos diagramas de Hasse, confira Figura 3.1. Então:
1. Os subconjuntos {a, b, c} e {a, b, e, f} são cadeias de A, pois quaisquer
dois elementos são comparáveis. Enquanto, o subconjunto {1, 2, 3, 4, 6}
não é uma cadeia de B, por exemplo, 2 e 3 não são comparáveis.
108 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
2. Note que Se = {a, b, d} é um segmento inicial de A. Enquanto, S5 = {1}
é um segmento inicial de B.
3. Se E = {a, b, c} e D = {d, e, f}, então (E,D) é um corte de A.
Figura 3.1: Diagramas de Hasse
Exemplo 3.11 (Poset Coroa) Seja A = {1, 2, 3, . . . , 2n}, com n > 1, um
conjunto. Dado a ∈ A, definimos
a ≤ a+ n e a+ 1 ≤ a+ n, ∀ a ∈ {1, 2, . . . , n− 1}, n ≤ 2n e 1 ≤ 2n.
Note que A é um poset, mas não é totalmente ordenado. Confira diagrama de
Hasse dado pela Figura 3.2, com n = 5.
Figura 3.2: Diagrama de Hasse.
3.1. CONJUNTOS ORDENADOS 109
EXERCÍCIOS
1. Seja A um conjunto. Mostre que se ≤ é uma relação de ordem sobre A,
então a relação < possui as seguintes propriedades:
(a) Se x < y e y < z, então x < z. para todos x, y, z ∈ A.
(b) No máximo uma das condições ocorre: x < y ou x = y ou x > y.
(assimétrica)
Reciprocamente, mostre se < é uma relação sobre A satisfendo às pro-
priedades (a) e (b), então uma relação de ordem sobre A é definida como
x ≤ y se, e somente se, x < y ou x = y.
Conclua que a função ϕ(<) = < ∪D é uma correspondência biunívoca
entre estas ordens sobre A, com inversa ψ(≤) =≤ −D, em que
D = {(x, x) : x ∈ A}
é a diagonal de A.
2. Sejam A, B dois conjuntos e C o conjunto de todos os pares (X, f), onde
X ⊆ A e f : X → B é uma função. Dados (X, f), (Y, g) ∈ C, definimos
(X, f) ≤ (Y, g)⇔ X ⊆ Y e f(x) = g(x) (f = g|X), ∀ x ∈ X.
Note que
(X, f) ≤ (Y, g)⇔ X ⊆ Y e (x, y) ∈ f ⇒ (x, y) ∈ g.
Mostre que ≤ é uma ordem sobre C.
3. Sejam A e B dois posets. Dados (a, b), (c, d) ∈ A×B, definimos
(a, b) ¹ (c, d)⇔ a < c ou a = c e b ≤ d.
Mostre que ¹ é uma ordem sobre A×B, chamada de ordem lexicográfica.
110 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
4. Seja A = {(a, b) ∈ R2 : b ≤ 0}. Dados (a, b), (c, d) ∈ A, definimos
(a, b) ≤ (c, d)⇔ a = c e b ≤ d.
Mostre que ≤ é uma ordem sobre A.
5. Seja f : N × N → N uma função injetora. Dados (a, b), (c, d) ∈ N × N,
definimos
(a, b) ¹ (c, d)⇔ f(a, b) ≤ f(c, d).
Mostre que ¹ é uma ordem sobre N× N.
6. Seja {Ri}i∈I uma família de ordens sobre A. Mostre que
T
i∈I Ri é uma
ordem sobre A.
7. Sejam A, B dois posets e
F = {f : A→ B : f é uma função}.
Dados f, g ∈ F , definimos
f ¹ g ⇔ f(x) ≤ g(x), ∀ x ∈ A.
Mostre que ¹ é uma ordem sobre F que não é total. Em particular, se
A = B = R e F é o conjunto de todas as funções contínuas, então ¹
significa que o gráfico de g nunca fica abaixo do gráfico de f .
8. Sejam I = {1, 2, . . . , n} e consideremos uma n×n matriz A = [aij] como
uma função f : I × I → R definida como f(i, j) = aij. Mostre que
A ¹ B⇔ aij ≤ bij, ∀ (i, j) ∈ I × I,
é uma ordem sobre o conjunto de todas as n× n matrizes Mn(R).
9. Sejam A e B dois posets. Dados (a, b), (c, d) ∈ A×B, definimos
(a, b) ¹ (c, d)⇔ b < d ou b = d e a ≤ c.
Mostre que ¹ é uma ordem sobre A × B, chamada de ordem antilexi-
cográfica.
3.1. CONJUNTOS ORDENADOS 111
10. Sejam A, B dois posets e C, D cadeias de A e B, respectivamente.
Mostre que se A×B é ordenado lexicograficamente, então C ×D é uma
cadeia de A×B.
11. SejamA, B dois posets e A×B ordenado antilexicograficamente. Mostre
que se (E,D) é um corte de B, então (A×E,A×D) é um corte de A×B.
12. Sejam A um conjunto não vazio e P(A) o conjunto das potências de A.
Dados X,Y ∈ P(A), definimos
X ≤ Y ⇔ Y ⊆ X.
Mostre que ≤ é uma ordem sobre P(A), chamada de ordem inversa.
13. Seja Q, dados r = a
b
, s = c
d
∈ Q, definimos
r ¹ s⇔ ad ≤ bc, b > 0 e d > 0.
Mostre que ¹ é uma ordem total sobre Q.
14. Seja {Ai}i∈I uma família de posets. Dados
f = (ai), g = (bi) ∈ P =
Y
i∈I
Ai,
definimos
f ¹ g ⇔ ai ≤ bi, ∀ i ∈ I.
Mostre que ¹ é uma ordem cartesiana sobre P .
15. Sejam I um conjunto totalmente ordenado, {Ai}i∈I uma família de con-
juntos totalmente ordenados disjuntos aos pares. Neste caso, diremos que
{Ai}i∈I é uma família totalmente ordenada. Seja A =
S
i∈I Ai. Dados
a, b ∈ A, existem únicos i, j ∈ I tais que a ∈ Ai e b ∈ Aj, definimos
[a ¹ b, se i < j] e [a ≤ b sobre Ai, se i = j].
Mostre que ¹ é uma ordem total sobre A.
112 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
3.2 Isomorfismos
É importante lembrar que todos os resultados sobre funções vistos no curso
de Matemática Elementar podem ser usados em tudo que segue.
SejamA, B dois posets e f : A→ B uma função. Diremos que f é crescente
ou preserva ordem se
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇒ f(x) ≤ f(y)].
e f é decrescente ou inverte ordem se
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇒ f(x) ≥ f(y)].
Por exemplo, se A um conjunto não vazio e B ⊆ A, então a função fB :
P(A)→ P(A) definida como
fB(X) = B ∩X
preserva ordem. Enquanto, a função λA : P(A)→ P(A) definida como
λA(X) = A−X
inverte ordem e λA ◦ λA = IA.
Sejam A, B dois poset e f : A→ B uma função. Diremos que f é estrita-
mente crescente se
∀ x, y ∈ A [x < y ⇒ f(x) < f(y)].
e f é um isomorfismo se f é bijetora e
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇔ f(x) ≤ f(y)].
Exemplo 3.12 Sejam R o conjunto de todos os números reais com a ordem
usual e a, b ∈ R fixados, com a 6= 0.
1. Mostre que se a > 0, então a função f : R → R definida como f(x) =
ax+ b é um isomorfismo.
3.2. ISOMORFISMOS 113
2. Mostre que se a < 0, então a função f : R → R definida como f(x) =
ax+ b não é um isomorfismo.
Solução. Dados x, y ∈ R, se f(x) = f(y), então
ax+ b = ay + b⇒ ax = ay ⇒ x = y,
pois a 6= 0. Logo, f é injetora. Para provar que f é sobrejetora, dado y ∈ R,
devemos resolver a equação y = f(x) para obter x como função de y, ou seja,
y = ax+ b⇔ x = a−1(y − b).
Assim, dado y ∈ R, existe x = a−1(y− b) ∈ R tal que y = f(x). Portanto, f é
bijetora.
(1) Se a > 0, então
∀ x, y ∈ R [x ≤ y ⇔ ax ≤ ay ⇔ ax+ b ≤ ay + b⇔ f(x) ≤ f(y)],
ou seja, f preserva ordem. Portanto, f é um isomorfismo.
(2) Se a < 0, então
∀ x, y ∈ R [x ≤ y ⇔ ax ≥ ay ⇔ ax+ b ≥ ay + b⇔ f(x) ≥ f(y)],
ou seja, f inverte ordem. Portanto, f não é um isomorfismo. No entanto, f é
bijetora. ¥
Exemplo 3.13 Sejam
A = {n ∈ N : n ≥ 2},
ordenado por
m ≤ n⇔ m divide n,
e
B = {n ∈ N : n ≥ 2},
com a ordem usual induzida por N. Então a função f : A → B definida
como f(x) = x claramente preserva ordem, mas não é um isomorfismo, pois
f(3) < f(5), com 3 ≮ 5.
114 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Teorema 3.14 Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função. Então f é
um isomorfismo se, e somente se, f é sobrejetora e
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇔ f(x) ≤ f(y)].
Prova. Dados x, y ∈ A, se f(x) = f(y), então de f(x) ≤ f(y), obtemos
x ≤ y e de f(x) ≥ f(y), obtemos x ≥ y. Portanto, x = y e f é injetora.
Consequentemente f é um isomorfismo. ¥
Proposição 3.15 Sejam A, B dois posets e f : A → B uma função. Se f é
um isomorfismo, então
∀ x, y ∈ A [x < y ⇔ f(x) < f(y)].
Prova. Dados x, y ∈ A, se x < y, então x ≤ y. Logo, por hipótese, f(x) ≤
f(y). Portanto, f(x) < f(y), pois se f(x) = f(y), então, pela injetividade de
f , x = y, o que é impossível.
Reciprocamente, se f(x) < f(y), então f(x) ≤ f(y). Logo, por hipótese,
x ≤ y. Portanto, x < y, pois se x = y, então, pela definição de função,
f(x) = f(y), o que é impossível. ¥
Teorema 3.16 Sejam A, B dois posets e f : A → B uma função bijetora.
Então f é um isomorfismo se, e somente se, f e f−1 são crescentes.
Prova.Note que como f é bijetora temos que
∀ x ∈ A [(f−1 ◦ f)(x) = x].
Dados z, w ∈ B, existem únicos x, y ∈ A tais que z = f(x) e w = f(y). Logo,
por hipótese,
z ≤ w⇔ x ≤ y.
Assim,
(f−1 ◦ f)(x) = x ≤ y = (f−1 ◦ f)(y)⇒ f−1(z) ≤ f−1(w).
Portanto, f−1 é crescente.
3.2. ISOMORFISMOS 115
Reciprocamente, como f é crescente temos que
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇒ f(x) ≤ f(y)].
Por outro lado, sendo f−1 crescente, obtemos
f(x) ≤ f(y)⇒ f−1(f(x)) ≤ f−1(f(y))
⇒ x = (f−1 ◦ f)(x) ≤ (f−1 ◦ f)(y) = y.
Portanto, f é um isomorfismo. ¥
Teorema 3.17 Sejam A, B e C três posets. Então:
1. IA : A→ A é um isomorfismo.
2. Se f : A→ B é um isomorfismo, então f−1 : B → A é um isomorfismo.
3. Se f : A→ B e g : B → C são isomorfismos, então g ◦ f : A→ C é um
isomorfismo.
Prova. Vamos provar apenas o item (3). É claro que g ◦ f é uma função
bijetora. Note que
∀ x, y ∈ A [x ≤ y ⇔ f(x) ≤ f(y)
⇔ g(f(x)) ≤ g(f(y))
⇔ (g ◦ f)(x) ≤ (g ◦ f)(y)].
Portanto, g ◦ f é um isomorfismo. ¥
Sejam A, B dois poset. Diremos que A e B são isomorfos ou ordem iso-
morfos se existir um isomorfismo f : A → B e denotaremos por A ' B ou
A '0 B. O Teorema 3.17 prova que a relação ser isomorfo é uma relação de
equivalência.
Note que os conjuntos A e B dados no Exemplo 3.10, não são isomorfos,
pois eles possuem diagramas de Hasse diferentes. No entanto, é fácil exibir
uma correspondência biunívoca entre eles. Portanto, é pertinente lembrar de
que apenas a existência de uma função bijetora entre dois posets, em geral,
não é suficiente para concluirmos que os conjuntos são isomorfos.
116 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.18 O conjunto de todos os números reais R, com a ordem usual,
e o intervalo aberto I = ]− 1, 1[, com a ordem induzida por R, são isomorfos.
Solução. Seja f : I → R a função definida como
f(x) =
x
1− |x| .
Afirmação. f é um isomorfismo.
De fato, dados x, y ∈ I, se f(x) = f(y), então
x
1− |x| =
y
1− |y| .
Como os denominadores destas frações são positivos temos as seguintes pos-
sibilidades: x = y = 0 ou x > 0 e y > 0 ou x < 0 e y < 0. A primeira
possibilidade é clara. Se x > 0 e y > 0, então
x
1− x =
x
1− |x| =
y
1− |y| =
y
1− y ⇒ x = y.
A possibilidade x < 0 e y < 0 é tratada de modo inteiramente análogo. Por-
tanto, f é injetora. Para provar que f é sobrejetora, dado y ∈ R, devemos
resolver a equação y = f(x) para obter x como função de y. Para isso, devemos
considerar as seguintes possibilidades: y = 0 ou y > 0 ou y < 0. Se y = 0,
então existe x = 0 ∈ I tal que 0 = f(0). Se y > 0, então x > 0 e
y =
x
1− |x| =
x
1− x ⇒ x =
y
1 + y
,
ou seja, se y > 0, então existe
x =
y
1 + y
∈ I
tal que y = f(x). A possibilidade y < 0 é tratada de modo inteiramente
análogo. Portanto, f é bijetora e
f−1(x) =
x
1 + |x| .
Note que
lim
x→−1+
f(x) = −∞ e lim
x→1−
f(x) = +∞.
3.2. ISOMORFISMOS 117
Finalmente, dados x, y ∈ I, então basta considerar as seguintes possibili-
dades: x ≤ 0 e y ≤ 0 ou x ≥ 0 e y ≥ 0 ou x ≤ 0 e y ≥ 0. Como
f(y)− f(x) = y
1− |y| −
x
1− |x|
=
y(1− |x|)− x(1− |y|)
(1− |x|)(1− |y|)
temos que x ≤ y se, e somente se, f(x) ≤ f(y). Por exemplo, se x ≤ y, x ≤ 0
e y ≥ 0, então
f(y)− f(x) = y(1 + x)− x(1− y)
(1 + x)(1− y) ≥ 0,
pois
y(1 + x)− x(1− y) ≥ 0.
Portanto, em qualquer caso, f é um isomorfismo. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A e B dois posets. Mostre que se f : A → B é uma função cres-
cente e injetora, então f é estritamente crescente. Neste caso, diremos
que f é uma imersão crescente.
2. Dê pelo menos duas imersões crescente de N em Z.
3. Mostre que o conjunto de todos os números inteiros positivos Z+, com a
ordem usual, e o conjunto
A =
½
1− 1
n+ 1
: n ∈ Z+
¾
⊆ [0, 1[,
com a ordem induzida por R, são isomorfos.
4. Sejam A e B dois posets.
(a) Mostre que se A × B é ordenado lexicograficamente, então p1 :
A×B → A é uma função crescente.
118 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
(b) Mostre que se A×B é ordenado antilexicograficamente, então p2 :
A×B → B é uma função crescente.
5. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função crescente. Mostre que
se C é uma cadeia em A, então f(C) é uma cadeia em B.
6. Sejam D um poset e C um subconjunto de D. Diremos que C é convexo
se a seguinte condição for satisfeita:
∀ a, b ∈ C [a ≤ x ≤ b⇒ x ∈ C].
Mostre que f : A→ B é uma função crescente se, somente se, f−1(C) é
um subconjunto convexo de A, para todo subconjunto convexo C de B.
7. Sejam A, B dois posets, f : A → B uma função crescente e R uma
relação de equivalência sobre A determinada por f . Mostre que cada
classe x é um subconjunto convexo de A.
8. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função crescente e sobrejetora.
Mostre que se (E,D) é um corte de B, então (f−1(E), f−1(D)) é um
corte de A.
9. Sejam A, B dois posets e f : A→ B um isomorfismo.
(a) Mostre que se C é um subconjunto convexo de A, então f(C) é um
subconjunto convexo de B.
(b) Mostre que se (E,D) é um corte de A, então (f(E), f(D)) é um
corte de B.
(c) Mostre que se [a, b] é um intervalo fechado de A, então f([a, b]) é
um intervalo fechado de B.
10. Sejam A, B dois posets e f : A → B um isomorfismo. Mostre que
f(Sa) = Sf(a), para todo a ∈ A. Conclua que Sa ' Sf(a).
11. Sejam A um poset e Ia = {x ∈ A : x ≤ a}, para cada a ∈ A. Mostre que
se a família F = {Ia}a∈A é ordenada pela inclusão, então F é isomorfo a
A.
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 119
12. Sejam A um poset, Ea = {x ∈ A : x ≤ a} e Da = {x ∈ A : x ­ a}.
(a) Mostre que (Ea,Da) é um corte de A, para todo a ∈ A.
(b) Seja C = {(Ea,Da)}a∈A a família de todos os cortes de A. Mostre
que a função ϕ : A→ C definida por ϕ(a) = (Ea,Da) é um isomor-
fismo.
13. Mostre que se A é um conjunto totalmente ordenado e f : A→ B é um
isomorfismo, então B é um conjunto totalmente ordenado.
14. Sejam A, B dois posets, f : A→ B uma função e Ia = {x ∈ A : x ≤ a},
para cada a ∈ A. Mostre que as seguintes condições são equivalentes:
(a) Para cada b ∈ B, existe a ∈ A tal que f−1(Ib) = Ia;
(b) Se f preserva ordem, então existe uma única função g : B → A tal
que
f ◦ g ≤ IB e IA ≤ g ◦ f.
A função f chama-se residuada e g a função residual de f .
3.3 Elementos Notáveis e Dualidade
Nesta seção apresentaremos os conjuntos “reticulados”, introduzidos por
Dedekind. Podemos salientar que os reticulados são de grande importância
sobre outras estruturas tais como: grupos, aneis, espaços vetoriais etc.
Seja A um poset. Um elemento M ∈ A chama-se um elemento maximal
de A se nenhum dos elementos de A são estritamente maiores do que M . Em
símbolos,
∀ x ∈ A [M ≤ x⇒M = x].
Ou, equivalentemente, não existe elemento x ∈ A, comM < x. Analogamente,
um elemento m ∈ A chama-se um elemento minimal de A se nenhum dos
elementos de A são estritamente menores do que m. Em símbolos,
∀ x ∈ A [x ≤ m⇒ m = x].
Ou, equivalentemente, não existe elemento x ∈ A, com x < m.
120 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.19 Seja A = {2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 12, 15, 16, 24} uma conjunto orde-
nado pelo diagrama de Hasse, confira Figura 3.3. Então 7, 9, 15, 16 e 24 são
elementos maximais, enquanto 2, 3, 5 e 7 são elementos minimais..
Figura 3.3: Diagrama de Hasse.
Exemplo 3.20 Sejam A um conjunto não vazio e B = P(A) − {∅, A} orde-
nado pela inclusão. Então os elementos minimais de B são os subconjuntos
unitários, enquanto os elementos maximais de B são os subconjuntos A−{a},
para todo a ∈ A, pois o único elemento em P(A) que contém propriamente
A − {a} é A, mas A /∈ B. Quando A = {a, b, c}, por meio do diagrama de
Hasse, verifique o resultado.
Exemplo 3.21 Seja I = ]0, 1[ o intervalo aberto com a ordem induzida por
R. Mostre que I não possui elemento maximal e nem minimal. Pois seM e m
são elementos maximal e minimal de I, então pelos itens (a) e (b) do Exercício
1 abaixo, obtemos
0 < M <
M + 1
2
< 1 e 0 <
m
2
< m < 1,
o que é impossível. Enquanto, o intervalo fechado [0, 1] com a ordem induzida
por R possui elemento maximal 1 e elemento minimal 0.
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 121
Seja A uma poset. Um elemento M ∈ A chama-seo maior elemento de A
se
∀ x ∈ A [x ≤M ].
Analogamente, um elemento m ∈ A chama-se o menor elemento de A se
∀ x ∈ A [m ≤ x].
Observe que se o maior ou o menor elemento, existir, ele é único. Além disso,
qualquer menor (maior) elemento é um elemento minimal (maximal), mas não
reciprocamente.
Exemplo 3.22 O conjunto Z+, com a ordenação dada pelo Exemplo 3.3, pos-
sui 1 como menor elemento e 0 como maior elemento,
Exemplo 3.23 O conjunto A do Exemplo 3.19 não possui maior e nem menor
elemento. Não obstante, possui elementos maximais e minimais.
Exemplo 3.24 Seja A = ]0, 1] ∪ [2, 3[ o conjunto ordenado por
x ¹ y ⇔
(
x, y ∈ ]0, 1] e x ≤ y ou
x, y ∈ [2, 3[ e x ≤ y.
Então 1 é o único elemento maximal de A, mas 1 ² 2, ou seja, 1 não é o
maior elemento de A. Por outro lado, 2 é o único elemento minimal de A,
mas 2 ­ 1, ou seja, 2 não é o menor elemento de A.
Exemplo 3.25 Seja A = {2, 3, 4, . . .} o conjunto ordenado por x divide y.
Então A não possui menor elemento, pois 2 não divide 3, mas possui infinitos
elementos minimais, a saber, os números primos, pois se p é um número primo,
então p é o único elemento em A que divide p. Por outro lado, se a ∈ A não é
um número primo, então existe b ∈ A, com b 6= a, tal que b divide a. Note que
A não possui maior elemento e nem elementos maximais, pois para um k ∈ A
fixado, temos que x divide kx, para todo x ∈ A.
122 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Uma cota superior de B em
A é um elemento a ∈ A tal que
∀ x ∈ B [x ≤ a].
Analogamente, uma cota inferior de B em A é um elemento a ∈ A tal que
∀ x ∈ B [a ≤ x].
Denotaremos por
S(B) = {a ∈ A : a é uma cota superior de B}
= {a ∈ A : x ≤ a, ∀ x ∈ B}
e
s(B) = {a ∈ A : a é uma cota inferior de B}
= {a ∈ A : a ≤ x, ∀ x ∈ B}.
Observação 3.26 Sejam A um poset e B um subconjunto de A.
1. Cada elemento b ∈ B é uma cota superior de s(B), pois x ≤ b, para todo
x ∈ s(B). Analogamente, cada elemento c ∈ B é uma cota inferior de
S(B), pois c ≤ x, para todo x ∈ S(B).
2. É importante notar a diferença entre menor (maior) elemento de B e cota
inferior (superior) de B, pois o primeiro deve pertencer a B, enquanto
o segundo não necessita pertencer a B.
3. Um elemento a ∈ A não é uma cota superior de B se, e somente se,
existir b0 ∈ B tal que a < b0.
4. Um elemento a ∈ A não é uma cota inferior de B se, e somente se,
existir b0 ∈ B tal que b0 < a.
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Diremos que B é limitado
inferiormente (superiormente) se s(B) 6= ∅ (S(B) 6= ∅).
Finalmente, diremos que B é limitado se B é simultaneamente limitado
inferiormente e superiormente. Caso contrário, diremos que B é não limitado.
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 123
Exemplo 3.27 Seja I = ]0, 1[ o intervalo aberto com a ordem induzida por
R. Note que
s(I) = {x ∈ R : x ≤ 0} e S(I) = {x ∈ R : x ≥ 1}.
No entanto, 0, 1 /∈ I. Neste caso, I é um conjunto limitado.
Sejam A um poset e B um subconjunto de A. O supremo de B em A é o
elemento b ∈ A que satisfaz as seguintes condições:
1. b ∈ S(B). (b é uma cota superior de B)
2. Se x ∈ S(B), então b ≤ x. (b é a menor das cotas superiores de B)
Analogamente, o ínfimo deB emA é o elemento a ∈ A que satisfaz as seguintes
condições:
1. a ∈ s(B). (a é uma cota inferior de B)
2. Se x ∈ s(B), então x ≤ a. (a é a maior das cotas inferiores de B)
Denotaremos o supremo de B em A por supA(B) ou simplesmente sup(B) e o
ínfimo de B em A por infA(B) ou simplesmente inf(B). Note que se o supremo
(o ínfimo) existir, ele é único.
Observação 3.28 Sejam A um poset e B um subconjunto de A.
1. Note que a condição (2) da definição de supremo é equivalente a: para
qualquer c ∈ A tal que c < b, não existe x ∈ B tal que c < x ≤ b, ou
seja, nenhum elemento c ∈ A, com c < b, é uma cota superior de B.
Portanto, b é o elemento minimal de S(B).
2. Note que a condição (2) da definição de ínfimo é equivalente a: para
qualquer c ∈ A tal que a < c, não existe x ∈ B tal que a ≤ x < c, ou
seja, nenhum elemento c ∈ A, com a < c, é uma cota inferior de B.
Portanto, a é o elemento maximal de s(B).
124 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.29 Sejam A o poset do Exemplo 3.19 e B = {2, 3, 4, 8, 12} um
subconjunto de A. Então S(B) = {12, 24}, mas sup(B) não existe em A.
Agora, sejam C = {2, 3, 4, 8, 12, 16} e D = {2, 3, 4, 8, 12, 24} subconjuntos de
A. Então supC(B) = {16} e supD(B) = {24}. Portanto, o supremo (o ínfimo)
depende do conjunto.
Exemplo 3.30 Sejam A um conjunto qualquer, P(A) o conjunto das potên-
cias de A, ordenado pela inclusão, e B um subconjunto qualquer de P(A).
Mostre que
sup(B) =
[
X∈B
X e inf(B) =
\
X∈B
X.
Em particular, A é o maior elemento de P(A) e ∅ é o menor elemento de
P(A).
Solução. É claro que
S
X∈B X ∈ S(B), pois cada X ⊆
S
X∈B X. Por outro
lado, se C é qualquer elemento de S(B), entãoX ⊆ C, para todoX ∈ B. Logo,S
X∈B X ⊆ C. Assim,
S
X∈B X é a menor das cotas superiores. Portanto,
sup(B) =
S
X∈B X. ¥
Exemplo 3.31 Sejam R o conjunto de todos os números reais com a ordem
usual e B um subconjunto não vazio de R. Mostre que a ∈ S(B) é o supremo
de B se, e somente se, para qualquer ∈ R, com > 0, existe b = b( ) ∈ B tal
que a− < b ≤ a.
Solução. Suponhamos que a = sup(B) e > 0. Então a − < a. Assim,
a− /∈ S(B). Portanto, existe b = b( ) ∈ B tal que a− < b ≤ a.
Reciprocamente, suponhamos que a ∈ S(B) e para qualquer ∈ R, com
> 0, exista um b = b( ) ∈ B tal que a − < b ≤ a. Dado x ∈ R, se x < a,
então = a− x > 0. Assim, existe b = b( ) ∈ B tal que x = a− < b. Logo,
x /∈ S(B). Portanto, a = sup(B), pois x foi escolhido arbitrariamente. ¥
Exemplo 3.32 Seja A um poset. Mostre que s(∅) = A e S(∅) = A. Conclua
que se A possui um maior elemento a ∈ A, então sup(A) = a = inf(∅).
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 125
Solução. É claro que s(∅) ⊆ A. Por outro lado, já vimos que um elemento
a ∈ A não é uma cota inferior de B se existir b0 ∈ B tal que b0 < a. Agora, se
B = ∅, então não existe elemento b0 ∈ B que satisfaça esta condição, ou seja,
∀ x ∈ B [a ∈ A⇒ a ≤ x].
Portanto, A ⊆ s(∅) e inf(∅) é o maior elemento de s(∅). Assim, se A possui
um maior elemento a ∈ A, então a = inf(∅). De modo inteiramente análogo,
se A possui um menor elemento b ∈ A, então b = sup(∅). ¥
Seja A um poset. Se R é uma ordem sobre A, então é fácil verificar que
R−1 também é uma ordem sobre A, a qual é chamada de ordem inversa ou
ordem dual. Neste caso, existe um isomorfismo entre o conjunto de todas as
ordens sobre A e o conjunto de todas as ordens inversas sobre A.
Exemplo 3.33 Sejam R o conjunto de todos os números reais com a ordem
usual e a, b ∈ R, com a < 0. Mostre que a função f : (R,≤)→ (R,≥) definida
como f(x) = ax+ b é um isomorfismo, pois
∀ x, y ∈ R [x ≤ y ⇔ ax ≥ ay ⇔ ax+ b ≥ ay + b⇔ f(x) ≥ f(y)].
Se intercalarmos ∪ e ∩; R e R−1; A e ∅ etc. em qualquer afirmação sobre
conjuntos, a nova afirmação é chamada de dual da original (Princípio da
Dualidade). Este conceito de dualidade é de grande importância econômica
na prova dos teoremas, pois provando um teorema sabemos que o dual do
teorema é também verdadeiro.
Teorema 3.34 Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Então B ⊆
S(s(B)). Afirmação dual: B ⊆ s(S(B)).
Prova. Dado x ∈ B, obtemos y ≤ x, para todo y ∈ s(B). Portanto, por
definição, x ∈ S(s(B)), ou seja, B ⊆ S(s(B)). ¥
Lema 3.35 Sejam A um poset e B um subconjunto de A. Suponhamos que
s(B) possua um supremo em A. Então B possui um ínfimo em A e inf(B) =
sup(s(B)). Afirmação dual: Suponhamos que S(B) possua um ínfimo em A.
Então B possui um supremo em A e sup(B) = inf(S(B)).
126 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Prova. Pondo a = sup(s(B)) em A. Seja b ∈ B. Então x ≤ b, para todo x ∈
s(B) em A. Logo, b é uma cota superior de s(B). Assim, por definição, a ≤ b.
Portanto, a é uma cota inferior de B, pois b foi escolhido arbitrariamente. Por
outro lado, se d é qualquer cota inferior de B, então d ∈ s(B) e d ≤ a, pois
a = sup(s(B)). Portanto, a = inf(B). ¥
Teorema 3.36 Seja A umposet. Então as seguintes condições são equivalen-
tes:
1. Qualquer subconjunto não vazio de A que é limitado superiormente possui
um supremo em A.
2. Qualquer subconjunto não vazio de A que é limitado inferiormente possui
um ínfimo em A.
Prova. (1 ⇒ 2). Seja B um subconjunto não vazio de A que seja limitado
inferiormente. Então s(B) 6= ∅. Como cada elemento de B é uma cota superior
de s(B) temos que s(B) é limitado superiormente. Assim, por hipótese, s(B)
possui um supremo em A. Portanto, pelo Lema 3.35, B possui um ínfimo em
A.
A recíproca é a afirmação dual de (1⇒ 2). ¥
Seja A um poset. Diremos que A é um conjunto completo se qualquer
uma das condições do Teorema 3.36 for satisfeita. Por exemplo, o Exemplo
3.30, prova que P(A) é um conjunto completo, para qualquer conjunto A. O
teorema seguinte sobre conjuntos completos é devido a Knaster (Bronisław
Knaster, 1893-1980, matemático e lógico polonês).
Sejam A um conjunto e f : A→ A uma função. Diremos que f possui um
ponto fixo em A se existir a ∈ A tal que f(a) = a.
Teorema 3.37 (Teorema do Ponto Fixo de Knaster) Sejam A um con-
junto completo, com um maior e um menor elemento, e f : A→ A uma função
crescente. Então f possui pelo menos um ponto fixo.
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 127
Prova. Consideremos o conjunto
B = {x ∈ A : x ≤ f(x)}.
Então B 6= ∅, pois B contém o menor elemento de A e B é limitado superior-
mente pelo maior elemento de A. Assim, s = sup(B) ∈ A.
Afirmação. s ∈ B.
De fato, como x ≤ s, para todo x ∈ B, temos, por hipótese, que
x ≤ f(x) ≤ f(s).
Logo, f(s) é uma cota superior de B. Portanto, s = sup(B) ≤ f(s) e s ∈ B.
Finalmente, sendo s ≤ f(s) temos, por hipótese, que
f(s) ≤ f(f(s)).
Assim, f(s) ∈ B e f(s) ≤ s = sup(B). Portanto, f(s) = s. ¥
Observação 3.38 Quando A = [0, 1], com a ordem induzida por R, o Teo-
rema 3.37 afirma que qualquer funçõa f : A→ A crescente possui pelo menos
um ponto fixo, ou seja, o gráfico de f intercepta a diagonal
D = {(x, x) : 0 ≤ x ≤ 1}.
em pelo menos um ponto. Note, também, que o Teorema 3.37 afirma que f
possui um maior e um menor ponto fixo.
Exemplo 3.39 (Lei de Arquimedes) Supondo que o conjunto de todos os
números reais R, com a ordem usual, seja completo. Mostre que para quaisquer
a, b ∈ R, com a > 0, existe n ∈ Z tal que na > b.
Solução. Suponhamos, por absurdo, que na ≤ b, para todo n ∈ Z. Então
B = {na : n ∈ Z}
é um subconjunto não vazio e limitado superiormente em R. Logo, c = sup(B)
existe. Assim, na ≤ c, para todo n ∈ Z, de modo que (m+1)a ≤ c, para todo
m ∈ Z. Portanto,
ma ≤ c− a, ∀ m ∈ Z,
o que é uma contradição, pois c− a < c. ¥
128 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.40 Seja Q o conjunto de todos os números racionais com a ordem
usual. Mostre que o conjunto
E = {x ∈ Q : x < 0 ou x2 < 2}
não possui elemento maximal. Neste caso, diremos que E é um corte de
Dedekind à esquerda e o par (E,D) é um corte de Dedekind, em que D =
Q−E.
Solução. Já vimos, pelo Exemplo 3.9, que o par (E,D) é um corte de Q.
Assim, resta provar que para qualquer M ∈ E, existe um x0 ∈ E tal que
M < x0. Se M < 0, então existe, por exemplo, x0 = 1 ∈ E tal que M < x0.
Se M ≥ 0, então
√
2−M > 0. Logo, pela Lei de Arquimedes, existe n0 ∈ N
tal que
n0(
√
2−M) > 1 ou 1
n0
+M <
√
2,
de modo que µ
1
n0
+M
¶2
< 2.
Portanto, existe
x0 =
1
n0
+M ∈ E
tal que M < x0. ¥
Seja A um poset. Diremos que A é um reticulado se sup{a, b} e inf{a, b}
existem, para todos a, b ∈ A. Quando lidamos com reticulados é conveniente
escrevermos
sup{a, b} = a ∨ b e inf{a, b} = a ∧ b.
Exemplo 3.41 Sejam A um conjunto qualquer e P(A) o conjunto das potên-
cias de A ordenado pela inclusão. Mostre que P(A) é um reticulado.
Solução. Dados X,Y ∈ P(A), pondo B = {X,Y }, teremos X ∪ Y ∈ S(B).
Por outro lado, se Z é qualquer elemento de S(B), então X ⊆ Z e Y ⊆ Z.
Logo, X∪Y ⊆ Z. Portanto, sup(B) = X∪Y . De modo inteiramente análogo,
prova-se que inf(B) = X ∩ Y . Portanto, P(A) é um reticulado. ¥
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 129
Proposição 3.42 Sejam A um reticulado e a, b, c ∈ A. Então:
1. a ≤ a ∨ b e b ≤ a ∨ b.
2. a ∧ b ≤ a e a ∧ b ≤ b.
3. Se a ≤ c e b ≤ c, então a ∨ b ≤ c.
4. Se c ≤ a e c ≤ b, então c ≤ a ∧ b.
Prova. Vamos provar apenas o item (3). Se a ≤ c e b ≤ c e pondo B = {a, b},
então c ∈ S(B). Portanto, obtemos a ∨ b ≤ c, pois a ∨ b é a menor das cotas
superiores do conjunto B. ¥
Teorema 3.43 Sejam A um reticulado e a, b, c ∈ A. Então:
1. a ∨ a = a e a ∧ a = a. (Idempotência)
2. a ∨ b = b ∨ a e a ∧ b = b ∧ a. (comutatividade)
3. (a ∨ b) ∨ c = a ∨ (b ∨ c) e (a ∧ b) ∧ c = a ∧ (b ∧ c). (associatividade)
4. (a ∨ b) ∧ a = a e (a ∧ b) ∨ a = a. (absorção)
5. Se a ≤ c, então a ∨ (b ∧ c) = (a ∨ b) ∧ c. (Lei Modular)
Prova. Vamos provar apenas os itens (3) e (4): (3) Como
a ≤ a ∨ (b ∨ c) e b ≤ b ∨ c ≤ a ∨ (b ∨ c)
temos que
a ∨ b ≤ a ∨ (b ∨ c) e c ≤ b ∨ c ≤ a ∨ (b ∨ c).
Assim, (a ∨ b) ∨ c ≤ a ∨ (b ∨ c). Por um argumento simétrico, prova-se que
a ∨ (b ∨ c) ≤ (a ∨ b) ∨ c.
(4) Devemos provar que
a = inf(B), com B = {a, a ∨ b}.
É claro que a é uma cota inferior de B, pois a ≤ a ∨ b. Por outro lado, seja
c qualquer elemento de s(B). Então c ≤ a. Assim, a é a maior das cotas
inferiores de B. Portanto, (a ∨ b) ∧ a = a. ¥
130 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Teorema 3.44 Sejam A um conjunto munido de duas operações ∨ e ∧ satis-
fazendo as condições (1 a 4) do Teorema 3.43. Dados a, b ∈ A, definimos
a ≤ b⇔ a ∨ b = b.
Então ≤ é uma ordem sobre A e A é um reticulado.
Prova. Como a ∨ a = a temos que a ≤ a. Dados a, b ∈ A e suponhamos que
a ≤ b e b ≤ a. Então, por definição, a ∨ b = b e b ∨ a = a. Assim, pelo item
(2), obtemos
a = b ∨ a = a ∨ b = b.
Agora, dados a, b, c ∈ A e suponhamos que a ≤ b e b ≤ c. Então, por definição,
a ∨ b = b e b ∨ c = c. Assim, pelo item (3), obtemos
a = a ∨ b ≤ (a ∨ b) ∨ c = a ∨ (b ∨ c) = a ∨ c⇒ a ≤ c.
Portanto, ≤ é uma ordem sobre A.
Finalmente, dados a, b ∈ A, devemos provar que a ∨ b = sup(B), com
B = {a, b}. Como
a ∨ (a ∨ b) = (a ∨ a) ∨ b = a ∨ b
temos, por definição, que a ≤ a ∨ b. Por um argumento simétrico, obtemos
b ≤ a ∨ b, ou seja, a ∨ b ∈ S(B). Por outro lado, seja c qualquer elemento de
S(B). Então a ≤ c e b ≤ c. Assim, por definição,
a ∨ c = a e b ∨ c = b.
Assim, pelo item (3),
(a ∨ b) ∨ c = a ∨ (b ∨ c) = a ∨ b.
Logo, por definição, a ∨ b ≤ c. Portanto, a ∨ b é a menor das cotas superiores
de B, isto é, a ∨ b = sup(B). De modo inteiramente análogo, prova-se que
a ∧ b = inf(B). ¥
Teorema 3.45 Seja A um poset qualquer. Então as seguintes condições são
equivalentes:
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 131
1. Qualquer subconjunto de A possui um supremo em A.
2. Qualquer subconjunto de A possui um ínfimo em A.
Prova. (1⇒ 2). Suponhamos que qualquer subconjunto deA tenha um supre-
mo em A. Então A possui um supremo, o qual é necessariamente o maior
elemento de A. Pelo Exemplo 3.32, ∅ possui um supremo, o qual é neces-
sariamente o menor elemento de A. Sejam M , m o maior e menor elemento
de A, respectivamente, e B qualquer subconjunto de A. Se B = ∅, então
inf(B) = M . Se B 6= ∅, então B é limitado inferiormente por m. Assim, pelo
Teorema 3.36, B tem um ínfimo em A.
A recíproca é a afirmação dual de (1⇒ 2). ¥
Sejam A um reticulado e B um subconjunto de A. Diremos que B é um
sub-reticulado de A se a∨ b ∈ B e a∧ b ∈ B, para todos a, b ∈ B. Diremos que
A é um reticulado completo se qualquer subconjunto de A possui um supremo
em A. Portanto, qualquer reticulado completo possui um menor elemento
m = inf(A) e um maior elemento M = sup(A).
Exemplo 3.46 Sejam A um conjunto qualquer e R o conjunto de todas as
relações de equivalências sobre A, ordenado pela inclusão. Mostre que R é um
reticulado completo.
Solução. Antes de provarmos o exemplo vamos lembrar a definição de relação
de equivalência sobre A. Diremos que uma relação ∼ (R) sobre A é uma
relação de equivalência se as seguintes condições são satisfeitas:
1. x ∼ x, para todo x ∈ A. (reflexividade)
2. Se x ∼ y, então y ∼ x, paratodos x, y ∈ A. (simetria)
3. Se x ∼ y e y ∼ z, então x ∼ z, para todos x, y, z ∈ A. (transitividade)
Observe que R ∈ P(A × A) e as condições (2) e (3) podem ser substituídas
pela condição:
2’. Se x ∼ y e x ∼ z, então y ∼ z, para todos x, y, z ∈ A.
132 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
É claro que
IA = {(x, x) : x ∈ A}, ou seja, x ∼ y ⇔ x = y
é o menor elemento de R e A×A é o maior elemento de R. Além disso, se
R = {Ri}i∈I
é um subconjunto de R, então\
i∈I
Ri ∈ R e
\
i∈I
Ri = inf(R).
Portanto, R é um reticulado completo. ¥
Note que se
x = {y ∈ A : xRy} = {y ∈ A : (x, y) ∈ R}
é a classe de equivalência de x e F = {x : x ∈ A} é a família de todas as
classes de equivalência de A, então
R =
[
x∈F
(x× x),
pois como R é reflexiva temos que se (x, x) ∈ R, então (x, x) ∈ x× x, ou seja,
R ⊆
[
x∈F
(x× x),
A recíproca é clara.
Exemplo 3.47 Seja A = Q∪{−∞,∞}, com a ordem usual de Q, sendo −∞
e ∞, respectivamente, o menor e o maior elemento de A. Mostre que A não
é um reticulado completo.
Solução. Consideremos o conjunto
B = {x ∈ Q : x2 ≤ 2}.
Então, pela prova do Exemplo 3.40, sup(B) não existe em A. Portanto, A não
é um reticulado completo. ¥
Vamos finalizarmos esta seção com o seguinte teorema sobre reticulado com-
pleto devido a Tarski (Alfred Tarski, 1901-1983, matemático e lógico polonês).
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 133
Teorema 3.48 (Teorema do Ponto Fixo de Tarski) Sejam A um reticu-
lado completo e f : A→ A uma função crescente. Então f possui pelo menos
um ponto fixo.
Prova. Consideremos o conjunto
B = {x ∈ A : x ≤ f(x)}.
Então B 6= ∅, pois m = sup(∅) ∈ A e m ∈ B. Assim, s = sup(B) ∈ A.
Afirmação. s ∈ B.
De fato, como x ≤ s, para todo x ∈ B, temos, por hipótese, que
x ≤ f(x) ≤ f(s).
Logo, f(s) é uma cota superior de B. Portanto, s = sup(B) ≤ f(s) e s ∈ B.
Finalmente, sendo s ≤ f(s) temos, por hipótese, que
f(s) ≤ f(f(s)).
Assim, f(s) ∈ B e f(s) ≤ s = sup(B). Portanto, f(s) = s. ¥
Como uma aplicação do Teorema 3.48 provaremos o teorema de Cantor-
Schröder-Bernstein (Felix Bernstein, 1878-1956; Friedrich Wilhelm Karl Ernst
Schröder, 1841-1902, matemáticos alemães).
Corolário 3.49 (Teorema de Cantor-Schröder-Bernstein) Sejam A e B
conjuntos quaisquer. Se existem funções injetoras f : A → B e g : B → A,
então existe uma função bijetora de A sobre B.
Prova. Primeiro note, pelo Exemplo 3.30, que P(C) ordenado pela inclusão é
um reticulado completo e a função λC : P(C)→ P(C) definida como λC(X) =
C −X claramente inverte ordem.
Segundo temos, pelo Teorema 2.23, que as funções F : P(A) → P(B)
definida como F (X) = f(X) e G : P(B)→ P(A) definida como G(Y ) = g(Y )
preservam ordem.
134 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Agora, consideremos a função ϕ : P(A)→ P(A) definida como
ϕ(X) = (λA ◦G ◦ λB ◦ F )(X)
= A− g(B − f(X)).
Então ϕ preserva ordem, pois dados X,Y ∈ P(A), se X ⊆ Y , então
F (X) ⊆ F (Y )⇒ λB(F (Y )) ⊆ λB(F (X))
⇒ G(λB(F (Y ))) ⊆ G(λB(F (X)))
⇒ λA(G(λB(F (X)))) ⊆ λA(G(λB(F (Y ))))
⇒ ϕ(X) ⊆ ϕ(Y ).
Assim, pelo Teorema 3.48, existe Z ∈ P(A) tal que ϕ(Z) = Z. Portanto,
λA(Z) = (G ◦ λB ◦ F )(Z)⇔ A− Z = g(B − f(Z)).
Esses resultados podem ser representados pela Figura 3.4.
Figura 3.4: Representação Gráfica da Prova.
Neste caso, g−1 é uma função bijetora de A− Z sobre B − f(Z) e f uma
função bijetora de Z sobre f(Z)
Finalmente, vamos definir a função h : A→ B como
h(x) =
(
f(x), se x ∈ Z
g−1(x), se x /∈ Z.
Então h é bijetora (prove isto!). ¥
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 135
EXERCÍCIOS
1. Sejam R o conjunto de todos os números reais com a ordem usual e
a, b ∈ R.
(a) Mostre que se a < b, então
a <
a+ b
2
< b.
(b) Mostre que se b > 0, então
0 <
b
2
< b.
(c) Mostre que se 0 ≤ a < , para todo ∈ R, com > 0, então a = 0.
(d) Mostre que se a− < b, para todo ∈ R, com > 0, então a ≤ b.
(e) Mostre que se 0 < a < 1, então 0 < a2 < a < 1.
2. Sejam N o conjunto de todos os números naturais ordenado por x divide
y e A = {a1, a2, . . . , an} um subconjunto finito de N. Mostre que inf(B)
e sup(B) existe em N.
3. Seja A = {1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 12, 18, 24}. Dados x, y ∈ A, definimos x ¹ y
se, somente se, x divide y.
(a) Faça o diagrama de Hasse para A.
(b) A possui maior e menor elemento?
(c) A possui elemento minimal e maximal?
4. Seja F um subconjunto de P(N)− {∅,N}, ordenado pela inclusão.
(a) Determine, se existirem, cotas superiores do conjunto
A = {{2n, 2n+ 4} ∈ F : n ∈ N}.
136 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
(b) Determine, se existirem, cotas superiores do conjunto
B = {{n, n+ 2} ∈ F : n ∈ N}.
5. Sejam A e B dois posets. Mostre cada uma das afirmações abaixo e
enuncie a dual.
(a) Se A contém um maior elemento a, B contém um maior elemento
b e A ⊆ B, então a ≤ b.
(b) Se C, D são subconjuntos de A e C ⊆ D, então S(D) ⊆ S(C).
(c) Se C, D são subconjuntos de A, C ⊆ D e cada C e D possui
supremo em A, então sup(C) ≤ sup(D).
6. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função estritamente crescente.
Mostre que se b é um elemento maximal de B, então cada elemento de
f−1(b) é um elemento maximal de A.
7. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função crescente. Mostre que
se a é o maior elemento de A, então f(a) é o maior elemento de f(A).
8. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função crescente. Mostre que
se C ⊆ A e a é uma cota superior de C, então f(a) é uma cota superior
de f(C).
9. Sejam A, B dois posets e f : A→ B um isomorfismo.
(a) Mostre que a é um elemento maximal (minimal) de A se, e somente
se, f(a) é um elemento maximal (minimal) de B.
(b) Mostre que a é o maior (menor) elemento de A se, e somente se,
f(a) é o maior (menor) elemento de B.
(c) Suponhamos que C seja um subconjunto de A. Mostre que x ∈ A é
uma cota superior (inferior) de C se, e somente se, f(x) ∈ B é uma
cota superior (inferior) de f(C).
3.3. ELEMENTOS NOTÁVEIS E DUALIDADE 137
(d) Suponhamos que C seja um subconjunto de A. Mostre que a =
sup(C) (a = inf(C)) se, e somente se, f(a) = sup(f(C)) (f(a) =
inf(f(C))).
10. Seja A um poset. Mostre que se qualquer subconjunto de A possui um
supremo e um ínfimo, então A possui um menor e um maior elemento.
11. Seja A um reticulado. Mostre que se [a, b] e [c, d] são intervalos fechados
de A, então
[a, b] ∩ [c, d] = [sup{a, c}, inf{b, d}].
12. Seja A um reticulado. Mostre que qualquer intervalo fechado [a, b] de A
é um sub-reticulado de A.
13. Seja A um conjunto totalmente ordenado. Mostre que qualquer elemento
minimal (maximal) é um menor (maior) elemento de A.
14. Mostre que qualquer conjunto parcialmente ordenado finito possui um
elemento maximal (minimal).
15. Seja A um poset com um único elemento maximalM . É verdade ou falsa
a afirmação M é o maior elemento de A?
16. Sejam F um corpo, V um espaço vetorial sobre F e
F = {W ⊆ V :W é um subespaço de V }.
(a) Mostre que F é um conjunto ordenado pela inclusão.
(b) Mostre que F possui menor e maior elemento.
(c) Mostre que inf{U,W} = U ∩W e sup{U,W} = U +W , para todos
U,W ∈ F .
(d) Mostre que F é um reticulado.
138 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
3.4 Conjuntos Bem Ordenados
O principal objetivo desta seção é provar os Princípios de Induções Trans-
finitas e a Fórmula de Recorrência.
Seja A uma poset. Diremos que A é um conjunto bem ordenado se qualquer
subconjunto não vazio de A contém um menor elemento.
Notação. CBO - significa conjunto bem ordenado.
Observação 3.50 Seja A um poset.
1. Se B é um subconjunto de A e A é um CBO, então B é um CBO.
2. Se A é um CBO, então A é totalmente ordenado.
3. Se A é um CBO, então A é um reticulado completo.
4. Se A é um CBO e ∞ /∈ A, então A ∪ {∞} é um CBO, com a seguinte
ordenação: dados a, b ∈ A ∪ {∞}, definimos
a ¹ b⇔ (a, b ∈ A e a ≤ b) ou (a ∈ A e ∞ = b),
pois para qualquer subconjunto não vazio S de A ∪ {∞}, obtemos S =
{∞} ou S∩A 6= ∅. Se S = {∞}, então∞ é o menor elemento de S. Se
S∩A 6= ∅, então S∩A contém um menor elemento, digamos m ∈ S∩A.
É fácil verificar que m é o menor elemento de S. Neste caso, ∞ é o
maior elementode A ∪ {∞}.
Sejam A um CBO e a ∈ A. Diremos que b ∈ A é um sucessor imediato de a
ou é uma cobertura de a se a < b e não existir c ∈ A tal que a < c < b, ou seja,
para qualquer c ∈ A, se a < c, então b = c ou b < c. Neste caso, diremos que
a é um predecessor imediato ou é um antecessor de b. Ou, equivalentemente,
b = min{x ∈ A : a < x} ou a = max{x ∈ A : x < b}.
Note, para provar, que um elemento c ∈ A não possui predecessor imediato,
devemos para cada x ∈ A, com x < c, encontrar um d ∈ A, d 6= x, tal que
x < d < c.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 139
Exemplo 3.51 Seja Q o conjunto de todos os números racionais com a ordem
usual. Mostre que nenhum elemento de Q possui sucessor imediato.
Solução. Se a, b ∈ Q, digamos a < b, então
a <
a+ b
2
< b.
Portanto, nenhum elemento de Q possui sucessor imediato. Não obstante, o
conjunto de todos os números inteiros Z, com a ordem usual, qualquer elemento
n possui um sucessor imediato n+ 1. ¥
Exemplo 3.52 Sejam A um CBO e M ∈ A. Mostre que M é um elemento
maxiaml de A ou M possui um sucessor imediato.
Solução. Se M não é um elemento maximal de A, então o conjunto
S = {x ∈ A :M < x} 6= ∅.
Logo, por hipótese, S contém um menor elemento, digamos a ∈ S. Portanto,
a é o sucessor imediato deM , pois se existisse b ∈ A tal queM < b < a, então
b ∈ S, o que contradiz a minimalidade de a. ¥
Note que se A é um CBO, então A contém um menor elemento, digamos
x1. Assim, se A − {x1} 6= ∅, então x1 possui um sucessor imediato, digamos
x2. Se A− {x1, x2} 6= ∅, então x2 possui um sucessor imediato, digamos x3, e
assim sucessivamente. Neste caso,
x1 < x2 < x3 < · · ·
Observe que se A é um conjunto finito, então obtemos o elemento minimal e
o maximal de A.
Exemplo 3.53 O conjunto de todos os números naturais N, com a ordem
usual, é um CBO. Enquanto, Z, Q e R, com a ordem usual, não são CBO,
pois nenhum deles possui menor elemento.
140 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.54 Seja
Q∗+ =
na
b
: a, b ∈ Z∗+
o
ordenado por: dados
r =
a
b
, s =
c
d
∈ Q∗+,
com mdc(a, b) = 1 = mdc(c, d) (para evitar as repetições), definimos
r ¹ s⇔
(
a+ b < c+ d
a+ b = c+ d e a < c,
é um CBO.
Solução. É fácil verificar que ¹ é uma ordem sobre Q∗+ e que
Q∗+ =
½
1
1
,
1
2
,
2
1
,
1
3
,
3
1
,
1
4
,
2
3
,
3
2
,
4
1
,
1
5
,
5
1
, . . .
¾
.
Neste caso, a função f : Q∗+ → N definida como
f
³a
b
´
= 2b−1(2a− 1)
é um isomorfismo (prove isto!). Portanto, Q∗+ é um CBO, pois N é um CBO.
Consequentemente,
Q =
½
0,
1
1
,−1
1
,
1
2
,−1
2
,
2
1
,−2
1
,
1
3
,−1
3
, . . .
¾
é um CBO. ¥
Exemplo 3.55 Seja
A =
2[
m=0
½
m+
2n − 1
2n
: n ∈ Z+
¾
,
com a ordem induzida por R. Determine todos os sucessores imediatos de A.
Solução. Como A é uma união de três sequências crescentes temos que qual-
quer subconjunto não vazio de A possui um menor elemento em uma das três.
Portanto, A é um CBO. É fácil verificar que os elementos
m+
2n − 1
2n
, com n > 0,
são os sucessores imediatos de A. Note que 0, 1 e 2 não possuem predecessores
imediatos. ¥
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 141
Exemplo 3.56 Seja R o conjunto de todos os números reais, com a ordem
usual. Mostre que dados a, b ∈ R, com a < b, existe r ∈ Q tal que a < r < b.
Neste caso, diremos que Q é denso em R.
Solução. Como b− a > 0 temos, pela Lei de Arquimedes, que existe n0 ∈ N
tal que
n0(b− a) > 1 ou
1
n0
< b− a.
Note que existe k0 ∈ N tal que
k0 > n0a,
pois isto é claro se a ≤ 0 e se a > 0, então aplicamos novamente Lei de
Arquimedes. Assim, o conjunto
S = {k ∈ N : n0a < k}
é não vazio. Logo, S contém um menor elemento, digamos m0 ∈ S, pois N é
um CBO. Neste caso,
m0 − 1 ≤ n0a < m0 ⇒
m0 − 1
n0
≤ a,
pois m0 − 1 /∈ S. Portanto,
r =
m0
n0
=
1
n0
+
m0 − 1
n0
< (b− a) + a = b,
ou seja, existe r = m0
n0
∈ Q tal que a < r < b. ¥
Observação 3.57 Qualquer número real é o supremo de algum conjunto de
números racionais. De fato, dado a ∈ R. Consideremos o segmento inicial
Sa =
nm
n
∈ Q : m
n
< a
o
Então, pelo Exemplo 3.56, é fácil verificar que a = sup(Sa).
Seja A um poset. Diremos que um subconjuntoB de A é uma seção de A
se
∀ x ∈ A [y ∈ B e x ≤ y ⇒ x ∈ B]
ou, equivalentemente, Sb ⊆ B, para todo b ∈ B.
142 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Exemplo 3.58 Seja R o conjunto de todos os números reais, com a ordem
usual. Mostre, para um a ∈ R fixado, que
B = {x ∈ R : x < a}
é uma seção de R.
Teorema 3.59 Sejam A um CBO e B um subconjunto de A. Então B é uma
seção de A se, e somente se, B = A ou B é um segmento inicial de A.
Prova. Suponhamos que B seja uma seção. Se B = A, nada há para ser
provado. Se A 6= B, então A−B 6= ∅. Logo, por hipótese, A−B contém um
menor elemento, digamos m ∈ A−B.
Afirmação. B = Sm.
De fato, se x ∈ Sm, então x < m. Logo, x /∈ A− B, isto é, x ∈ B. Portanto,
Sm ⊆ B. Por outro lado, dado x ∈ B, devemos provar que x < m. Se m ≤ x,
então m ∈ B. Logo,
m ∈ B ∩ (A−B) = ∅,
o que é impossível. Portanto, x < m e B ⊆ Sm, ou seja, B = Sm.
A recíproca é clara. ¥
Corolário 3.60 Seja A um conjunto totalmente ordenado. Se qualquer seg-
mento inicial em A é um CBO, então A é um CBO.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que A não seja um CBO. Então podemos
construir uma cadeia infinita (prove isto!).
x1 > x2 > x3 > · · ·
Assim, o segmento inicial Sx1 não é um CBO, o que é uma contradição. ¥
Exemplo 3.61 Se A = {3, 4, 8, 10} com a ordem induzida por N, então S3 =
∅, {3}, {3, 4}, {3, 4, 8} e A são todas as seções de A. Note que qualquer
elemento de A, exceto 3, possui um predecessor imediato.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 143
Sejam N o conjunto de todos os números naturais, com a ordem usual, e
E = {2, 4, 6, . . .} o conjunto de todos os números naturais pares, com a ordem
induzida por N. Então a função f : N → E definida como f(x) = 2x é
claramente um isomorfismo. Além disso, ela satisfaz a propriedade:
∀ x ∈ N [x ≤ f(x)].
Mais geralmente, temos o seguinte resultado.
Lema 3.62 Sejam A um CBO e f : A→ A uma função crescente. Então
∀ x ∈ A [x ≤ f(x)].
Prova. Seja
S = {x ∈ A : x > f(x)}.
Suponhamos, por absurdo, que S 6= ∅. Então, por hipótese, S contém um
menor elemento, digamos m ∈ S. Em particular, f(m) < m. Logo,
f(f(m)) < f(m) < m.
Assim, f(m) ∈ S, o que contradiz a minimalidade de m. Portanto, S = ∅. ¥
Exemplo 3.63 Sejam A um CBO e f : A → A uma função que inverte
ordem. Mostre que existe x0 ∈ A tal que f(x) é constante, para todo x ∈ A,
com x ≥ x0.
Solução. Seja
S = f(A) = {f(x) : x ∈ A}.
Então S 6= ∅. Logo, por hipótese, S contém um menor elemento, digamos
y0 ∈ S. Em particular, y0 ≤ f(x), para todo x ∈ A. Por outro lado, como
y0 ∈ S temos que existe x0 ∈ A tal que f(x0) = y0. Assim, por hipótese,
f(x0) ≥ f(x), para todo x ∈ A, com x ≥ x0. Portanto, f(x) = y0, para todo
x ∈ A, com x ≥ x0. ¥
Lema 3.64 Seja A um CBO. Então não existe isomorfismo de A sobre um
subconjunto de um segmento inicial de A.
144 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Prova. Suponhamos, por absurdo, que exista um isomorfismo f : A→ B, em
que B ⊆ Sa, para algum a ∈ A. Então, pelo Lema 3.62, x ≤ f(x), para todo
x ∈ A. Em particular,
a ≤ f(a)⇒ f(a) /∈ Sa,
o que é uma contradição, pois.f(a) ∈ B ⊆ Sa. ¥
Corolário 3.65 Nenhum CBO é isomorfo a um de seus segmentos inicias.
Prova. Fica como um exercício. ¥
Lema 3.66 Sejam A e B dois CBO. Se A é isomorfo a um segmento inicial
de B, então B não é isomorfo a qualquer subconjunto de A.
Prova. Suponhamos que f : A→ Sb, para algum b ∈ B, seja um isomorfismo
e que exista um isomorfismo g : B → C, em que C é um subconjunto de A.
Então g : B → A é uma função. Além disso, f e g são injetoras e crescentes.
Logo, f ◦ g : B → Sb é injetora e crescente. Assim, f ◦ g é um isomorfismo
de B sobre um subconjunto de Sb (prove isto!), o que é impossível, pelo Lema
3.64. ¥
Exemplo 3.67 Seja
A = {1, 3, 5, . . . ; 2, 4, 6, . . .}
= {2n− 1 : n ∈ N} ∪ {2n : n ∈ N}
ordenado por: dados a, b ∈ A, definimos a ¹ b se, e somente se, a é ímpar e
b é par ou b − a é par. Mostre que N, com a ordem usual, é isomorfo a um
segmento inicialde A.
Solução. Note que a função f : N → S2 definida como f(n) = 2n − 1 é um
isomorfismo, em que
S2 = {x ∈ A : x ≺ 2} = {1, 3, 5, . . .}.
Logo, N é isomorfo ao segmento inicial S2 de A. Portanto, pelo Lema 3.66, A
não é isomorfo a qualquer subconjunto de N. ¥
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 145
Lema 3.68 Seja A uma CBO. Se a 6= b, então Sa não é isomorfo a Sb.
Prova. Como a 6= b temos, por hipótese, que a < b ou b < a. Assim, basta
considerar o caso a < b. Logo, Sa é uma seção de Sb, pois para um x ∈ Sb
fixado,
y ∈ Sa e x ≤ y ⇒ x ≤ a⇒ x ∈ Sa.
Assim, pelo Teorema 3.59, Sa é um segmento inicial de Sb e, pelo Corolário
3.65, Sa não é isomorfo com Sb. ¥
Lema 3.69 Sejam A e B dois CBO. Se Sa ⊆ A é isomorfo com um segmento
inicial de B, então Sa é isomorfo a um único Sb de B.
Prova. Suponhamos que Sa ' Sb e Sa ' Sc, onde b, c ∈ B. Então, pelo
Teorema 3.59, Sb ' Sc. Assim, pelo Lema 3.68, b = c. ¥
Lema 3.70 Sejam A e B dois CBO tais que cada Sa de A é isomorfo a um
Sb de B. Então cada segmento inicial de Sa é isomorfo a um segmento inicial
de Sb, isto é,
x ≤ a⇒ Sx ' Sy, em que y ≤ b.
Além disso, se f : Sa → Sb é um isomorfismo, então g = f |Sx: Sx → Sy é um
isomorfismo, em que Sy = f(Sx).
Prova. Seja f(x) = y. Então é fácil verificar que g é injetora e crescente.
Logo,
Sx ' f(Sx).
Por outro lado, como f um isomorfismo, obtemos
x < y ⇔ f(x) < y e a ∈ Sx ⇔ a < x⇔ f(a) < y ⇔ f(a) ∈ Sy.
Portanto, f(Sx) = Sy, isto é, Sx ' Sy. ¥
Lema 3.71 Sejam A, B dois CBO e C o conjunto de todos os elementos x
em A tal que Sx ' Sy, para algum y ∈ B. Então C é uma seção de A.
146 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Prova. Para um x ∈ A fixado, a ∈ C e x ≤ a, obtemos x ∈ C, pois, pelo
Lema 3.70, Sx é isomorfo a um segmento inicial de B. Portanto, C é uma
seção de A. ¥
Lema 3.72 Sejam A, B dois CBO, C o conjunto de todos os elementos x em
A tal que Sx ' Sy, para algum y ∈ B e D o conjunto de todos os elementos y
em B tal que Sy ' Sx, para algum x ∈ A. Então C ' D.
Prova. Dado x ∈ C, pelo Lema 3.69, existe um único y ∈ B tal que Sx ' Sy e
vice-versa. Vamos definir f : C → D como f(x) = y. É claro pela definição que
f bijetora. Dados x1, x2 ∈ C, suponhamos que x1 ≤ x2, em que f(x1) = y1 e
f(x2) = y2. Então devemos provar que y1 ≤ y2. Logo, pela definição, Sx1 ' Sy1
e Sx2 ' Sy2. Suponhamos, por absurdo, que y2 < y1. Então Sy2 é um segmento
inicial de Sy1 . Como Sx1 ⊆ Sx2 temos as seguintes possibilidades:
1.a Possibilidade. Sx2 ' Sy2 é isomorfo a um segmento inicial de Sy1.
2.a Possibilidade. Sy1 ' Sx1 é isomorfo a um segmento inicial de Sx2,
o que é impossível, pelo Lema 3.66. ¥
Teorema 3.73 Sejam A e B dois CBO. Então exatamente uma e apenas
uma das afirmações a seguir pode ocorrer:
1. A ' B;
2. A é isomorfo a um segmento inicial de B;
3. B é isomorfo a um segmento inicial de A.
Prova. Sejam C e D os conjuntos definidos no Lema 3.72. Então C ' D.
Assim, pelo Lema 3.71, existem quatro possibilidades:
1.a Possibilidade. Se C = A e D = B, então A ' B.
2.a Possibilidade. Se C = A e D = Sy ⊆ B, então A ' Sy.
3.a Possibilidade. Se C = Sx ⊆ A e D = B, então Sx ' B.
4.a Possibilidade. Se C = Sx ⊆ A e D = Sy ⊆ B, então Sx ' Sy.
Note que a quarta possibilidade não pode ocorrer, caso contrário, x ∈ C = Sx,
o que é impossível. ¥
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 147
Corolário 3.74 Seja A um CBO. Então qualquer subconjunto de A é iso-
morfo a A ou a um segmento inicial de A.
Prova. Fica como um exercício. ¥
Exemplo 3.75 Sejam
Z+ = {0, 1, 2, 3, . . .}
com a ordem usual e o conjunto
A =
2[
m=1
½
m− 1
n+ 1
: n ∈ Z+
¾
⊆ [0, 2[
com a ordem induzida por R. Mostre que Z+ é isomorfos ao segmento inicial
S1 de A.
Solução. Note que a função f : Z+ → S1 definida como
f(n) = 1− 1
n+ 1
é claramente injetora (prove isto!),
f(Z+) =
½
1− 1
n+ 1
: n ∈ Z+
¾
= S1
e f preserva ordem. ¥
Exemplo 3.76 Seja N o conjunto de todos os números naturais com a ordem
usual e A um subconjunto de N. Mostre que A é isomorfo a N ou a um
segmento inicial de N.
Solução. Se A é um conjunto finito e não vazio, então A contém um menor
elemento, digamos x1. Assim, se A − {x1} 6= ∅, então x1 possui um sucessor
imediato, digamos x2. Se A − {x1, x2} 6= ∅, então x2 possui um sucessor
imediato, digamos x3, e assim sucessivamente. Como A é finito temos que a
cadeia
x1 < x2 < x3 < · · ·
148 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
para, digamos em xn Logo,
A = {x1, x2, . . . , xn}.
Portanto,
A ' Sn+1 = {1, 2, . . . , n},
ou seja, A é isomorfo a um segmento inicial de N. Caso contrário, definimos,
indutivamente, a função f : N→ A como
f(n) = min (A− {f(1), f(2), . . . , f(n− 1)}) , ∀ n ∈ N.
Logo, f é injetora, pois f(n+1) > f(n) implica que os elementos f(1), f(2), . . .
são todos distintos. Dado k ∈ A, existe pelo menos um n ∈ N tal que
k /∈ A− {f(1), f(2), . . . , f(n)},
Neste caso, k ≤ f(n). Por outro lado, como
k ∈ A− {f(1), f(2), . . . , f(n− 1)}
temos que f(n) ≤ k. Portanto, f(n) = k, ou seja, f é sobrejetora. ¥
Teorema 3.77 (Primeiro Princípio de Indução Transfinita) Sejam A
um CBO e S um subconjunto de A com as seguintes propriedades:
1. a0 ∈ S, com a0 é o menor elemento (base de indução).
2. Se a ∈ A e Sa ⊆ S, então a ∈ S (PIT ).
Então S = A.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que S 6= A. Então T = A − S 6= ∅.
Logo, por hipótese, T contém um menor elemento, digamos t0 ∈ T . Assim,
x < t0, para todo x ∈ St0 , isto implica que x /∈ T , ou seja, St0 ⊆ S. Logo, pela
propriedade (2), t0 ∈ S. Portanto, t0 ∈ S ∩ T = ∅, o que é uma contradição
Neste caso, S = A. ¥
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 149
Observação 3.78 Neste ponto é essencial apresentar as diferenças entre o
Princípio de Indução Finita (PIF ) e o PIT .
1. A propriedade (1) é uma consequência da propriedade (2), pois
∅ = Sa0 ⊆ S ⇒ a0 ∈ S.
2. O PIF é equivalente ao PIT sobre o conjunto dos números naturais N.
3. Pelo item (1) no PIT não há necessidade do elemento inicial (base de
indução). Enquanto, no PIF sim.
4. Seja A = N ∪ {∞}. Então, pelo item (4) da Observação 3.50, A é um
CBO. Assim, S = N é um subconjunto não vazio de A tal que n ∈ S
implica que n+1 ∈ S, mas S 6= A. Portanto, o PIF não implica o PIT
em um CBO qualquer.
Teorema 3.79 (Segundo Princípio de Indução Transfinita) Sejam A
um CBO e P (x) uma afirmação que é verdadeira ou falsa, para cada x ∈ A.
Suponhamos que a seguinte propriedade seja satisfeita:
Se P (y) é verdadeira para cada y, com y < x, então P (x) é verdadeira.
(PIT )
Então P (x) é verdadeira, para todo x ∈ A.
Prova. Seja o conjunto
S = {x ∈ A : P (x) é falsa}.
Suponhamos, por absurdo, que S 6= ∅. Logo, por hipótese, S contém um
menor elemento, digamos m ∈ S. Como P (y) é verdadeira para cada y, com
y < m, temos, pela propriedade PIT , que P (m) é verdadeira, o que contradiz
a minimalidade de m. Portanto, P (x) é verdadeira, para todo x ∈ A. ¥
Seja X um conjunto qualquer. Consideremos o conjunto Xn de todas as
funções h : In → X, com
In = {k ∈ N : k < n+ 1} = {1, 2, . . . , n} = Sn+1,
150 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
ou seja,
Xn = {(x1, x2, . . . , xn) : xi ∈ X}
Seja
F =
[
n∈N
Xn = X ∪X2 ∪ · · ·
um união disjunta de sequências finitas. Então, para cada x ∈ F , existe um
único n ∈ N tal que x ∈ Xn, ou seja,
x = (h(1), h(2), . . . , h(n)) = (x1, x2, . . . , xn).
Vamos provar abaixo que dada uma função qualquer g : F → X, existe uma
única função f : N→ X tal que
∀ n ∈ N [f(n+ 1) = g(f |In) = g(x)]
em que f |In = f ∩ (In ×X). Mais geralmente, temos o seguinte teorema.
Teorema 3.80 (Fórmula de Recorrência de Dedekind) Sejam A um
conjunto bem ordenado, X um conjunto qualquer e F a família de todas as
funções fa : Sa → X, para cada a ∈ A, ou seja,
F =
[
a∈A
XSa ⊆ P(A×X).
Seja g : F → X uma função qualquer. Então existe uma única função f :
A→ X tal que
∀ a ∈ A [f(a) = g(f |Sa) = g(fa)].
Prova. (Existência) Primeiro note que f é um subconjunto de A×X com as
seguintes propriedades:
1. Para qualquer a ∈ A, existe x ∈ X tal que (a, x) ∈ f .
2. Se (a, x1) ∈ f e (a, x2) ∈ f ,então x1 = x2.
3. (c, fa(c)) ∈ f , para todo c ∈ Sa. (Base de recorrência)
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 151
4. Se (c, fa(c)) ∈ f , então (c, g(fa)) ∈ f , para todo c ∈ Sa e a ∈ A (Fórmula
de recorrência).
Agora, seja C o conjunto de todos os subconjuntos B de A×X tais que
(c, fa(c)) ∈ B ⇒ (c, g(fa)) ∈ B, ∀ c ∈ Sa e a ∈ A.
Então C 6= ∅, pois A×X ∈ C. Pondo
f =
\
B∈C
B,
é fácil verificar que f ∈ C. Assim, basta provar que f é a função desejada.
Para isto, seja S o conjunto de todos os elementos c ∈ A tais que (c, x1) ∈ f
e (c, x2) ∈ f implicam que x1 = x2 ou, equivalentemente, S é o conjunto de
todos os elementos c ∈ A tal que existe no máximo um x ∈ X, com (c, x) ∈ f .
Logo, devemos provar que se Sa ⊆ S, então a ∈ S. Note que Sa ⊆ S significa
que se c < a em A, então existe um único elemento x ∈ X tal que (c, x) ∈ f .
Assim, a correspondência c 7→ x define uma função fa : Sa → X tal que
fa ⊆ f . Suponhamos, por absurdo, que a /∈ S. Então (a, y) ∈ f , para algum
y ∈ X, com y 6= g(fa).
Afirmação. f − {(a, y)} ∈ C ou, equivalentemente, se b ∈ A e fb ⊆
f − {(a, y)}, então
(b, g(fb)) ∈ f − {(a, y)}.
De fato, se a = b, então fa = fb. Logo,
(b, g(fb)) ∈ f − {(a, y)},
pois y 6= g(fa) = g(fb). Assim,
f − {(a, y)} ∈ C e f ⊆ f − {(a, y)},
o que é uma contradição. Se a 6= b, então
(b, g(fb)) ∈ f − {(a, y)},
pois f ∈ C e a 6= b. Assim,
f − {(a, y)} ∈ C e f ⊆ f − {(a, y)},
152 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
o que é uma contradição. Portanto, S = A.
(Unicidade) Seja h : A→ X outra função tal que
∀ a ∈ A [h(a) = g(h|Sa) = g(ha)].
Consideremos o conjunto
T = {b ∈ A : f(b) = h(b)}.
Suponhamos que a ∈ A e Sa ⊆ T , então a ∈ T , pois
f(a) = g(f |Sa) = g(h|Sa) = h(a).
Portanto, T = A e f = h. ¥
Exemplo 3.81 Sejam N o conjunto de todos os números naturais e {xn}n∈N
uma sequância em R (uma função de N em R). Mostre que existe uma única
função f : N→ R tal que
f(1) = x1, f(2) = x1x2 e f(n+ 1) = f(n)xn+1, ∀ n ∈ N.
Em particular, se xn = a, para todo n ∈ N, então an+1 = ana, isto é, definimos
a potência n-ésima de a.
Solução. Primeiro note que A = N, X = R e
F = {fn : In → R : n ∈ N} =
[
n∈N
Rn.
é o conjunto de todas as sequências finitas, ou seja,
Rn = {(x1, x2, . . . , xn) : xi ∈ R}.
Agora vamos definir uma função qualquer fn : In → R como
fn = x1x2 · · ·xn.
Então, pela Fórmula de Recorrência, existe uma única função f : N → R
com as propriedades desejadas. Mais precisamente, seja g : F → R a função
definida como
g(fn) = xxn+1.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 153
Então nossa função f é definida como
f(1) = x1 e f(n+ 1) = g(fn) = f(n)xn+1,
para todo n ∈ N. ¥
EXERCÍCIOS
1. Mostre que
√
2 é um número irracional.
2. Seja R o conjunto de todos os números reais com a ordem usual. Mostre
que dados a, b ∈ R, com a < b, existe um número irracional x tal que
a < x < b.
3. Supondo que o conjunto de todos os números reais R, com a ordem usual,
seja completo.
(a) Mostre que se a ∈ R, então existe n = n(a) ∈ Z tal que a < n.
(b) Mostre que se a ∈ R, com a > 0, então existe n ∈ N tal que
0 < 1
n
< a.
(c) Mostre que se a ∈ R, com a > 0, então
R =
•[
n∈Z
[na, (n+ 1)a[,
é uma união disjunta de intervalos.
(d) Mostre que para quaisquer a, b ∈ R, com a > 0, existe um único
q ∈ Z tal que
b = qa+ r, com 0 ≤ r < a.
4. Seja A = {1, 3, 5, . . . ; 2, 4, 6, . . .}, com a ordenação dada no Exemplo
3.67. Mostre que 1 e 2 não possuem predecessores imediados. Além
disso, determine os segmentos iniciais S1, S5, S2 e S8.
154 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
5. Seja A um CBO. Dado a ∈ A, vamos denotar por a− e a+ o predecessor
imediato (se ele existir) e o sucessor imediato de a, respectivamente.
(a) Mostre que a ≤ b se, e somente se, a+ ≤ b+.
(b) Mostre que a = b se, e somente se, a+ = b+.
(c) Mostre que a < b se, e somente se, a− < b−.
(d) Mostre que a = b se, e somente se, a− = b−.
(e) Mostre que a = b+ se, e somente se, a− = b.
6. Seja A um CBO. Diremos que q ∈ A é um elemento limite de A se q
não é o menor elemento de A e nem possui um predecessor imediato ou,
equivalentemente, existe a ∈ A, com a < q, e para qualquer c ∈ A, com
c < q, existe b ∈ A tal que b < c < q.
(a) Mostre que no conjunto de todos os números reais R, com a ordem
usual, qualquer elemento é um elemento limite.
(b) Mostre que q é um elemento limite de A se, e somente se,
a < q ⇒ a+ < q,
em que a+ representa o sucessor imediato de a.
(c) Mostre que q é um elemento limite de A se, e somente se,
q = sup{x ∈ A : x < q} = sup(Sq).
7. Seja
A =
½
m+
n
n+ 1
: m,n ∈ Z+
¾
com a ordem induzida por R. Determine, se existir, os elementos limites
de A.
8. Seja A um CBO. Mostre que S =
S
a∈B Sa é um segmento inicial de A,
em que B ⊆ A. Conclua que Sa ∪ {a} é um segmento inicial de A, para
cada a ∈ A, fixado.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 155
9. Mostre que se A é um CBO e f : A → B é um isomorfismo, então B é
um CBO.
10. Sejam A e B conjuntos enumeráveis disjuntos. Mostre que A ∪ B é um
CBO.
11. Seja A um CBO. Mostre que a família de todas os segmentos iniciais de
A ordenado pela inclusão é um CBO.
12. Seja A um conjunto totalmente ordenado. Mostre que a família de todas
as seções de A ordenado pela inclusão é totalmente ordenado.
13. Sejam A um conjunto totalmente ordenado, B um poset e f : A → B
uma função crescente. Mostre que f é injetora se, e somente se, f é
estritamente crescente.
14. Sejam A um conjunto totalmente ordenado e {E,D} uma partição de A.
Mostre que (E,D) é um corte de A se, e somente se, para todo x ∈ E e
y ∈ D, x ≤ y.
15. Seja A um poset. Mostre que se B é uma seção de A se, e somente se,
(B,A−B) é um corte de A.
16. Sejam A, B dois posets e f : A→ B uma função Mostre que f crescente
se, somente se, f−1(C) é um seção de A, para toda seção C de B.
17. Sejam A um conjunto totalmente ordenado, B um subconjunto de A e
b ∈ B. Mostre que B possui um menor elemento se, e somente se, Sb∩B
possui um menor elemento.
18. Seja A um conjunto totalmente ordenado. Mostre que A é um CBO se,
e somente se, qualquer segmento inicial de A é bem ordenado.
19. Seja A um conjunto totalmente ordenado. Mostre que A é um CBO se,
e somente se, não existir cadeia descendente infinita em A, isto é, uma
família
{xn : n ∈ Z+}
156 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
com xn > xn+1, para todo n ∈ Z+. Conclua que [0, 1] não é um CBO.
20. Sejam A um CBO e f : A → A uma função crescente. Mostre que se
qualquer subconjunto não vazio de A possui um supremo, então existe
a ∈ A tal que f(a) = a.
21. Seja A um CBO. Mostre que IA é o único isomorfismo de A sobre A.
22. Sejam A e B dois CBO. Mostre que se f : A → B e g : B → A são
isomorfismos, então g = f−1.
23. Sejam A e B dois CBO. Mostre que existe no máximo um isomorfismo
f : A→ B.
24. Sejam A e B dois CBO. Mostre que se A é isomorfo a um subconjunto
de B e B é isomorfo a um subconjunto de A, então A é isomorfo com B.
25. Sejam A e B dois CBO. Mostre que se A é isomorfo a um conjunto
contendoB eB é isomorfo a um conjunto contendo A, então A é isomorfo
com B.
Respostas e/ou Soluções
Seção 3.1
1. (a) Se x < y e y < z, então x ≤ y e y ≤ z. Logo, x ≤ z. Se x = z, então
x ≤ y e y ≤ x. Assim, x = y, o que é impossível, pois x < y. Portanto,
x < z.
(b) Segue do item (a) que não pode ocorrer simultaneamente x < y e
y < x. Portanto, no máximo uma das condições ocorre: x < y ou x = y
ou x > y.
A recíproca é clara
2. Dados X, Y e Z subconjuntos de A. É claro que (X, f) ≤ (X, f). Se
(X, f) ≤ (Y, g) e (Y, g) ≤ (X, f),
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 157
então X = Y e f = g. Logo, (X, f) = (Y, g).
Finalmente, se
(X, f) ≤ (Y, g) e (Y, g) ≤ (Z, h),
então
X ⊆ Y e f(x) = g(x), ∀ x ∈ X
e
Y ⊆ Z e g(y) = h(y), ∀ y ∈ Y.
Em particular,
X ⊆ Z e f(x) = h(x), ∀ x ∈ X.
Assim, (X, f) ≤ (Z, h). Portanto, ≤ é uma ordem sobre C.
3. Dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ A×B, obtemos
(a, b) ¹ (a, b),
pois a = a e b ≤ b. Se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (a, b), então
a < c ou a = c e b ≤ d
e
c < a ou c = a e d ≤ b.
Note quea possibilidade a < c e c < a não pode ocorrer. Assim, a = c,
b ≤ d e d ≤ b, isto é, (a, b) = (c, d).
Finalmente, se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (e, f), então
a < c ou a = c e b ≤ d
e
c < e ou c = e e d ≤ f.
Note que se a < c e c < e, então a < e e (a, b) ¹ (e, f). Agora, se
a = c = e, b ≤ d e d ≤ f , então a = e, b ≤ f e (a, b) ¹ (e, f). Portanto,
¹ é uma ordem sobre A×B.
158 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
4. Dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ A, obtemos
(a, b) ¹ (a, b),
pois a = a e b ≤ b. Se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (a, b), então
a = c e b ≤ d
e
a = c e d ≤ b.
Assim, a = c, b ≤ d e d ≤ b, isto é, (a, b) = (c, d).
Finalmente, se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (e, f), então
a = c e b ≤ d
e
c = e e d ≤ f.
Logo, a = c = e, b ≤ d e d ≤ f , ou seja, (a, b) ¹ (e, f). Portanto, ≤ é
uma ordem sobre A.
5. Dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ N×N, obtemos
(a, b) ¹ (a, b),
pois f(a, b) = f(a, b). Se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (a, b), então
f(a, b) ≤ f(c, d) e f(c, d) ≤ f(a, b).
Logo,
f(a, b) = f(c, d)⇒ (a, b) = (c, d).
pois f é injetora.
Finalmente, se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (e, f), então
f(a, b) ≤ f(c, d) e f(c, d) ≤ f(e, f).
Logo,
f(a, b) ≤ f(e, f)⇒ (a, b) ¹ (e, f).
Portanto, ¹ é uma ordem sobre N× N.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 159
6. Pondo R =
T
i∈I Ri. Para quaisquer x, y, z ∈ A, obtemos xRix, para
todo i ∈ I. Logo, xRx. Se (x, y) ∈ R e (y, x) ∈ R, então xRiy e yRix,
para todo i ∈ I. Logo, x = y.
Finalmente, se (x, y) ∈ R e (y, z) ∈ R, então xRiy e yRiz, para todo
i ∈ I. Assim, xRiz, para todo i ∈ I. Portanto, xRz, isto é, R é uma
ordem sobre A.
7. Dados f, g, h ∈ F , obtemos f ¹ f , pois f(x) ≤ f(x), para todo x ∈ A.
Se f ¹ g e g ¹ f , então
f(x) ≤ g(x) e g(x) ≤ f(x), ∀ x ∈ A.
Logo, f(x) = g(x), para todo x ∈ A, ou seja, f = g.
Finalmente, se f ¹ g e g ¹ h, então
f(x) ≤ g(x) e g(x) ≤ h(x), ∀ x ∈ A.
Assim,
f(x) ≤ h(x), ∀ x ∈ A,
ou seja, f ¹ h. Portanto, ¹ é uma ordem sobre F que não é total, pois
se b, c ∈ B não são comparáveis, então as funções constantes f(x) = b e
g(x) = c, para todo x ∈ A, não são comparáveis.
8. Confira o exercício 7.
9. Dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ A×B, obtemos
(a, b) ¹ (a, b),
pois b = b e a ≤ a. Se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (a, b), então
b < d ou b = d e a ≤ c
e
d < b ou d = b e c ≤ a.
160 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Note que a possibilidade b < d e d < b não pode ocorrer. Assim, b = d,
a ≤ c e c ≤ a, isto é, (a, b) = (c, d).
Finalmente, se (a, b) ¹ (c, d) e (c, d) ¹ (e, f), então
b < d ou b = d e a ≤ c
e
d < f ou d = f e c ≤ e.
Note que se b < d e d < f , então b < f e (a, b) ¹ (e, f). Agora, se
b = d = f , a ≤ c e c ≤ e, então b = f , a ≤ e e (a, b) ¹ (e, f). Portanto,
¹ é uma ordem sobre A×B.
10. Dados (a, b), (c, d) ∈ C × D, obtemos a, c ∈ C e b, d ∈ D. Assim, por
hipótese, [a < c ou a = c ou c < a] e [b < d ou b = d ou d < b]. Logo,
se a < c, então (a, b) ¹ (c, d). Se a = c, então b < d e (a, b) ¹ (c, d) ou
b = d e (a, b) = (c, d) ou d < b e (c, d) ¹ (a, b). De modo inteiramente
análogo faz o caso c < a. Portanto, (a, b) ¹ (c, d) ou (a, b) = (c, d) ou
(c, d) ¹ (a, b), ou seja, C ×D é uma cadeia de A×B.
11. Como E ∩D = ∅ e E ∪D = B temos que
(A×E) ∩ (A×D) = ∅ e (A×E) ∪ (A×D) = A×B.
Agora, se (a, b) ∈ A×E e (x, y) ¹ (a, b), então
y < b ou y = b e x ≤ a.
Se y < b, então y ∈ E, pois b ∈ E. Se y = b, então y ∈ E. Portanto, em
qualquer caso, (x, y) ∈ A×E.
Finalmente, se (c, d) ∈ A×D e (c, d) ¹ (z, w), então
y < b ou y = b e x ≤ a.
Se y < b, então y ∈ E, pois b ∈ E. Se y = b, então y ∈ E. Portanto, em
qualquer caso, (x, y) ∈ A×E.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 161
12. Segue das definições.
13. Dado r ∈ Q, com a 6= 0. Multiplicando o numerador e o denominador
de r por −1, se necessário, podemos escrever r sob a forma
r =
a
b
, onde a, b ∈ Z, com a 6= 0 e b > 0.
Se a > 0, então r  0. Se −a > 0, então −r  0. Note que r  0 e
−r  0 não pode ocorrer, caso contrário,
r =
a
b
e − r = c
d
,
onde a, b, c, d ∈ Z, com a > 0, b > 0, c > 0 e d > 0. Logo,
−a
b
=
c
d
⇔ −ad = bc,
o que é impossível, pois ad > 0 e bc > 0. Portanto, Q é totalmente
ordenado.
14. Confira o exercício 8.
15. Dados a, b, c ∈ A, existem únicos i, j, k ∈ I tais que a ∈ Ai, b ∈ Aj e
c ∈ Ak. É claro que a ¹ a. Se a ¹ b e b ¹ a, então i = j e a = b. Agora,
se a ¹ b e b ¹ c, então temos as seguintes possibilidades i < j e j = k
ou i = j e j < k ou i < j e j < k ou i = j e j = k. Assim, em qualquer
possibilidade a ¹ c.
Finalmente, como I é totalmente ordenado temos que i < j ou i = j ou
i > j. Se i < j ou i > j, então a ¹ b ou a º b. Se i = j, então a, b ∈ Ai
e a < b ou a = b ou a > b. Portanto, ¹ é uma ordem total sobre A.
Seção 3.2
1. Dados x, y ∈ A, se x < y e x 6= y, então f(x) < f(y), pois f(x) 6= f(y) e
f é crescente.
162 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
2. Note que as funções I, f, g : N→ Z definidas como
I(n) = n, f(n) = n− 10 e g(n) =
(
1, se n = 1
n+ 2, se n ≥ 2
são imersões crescente.
3. A função f : Z+ → A definida como
f(n) = 1− 1
n+ 1
tem as propriedades desejadas.
4. (a) Dados (a, b), (c, d) ∈ A×B, se (a, b) ¹ (c, d), então a < c ou a = c e
b ≤ d. Assim,
p1(a, b) = a ≤ c = p1(c, d).
Portanto, p1 é uma função crescente.
(b) Dados (a, b), (c, d) ∈ A×B, se (a, b) ¹ (c, d), então b < d ou b = d e
a ≤ c. Assim,
p2(a, b) = b ≤ d = p2(c, d).
Portanto, p2 é uma função crescente.
5. Dados x, y ∈ f(C), existem a, b ∈ C tais que x = f(a) e y = f(b). Como
C é uma cadeia temos que a ≤ b ou a ≥ b. Assim, x ≤ y ou x ≥ y, pois
f é crescente. Portanto, f(C) é uma cadeia em B.
6. Dados a, b ∈ f−1(C) e x ∈ A, com a ≤ x ≤ b. Como f é crescente temos
que
f(a) ≤ f(x) ≤ f(b).
Por outro lado, sendo a, b ∈ f−1(C), obtemos f(a), f(b) ∈ C e, por
hipótese, f(x) ∈ C. Assim, x ∈ f−1(C). Portanto, f−1(C) é um subcon-
junto convexo de A.
Reciprocamente, primeiro note, para qualquer a ∈ A, que a ∈ f−1(Cf(a)),
com
Cf(a) = {y ∈ B : y ≤ f(a)}
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 163
um subconjunto convexo de B. Assim, por hipótese, f−1(Cf(a)) é um
subconjunto convexo de A. Agora, dados x, y ∈ A, se x ≤ y, então
x ∈ f−1(Cf(y)). Portanto, f(x) ≤ f(y).. Consequentemente, f é uma
função crescente.
7. Já vimos que x = f−1(b), para todo b ∈ B. Agora, use o Exercício 6.
8. Como E ∩D = ∅ e E ∪D = B temos que
f−1(E) ∩ f−1(D) = f−1(E ∩B) = f−1(∅) = ∅
e
f−1(E) ∪ f−1(D) = f−1(E ∪D) = f−1(B) = f−1(f(A)) = A,
pois f é sobrejetora. Agora, se a ∈ f−1(E) e x ≤ a, então f(a) ∈ E e
f(x) ≤ f(a), pois f é crescente. Assim, f(x) ∈ E, ou seja, x ∈ f−1(E).
Finalmente, se b ∈ f−1(D) e b ≤ y, então f(b) ∈ D e f(b) ≤ f(y),
pois f é crescente. Assim, f(y) ∈ D, ou seja, y ∈ f−1(D). Portanto,
(f−1(E), f−1(D)) é um corte de A.
9. Vamos provar apenas o item (c). Para isto basta provar f([a, b]) =
[f(a), f(b)]. Dado y ∈ f([a, b]), existe x ∈ [a, b] tal que y = f(x). Como
a ≤ x ≤ b e f é um isomorfismo temos que f(a) ≤ f(x) ≤ f(b), ou seja,
y ∈ [f(a), f(b)] e f([a, b]) ⊆ [f(a), f(b)]. Para verificar a outra inclusão
use f−1.
10. Confira o Exercício 9.
11. Considere a função f : A → F definida como f(a) = Ia. Então f é o
isomorfismo desejado, por exemplo, dados a, b ∈ A, se f(a) = f(b), então
Ia = Ib. Logo, a = b, pois se a 6= b, digamos a < b, então Ia ⊂ Ib, o que
é impossível. Portanto, f é injetora.
12. Vamos provar apenas o item (a). Note que Da = A − Ea, para todo
a ∈ A. É claro que Ea ∩ Da = ∅ e Ea ∪ Da = A Agora, se b ∈ Ea e
x ≤ b, então x ≤ b e b ≤ a. Logo, x ≤ a e x ∈ Ea.
164 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Finalmente, se c ∈ Da e c ≤ y, então a < c e c ≤ y. Logo, a < y e
y ∈ Da. Portanto, (Ea,Da) é um corte de A, para todo a ∈ A.
13. Dados x, y ∈ B, existem únicos a, b ∈ A tais que x = f(a) e y = f(b).
Como A é um conjunto totalmente ordenado temos que a < b ou a = b
ou a ≥ b. Assim,
x = f(a) < f(b) = y ou x = f(a) = f(b) = y ou x = f(a) > f(b) = y,
pois f é um isomorfismo. Portanto, B é um conjunto totalmente orde-
nado.
14. É fácil verificar que a é o único elemento tal que f−1(Ib)= Ia. Vamos
definir g : B → A como g(b) = a. Dados b, c ∈ B, se b ≤ c, então Ib ⊆ Ic.
Logo,
f−1(Ib) = Ia ⊆ Id = f−1(Ic),
ou seja, g(b) = a ≤ d = g(c). Portanto, g preserva ordem. Como
g(b) ∈ Ig(b) = Ia = f−1(Ib)
temos que
(f ◦ g)(b) ≤ b, ∀ b ∈ B,
isto é, f ◦ g ≤ IB. Por outro lado,
a ∈ f−1(If(a)) = Ig(f(a)),
de modo que
a ≤ (g ◦ f)(a), ∀ b ∈ B,
ou seja, IA ≤ g ◦ f . A unicidade de g é clara.
Reciprocamente, como
f(a) ≤ b
temos que
x ≤ g(f(a)) ≤ g(b)
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 165
e
x ≤ g(b)⇒ f(x) ≤ f(g(b)) ≤ b.
Assim,
f(a) ≤ b⇔ a ≤ g(b).
Portanto, f−1(Ib) = Ig(b).
Seção 3.3
1. Vamos provar apenas os itens (a) e (c): (a) Note que
a < b⇒ 2a = a+ a < a+ b⇒ a < a+ b
2
.
Por outro lado,
a < b⇒ a+ b < b+ b = 2b⇒ a+ b
2
< b.
Portanto,
a <
a+ b
2
< b.
(c) Suponhamos, por absurdo, que a > 0. Então existe 0 = a − > 0
tal que 0 < 0 < a, o que é uma contradição. Portanto, a = 0.
2. Basta provar que
inf(B) = mdc(a1, a2, . . . , an) e sup(B) = mmc(a1, a2, . . . , an).
3. (b) A não possui maior elemento, mas menor elemento 1. (c) A possui
elementos maximais 18 e 24 e elemento minimal 1.
4. Vamos provar apenas o item (a). Neste tipo de problema um candidato
natural para cota superior é:
M =
[
A.
166 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Como
M =
[
A
=
[
n∈N
{2n, 2n+ 4}
= {2k : k ∈ N}
é um elemento de F temos que M é uma cota superior de A, pois para
qualquer X ∈ A temos que
X ⊆M.
Note que M = sup(A).
5. Vamos provar apenas o item (c). Sejam c = sup(C) e d = sup(D). Então
x ≤ d, para todo x ∈ D. Em particular, y ≤ d, para todo y ∈ C, pois
C ⊆ D. Portanto, d é uma cota superior de C e c ≤ d, por definição.
Afirmação dual: se C, D são subconjuntos de A, C ⊆ D e cada C e D
possui ínfimo em A, então inf(C) ≤ inf(D).
6. Dado M ∈ f−1(b) e x ∈ A, se M ≤ x, então f(M) ≤ f(x), pois f é
crescente. Como b = f(M) e b é um elemento maximal de B temos que
b = f(x). Portanto, M = x, pois seM < x, então b = f(M) < f(x) = b,
o que é impossível. Neste caso, cada elemento de f−1(b) é um elemento
maximal de A.
7. Dado y ∈ f(A), existe x ∈ A tal que y = f(x). Como a é o maior
elemento de A temos que z ≤ a, para todo z ∈ A. Assim, f(z) ≤ f(a),
para todo z ∈ A. Em particular,
y = f(x) ≤ f(a).
Portanto, f(a) é o maior elemento de f(A).
8. Confira o Exercício 7.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 167
9. Vamos provar apenas o item (c). Suponhamos que x ∈ A seja uma cota
superior de C. Então a ≤ x, para todo a ∈ C. Dado c ∈ f(C), existe
um único b ∈ C tal que c = f(b). Como b ≤ x temos que
c = f(b) ≤ f(x).
Portanto, f(x) ∈ B é uma cota superior de f(C). Para provar a recíproca
use f−1.
10. Pelo Exemplo 3.32, ∅ possui um supremo e um ínfimo, os quais são neces-
sariamente o menor elemento e o maior elemento de A, respectivamente.
11. Dado x ∈ [a, b] ∩ [c, d], obtemos
a ≤ x ≤ b e c ≤ x ≤ d⇔ a, c ≤ x e x ≤ b, d.
Logo, por definição,
sup{a, c} ≤ x e x ≤ inf{b, d}⇔ sup{a, c} ≤ x ≤ inf{b, d}.
Assim, x ∈ [sup{a, c}, inf{b, d}] e reciprocamente. Portanto,
[a, b] ∩ [c, d] = [sup{a, c}, inf{b, d}].
12. Dados c, d ∈ [a, b], obtemos M = sup{c, d} ∈ A. Como c, d ≤ b temos
que M ≤ b, pois M é a menor das cotas superiores de {c, d}. Assim,
M ∈ [a, b]. De modo inteiramente análogo, prova que m = inf{c, d} ∈
[a, b]. Portanto, [a, b] é um sub-reticulado de A.
13. Seja A um conjunto finito qualquer. Escolhendo um elemento x1 de A.
Se x1 é um elemento maximal de A, acabou. Caso contrário, escolhendo
um elemento x2 de A, com x1 ≤ x2. Continuando assim, obtemos uma
cadeia de elementos de A,
x1 ≤ x2 ≤ · · · ≤ xn ≤ · · ·
Como A possui um número finito de elementos temos que essa cadeia
para, digamos em xk. Portanto, a = xk é um elemento maximal de A.
168 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
14. Seja m ∈ A um elemento minimal de A. Dado x ∈ A, obtemos x ≤ m
ou m ≤ x, pois A é totalmente ordenado. Assim, m = x ou m ≤ x, para
todo x ∈ A. Portanto, m é um menor elemento de A.
15. Falso. confira o Exemplo 3.24 ou considere o conjunto A = N ∪ {∞},
com a ordenação usual de N e 1 <∞ (faça o Diagrama de Hasse). Então
M =∞ é o único elemento maximal de A, mas não é o maior elemento
de A.
16. (a) É claro queW ⊆W , para todoW ∈ F . Dados U,W ∈ F , se U ⊆W
e W ⊆ U , então U =W .
Finalmente, dados U,W,Z ∈ F , se U ⊆ W e W ⊆ Z, então é claro que
U ⊆ Z. Portanto, ⊆ é uma relação de ordem sobre F .
(b) É claro que {0} ⊆ W , para todo W ∈ F . Assim, {0} é o menor
elemento de F . Mais fácil ainda é que W ⊆ V , para todo W ∈ F .
Portanto, V é o maior elemento de F .
(c) Confira o Exemplo 3.41.
(d) Segue do item (c).
Seção 3.4
1. Suponhamos, por absurdo, que
√
2 seja um número racional, digamos
√
2 =
a
b
,
onde a, b ∈ N. Seja
S = {n
√
2 : n ∈ N e n
√
2 ∈ N}.
Então S 6= ∅, pois b ∈ S. Assim, existe s0 ∈ S tal que s0 ≤ s, para todo
s ∈ S. Pondo s0 = k
√
2 e
√
2 > 1, obtemos
s0(
√
2− 1) = s0
√
2− k
√
2 = (s0 − k)
√
2 > 0⇒ (s0 − k)
√
2 ∈ S,
o que é uma contradição. De fato, como s0
√
2 = 2k e 2 < 2
√
2 implica
que 2−
√
2 <
√
2 temos que
(s0 − k)
√
2 < s0.
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 169
2. Considerando os números reais
a√
2
<
b√
2
temos, pelo Exemplo 3.56, que existe r ∈ Q tal que
a√
2
< r <
b√
2
⇔ a < r
√
2 < b.
Portanto, existe um número irracional x = r
√
2 (prove isto!) tal que
a < x < b.
3. Vamos provar apenas o item (c). Dado b ∈ R, obtemos, pela Lei Ar-
quimedes, um elemento m ∈ Z tal que ma > b. Logo, o conjunto
S = {k ∈ N : (k + 1)a > b}
é não vazio. Assim, S contém um menor elemento, digamos n ∈ S.
Portanto,
na ≤ b < (n+ 1)a⇔ b ∈ [na, (n+ 1)a[,
pois n− 1 /∈ S, ou seja,
R ⊆
•[
n∈Z
[na, (n+ 1)a[.
A outra inclusão é clara.
4. Note que 1 e 2 não possuem predecessores imediados em A, pois existe
c ∈ A tal que 1 < c < 2. Além disso,
S1 = ∅, S5 = {1, 3}, S2 = {1, 3, 5, . . .} e S8 = {1, 3, 5, . . . ; 2, 4, 6}.
5. Vamos provar apenas o item (a). Suponhamos que a ≤ b. Como A é um
CBO temos que a+ ≤ b+ ou a+ > b+. Se a+ > b+, então a+ > b ≥ a, o
que é impossível. Portanto, a+ ≤ b+. Usando um argumento simétrico
prova-se a recíproca.
170 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
6. (a) Dado x ∈ R, obtemos
x
2
< x,
ou seja, x não é menor elemento de R. Por outro lado, para cada y ∈ R,
com y < x, obtemos
y <
x+ y
2
< x,
isto é, x não possui um predecessor imediado. Portanto, x é um elemento
limite de R. Portanto, concluímos que R não possui sucessor imediato.
(b) Suponhamos que q seja um elemento limite deA. Então para qualquer
a ∈ A, com a < q, existe b ∈ A tal que a < b < q. Portanto, a+ < q,
pois q ≤ a+ é impossível.
Reciprocamente, é claro que q não é menor elemento de A. Por outro
lado, para cada a ∈ A, com a < q, existe a+ ∈ A tal que a < a+ < q,
ou seja, q não possui predecessor imediato. Portanto, q é um elemento
limite de A.
(c) Seja
S = {x ∈ A : x < q}.
Suponhamos que q seja um elemento limite de A e que p = sup(S).
Então p ≤ q, pois x < q, para todo x ∈ S. Se p < q, então, pelo item
(b), p < p+ < q, o que é impossível. Portanto, p = q.
Reciprocamente, é claro que q não é o menor elemento de A. Por outro
lado, para cada a ∈ A, com a < q, existe, pelo item (b), a+ ∈ A tal que
a < a+ < q, ou seja, q não possui predecessor imediato. Portanto, q é
um elemento limite de A.
7. Note que A é um CBO, pois se S é qualquer subconjunto não vazio de
A, então
S1 =
½
m ∈ Z+ : m+
n
n+ 1
∈ S, para algum n ∈ Z+
¾
6= ∅,
pois S 6= ∅. Logo, S1 contém um menor elemento, digamos m0 ∈ S1.
Como
S2 =
½
n ∈ Z+ : m0 +
n
n+ 1
∈ S
¾
6= ∅
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 171
temos que S2 contém um menor elemento, digamos n0 ∈ S2. Portanto,
m0 +
n0
n0 + 1
,
é o menor elemento de S. Os pontos limites de A são todos os elementos
m, enquanto os sucessores imediatos de A são todos os elementos da
forma
m+
n
n+ 1
,
onde m,n ∈ Z+, com n > 0.
8. Suponhamos que A 6= S. Então T = A − S 6= ∅. Logo, T contém um
menor elemento, digamos m ∈ T . Vamos provar que S = Sm. É claro
que Sm ⊆ S, pois se x < m, então x ∈ S, pois x /∈ T . Poroutro lado,
se x ∈ S, então x < m, ou seja, x ∈ Sm.
9. Seja S qualquer subconjunto não vazio de B. Então f−1(S) é um sub-
conjunto não vazio de A, pois f é sobrejetora. Logo, f−1(S) contém um
menor elemento, digamosm ∈ f−1(S). É fácil verificar quem0 = f(m) ∈
S é o menor elemento de S. Portanto, B é um CBO.
10. Como A e B são conjuntos enumeráveis temos que existem bijeções f :
Ni → A e g : Np → B, em que
Ni = {1, 3, 7, . . .} e Np = {2, 4, 6, . . .}.
Assim, pelo Corolário 2.22, f : Ni → A∪B e g : Np → A∪B são funções.
Como
f |(Ni∩Np) = g|(Ni∩Np)
temos, pelo Teorema 2.35, que existe uma única função bijetora h : N→
A ∪B tal que h|Ni = f e h|Np = g. Explicitamente,
h(n) =
(
f
¡
n+1
2
¢
, se n é um número ímpar
g
¡
n
2
¢
, se n é um número par.
Portanto, pelo Exercício 9, A ∪B é um CBO.
172 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
11. Seja F = {Sa}a∈A uma família de segmentos iniciais de A. Considere a
função f : A → F definida como f(a) = Sa. Então f é o isomorfismo
desejado, por exemplo, dados a, b ∈ A, se a 6= b, digamos a < b, então
a ∈ Sb. Como a /∈ Sa temos que Sa 6= Sb, ou seja, f é injetora.
12. Confira o Exercício 11.
13. Dados x, y ∈ A, se f(x) = f(y), então x = y, pois se x 6= y, então x < y
ou x > y. Logo, f(x) < f(y) ou f(x) > f(y), pois f é estritamente
crescente, o que é impossível. Portanto, f é injetora. A recíproca é
clara.
14. Suponhamos que (E,D) seja um corte de A. Dado x ∈ E e y ∈ D,
obtemos x < y ou x > y, pois {E,D} uma partição de A. Se y < x,
então x ∈ E ∩D = ∅, o que é impossível. Portanto, x ≤ y.
Reciprocamente, como {E,D} uma partição de A temos que E ∩D = ∅
e E ∪D = A. Agora, se a ∈ E e x ≤ a, então x ∈ E, pois a /∈ D.
Finalmente, se b ∈ D e b ≤ y, então y ∈ D, pois b /∈ E. Portanto, (E,D)
é um corte de A.
15. Suponhamos que B seja uma seção de A. É claro que
B ∩ (A−B) = ∅ e A = B ∪ (A−B).
Agora, se a ∈ B e x ≤ a, então x ∈ B, pois B é uma seção de A.
Finalmente, se b ∈ A−B e b ≤ y, então y ∈ A−B, pois se y /∈ A−B,
então y ∈ B. Logo,
b ∈ B ∩ (A−B) = ∅,
o que é impossível. Portanto, (B,A−B) é um corte de A. A recíproca
é clara.
16. Dado a ∈ f−1(C) e x ∈ A, com x ≤ a. Como f é crescente temos que
f(x) ≤ f(a).
3.4. CONJUNTOS BEM ORDENADOS 173
Por outro lado, sendo a ∈ f−1(C), obtemos f(a) ∈ C e, por hipótese,
f(x) ∈ C. Assim, x ∈ f−1(C). Portanto, f−1(C) é uma seção de A.
Reciprocamente, primeiro note, para qualquer a ∈ A, que a ∈ f−1(Cf(a)),
com
Cf(a) = {y ∈ B : y ≤ f(a)}
uma seção de B. Assim, por hipótese, f−1(Cf(a)) é uma seção de A.
Agora, dados x, y ∈ A, se x ≤ y, então x ∈ f−1(Cf(y)). Portanto,
f(x) ≤ f(y). Consequentemente, f é uma função crescente.
17. Suponhamos que B possui um menor elemento, digamos m ∈ B. Então
m ≤ x, para todo x ∈ B. Em particular, m ≤ b. Dado y ∈ Sb ∩ B,
obtemos y < b e m ≤ y. Assim, m < b, ou seja, m ∈ Sb ∩ B. Portanto,
m é o menor elemento de Sb ∩B.
Reciprocamente, suponhamos que Sb ∩ B possui um menor elemento,
digamos n ∈ Sb ∩ B. Dado y ∈ B, obtemos b ≤ y ou b > y, pois A é
totalmente ordenado. Se b ≤ y, então n < y. Se b > y, então y ∈ Sb∩B.
Logo, n ≤ y, para todo x ∈ B. Portanto, B possui um menor elemento.
18. Confira o Exercício 17.
19. Suponhamos, por absurdo, que exista uma família
S = {xn : n ∈ Z+}
com xn > xn+1, para todo n ∈ Z+. Então S 6= ∅ e não possui menor
elemento, o que é uma contradição.
Reciprocamente, se A não é um CBO, então existe um subconjunto não
vazio S de A sem menor elemento. Pondo x0 ∈ S, obtemos um x1 ∈ S
tal que x1 < x0, pois S não possui menor elemnto. Como x1 não é um
menor elemento temos que existe x2 ∈ S tal que x1 < x2. Prosseguindo
assim, obtemos elementos x0, x1, x2 . . . em S tais que
x0 > x1 > · · · > xn > · · ·
174 CAPÍTULO 3. CONJUNTOS PARCIALMENTE ORDENADOS
Portanto, existe uma família
T = {xn : n ∈ Z+}
com xn > xn+1, para todo n ∈ Z+.
Finalmente, note que ½
1
n+ 1
: n ∈ Z+
¾
é uma cadeia infinita descendente de [0, 1]. Portanto, [0, 1] não é um
CBO.
20. Confira o Lema 3.62.
21. Seja f : A → A um isomorfismo qualquer. Então x ≤ f(x), para todo
x ∈ A, pois A é um CBO. Por outro lado, como f−1 : A → A é um
isomorfismo temos que x ≤ f−1(x), para todo x ∈ A. Neste caso,
f(x) ≤ f(f−1(x)) = x, ∀ x ∈ A.
Portanto,
x ≤ f(x) ≤ x⇒ f(x) = x,
ou seja, f = IA.
22. Como g ◦ f : A → A é um isomorfismo temos, pelo Exercício 21, que
g◦f = IA. De modo inteiramente análogo, f◦g = IB. Portanto, g = f−1.
23. Seja g : A → B outro isomorfismo. Então g−1 : B → A é um isomor-
fismo. Logo, pelo Exercício 22, g = f .
24. Sejam C ⊆ A e D ⊆ B tais que A ' D e B ' C. Então, pelo Corolário
3.74, C ' A ou C ' Sa, para algum a ∈ A, e D ' B ou D ' Sb,
para algum b ∈ B. Se C ' Sa, para algum a ∈ A, então B ' Sa, para
algum a ∈ A. Logo, pelo Lema 3.66, A não é isomorfo a D, o que é
impossível. Logo, C ' A. De modo inteiramente análogo, prova-se que
a possibilidade D ' Sb não pode ocorrer. Assim, D ' B. Portanto,
A ' D ' B.
25. Confira o Exercício 24.
Capítulo 4
Axioma da Escolha e Aplicações
Zermelo, em 1904, em uma análise mais criteriosa da prova da conjectura de
Cantor, “todo conjunto pode ser bem ordenado”, observou que uma suposição
que foi usada implicitamente na prova não era consequência dos postulados
da matemática ou da lógica. Assim, ele tomou como um axioma e chamou de
Axioma da Escolha, dentotado por ZF8, o qual intuitivamente é: escolhendo
arbitrariamente conjuntos não vazios A, B. . . , uma “função esolha” significa
uma função que a cada conjunto A, B. . . associa um elemento a, b. . . do
próprio conjunto.
Gödel, em 1935, mostrou que se os axiomas da Teoria dos Conjuntos ZF
eram consistentes, então ZF +ZF8 era consistente. Assim, é natural que este
resultado de Gödel deixe aberta a possibilidade ZF8 de ser derivado de outros
axiomas. Mas, Cohen (Paul Joseph Cohen, 1934-2007, matemático ameri-
cano), em 1963, mostrou que ZF + (∼ ZF8) era consistente se ZF também o
era. Portanto, ZF8 é independente de ZF .
Uma outra forma do axioma da escolha pode ser enunciada como: “seja P
um conjunto não vazio, de subconjuntos não vazios de um conjunto dado A.
Então existe um subconjunto C de A tal que, para todo B ∈ P, C ∩ B é um
conjunto unitário.”
Da mesma forma que o Princípio da Boa Ordenação, o Axioma da Es-
colha pode ser utilizado como eficiente ferramenta de modelagem em diversas
situações-problema, principalmente aquelas que possuem como objetivo a
175
176 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
existência de determinados objetos. Vejamos um exemplo de uma situação
dessa natureza.
Qualquer espaço vetorial possui uma base.
Em bem pouco tempo estaremos aptos a responder esta e outras questões
semelhantes, onde veremos que a existência de base para um espaço vetorial
não decorre da Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel sem o axioma da
escolha.
Finalmente, neste capítulo apresentaremos o axioma da escolha e suas prin-
cipais consequências.
4.1 Axioma da Escolha
Nesta seção discutiremos um conceito que é um dos mais importantes, e ao
mesmo tempo um dos mais controversos, princípios da matemática.
ZF8 - Axioma da escolha. Seja {Ai}i∈I uma família não vazia de con-
juntos não vazios. Então
P =
Y
i∈I
Ai 6= ∅.
Observação 4.1 Sejam {Ai}i∈I uma família não vazia de de conjuntos não
vazios e
P =
Y
i∈I
Ai.
1. Um elemento de P chama-se uma função escolha associada a família
{Ai}i∈I, ou seja, é uma função
f : I →
[
i∈I
Ai
tal que f(i) ∈ Ai, para todo i ∈ I. Note que Dom(f) = I e f(i) ∈ Ai,
para todo i ∈ I.
2. Intuitivamente, o axioma ZF8 diz que podemos simultaneamente escolher
algum elemento de cada subconjunto não vazio de um dado conjunto.
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 177
3. Se Ai = B, para todo i ∈ I, então P é simplesmente o conjunto de todas
as funções f : I → B, isto é,
P = BI .
4. Se I é um conjunto finito, então, não há a necessidade de usar o axioma
ZF8, para provar que P 6= ∅. De fato, se A1 6= ∅ e A2 6= ∅, então existe
x1 ∈ A1 e x2 ∈ A2. Logo, (x1, x2) ∈ A1 × A2 e A1 × A2 6= ∅. Agora,
use induçãosobre n, com I = {1, 2, . . . , n}. Neste caso, a cada função
escolha
f : I →
n[
i=1
Ai
corresponde a uma única n-upla
f → (x1, . . . , xn),
onde f(i) = xi ∈ Ai, para todo i ∈ I. Reciprocamente, dado uma n-upla
(x1, . . . , xn),
onde xi ∈ Ai, para todo i ∈ I. Existe uma única função escolha
f : I →
n[
i=1
Ai
associada a ela, a saber, f(i) = xi, para todo i ∈ I. Portanto, existe
uma correspodência biunívoca entre as n-uplas ordenadas e os elementos
de
Qn
i=1Ai, explicitamente,
ϕ :
nY
i=1
Ai → A1 × · · · ×An
definida como ϕ(f) = (f(1), . . . , f(n)). Por isso, denotaremos por
A1 × · · · ×An
o produto cartesiano e escreveremos os elementos como n-uplas orde-
nadas. Assim, concluímos que o axioma ZF8 é significativo se I for um
conjunto infinito.
178 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
5. Se cada Ai é um grupo Gi, com elemento identidade ei, então podemos
definir a função
f : I →
[
i∈I
Ai
por f(i) = ei sem usar o axioma ZF8. Não obstante, se escolhermos
ai ∈ Ai , com ai 6= ei, então a função
h : I →
[
i∈I
Ai
definida por h(i) = ai pode não estar bem definida, não ser injetora.
6. Se cada Ai é um CBO, então podemos definir a função
f : I →
[
i∈I
Ai
por f(i) = minAi ∈ Ai, sem usar o axioma ZF8.
Exemplo 4.2 Sejam f : R → R uma função e a ∈ R fixado. Mostre que f
é contínua em a se, e somente se, para qualquer sequência {xn}n∈N em R tal
que limn→∞ xn = a implicar que limn→∞ f(xn) = f(a).
Solução. Suponhamos que f seja contínua em a. Então dado > 0, existe
um δ > 0 tal que
|x− a| < δ ⇒ |f(x)− f(a)| < , ∀ x ∈ R.
Seja {xn}n∈N uma sequência em R tal que limn→∞ xn = a. Então existe nδ ∈ N
tal que
|xn − a| < δ, ∀ n ∈ N, com n ≥ nδ.
Logo,
|f(xn)− f(a)| < , ∀ n ∈ N, com n ≥ nδ.
Portanto, limn→∞ f(xn) = f(a).
Reciprocamente, suponhamos, por absurdo, que f não seja contínua em a.
Então existe > 0 com a seguinte propriedade: para qualquer δ > 0, existe
xδ ∈ R tal que
|xδ − a| < δ e |f(xδ)− f(a)| ≥ .
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 179
Para cada n ∈ N, pondo δ = 1
n
, teremos que
An =
½
x ∈ R : |x− a| < 1
n
e |f(x)− f(a)| ≥
¾
6= ∅,
Assim, pelo axioma da escolha ZF8,
P =
Y
n∈N
An 6= ∅.
Portanto, existe uma sequência {xn}n∈N em P (R) tal que xn ∈ An, para
todo n ∈ N, ou seja, limn→∞ xn = a, mas limn→∞ f(xn) 6= f(a), o que é uma
contradição. ¥
Observação 4.3 Note que a existência de uma sequência em R não decorre
da Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel sem o uso do axioma da escolha
ZF8.
Exemplo 4.4 Seja f : A → B uma função sobrejetora. Mostre que existe
uma função g : B → A tal que f ◦ g = IB.
Solução. Suponhamos que f : A→ B seja uma função sobrejetora. Então
Ab = f
−1(b) = {x ∈ A : f(x) = b}
é um subconjunto não vazio de A, para todo b ∈ B. Logo,
F = {Ab : b ∈ B} = {Ab}b∈B
é uma família não vazia de conjuntos não vazios. Neste caso,
A =
•[
F =
•[
b∈B
Ab
e X ∈ F significa que X = f−1(b) = Ab, para algum b ∈ B. Pelo axioma da
escolha ZF8,
P =
Y
b∈B
Ab 6= ∅.
180 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Assim, existe h ∈ P tal que h(X) ∈ X, para todo X ∈ F . Vamos definir
g : B → A como
g(b) = h(Ab) = h(f
−1(b)), ∀ b ∈ B.
Portanto, é fácil verificar que f ◦ g = IB. ¥
SejamA um conjunto qualquer e P(A)∗ = P(A)−{∅}. Uma função escolha
para A é uma função
r : P(A)∗ → A
tal que
r(B) ∈ B, ∀ B ∈ P(A)∗.
Se rB = r(B), diremos que rB é o representante de B.
Exemplo 4.5 Seja A = {a, b, c}. Então uma função escolha para A é definida
pela tabela. Note que existem 24 tais funções.
B A {a, b} {a, c} {b, c} {a} {b} {c}
r(B) a a a b a b c
Observe, por exemplo, que se B = {a, b}, então rB = r(B) = a.
Exemplo 4.6 Seja A um CBO. Então uma função escolha r : P(A)∗ → A
para A é definida como r(B) = minB ∈ B.
Exemplo 4.7 Qualquer conjunto finito possui uma função escolha.
Solução. Vamos usar indução sobre o número de elementos do conjunto.
Suponhamos que o resultado seja válido para n, isto é, se C é um conjunto
com n elementos, então existe uma função escolha r : P(C)∗ → C. Sejam A
um conjunto qualquer com n+ 1 elementos e a ∈ A fixado. Então o conjunto
B = A−{a} possui n elementos. Logo, existe uma função escolha ra : P(B)∗ →
B. Como A = {a}
•
∪ B temos que os subconjuntos de A que não contém a
são precisamente os subconjuntos de B. Portanto, a função r : P(A)∗ → A
definida como
r(X) =
(
ra(X), se a /∈ X
a, se a ∈ X
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 181
é claramente uma função escolha para A, pois qualquer subconjunto de A que
contém a é da forma X ∪ {a}, com X ⊆ B. ¥
Teorema 4.8 As seguintes condições são equivalentes:
1. Vale o axioma da escolha ZF8;
2. F1 - Qualquer conjunto possui uma função escolha.
Prova. Sejam A um conjunto não vazio qualquer, I = P(A)∗ e Ai = i, para
todo i ∈ I. Então
{B}B∈P(A)∗ = {Ai}i∈I
é uma família não vazia de conjuntos não vazios. Logo,
P =
Y
B∈P(A)∗
B =
Y
i∈I
Ai 6= ∅.
Assim, existe f ∈ P , onde f(Ai) ∈ Ai, para todo i ∈ I, isto é, f é uma função
escolha para A. Portanto, F1 está satisfeita.
Reciprocamente, sejam {Ai}i∈I uma família não vazia de conjuntos não
vazios,
A =
[
i∈I
Ai e P =
Y
i∈I
Ai.
Então, por hipótese, existe uma função escolha r : P(A)∗ → A para A, isto é,
r(B) ∈ B, para todo B ∈ A. Em particular, r(Ai) ∈ Ai, para todo i ∈ I. A
função f : I → A definida como
f(i) = r(Ai) ∈ Ai.
é um elemento de P . Portanto, o axioma ZF8 está satisfeito. ¥
Consideremos a seguinte afirmação: F2 - Sejam A um conjunto cujos ele-
mentos são conjuntos não vazios e disjuntos aos pares (uma partição de A).
Então existe um conjunto C que consiste de exatamente um elemento de cada
A ∈ A, isto é,
C ∩A = {a}, para cada A ∈ A,
182 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
ou, equivalentemente, existe uma função
f : A→
[
A =
[
B∈A
B
tal que f(B) ∈ B, para todo B ∈ A. O conjunto C chama-se conjunto escolha
da família. Note que pondo I = A e Ai = i, para todo i ∈ I, obtemos
A = {Ai}i∈I = {Ai : i ∈ I} ou A = {B}B∈A = {B : B ∈ A}.
Neste caso,
C ⊆
[
i∈I
Ai =
[
B∈A
B e C ∩B = {a}, para cada B ∈ A.
Observe que F2 significa que a cada relação de equivalência corresponde um
sistema de representantes.
Exemplo 4.9 Sejam A um CBO e f : A → B uma função sobrejetora.
Mostre que A possui um conjunto escolha.
Solução. Suponhamos que f : A→ B seja uma função sobrejetora. Então
Ab = f
−1(b) = {x ∈ A : f(x) = b}
é um subconjunto não vazio de A, para todo b ∈ B.
Afirmação. A família {Ab}b∈B é uma partição de A.
De fato, se x ∈ A, então f(x) ∈ B. Logo, x ∈ Ab, para algum b = f(x) ∈ B.
Portanto,
A ⊆
[
b∈B
Ab, ou seja, A =
[
b∈B
Ab.
Dados b, c ∈ B, se Ab 6= Ac, digamos existe x ∈ A tal que x ∈ Ab e x /∈ Ac,
então Ab ∩Ac = ∅, pois se y ∈ Ab ∩Ac, então
x = f(b) = y = f(c).
Logo, x ∈ Ac, o que é impossível.
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 183
Finalmente, como A é um CBO e Ab 6= ∅, para todo b ∈ B, temos que o
conjunto
C = {m ∈ A : m = minAb}
está bem definido. É claro que
C ∩Ab = {m}, para cada b ∈ B.
Portanto, C é um conjunto escolha para A. Neste caso, o conjunto C chama-se
um sistema minimal de representantes para a partição de A. Note que não
houve a necessidade de usar o axioma ZF8 para provar a existência de C. ¥
Exemplo 4.10 Seja f : A ⊆ N → B uma função sobrejetora. Mostre que B
é um conjunto enumerável.
Solução. Já vimos, no Exemplo 4.9, que o conjunto A possui um conjunto
escolha C. Então é fácil verificar que a função
g = f |C : C → B
é bijetora. Portanto, B é um conjunto enumerável. ¥
Teorema 4.11 As afirmações F1 e F2 são equivalentes.
Prova. Sejam A um conjunto cujos elementos são conjuntos não vazios, dis-
juntos aos pares e
X =
[
A =
[
A∈A
A.
Então A ⊆ P(X)∗. Assim, por hipótese, existe uma função escolha r :
P(X)∗ → X para X tal que
r(A) ∈ A, ∀ A ∈ P(X)∗.
Logo, o conjunto
C = r(A) = {r(A) : A ∈ A}
tem as propriedades desejadas, pois
C ∩A = {a}, para cada A ∈ A.
184 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Reciprocamente, sejam A um conjunto não vazio, B ⊆ A não vazio e
XB = {(B, x) : x ∈ B}.
Então XB ∩XC = ∅, quando B ∩ C = ∅. Assim,
{XB}B∈P(A)∗
é uma família não vaziade conjuntos não vazios disjuntos aos pares, pois
XB ⊆ P(A)×A⇒ {XB}B∈P(A)∗ ⊆ P(P(A)×A)
e pelos axiomas ZF3, ZF6 e o Teorema 2.18, a família
{XB}B∈P(A)∗
é um conjunto. Logo, existe um conjunto escolha C para A, isto é,
C ∩XB = {(B, x)}, ∀ B ∈ P(A)∗.
Portanto, a função r : P(A)∗ → A definida como r(B) = x ∈ B, com
C ∩XB = {(B, x)},
é uma função escolha para A. ¥
Consideremos a seguinte afirmação: F3 - Seja {Ai : i ∈ I} uma família não
vazia de conjuntos não vazios. Então existe uma função
f : I →
[
i∈I
Ai,
onde f(i) ∈ Ai, para todo i ∈ I, ou, equivalentemente, se F é uma família não
vazia de conjuntos não vazios, então existe uma função
f : F →
[
F =
[
A∈F
A,
onde f(A) ∈ A, para todo A ∈ F .
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 185
Note que a afirmação F2 é equivalente a afirmação F3. De fato, se
{Ai : i ∈ I}
é uma família não vazia de conjuntos não vazios, então o conjunto
F = {Ai × {i} : i ∈ I} = {Ai × {i}}i∈I
é uma família não vazia de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Assim,
existe um conjunto escolha C tal que
C ∩ (Ai × {i}) = {(ai, i)}, ∀ i ∈ I.
Portanto, a função
f : I →
[
i∈I
Ai
definida como f(i) = ai ∈ Ai, onde
(ai, i) ∈ C ∩ (Ai × {i})
tem as propriedades desejadas.
Reciprocamente, se {Ai : i ∈ I} é uma família não vazia de conjuntos não
vazios e disjuntos aos pares. Então existe uma função
f : I →
[
i∈I
Ai
tal que f(i) ∈ Ai, para todo i ∈ I. Portanto,
C = f(I) = {f(i) : i ∈ I}
é um conjunto escolha para a família {Ai : i ∈ I}, pois
C ∩Ai = {f(i)}, ∀ i ∈ I.
Exemplo 4.12 Consideremos a família
{An}n∈N = {An : n ∈ N},
186 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
em que An = {2n− 1, 2n}. É claro que {An}n∈N é uma família não vazia de
conjuntos não vazios e disjuntos aos pares. Então existe uma função escolha
f : N→
[
n∈N
An
definida como f(n) = 2n ∈ An, para todo n ∈ N. Portanto, é fácil verificar
que
C = f(N) = {2, 4, 6, . . .}
é um conjunto escolha para a família {An}n∈N. Mais geralmente, sejam A um
conjunto qualquer e {{x} : x ∈ A} uma família não vazia de conjuntos não
vazios e disjuntos aos pares. Então existe uma função escolha
f : A→
[
x∈A
{x}
tal que f(x) = x, para todo x ∈ A.
Teorema 4.13 O axioma da escolha é equivalente à afirmação F3.
Prova. Fica como um exercício. ¥
É importante observar, em tudo que segue, que a palavra axioma da escolha
significa qualquer uma das afirmações equivalentes dadas acima.
Exemplo 4.14 Seja A um conjunto infinito. Mostre que existe uma função
injetora f : N → A. Em particular, A contém um subconjunto enumerável
(contável infinito).
Solução. Como A 6= ∅, podemos escolher x1 ∈ A. Novamente, como
A = {x1}
•
∪ (A− {x1})
é uma partição de A, podemos escolher x2 ∈ A − {x1}, e assim sucessiva-
mente. Portanto, a função f : N→ A definida como f(1) = x1 e f(n) = xn é
claramente injetora. Mas nada garante que ela esteja bem definida. Para con-
tornarmos esta situação vamos usar a afirmação F2. Consideremos o conjunto
não vazio
Bn = A− {x1, . . . , xn−1}
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 187
Agora, seja
F = {An}n∈N = {(Bn, x) : x ∈ Bn}n∈N
Então F é uma família não vazia de conjuntos não vazios e disjuntos aos pares.
Assim, pela afirmação F2, existe um conjunto escolha C para F , isto é,
C = {(Bn, xn) : xn ∈ Bn}, ∀ n ∈ N.
Vamos definir f : N→ A como f(1) = x1 e f(n) = xn ∈ Bn, onde
(Bn, xn) ∈ C ∩An.
Portanto, f está bem definida e é injetora. ¥
Observação 4.15 Sejam A um conjunto infinito e r : P(A)∗ → A uma função
escolha para A. Então vamos definir, indutivamente, uma função f : N → A
como
f(n) = r (A− {f(1), . . . , f(n− 1)}) .
Portanto, f está bem definida e é injetora, pois A é um conjunto infinito.
Exemplo 4.16 Sejam A um conjunto e f : A→ B uma função. Mostre que f
é sobrejetora se, e somente se, existe uma função g : B → A tal que f ◦g = IB.
Em particular, f é sobrejetora se, e somente se, g é injetora.
Solução. Suponhamos que f : A → B seja uma função sobrejetora. Então
Xb = f
−1(b) é um subconjunto não vazio de A, para todo b ∈ B. Seja
r : P(A)∗ → A
uma função escolha para A, isto é, r(X) ∈ X, para todo X ∈ P(A)∗. Então a
função g : B → A definida como
g(b) = r(Xb), ∀ b ∈ B,
tem as propriedades desejadas. Com efeito,
(f ◦ g)(b) = f(g(b)) = f(r(Xb)) = b = IB(b),
188 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
pois
r(Xb) ∈ Xb = {a ∈ A : f(a) = b} = f−1(b).
Dados b, c ∈ B, se b 6= c, então Xb 6= Xc. Logo, g(b) 6= g(c), isto é, g é injetora.
Reciprocamente, suponhamos que exista uma função g : B → A tal que
f ◦ g = IB. Então, dado y ∈ B, existe x = g(y) ∈ A tal que
y = IB(y) = (f ◦ g)(y) = f(g(y)) = f(x),
isto é, f é uma função sobrejetora.
Finalmente, se g : B → A é uma função injetora. Então g : B → C é uma
função bijetora, com C = Im(g) ⊆ A. Assim, g−1 : C → B é uma função. Seja
b ∈ B fixado. Então f : A→ B definida como
f(x) =
(
g−1(x), se x ∈ C
b, se x /∈ C
é uma função sobrejetora, pois dado y ∈ B, existe x ∈ C tal que y = g−1(x),
ou seja, existe x ∈ C ⊆ A tal que y = g−1(x) = f(x). ¥
Exemplo 4.17 (Método da Diagonal de Cantor) Seja A um conjunto
com pelo menos dois elementos. Mostre que não existe uma função sobrejetora
de A sobre AA. Conclua que não existe função sobrejetora de B sobre AB,
para qualquer conjunto B.
Solução. Seja f : A → AA uma função qualquer. Vamos provar que f não
é sobrejetora. Para um a ∈ A fixado, denotaremos por fa o valor de f em a.
Assim, fa é uma função de A em A. Consideremos os conjuntos
f(A) = {fa : a ∈ A} ⊆ AA e Xa = A− {fa(a)}.
Note que Xa 6= ∅, para todo a ∈ A, pois A contém pelo menos dois elementos.
Então
{Xa}a∈A
é uma família não vazia de conjuntos não vazios. Logo, existe uma função
escolha r tal que
r(Xa) ∈ Xa, ∀ a ∈ A.
4.1. AXIOMA DA ESCOLHA 189
Em particular,
r(Xa) 6= fa(a), ∀ a ∈ A.
Agora, vamos definir uma função g : A→ A como
g(x) = r(Xx), ∀ x ∈ A.
Afirmação. g 6= fa, para todo a ∈ A.
De fato, suponhamos, por absurdo, que exista a ∈ A tal que g = fa. Então
g(x) = r(Xx) = fa(x), ∀ x ∈ A.
Em particular,
g(a) = r(Xa) = fa(a),
o que é uma contradição. Portanto, f não é sobrejetora. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A e B dois CBO. Mostre que a ordem lexicográfica sobre A×B
é bem ordenada.
2. Sejam {Ai}i∈I uma família não vazia de conjuntos não vazios e P =Q
i∈I Ai. Mostre que a j-ésima projeção pj : P → Aj é uma função
sobrejetora.
3. Sejam I, J conjuntos quaisquer de índices e A um conjunto arbitrário.
Para qualquer função ϕ : J → I, considere a função
ϕ∗ :
Y
i∈I
A→
Y
j∈J
A
definida como ϕ∗(f) = f ◦ ϕ, para toda função escolha f ∈
Q
i∈I A.
(a) Se I = {1, 2}, J = {1, 2, 3} e ϕ : J → I é definida como ϕ(1) = 2,
ϕ(2) = 2 e ϕ(3) = 1. Descreva explicitamente como um terno
ordenado em A×A×A é aplicado em um par ordenado de A×A
sob ϕ∗.
190 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
(b) Se I = J = {1, . . . , n} e ϕ : I → I é uma função bijetora. Descreva
em termos de n-uplas em A× · · · ×A a função ϕ∗.
4. Sejam A um conjunto e f : A → B uma função sobrejetora. Mostre
que existe um subconjunto C de A tal que C está em correspondência
biunívoca com B.
5. Sejam A um conjunto, f : B → C e g : A → C funções tais que
Im(f) ⊆ Im(g). Mostre que existe uma função h : B → A tal que
g ◦ h = f .
6. Mostre que a afirmação do Exemplo 4.16 implica o axioma da escolha.
7. Mostre que o axioma da escolha é equivalente a: Sejam A, B conjuntos
e F : A→ P(B) uma função qualquer tal que F (x) ∈ P(B)∗, para todo
x ∈ A. Então existe uma função f : A → B tal que f(x) ∈ F (x), para
todo x ∈ A.
8. Mostre que o axioma da escolha é equivalente a: Sejam A, B conjuntos
não vazios quaisquer eG ⊆ A×B um gráfico, isto é, para qualquer x ∈ A,
existe y ∈ B tal que (x, y) ∈ G. Então existe uma função f : A→ B tal
que f ⊆ G.
4.2 Aplicações
Nesta seção provaremos, como consequência do axioma da escolha ZF8, os
princípios maximais. Além disso, provaremos que eles são equivalentes a ZF8.
Com o objetivo de provarmos o Lema de Zorn primeiro provaremos o teo-
rema 4.20 devido Bourbaki. Nicolas Bourbaki é o pseudônimo coletivo sob o
qualum grupo de matemáticos, na sua maioria franceses, escreveram uma série
de livros que expunham a matemática avançada moderna, que começaram a
ser editados em 1935. Com o objetivo de fundamentar toda a matemática na
Teoria dos Conjuntos, o grupo lutou por mais rigor e simplicidade, criando
uma nova terminologia e conceitos ao longo dos tempos.
4.2. APLICAÇÕES 191
Seja A um poset. Diremos que A é indutivamente ordenado se qualquer
cadeia de A possui uma cota superior em A. Diremos que A é estritamente
indutivamente ordenado se qualquer cadeia de A possui um supremo em A.
Exemplo 4.18 Se A é uma cadeia e S = {x1, . . . , xn} um subconjunto de A.
Mostre que existe xj, com 1 ≤ j ≤ n, tal que xi ≤ xj, para todo xi ∈ S.
Portanto, qualquer subconjunto finito de uma cadeia possui uma cota superior
(inferior).
Solução. Vamos usar indução sobre n. Se n = 1, nada há para ser provado.
Sejam
S = {x1, . . . , xn, xn+1} e T = {x1, . . . , xn}.
Então, pela hipótese de indução, existe xj, com 1 ≤ j ≤ n, tal que xi ≤ xj,
para todo xi ∈ T . Como A é uma cadeia temos que xj ≤ xn+1 ou xn+1 ≤ xj.
Portanto, em qualquer caso, existe xj, com 1 ≤ j ≤ n + 1, tal que xi ≤ xj,
para todo xi ∈ S. ¥
Exemplo 4.19 Sejam A um conjunto não vazio qualquer e P(A) o conjunto
das potências de A, ordenado pela inclusão. Se F é um subconjunto de P(A)
tal que
B =
[
X∈C
X ∈ F ,
para qualquer cadeia C de F, então F é um conjunto estritamente indutiva-
mente ordenado, pois B = sup(C).
Daqui em diante lidaremos com um poset não vazio e estritamente induti-
vamente ordenado A e uma função f : A→ A tal que
∀ x ∈ A [x ≤ f(x)].
Seja p ∈ A fixado. Um subconjunto B de A é uma p-sequência ou uma
torre ou é admissível de A se as seguintes condições são satisfeitas:
1. p ∈ B.
2. Se x ∈ B, então f(x) ∈ B (f(B) ⊂ B).
192 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
3. Se C é uma cadeia de B, então sup(C) ∈ B.
Note que p-sequências existem. Por exemplo, A é uma p-sequência.
Teorema 4.20 (Teorema de Bourbaki) Seja A um poset tal que:
1. A contém um menor elemento p.
2. Qualquer cadeia de A possui um supremo em A.
Então existe x ∈ A sem sucessor imediato (f(x) = x).
Prova. Suponhamos, por absurdo, que qualquer elemento x ∈ A tenha um
sucessor imediato. Então o conjunto
Tx = {y ∈ A : y é um sucessor imediato de x} 6= ∅,
Logo, pelo axioma da escolha, existe uma função escolha r para A tal que
r(Tx) ∈ Tx. Vamos definir f : A → A como f(x) = r(Tx). Então é claro que
f(x) é um sucessor de x, isto é, x < f(x).
Lema 4.21 A interseção qualquer de p-sequências é uma p-sequência.
Prova. Seja
P =
\
B⊆A
B
a interseção de todas as p-sequências de A. Então P 6= ∅, pois p ∈ P . Se
x ∈ P , então x ∈ B, para todo B ⊆ A. Logo, f(x) ∈ B, para todo B ⊆ A.
Portanto, f(x) ∈ P .
Finalmente, se C é uma cadeia de P , então C é uma cadeia de B, para todo
B ⊆ A. Logo, sup(C) ∈ B, para todo B ⊆ A. Portanto, sup(C) ∈ P . ¥
Sejam P a interseção de todas as p-sequências de A e x ∈ P . Diremos que
x é um elemento normal (ou uma escolha extrema) se
x ≤ y ou y ≤ x, ∀ y ∈ P,
ou seja, x é comparável com qualquer elemento de P .
4.2. APLICAÇÕES 193
Lema 4.22 Suponhamos que x ∈ P seja um elemento normal, y ∈ P e y < x.
Então f(y) ≤ x.
Prova. Como P é uma p-sequência e y ∈ P temos que f(y) ∈ P . Assim,
por hipótese, f(y) ≤ x ou x < f(y). Se x < f(y), então y < x < f(y), o
que é impossível, pois qualquer y ∈ A possui um sucessor imediato. Portanto,
f(y) ≤ x. ¥
Lema 4.23 Suponhamos que x ∈ P seja um elemento normal e
Bx = {y ∈ P : y ≤ x ou y > f(x)} ⊆ P.
Então Bx é uma p-sequência.
Prova. Como p é o menor elemento de A temos que p ∈ Bx. Se y ∈ Bx, então
devemos provar que f(y) ∈ Bx. Sendo y ∈ Bx, obtemos y ≤ x ou y > f(x).
Assim, há três casos a serem considerados:
1.o Caso. Se y < x, então, pelo Lema 4.22, f(y) ≤ x. Logo, f(y) ∈ Bx.
2.o Caso. Se y = x, então f(y) = f(x). Assim, f(y) > f(x) e f(y) ∈ Bx.
3.o Caso. Se y ≥ f(x), então f(y) > f(x), pois y < f(y). Logo, f(y) ∈ B.
Finalmente, se C é uma cadeia de Bx e m = sup(C), então devemos provar
que m ∈ Bx. Dado y ∈ Bx, obtemos
y ≤ x ou y > f(x).
Se existir y ∈ C tal que y > f(x), então m > f(x), pois m > y. Logo, m ∈ Bx.
Caso contrário, y ≤ x, para todo y ∈ C. Logo, m ≤ x e m ∈ Bx. ¥
Corolário 4.24 Suponhamos que x ∈ P seja um elemento normal. Então
y ≤ x ou y > f(x), para todo y ∈ P .
Prova. Como P é a interseção de todas as p-sequências temos que P ⊆ Bx.
Mas, por definição, Bx ⊆ P . Portanto, P = Bx. Assim, y ≤ x ou y ≥ f(x),
para todo y ∈ P . ¥
Lema 4.25 O conjunto de todos os elementos normais é uma p-sequência.
194 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Prova. Seja
B = {x ∈ P : x é um elemento normal} ⊆ P.
Então p ∈ B, pois p ≤ y, para todo y ∈ A, em particular, para todo y ∈ P . Se
x ∈ B, então, pelo Corolário 4.24, y ≤ x ou y ≥ f(x), para todo y ∈ P . Logo,
y ≤ f(x) ou y ≥ f(x). Portanto, f(x) ∈ B.
Finalmente, sejam C uma cadeia de B e m = sup(C). Dado y ∈ P , se
existir x ∈ C tal que y ≤ x, então y ≤ m, pois x ≤ m. Caso contrário, x ≤ y,
para todo x ∈ C. Logo, m ≤ y. Portanto, m ∈ B. ¥
Corolário 4.26 P é um conjunto totalmente ordenado.
Prova. Como
B = {x ∈ P : x é um elemento normal} ⊆ P
é uma p-sequência temos que P ⊆ B. Assim, P = B. Portanto, qualquer
elemento de P é normal, isto é, P é um conjunto totalmente ordenado. ¥
Finalmente, para completarmos a prova do teorema, seja m = sup(P ).
Então m ∈ P , pois P é uma p-sequência e uma cadeia. Logo, f(m) ∈ P , pois
P é uma p-sequência. Assim,
f(m) ≤ m,
o que é uma contradição. ¥
Seja R2, dados (x, y), (z, w) ∈ R2, definimos
(x, y) ¹ (z, w)⇔ x ≤ z e y = w.
Então é fácil verificar que ¹ é uma ordem parcial e para cada a ∈ R fixado, o
conjunto
Ca = {(x, a) : x ∈ R}
é uma cadeia maximal de R2. De fato, dado (x, y) ∈ R2, com y 6= a, então
Ca ∪ {(x, y)} não é uma cadeia de R2, pois os elementos (x, a) e (x, y) não
são comparáveis. Portanto, Ca é uma cadeia maximal de R2. Isto motiva o
seguinte resultado:
4.2. APLICAÇÕES 195
Teorema 4.27 (Princípio Maximal de Hausdorff) Qualquer poset não
vazio possui pelo menos uma cadeia maximal.
Prova. Sejam A um poset não vazio qualquer e
F = {C ⊆ A : C é uma cadeia não vazia de A}.
Então F 6= ∅, pois {x} ∈ F , para todo x ∈ A (menor elemento em F). Dados
C1, C2 ∈ F , definimos
C1 ≤ C2 ⇔ C1 ⊆ C2.
Então F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F e
M =
[
C∈C
C.
Afirmação. M ∈ F e M = sup(C) ∈ F .
De fato, dados x, y ∈ M , existem C1, C2 ∈ C tais que x ∈ C1 e y ∈ C2. Como
C é uma cadeia temos que C1 ⊆ C2 ou C2 ⊆ C1, digamos C1 ⊆ C2. Logo,
x, y ∈ C2 e x ≤ y ou y ≤ x, pois C2 é uma cadeia. Portanto, M é uma
cadeia. É fácil verificar que M = sup(C). Assim, F é um poset estritamente
indutivamente ordenado.
Finalmente, seja f : F → F uma função qualquer tal que
∀ C ∈ F [C ≤ f(C)].
Então, pelo Teorema 4.20, existe C ∈ F sem sucessor imediato, isto é, não
existe x ∈ A − C tal que C ∪ {x} seja uma cadeia de A. Portanto, C é uma
cadeia maximal de A. ¥
Apresentaremos a seguir um dos teoremas mais importante emMatemática
sobre a existência de objetos que pertencem a um dado conjunto e satisfazem
certas propriedades.
Teorema 4.28 (Lema de Zorn) Qualquer conjunto não vazio indutivamente
ordenado possui pelo menos um elemento maximal.
196 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Prova. Seja A um conjunto não vazio indutivamente ordenado. Então, pelo
Princípio Maximal de Hausdorff, A contém uma cadeia maximal C. Assim,
por definição, C contém uma cota superior m.
Afirmação. m é um elemento maximal de A.
De fato, suponhamos, por absurdo, que exista x ∈ A tal que m < x. Então
x /∈ C, mas y < x, para todo y ∈ C. Assim, C ∪ {x} é uma cadeia de A,
com C ⊂ C ∪ {x}, o que contradiz a maximalidade de C. Portanto, m é um
elemento maximal de A. ¥
Lema 4.29 Sejam V um espaço vetorial sobre um corpo K e α um subcon-
junto de vetores LI em V . Então u ∈ V − [α] se, e somente se, α∪ {u} é um
conjunto de vetores LI em V , em que
[α] =
(
nX
i=1
xiui : n ∈ N, xi ∈ K e ui ∈α
)
é o subespaço gerado por α.
Prova. Sejam u1, . . . ,um vetores distintos em α e x1, . . . , xm, y escalares em
K tais que
x1u1 + · · ·+ xmum + yu = 0.
Então y = 0, pois se y 6= 0, então
u =
µ
−x1
y
¶
u1 + · · ·+
µ
−xm
y
¶
um ⇒ u ∈ [α],
o que é impossível. Assim, y = 0 e
x1u1 + · · ·+ xmum = 0.
Logo, por hipótese,
x1 = · · · = xm = 0.
Portanto, α ∪ {u} é um conjunto de vetores LI em V .
A recíproca é clara. ¥
4.2. APLICAÇÕES 197
Teorema 4.30 Qualquer espaço vetorial possui uma base. Mais geralmente,
qualquer subconjunto de vetores LI de um espaço vetorial é parte de uma base.
Prova. Seja V um espaço vetorial sobre um corpo K. Se V = {0}, então ∅ é
uma base de V . Se V 6= {0}, então a família
F = {β : β é um subconjunto LI em V }
é não vazia, pois {v} ∈ F , para todo v ∈ V − {0}. Dados α, β ∈ F , definimos
α ≤ β ⇔ α ⊆ β.
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F e
L =
[
β∈C
β.
Afirmação. L ∈ F e L = sup(C) ∈ F .
De fato, sejam u1, . . . ,un vetores distintos de L e x1, . . . , xn escalares de K
tais que
x1u1 + · · ·+ xnun = 0.
Como ui ∈ L temos que existe βi ∈ C tal que ui ∈ βi. Logo, pelo Exemplo
4.18, existe βj, com 1 ≤ j ≤ n, tal que βi ≤ βj, para todo i = 1, . . . n. Assim,
u1, . . . ,un ∈ βj. Portanto,
x1 = · · · = xn = 0.
É claro que L é uma cota superior de C. Logo, pelo Lema de Zorn, F contém
um elemento maximal, digamos M . Portanto, pelo Lema 4.29, M é uma base
de V . ¥
Observação 4.31 Note que a existência de uma base para um espaço vetorial
não decorre da Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel sem o uso do Lema
de Zorn.
Exemplo 4.32 (Função Aditiva) Mostre que existe uma função T : R→ R
satisfazendo à condição aditiva
T (x+ y) = T (x) + T (y), ∀ x, y ∈ R,
mas não é uma transformação linear, isto é, T (x) 6= ax, para algum a ∈ R.
198 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Solução. É fácil verificar que R com as operações usuais é um espaço vetorial
sobre Q. Assim, pelo Teorema 4.30, podemos escolher uma base de Hamel β =
{xi}i∈N de R sobre Q. Logo, para cada x ∈ R, existem únicos rk1, . . . , rkn ∈ Q,
onde k1, . . . , kn ∈ N, tais que
x = rk1xk1 + · · ·+ rknxkn =
nX
j=1
rkjxkj .
Escolhendo xi0 ∈ β e definimos T : R→ R como
T (x) =
(
ri0, se x = rk1xk1 + · · ·+ rkixki + · · ·+ rknxkn e xki = xi0
0, caso contrário.
Então T possui as propriedades desejadas. De fato, T (xi0) = 1, uma vez que
xi0 = xki = 1 · xki é a representação básica de xi0, e T (xi) = 0, para todo
xi ∈ β, com xi 6= xi0 , pois xi0 não ocorre na representação básica xi = 1 ·xi de
xi.
Agora, se T (x) = ax, para algum a ∈ R, então
T (xi0) = 1 = axi0 ⇒ a 6= 0.
Por outro lado,
0 = T (xi) = axi ⇒ a = 0,
pois 0 /∈ β, o que é impossível. Portanto, T (x) 6= ax, para todo a ∈ R.
Finalmente, é fácil verificar que
T (x+ y) = T (x) + T (y), ∀ x, y ∈ R,
que é o resultado desejado. ¥
Observe que o Exemplo 4.32 nos mostra que o axioma da homogeneidade
T (ax) = aT (x) de uma transformação linear é independente. Por outro lado,
a função T : R2 → R2 definida como
T (x, y) =
( ¡
x cos
¡
y
x
¢
, x+ y
¢
, se x 6= 0
(0, y), caso contrário x = 0
4.2. APLICAÇÕES 199
satisfaz o axioma da homogeneidade T (ax, ay) = aT (x, y), mas não o axioma
da linearidade. Portanto, o axioma da linearidade de uma transformação linear
é independente
EXERCÍCIOS
1. SejaA = I×J , com a ordem cartesiana induzida porR2, em que I = [0, 1]
e J = [0, 1] ∩Q.
(a) Mostre que o conjunto
D = {(x, x) ∈ A : 0 ≤ x ≤ 1}
é uma cadeia maximal de A.
(b) Mostre que o conjunto
C = {(x, y) ∈ A : x = 0 ou y = 1}
é uma cadeia maximal de A.
2. Seja R2 munido com a ordem cartesiana.
(a) Mostre que o conjunto
C = {(x, x) ∈ R2 : x < 0}
é uma cadeia de R2.
(b) Exiba pelo menos duas cadeias maximais de R2 que contêm C.
3. Mostre que o Lema de Zorn implica o Princípio Maximal de Hausdorff.
4. Mostre que o Lema de Zorn é equivalente a: Sejam A um conjunto indu-
tivamente ordenado e a ∈ A. Então A possui pelo menos um elemento
maximal b tal que b ≥ a.
200 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
5. Mostre que o Princípio Maximal de Hausdorff é equivalente a: Sejam A
um poset e B uma cadeia de A. Então A contém uma cadeia maximal
C tal que B ⊆ C.
6. Seja A um conjunto infinito qualquer. Mostre que A é a união disjunta
de conjuntos que são cada contável infinito ou, equivalentemente, existe
uma cobertura disjunta de A formada por conjuntos enumeráveis.
7. Sejam A um conjunto e A um conjunto de subconjuntos de A. Diremos
que A é de carater finito quando B ∈ A se, e somente se, qualquer
subconjunto finito de B pertence a A. Seja A ordenado pela inclusão e
suponhamos que A seja de carater finito.
(a) Mostre que A é um conjunto indutivamente ordenado.
(b) Mostre que A possui um elemento maximal.
8. Mostre que o axioma da escolha implica o Lema de Zorn.
9. Mostre que para qualquer conjunto A e qualquer f ∈ AA, existe g ∈ AA
tal que
f ◦ g ◦ f = f.
10. Sejam G um grupo e S um subconjunto de G tal que eG ∈ S. Mostre
que a família
G = {H : H é um subgrupo de G e H ⊆ S}
possui pelo menos um elemento maximal.
11. Mostre que qualquer grupo não abeliano contém um subgrupo abeliano
maximal.
12. Mostre que qualquer ideal próprio I de um anel comutativo com identi-
dade R está contido em um ideal maximal.
13. Seja V um espaço vetorial sobre um corpo K.
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 201
(a) Mostre que se α ⊆ β ⊆ V , com α um subconjunto de vetores LI e
β um subconjunto de vetores geradores, então existe uma base γ de
V tal que α ⊆ γ ⊆ β.
(b) Mostre que qualquer subconjunto α de vetores LI de V é parte de
uma base de V .
(c) Mostre que qualquer subconjunto de vetores geradores β de V pode
ser reduzido à uma base de V .
4.3 Princípio da Boa Ordenação
Nesta seção vamos provar que, se A é um conjunto qualquer, então existe
pelo menos uma relação de ordem R sobre A tal que A, ordenado por R, é um
conjunto bem ordenado.
Exemplo 4.33 Qualquer conjunto finito é bem ordenado.
Solução. Seja A um conjunto finito. Se A contém exatamente um elemento
nada há para ser provado. Suponhamos que A possui n elementos. Então,
pelo Exemplo 4.18, A possui um maior elemento, digamos, M ∈ A. Assim,
por indução, existe um isomorfismo
g : A− {M}→ {1, . . . , n− 1}
para algum n ∈ N. Logo, a função
f : A→ {1, . . . , n}
definida como
f(x) =
(
g(x), se x 6=M
x, se x =M,
para algum n ∈ N, é um isomorfismo. Neste caso, a boa ordenação para A é
dada por
∀ x, y ∈ A [x ¹ y ⇔ f(x) ≤ f(y)].
202 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Em particular, se A = {a, b, c}, então
a < b < c, b < c < a, c < a < b, b < a < c, a < c < b e c < b < a
são boas ordenações diferentes de A. ¥
Exemplo 4.34 Qualquer conjunto contável A pode ser bem ordenado.
Solução. Se f : A → N é uma bijeção qualquer, então existe uma ordem ¹
sobre A definida como
∀ x, y ∈ A [x ¹ y ⇔ f(x) ≤ f(y)].
Em particular, se A = Z, então as funções f : A → N e g : N → A definidas
como
f(x) =
(
2x, se x > 0
−2x+ 1, se x ≤ 0
e
g(x) =
(
x
2
, se x é um número par
1−x
2
, se x é um número ímpar
são inversas. Neste caso, uma boa ordenação para Z é dada por
{0, 1,−1, 2,−2, . . . , n,−n, . . .}.
Por exemplo,
1 < 2⇔ 0 = g(1) < g(2) = 1 e 2 < 3⇔ 1 = g(2) < g(3) = −1
etc. Neste caso, qualquer elemento Z possui um sucessor imediato. ¥
Exemplo 4.35 O intervalo fechado I = [0, 1], com a ordem induzida por R,
não é bem ordenado.
Solução. Note que (0, 1] é um subconjunto não vazio de I semmenor elemento,
pois dado x ∈ (0, 1], obtemos
0 <
x
2
< x.
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 203
Portanto, I não é bem ordenado. No entanto, I é totalmente ordenado. ¥
Seja A um conjunto arbitrário. Consideremos o par (B,R), com B ⊆ A
e R uma relação de ordem sobre B que bem ordena B. Seja F a família de
todos os pares (B,R), com esta propriedade. Note que F 6= ∅, pois qualquer
subconjunto contável de A pode ser bem ordenado, confira Exemplo 4.34.
Dados (B1, R1), (B2, R2) ∈ F , definimos
(B1, R1) ¹ (B2, R2)
se, e somente se, as seguintescondições são satisfeitas:
1. B1 ⊆ B2.
2. Se (x, y) ∈ R1, então (x, y) ∈ R2, para todos x, y ∈ B1, isto é, R1 ⊆ R2.
(R1 = R2|B1)
3. Se x ∈ B1 e y ∈ B2 −B1, então (x, y) ∈ R2. (B1 é uma seção de B2)
Então¹ é uma ordem sobreF . De fato, dados (B1, R1), (B2, R2), (B3, R3) ∈ F ,
é claro que (B1, R1) ¹ (B1, R1). Se
(B1, R1) ¹ (B2, R2) e (B2, R2) ¹ (B1, R1),
então, pelo itens (1) e (2), B1 = B2 e R1 = R2. Logo, (B1, R1) = (B2, R2). Se
(B1, R1) ¹ (B2, R2) e (B2, R2) ¹ (B3, R3),
então, pelo itens (1) e (2),
B1 ⊆ B2 e R1 ⊆ R2
e
B2 ⊆ B3 e R2 ⊆ R3.
Em particular,
B1 ⊆ B3 e R1 ⊆ R3.
204 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Finalmente, pelo Teorema 3.8, B1 é uma seção de B3, ou seja, se x ∈ B1 e
y ∈ B3 −B1, então (x, y) ∈ R3 Assim,
(B1, R1) ¹ (B3, R3).
Portanto, ¹ é uma ordem sobre F .
Lema 4.36 Sejam
C = {(Bi, Ri) : i ∈ I}
uma cadeia qualquer em F,
B =
[
i∈I
Bi e R =
[
i∈I
Ri.
Então (B,R) ∈ F.
Prova. Sendo B ⊆ A, basta provar que R bem ordena B. Primeiro note
que dados x, y ∈ B, existem i, j ∈ I tais que x ∈ Bi e y ∈ Bj. Como C
é uma cadeia temos que (Bi, Ri) ¹ (Bj , Rj) ou (Bj, Rj) ¹ (Bi, Ri), digamos
(Bi, Ri) ¹ (Bj, Rj). Em particular, Bi ⊆ Bj. Logo, x, y ∈ Bj. Assim, pelo
item (2), se (x, y) ∈ Ri, então (x, y) ∈ R ou se (x, y) ∈ Rj, então (x, y) ∈ R .
Portanto, R é uma ordem sobre B. De modo inteiramente análogo, prova-se
que R é uma ordem total sobre B.
Agora, seja S ⊆ B, com S 6= ∅. Então existe i ∈ I tal que
Si = S ∩Bi 6= ∅.
Como Si ⊆ Bi temos, por hipótese, que Si contém um menor elemento m
relativo a Ri, isto é,
(m, y) ∈ Ri, ∀ y ∈ Si.
Afirmação. m é o menor elemento de S relativo a R, ou seja,
(m, z) ∈ R, ∀ z ∈ S.
De fato, dado x ∈ S. Se x ∈ Bi, então x ∈ S e (m,x) ∈ Ri implica que
(m,x) ∈ R. Se x /∈ Bi, então existe j ∈ I tal que x ∈ Bj. Logo,
Bj 6⊂ Bi e (Bj, Rj) 6< (Bi, Ri).
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 205
Assim, por hipótese,
(Bi, Ri) ¹ (Bj, Rj).
Comom ∈ Bi e x ∈ Bj−Bi temos, pelo item (3), que (m,x) ∈ Rj e (m,x) ∈ R.
Portanto, m é o menor elemento de S relativo a R. Consequentemente, B é
bem ordenado por R. ¥
Lema 4.37 Sejam C, B e R definidos no Lema 4.36. Então (B,R) é uma
cota superior de C.
Prova. Seja (Bi, Ri) ∈ C. Então Bi ⊆ B e Ri ⊆ R. Agora, se x ∈ Bi e
y ∈ B −Bi, então existe j ∈ I tal que y ∈ Bj. Logo,
Bj 6⊂ Bi e (Bj, Rj) 6< (Bi, Ri).
Assim, por hipótese,
(Bi, Ri) ¹ (Bj, Rj).
Como x ∈ Bi e y ∈ Bj −Bi temos, pelo item (3), que (x, y) ∈ Rj e (x, y) ∈ R.
Portanto, (Bi, Ri) ¹ (B,R). ¥
Teorema 4.38 (Princípio da Boa Ordenação) Qualquer conjunto pode
ser bem ordenado.
Prova. Sejam A um conjunto não vazio qualquer e
F = {(B,R) : B ⊆ A e R uma boa ordenação para B}.
Então, pelos Lemas 4.36 e 4.37, F é um conjunto indutivamente ordenado.
Logo, pelo Lema de Zorn, F contém um elemento maximal (B,R).
Afirmação. A = B.
De fato, suponhamos, por absurdo, que A − B 6= ∅. Então existe y ∈ A tal
que y /∈ B. Logo, (x, y) ∈ R, para todo x ∈ B. Sejam
B∗ = B ∪ {y} e R∗ = R ∪ {(x, y) : x ∈ B}.
Então (B∗, R∗) ∈ F , com
(B,R) ¹ (B∗, R∗),
o que contradiz a maximalidade de (B,R). Portanto, A = B. ¥
206 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Teorema 4.39 Seja A um conjunto não vazio qualquer. Então as seguintes
condições são equivalentes:
1. O oxioma da escolha;
2. O Princípio Maximal de Hausdorff;
3. O Lema de Zorn;
4. O Princípio da Boa Ordenação.
Prova. Resta provar que (4 ⇒ 1). Suponhamos que A seja bem ordenado.
Então a função r : P(A)∗ → A definida como
r(B) = minB ∈ B
é uma função escolha para A. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam I = [0, 1[ um intervalo com a ordem induzida por R e N com a
ordem usual. Mostre que N× I com a ordem lexicográfica é isomorfo a
R+, mas I ×N com a ordem lexicográfica não.
2. Mostre que qualquer poset não vazio possui um subconjunto bem orde-
nado maximal.
3. Seja A um poset não vazio tal que qualquer subconjunto bem ordenado
possui uma cota superior. Mostre que A possui pelo menos um elemento
maximal.
4. Um filtro próprio sobre um conjunto A é uma família F de subconjuntos
de A que satisfaz as seguintes condições:
(a) A interseção finita de elementos de F é um elemento de F .
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 207
(b) Se X ∈ F e A ⊇ Y ⊇ X, então Y ∈ F .
(c) ∅ /∈ F .
Mostre que se A é infinito, então
F = {X ⊆ A : A−X = X 0 é finito}
é um filtro próprio. Além disso, mostre que qualquer filtro próprio está
contido em um filtro maximal..
Repostas e/ou Soluções
Seção 4.1
1. Seja S um subconjunto não vazio de A×B. Então
S = {(a, b) : a ∈ A e b ∈ B}.
Logo,
S1 = {a ∈ A : (a, b) ∈ S, para algum b ∈ B} 6= ∅ e S1 ⊆ A.
Assim, pela hipótese, existe a1 ∈ S1 tal que a1 ≤ a, para todo a ∈ S1.
Também
S2 = {b ∈ B : (a1, b) ∈ S} 6= ∅ e S2 ⊆ B,
Portanto, por hipótese, existe b1 ∈ S2 tal que b1 ≤ b, para todo b ∈ S2.
Agora, mostre que (a1, b1) é o menor elemento de S.
2. Sejam j ∈ I fixado e xj ∈ Aj. Então {Bi}i∈I , em que Bj = {xj} e
Bi = Ai, para todo i ∈ I, com i 6= j, é uma família não vazia de
conjuntos não vazios. Assim, pelo axioma da escolha,
Q =
Y
i∈I
Bi 6= ∅
e Q ⊆ P . Portanto, para cada g ∈ Q, temos que pj(g) = xj. Conse-
quentemente, pj é sobrejetora, para todo j ∈ I.
208 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
3. Vamos prova apenas o item (a). Dado f ∈ A×A, obtemos
ϕ∗(f)(j) = (f ◦ ϕ)(j) = f(ϕ(j)) ∈ A.
Portanto,
(f(1), f(2)) 7→ (f(ϕ(1)), f(ϕ(2)), f(ϕ(3))) = (f(2), f(2), f(1)),
ou seja,
(x1, x2) 7→ (x2, x2, x1).
4. Já vimos, no Exemplo 4.9, que a família F = {Ab : b ∈ B}, com
Ab = {a ∈ A : f(a) = b} = f−1(b) 6= ∅,
é uma partição de A. Assim, existe um conjunto escolha C para A.
Então é fácil verificar que a função
g = f |C : C → B
é bijetora.
5. Como g : A→ Im(g) ⊆ C é uma função sobrejetora temos que
Xc = g
−1(c) = {a ∈ A : g(a) = c}
é um subconjunto não vazio de A, para todo c ∈ Im(g). Em particular,
para todo c ∈ Im(f). Seja
r : P(A)∗ → A
uma função escolha para A, isto é, r(X) ∈ X, para todo X ∈ P(A)∗.
Então a função h : B → A definida como
h(b) = r(Xf(b)) ∈ Xf(b), ∀ b ∈ B,
tem as propriedades desejadas, pois dado b ∈ B, obtemos
(g ◦ h)(b) = g(h(b)) = f(b).
Portanto, existe uma função h : B → A tal que g ◦ h = f .
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 209
6. Sejam F = {Ai}i∈I uma família não vazia de conjuntos não vazios dis-
juntos aos pares e
B =
[
i∈I
Ai.
Então a função h : B → F definida como h(b) = Ai, onde b ∈ Ai, é
claramente sobrejetora. Então, pelo Exemplo 4.16, existe uma função
g : F → B tal que h ◦ g = IF . Note que r : I → F definida como
r(i) = Ai é uma função (sobrejetora) e f = g ◦ r : I → B é uma função.
Portanto,
f ∈
Y
i∈I
Ai ⇒
Y
i∈I
Ai 6= ∅.
7. Seja
r : P(B)∗ → B
uma função escolha para B, isto é, r(Y ) ∈ Y , para todo Y ∈ P(B)∗.
Então a função f : A→ B definida como
f(x) = r(F (x)) ∈ F (x), ∀ x ∈ A,
tem as propriedades desejadas.
Reciprocamente, como Im(f) ⊆ Im(F ) temos, pelo Exercício 4, que e-
xiste uma função r : P(B)∗ → B tal que F ◦ r = f . Portanto, r é uma
função escolha para B, pois r(X) ∈ X, para todo X ∈ P(B)∗.
8. Para um x ∈ A fixado, consideremos
Ax = {x} × {y ∈ B : (x, y) ∈ G}.
Então A = {Ax}x∈A é uma família de conjuntos não vazios disjuntos aos
pares. Assim, existe um conjunto C tal que
C ∩Ax = {(x, y)}.
A função f : A→ B definida como y = f(x), onde (x, y) é igual ao único
elemento de C ∩A, para todo x ∈ A, é tal que f ⊆ G.
210 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Reciprocamente, seja A uma família de conjuntos não vazios disjuntos
aos pares. Então, pondo
A = A, B =
[
X∈A
X e G = {(X, x) : X ∈ A, x ∈ X},
obtemos uma função
f : A→ B,
tal que f(X) = x ∈ X, para todo X ∈ A e f ⊆ G. Portanto, o conjunto
C = f(A) possui as propriedades desejadas, pois dado X ∈ A, obtemos
(X,x) ∈ G. Logo, se f(X) = x ∈ C, então f(X) ∈ C ∩ X. Por outro
lado, se y ∈ C ∩ X, então existe Y ∈ A tal que y = f(Y ), ou seja,
(Y, y) ∈ G e y ∈ Y . Assim, y ∈ X ∩ Y , de modo que X = Y . Portanto,
y = f(Y ) = f(X) e C ∩X = {f(X)}.
Seção 4.2
1. Vamos provar apenas o item (a). Dado (x, y) ∈ A, com x 6= y, então, pelo
Exemplo 3.56,existe r ∈ Q tal que x ≤ r ≤ y. Logo, D ∪ {(x, y)} não é
uma cadeia de A, pois os elementos (r, r) e (x, y) não são comparáveis.
Portanto, D é uma cadeia maximal de A.
2. Note que o conjunto
C1 = {(x, x) ∈ R2 : x ∈ R}
é uma cadeia maximal de R2 que contém C.
3. Sejam A um poset não vazio qualquer e
F = {C ⊆ A : C é uma cadeia de A}.
Então F 6= ∅, pois {x} ∈ F , para todo x ∈ A. Dados C1, C2 ∈ F ,
definimos
C1 ≤ C2 ⇔ C1 ⊆ C2.
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 211
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F e
M =
[
C∈C
C.
Então vamos provar queM ∈ F eM = sup(C). De fato, dados x, y ∈M ,
existem C1, C2 ∈ C tais que x ∈ C1 e y ∈ C2. Como C é uma cadeia
temos que C1 ⊆ C2 ou C2 ⊆ C1, digamos C1 ⊆ C2. Logo, x, y ∈ C2 e
x ≤ y ou y ≤ x, pois C2 é uma cadeia. Portanto, M é uma cadeia. É
fácil verificar que M = sup(C). Assim, pelo Lema de Zorn, F contém
pelo menos um elemento maximal, C ∈ F . Portanto, C é uma cadeia
maximal de A.
4. Seja
Sa = {x ∈ A : a ≤ x}.
Então Sa com a ordem induzida por A é um conjunto indutivamente
ordenado. Assim, pelo Lema de Zorn, Sa possui pelo menos um elemento
maximal, digamos b ∈ Sa. Agora, vamos provar que b é o elemento
maximal de A. De fato, seja m ∈ A tal que b ≤ m. Então a ≤ m, pois
a ≤ b. Logo, m ∈ Sa. Portanto, m ≤ b, isto é, m = b. Neste caso, A
possui pelo menos um elemento maximal b tal que b ≥ a.
5. Seja
F = {C ⊆ A : C é uma cadeia de A e B ⊆ C}.
Então F 6= ∅, pois B ∈ F . Agora, confira o Exercício 3.
6. Consideremos a família
F = {(B,C) : B ⊆ A e C uma cobertura contável de B},
ou seja, (B,C) ∈ F significa que
B =
[
i∈I
Bi,
em que C = {Bi}i∈I é uma família de conjuntos contáveis infinitos
disjuntos aos pares de A. Então, pelo Exemplo 4.14, F 6= ∅, pois
212 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
(E, {E}) ∈ F , com E um subconjunto contável infinito de A. Dados
(B1, C1), (B2, C2) ∈ F , definimos
(B1, C1) ¹ (B2, C2)⇔ B1 ⊆ B2 e C1 ⊆ C2.
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F , digamos
C = {(Bi, Ci)}i∈I ,
para algum conjunto de índice I, e M = (D,U), com
D =
[
i∈I
Bi e U =
[
i∈I
Ci.
Então vamos provar que M ∈ F e M = sup(C). De fato, se D1, D2 ∈ U ,
com D1 6= D2, então existem i, j ∈ I tais que D1 ∈ Ci e D2 ∈ Cj. Como
C é uma cadeia temos que Ci ⊆ Cj ou Cj ⊆ Ci, digamos Ci ⊆ Cj. Logo,
D1,D2 ∈ Cj e D1 ∩D2 = ∅.
Por outro lado, se x ∈ D, então existe i ∈ I tal que x ∈ Bi. Assim,
existe C ∈ Ci tal que x ∈ C, ou seja, U é uma cobertura disjunta
de D. Sendo Ci subconjuntos contáveis infinitos de A temos que U é
uma cobertura disjunta de D formada por conjuntos contáveis infinitos.
Portanto,M ∈ F . É fácil verificar queM = sup(C). Logo, pelo Lema de
Zorn, F contém pelo menos um elemento maximal, digamos (D,U) ∈ F .
Se A −D fosse um conjunto infinito, então, pelo Exemplo 4.14, A −D
conteria um subconjunto contável infinito E de A. Assim,
(D ∪E,U ∪ {E}) ∈ F ,
o que contradiz a maximalidade de (D,U). Neste caso, D0 = A − D é
um conjunto finito. Como A é um conjunto infinito temos, pelo Exemplo
4.14, que A contém pelo menos um subconjunto contável infinito. Logo,
D contém pelo menos um tal elemento E e
F = E
•
∪D0
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 213
é um subconjunto contável infinito de A. Portanto,
A = D
•
∪ (A−D) = D
•
∪D0
= [(D −E)
•
∪E]
•
∪D0
= (D − E)
•
∪ F
é uma união disjunta de conjuntos que são cada contável infinito.
7. (a) Sejam C uma cadeia qualquer de A e
M =
[
C∈C
C.
Então vamos provar que M ∈ A e que M é uma cota superior de C. De
fato, seja B um subconjunto finito qualquer de M . Então existe C ∈ C
tal que M ⊆ C, pois existem
C1, . . . , Cn ∈ C
tais que
C ⊆ C1 ∪ · · · ∪ Cn.
Logo, pelo Exemplo 4.18, existe Cj, com 1 ≤ j ≤ n, tal que Ci ≤ Cj,
para todo i = 1, . . . n. Portanto, C ⊆ Cj, ou seja, M ∈ A e claramente
M é uma cota superior de C.
(b) Consequência direta do Lema de Zorn.
8. Seja A um conjunto não vazio indutivamente ordenado. Então existe
uma função escolha r : P(A)∗ → A para A. Agora, vamos construir,
indutivamente, uma sequência crescente f : Z+ → A como f(0) = a0 e
f(n) = r ({a0, . . . , an−1})
a cota superior do conjunto
{a0, . . . , an−1}.
Assim, f está bem definida e é crescente. Então obtemos a cadeia
{an}n∈Z+
214 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
a qual possui uma cota superior. Portanto, A possui um elemento ma-
ximal, pois qualquer cadeia possui uma cota superior.
9. Já vimos que se f : A→ A é uma função, então
x ∼ y ⇔ f(x) = f(y).
define uma relação de equivalência sobre A tal que
x = f−1(x)
é a classe de equivalência determinada por x. Neste caso,
{x : x ∈ A}
é uma a família não vazia de conjuntos não vazios. Logo, existe uma
função escolha
g : A→
[
x∈A
x = A
definida como g(x) ∈ x = f−1(x), para todo x ∈ A. Portanto,
(f ◦ g ◦ f)(x) = (f ◦ g)(f(x)) = f(x), ∀ x ∈ A.
Consequentemente, f ◦ g ◦ f = f .
10. Note que G 6= ∅, pois {eG} ∈ G. Dados H,K ∈ G, definimos
H ≤ K ⇔ H ⊆ K.
Logo, G é um poset. Seja C = {Hi : i ∈ I} uma cadeia qualquer de G.
Então
M =
[
i∈I
Hi
é um subgrupo de G. De fato, é claro queM 6= ∅, pois e ∈ Hi, para todo
i ∈ I. Dados a, b ∈ M , existem i, j ∈ I tais que a ∈ Hi e b ∈ Hj. Como
C é uma cadeia temos que Hi ⊆ Hj ou Hj ⊆ Hi, digamos Hi ⊆ Hj.
Logo, a, b ∈ Hj e ab−1 ∈ Hj, pois Hi é um subgrupo de G. Portanto,
ab−1 ∈M eM é um subgrupo de G. É claro queM é uma cota superior
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 215
de C. Vamos provar queM ∈ G. De fato, como Hi ⊆ S, para todo i ∈ I,
temos que M ⊆ S. Finalmente, pelo Lema de Zorn, M é um elemento
maximal de G. Portanto, M é um subgrupo maximal de G.
11. Sejam G um grupo não abeliano qualquer e F a família de todos os
subgrupos abelianos deG. EntãoF 6= ∅, pois {e} ∈ F . DadosH,K ∈ F ,
definimos
H ≤ K ⇔ H ⊆ K.
Logo, F é um poset. Seja C = {Hi : i ∈ I} uma cadeia qualquer de F .
Então
M =
[
i∈I
Hi
é um subgrupo de G. De fato, é claro queM 6= ∅, pois e ∈ Hi, para todo
i ∈ I. Dados a, b ∈M , existem i, j ∈ I tais que a ∈ Hi e b ∈ Hj. Como C
é uma cadeia temos que Hi ⊆ Hj ou Hj ⊆ Hi, digamos Hi ⊆ Hj. Logo,
a, b ∈ Hj e ab−1 ∈ Hj, pois Hi é um subgrupo de G. Portanto, ab−1 ∈M
e M é um subgrupo de G. É claro que M é uma cota superior de C.
Vamos provar que M ∈ F . De fato, dados a, b ∈ M , existem i, j ∈ I
tais que a ∈ Hi e b ∈ Hj. Como C é uma cadeia temos que Hi ⊆ Hj ou
Hj ⊆ Hi, digamos Hi ⊆ Hj. Logo, a, b ∈ Hj e ab = ba, pois Hi é um
subgrupo abeliano de G.
Finalmente, pelo Lema de Zorn, M é um elemento maximal de F . Por-
tanto, M é um subgrupo maximal abeliano de A.
12. Seja F a família de todos os ideais J em A, onde I ⊆ J e J 6= A. Então
F 6= ∅, pois I ∈ F . Dados J,K ∈ F , definimos
J ≤ K ⇔ J ⊆ K.
Logo, F é um poset. Seja C = {Ji : i ∈ Λ} uma cadeia qualquer de F .
Então
M =
[
i∈Λ
Ji
é um ideal em A. De fato, é claro que M 6= ∅, pois 0 ∈ Ji, para todo
i ∈ Λ. Dados a, b ∈ M , existem i, j ∈ Λ tais que a ∈ Ji e b ∈ Jj. Como
216 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
C é uma cadeia temos que Ji ⊆ Jj ou Jj ⊆ Ji, digamos Ji ⊆ Jj. Logo,
a, b ∈ Jj e a−b, ab ∈ Jj, pois Ji é um ideal em A. Portanto, a−b, ab ∈M
e M é um ideal em A. É claro que M é uma cota superior de C. Vamos
provar queM ∈ F . De fato, seM = A, então 1 ∈M . Logo, existe i ∈ Λ
tal que 1 ∈ Ji. Assim, Ji = A, o que é impossível.
Finalmente, pelo Lema de Zorn, M é um elemento maximal de F . Por-
tanto, M é um ideal maximal em A contendo I.
13. (a) Seja
F = {γ : γ é um conjunto de vetores LI de V e α ⊆ γ ⊆ β}.
Então F 6= ∅, pois α ∈ F . Dados γ, δ ∈ F , definimos
γ ≤ δ ⇔ γ ⊆ δ.
Logo, F é um poset. Sejam C qualquer cadeia de F e
L =
[
γ∈C
γ.
Vamos provar que L ∈ F . De fato, sejam u1, . . . ,un vetores distintos de
L e x1, . . . , xn escalares de K tais que
x1u1 + · · ·+ xnun = 0.
Como ui ∈ L temos que existe γi ∈ C tal que ui ∈ γi. Pelo Exemplo
4.18, existe γj, com 1 ≤ j ≤ n, tal que γi ≤ γj, para todo i = 1, . . . n.
Assim, u1, . . . ,vn ∈ γj. Portanto,
xi = · · · = xn = 0.
É claro que L é uma cota superior de C. Logo, pelo Lema de Zorn, F
contém um elemento maximal,digamos δ. Portanto, pelo Lema 4.29, δ
é uma base de V .
(b) Basta tomar β = V no item (a).
(c) Basta tomar α = ∅ no item (a).
4.3. PRINCÍPIO DA BOA ORDENAÇÃO 217
Seção 4.3
1. Basta provar que a função f : N × I → R+ definida como f(n, x) =
n+x−1 tem as propriedades desejadas. Note que qualquer elemento de
I ×N possui um sucessor imediato, enquanto R+ não.
2. Sejam A um poset não vazio qualquer e
F = {B ⊆ A : B é bem ordenado}.
Então F 6= ∅, pois {a} ∈ F , para todo a ∈ A. Dados C1, C2 ∈ F ,
definimos
C1 ≤ C2 ⇔ C1 ⊆ C2.
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F e
M =
[
C∈C
C.
Então prove que M ∈ F e use o Lema de Zorn.
3. Confira o Execício 2.
4. (a) Sejam X1, . . . , Xn ∈ F . Então, pela Lei de De Morgan,
A−
Ã
n\
i=1
Xi
!
=
Ã
n\
i=1
Xi
!0
=
n[
i=1
X 0i =
n[
i=1
(A−Xi)
é finito, pois cada A−Xi é finito. Logo,
n\
i=1
Xi ∈ F .
(b) Se X ∈ F e A ⊇ Y ⊇ X, então A − Y ⊆ A −X. Assim, A − Y é
finito, pois A−X é finito. Portanto, Y ∈ F .
(c) Como A− ∅ = A temos que ∅ /∈ F . Portanto, F é um filtro próprio
sobre o conjunto A.
218 CAPÍTULO 4. AXIOMA DA ESCOLHA E APLICAÇÕES
Finalmente, a família
A = {F : F é um filtro próprio sobre A}
é não vazia. Dados F1,F2 ∈ A, definimos
F1 ≤ F2 ⇔ F1 ⊆ F2.
Logo, A é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de A e
M =
[
F∈C
F .
Então prove que M ∈ A e use o Lema de Zorn.
Capítulo 5
Os Números Naturais
Com o objetivo de desenvolver a Matemática dentro da ferramenta da Teo-
ria dos Conjuntos, via método axiomática, construiremos, neste capítulo, um
conjunto de objetos, chamados “números naturais”, o qual será munido com
todas as propriedades que são associadas com os números naturais do nosso
pensamento.
Além disso, com o “axioma da infinidade” completaremos a Teoria A-
xiomática dos Conjuntos, segundo Zermelo, ou seja, são os axiomas apresen-
tados menos os axiomas ZF7 e ZF8.
A importância da construção dos números “conjuntos infinitos” é refletida
por frases como:
(. . . ) a conquista do infinito atual pode ser considerada uma expansão do
nosso horizonte científico não menos revolucionária do que o sistema Coper-
nicano ou do que a teoria da relatividade, ou mesmo da teoria quântica e da
física nuclear.(. . . )
A. A. Fraenkel, 1966.
Além disso, provaremos os axiomas de Peano para o conjunto dos números
naturais (Giuseppe Peano, 1858-1932, matemático italiano) como consequência
do axioma da infinidade.
Em bem pouco tempo estaremos aptos para enunciar o axioma da in-
finidade.
Finalmente, nas palavras de Kronecker (Leobold Kronecker, 1823-1891,
219
220 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
matemático alemão) Deus criou os “números naturais”. O resto é trabalho do
homem.
5.1 Os Números Naturais
Seja A um conjunto qualquer. O sucessor de A é definido como
A+ = A ∪ {A}.
Note que A+ é obtido por adjuntar a A um novo elemento, a saber, A. Assim,
um conjunto B é um sucessor se B = A ∪ {A}, para algum conjunto A.
Definimos
0 = ∅
1 = ∅ ∪ {∅} = {∅} = {0}
2 = {∅} ∪ {{∅}} = {∅, {∅}} = {0, 1}
3 = {∅, {∅}} ∪ {{∅, {∅}}} = {∅, {∅}, {∅, {∅}}} = {0, 1, 2}
... =
...
A ideia é simplesmente definir um número natural como o conjunto de todos
os números naturais menores, isto é,
n = {0, 1, 2, . . . , n− 1}.
Mas essa definição ainda é deficiente. Por isso, vamos obter uma definição
mais precisa, devida a von Neumann.
Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A é um conjunto indutivo ou
um conjunto sucessor se ele satisfaz as seguintes condições:
1. ∅ ∈ A.
2. Se x ∈ A, então x+ ∈ A.
ZF9 - Axioma da infinidade. Existe um conjunto indutivo, ou seja,
∃ A [∅ ∈ A e ∀ x ∈ A [x+ ∈ A]].
5.1. OS NÚMEROS NATURAIS 221
Observação 5.1 O axioma ZF9 garante a existência do conjunto vazio ∅.
Portanto, se ∅ = 0 for um conjunto, então, pelo axioma ZF5,
n+ = n ∪ {n} = {0, 1, 2, . . . , n− 1, n}
(n+)+ = n+ ∪ {n+} = {0, 1, 2, . . . , n− 1, n, n+}
...
são conjuntos. Além disso, é claro que qualquer conjunto indutivo contém os
nossos números naturais, os quais são construídos a partir do conjunto vazio.
Seja {Ai}i∈I uma família de conjuntos indutivos. Então
A =
\
i∈I
Ai
é um conjunto indutivo. De fato, 0 ∈ A, pois 0 ∈ Ai, para todo i ∈ I. Se
x ∈ A, então x ∈ Ai, para todo i ∈ I. Assim, x+ ∈ Ai, para todo i ∈ I.
Portanto, x+ ∈ A. Neste caso, A é o maior conjunto indutivo contido em cada
Ai. Em particular, seja F a família de todos os conjuntos indutíveis. Então
B =
\
A∈F
A
é um conjunto indutivo. Seja C qualquer conjunto indutivo. Então C ∈ F e
B ⊆ C. Portanto, B é o menor conjunto indutivo.
O conjunto de todos os números naturais (formais) é definido como a in-
terseção de todos os conjuntos indutivos e será denotado por ω.
Observação 5.2
1. Note que ω é definido como um elemento do conjunto recorrente minimal,
pois qualquer conjunto indutivo contém ω. Neste caso,
ω = {n : n ∈ A, para qualquer conjunto indutivo A}.
2. A notação dos números naturais por ω é para diferenciar do nosso núme-
ros naturais N construído via axiomas de Peano.
222 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
3. Qualquer elemento de ω chama-se um número natural. Neste caso, cada
número natural de ω é igual a:
n = {0, 1, 2, . . . , n− 1}.
Além disso, pelo axioma ZF9, existe um conjunto indutivo A e, por
definição, ω ⊆ A. Assim, pelo axioma ZF4, ω é um conjunto. Portanto,
qualquer número natural é um conjunto.
Teorema 5.3 n+ 6= 0, para todo n ∈ ω.
Prova. Como n+ = n ∪ {n}, para todo n ∈ ω, temos que n ∈ n+, para todo
n ∈ ω. Portanto, n+ 6= 0, pois 0 é o conjunto vazio. ¥
Teorema 5.4 (Primeiro Princípio de Indução Finita) Seja S um sub-
conjunto de ω e suponhamos que S tenha as seguintes propriedades:
1. 0 ∈ S (base de indução).
2. Se n ∈ S, então n+ ∈ S. (PIF )
Então S = ω.
Prova. As condições (1) e (2) implicam que S é um conjunto indutivo. Logo,
por definição, ω ⊆ S. Portanto, S = ω. ¥
É de grande importância lembrar que o Princípio de Indução Finita é muito
útil para provar proposições que se referem ao conjunto ω.
Exemplo 5.5 Mostre que se n ∈ ω, então n = 0 ou n = k+, para algum
k ∈ ω, ou seja, qualquer número natural diferente de 0 possui um sucessor.
Solução. Seja
S = {n ∈ ω : n = 0 ou n = k+, para algum k ∈ ω}.
Então 0 ∈ S. Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é,
n ∈ S. Então
n+ = n ∪ {n} = k+ ∪ {k+} = (k+)+,
para algum k ∈ ω. Portanto, n+ ∈ S. Assim, pelo Princípio de Indução Finita,
S = ω. ¥
5.1. OS NÚMEROS NATURAIS 223
Lema 5.6 Sejam m,n ∈ ω. Se m ∈ n+, então m = n ou m ∈ n.
Prova. Se m ∈ n+, então, por definição, m ∈ n ou m ∈ {n}. Logo, m ∈ n ou
m = n. ¥
Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A é um conjunto transitivo se
X ⊆ A, para todo X ∈ A, isto é,
∀ X [X ∈ A⇒ X ⊆ A].
Neste caso, A é um conjunto transitivo se, e somente se,[
A = {x : x ∈ X, para algum X ∈ A} ⊆ A⇔ A ⊆ P(A).
Exemplo 5.7 3 = {0, 1, 2} é um conjunto transitivo, pois
0 = ∅ ⊆ 3, 1 = {∅} ⊆ 3 e 2 = {∅, {∅}} ⊆ 3.
Enquanto, A = {0, 1, 5} não é um conjunto transitivo, pois
4 ⊆ 5 e 5 ⊆ A, mas 4 * A.
Lema 5.8 Qualquer número natural n é um conjunto transitivo, ou seja, m ⊆
n, para todo m ∈ n.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : n é um conjunto transitivo}.
Então 0 ∈ S, pois se 0 não fosse um conjunto transitivo, então existiria y ∈ 0
tal que y 6⊂ 0, mas isto é impossível, uma vez que 0 = ∅. Agora, suponhamos
que n ∈ S. Então devemos provar que n+ ∈ S. Dado m ∈ n+, temos, pelo
Lema 5.6, que m ∈ n ou m = n. Se m ∈ n, então m ⊆ n e n ⊆ n+. Logo,
m ⊆ n+. Se m = n e n ⊆ n+, então m ⊆ n+. Portanto, n+ ∈ S. Assim, pelo
Princípio de Indução Finita, S = ω. ¥
Teorema 5.9 Sejam m,n ∈ ω. Se m+ = n+, então m = n. Em particular, a
função s : ω → ω definida como s(n) = n+ é injetora e s(ω) 6= ω.
224 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Prova. Suponhamos que m+ = n+. Então n ∈ m+ e m ∈ n+. Logo, pelo
Lema 5.6, temos duas possiblidades: [n ∈ m ou n = m] e [m ∈ n ou m = n].
Se m = n, nada há para ser provado. Se m 6= n, então n ∈ m e m ∈ n. Assim,
pelo Lema 5.8, n ⊆ m e m ⊆ n, isto é, m = n, o que é uma contradição. ¥
Teorema 5.10 (Axiomas de Peano)Seja ω o conjunto dos numeros natu-
rais. Então:
P1 - 0 ∈ ω.
P2 - Se n ∈ ω, então n+ ∈ ω.
P3- n+ 6= 0, para todo n ∈ ω.
P4 - Se S ⊆ ω é tal que
(a) 0 ∈ S (base de indução).
(b) n ∈ S ⇒ n+ ∈ S. (PIF )
Então S = ω.
P5 - Se m,n ∈ ω e m+ = n+, então m = n.
Prova. Fica como um exercício. ¥
Teorema 5.11 (Fórmula de Recorrência) Sejam A um conjunto qualquer,
c ∈ A fixado e g : A→ A uma função qualquer. Então existe uma única função
f : ω → A tal que as seguintes condições são satisfeitas:
1. f(0) = c. (base de recorrência)
2. f(n+) = g(f(n)), para todo n ∈ ω. (fórmula de recorrência)
Prova. (Existência) Primeiro note que f é um subconjunto de ω ×A com as
seguintes propriedades:
1. Para qualquer n ∈ ω, existe x ∈ A tal que (n, x) ∈ f .
5.1. OS NÚMEROS NATURAIS 225
2. Se (n, x1) ∈ f e (n, x2) ∈ f , então x1 = x2.
3. (0, c) ∈ f .
4. Se (n, x) ∈ f , então (n+, g(x)) ∈ f , para todo n ∈ ω.
Agora, construiremos um gráfico f com essas propriedades. Seja A o conjunto
de todos os subconjuntos G de ω ×A tais que
(0, c) ∈ G e (n, x) ∈ G⇒ (n+, g(x)) ∈ G, ∀ n ∈ ω.
Então A 6= ∅, pois ω ×A ∈ A. Seja
f =
\
G∈A
G.
Então é fácil verificar que f ∈ A. Por construção f satisfaz (3) e (4). Assim,
resta provar que f satisfaz (1) e (2).
(1) Pela propriedade (3), (0, c) ∈ f . Logo, 0 ∈ Dom(f). Suponhamos que
n ∈ Dom(f). Então existe x ∈ A tal que (n, x) ∈ f . Assim, pela propriedade
(4), (n+, g(x)) ∈ f , isto é, n+ ∈ Dom(f). Portanto, pelo Princípio de Indução
Finita, Dom(f) = ω.
(2) Seja S o conjunto de todos os n ∈ ω tal que (n, x1) ∈ f e (n, x2) ∈ f
implicam que x1 = x2 ou, equivalentemente, S é o conjunto de todos os n ∈ ω
tal que existe no máximo um x ∈ A, com (n, x) ∈ f . Vamos provar que S = ω.
Note que 0 ∈ S, pois se 0 /∈ S, então existe (0, d) ∈ f , com c 6= d, e o conjunto
f∗ = f − {(0, d)} ⊆ ω ×A
é um elemento de A, pois (0, c) ∈ f∗ e se (n, x) ∈ f∗, então (n, x) ∈ f
e (n+, g(x)) ∈ f . Como n+ 6= 0 temos que (n+, g(x)) 6= (0, d). Assim,
(n+, g(x)) ∈ f∗. Logo, f ⊆ f∗, o que é uma contradição. Portanto, 0 ∈ S.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n > 0, n ∈ S, isto é,
existe no máximo um x ∈ A, com (n, x) ∈ f e (n+, g(x)) ∈ f . Então n+ ∈ S,
pois se n+ /∈ S, então existe (n+, y) ∈ f , com y 6= g(x), e o conjunto
f0 = f − {(n+, y)} ⊆ ω ×X
226 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
é um elemento de A, pois (n+, y) 6= (0, c) implica que (0, c) ∈ f0 e se (m, z) ∈
f0, então (m, z) ∈ f e (m+, g(z)) ∈ f . Assim, há dois casos a serem conside-
rados:
1.o Caso. Se m+ 6= n+, então (n+, y) 6= (m+, g(z)). Logo, (m+, g(z)) ∈ f0.
2.o Caso. Se m+ = n+, então pelo Teorema 5.9, m = n. Assim, (n, z) =
(m, z). Logo, x = z, pois n ∈ S. Portanto,
(m+, g(z)) = (n+, g(x)) ∈ f0.
Logo, f ⊆ f0, o que é uma contradição. Portanto, pelo Princípio de Indução
Finita, S = ω.
(Unicidade) Sejam f1 outra função de ω em A satisfazendo as mesmas
condições de f e
T = {n ∈ ω : f(n) = f1(n)}.
Então f(0) = c = f1(0). Assim, 0 ∈ T . Agora, suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, isto é, n ∈ T . Então
f(n+) = g(f(n)) = g(f1(n)) = f1(n
+).
Assim, n+ ∈ T . Portanto, pelo Princípio de Indução Finita, T = ω, ou seja,
as funções f e f1 são iguais. ¥
Note que está Fórmula de Recorrência é um caso especial da Fórmula
de Recorrência de Dedekind, pois se F é o conjunto de todas as sequências
x : Sn+1 → A, para cada n ∈ ω, ou seja,
A = F =
[
n∈ω
ASn+1 ⊆ P(ω ×A),
e g : F → A é uma função qualquer. Então existe uma única função f : ω → A
tal que
∀ n ∈ ω [f(n+) = g(f |Sn+1) = g(fn+1)],
com fn+1 = (f(0), . . . , f(n)) e f(0) = g(∅) = c.
Corolário 5.12 Sejam g, c e f como na Fórmula de Recorrência. Se g for
injetora e c /∈ Im(g), então f é injetora.
5.1. OS NÚMEROS NATURAIS 227
Prova. Devemos provar que se dados m,n ∈ ω, f(m) = f(n), então m = n.
Para provar isso, vamos usar indução sobre m. Se m = 0 e n = 0, nada há
para ser provar. Se n 6= 0, então existe k ∈ ω tal que n = k+. Assim,
c = f(0) = f(m) = f(n) = f(k+) = g(f(k))⇒ c ∈ Im(g),
o que é impossível. Portanto, m = 0 = n.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum m ∈ ω. Seja f(m+) =
f(n). Se n = 0, então já vimos que f(m+) = f(0), o que é impossível. Assim,
n 6= 0 e existe k ∈ ω tal que n = k+. Logo,
g(f(m)) = f(m+) = f(n) = f(k+) = g(f(k))⇒ f(m) = f(k),
pois g é injetora. Portanto, pela hipótese de indução, m = k. Logo, m+ =
k+ = n. ¥
Observação 5.13 Sejam A um conjunto qualquer, h : ω×A→ A uma função
e ϕ : ω×A→ ω×A uma função definida como ϕ(n, a) = (n+, h(n, a)). Então,
pelo Teorema 5.11, existe uma única função g = (0, f) : ω → A tal que
1. g(0) = (0, a).
2. g(n+) = ϕ(g(n)), para todo n ∈ ω.
Portanto, existe uma única função, f : ω → A tal que
a. f(0) = a.
b. f(n+) = h(n, f(n)), para todo n ∈ ω.
Note que a definição de potência de um número real qualquer a ∈ R é
usualmente definida como:
1. a0 = 1.
2. an+1 = ana, para todo n ∈ ω.
228 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
As condições (1) e (2) significam que a0 = 1, a1 = a, a2 = aa etc. Esta
definição intuitiva é formalmente como segue: sejam R o conjunto de todos os
números reais, g : R → R uma função definida como g(x) = xa e c = 1 uma
constante real. Então, pelo Teorema 5.11, existe uma única função f : ω → R
definida como f(n) = an tal que
1. f(0) = 1.
2. f(n+) = g(f(n)), para todo n ∈ ω.
Outro exemplo, definindo g : R → R como g(x) = x2 e c = 2. Então, pelo
Teorema 5.11, existe uma única função f : ω → R tal que
1. f(0) = c = 2.
2. f(n+) = g(f(n)), para todo n ∈ ω. Neste caso,
f(1) = g(f(0)) = g(2) = 22, f(2) = 22
2
, . . . , f(n) = 22
n
, . . .
Exemplo 5.14 Sejam A um conjunto e g : A→ B uma função injetora, com
B ⊆ A. Mostre que A possui um subconjunto que está em correspondência
biunívoca com ω.
Solução. Como g é injetora temos, pelo Corolário 5.12, que existe uma única
função injetora f : ω → A. Pondo D = f(A), obtemos a função h : ω → D
definida como h(n) = f(n), com as propriedades desejadas. ¥
EXERCÍCIOS
1. Mostre que A é um conjunto transitivo se, e somente se, B ∈ C e C ∈ A
implica que B ∈ A.
2. Mostre que se A e B são conjuntos transitivos, então A∪B e A∩B são
conjuntos transitivos.
5.1. OS NÚMEROS NATURAIS 229
3. Sejam A e B dois conjuntos. Mostre que se A = B, então A+ = B+.
4. Mostre que n /∈ n, para todo n ∈ ω.
5. Dados m,n, p ∈ ω.
(a) Mostre que n 6= n+.
(b) Mostre que se m ∈ n, então n /∈ m.
(c) Mostre que se m ∈ n e n ∈ p, então m ∈ p.
(d) Se m ∈ n, então m+ ⊆ n.
6. Mostre que se A ∈ n e n ∈ ω, então A ∈ ω. Conclua que ω é um conjunto
transitivo.
7. Mostre que se A+ ∈ ω, então A ∈ ω.
8. Mostre que nenhum elemento de ω é um conjunto indutivo.
9. Mostre que nenhum elemento de ω é um subconjunto de qualquer de seus
elementos.
10. Sejam n ∈ ω. Mostre que n =
S
n+.
11. Sejam A um conjunto e h : A→ A uma função. Vamos definir hn como
h0 = IA e hn+1 = hn ◦h, para todo n ∈ ω. Mostre que hn é um elemento
unicamente determinado em AA, para todo n ∈ ω.
12. Seja g : Z→ Z a função definida como
g(n) =
(
n+ 1, se n < 0
n, se n ≥ 0.
Mostre que existem funções f : Z → Z tais que f(0) = 0 e f(n + 1) =
g(f(n)), para todo n ∈ Z. Por que isto ocorre?
13. Seja A um poset não vazio. Mostre que se A não possui elemento maxi-
mal, então A possui uma sequência estritamente crescente.
230 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
5.2 Aritmética dos Números Naturais
Veremos nesta seção uma das mais importantes aplicações da Fórmula de
Recorrência, que é o seu uso nas definições de adição, multiplicação e potenci-
ação de números naturais.
Seja m ∈ ω fixado. Então, pelo Teorema 5.11, existe uma única função
fm : ω → ω tal que
1. fm(0) = m.
2. fm(n+) = [fm(n)]+, para todo n ∈ ω.
Note que a função g : ω → ω é definida como g(x) = x+ e c = m.
Dados m,n ∈ ω, definimos a adição sobre ω como sendo
m+ n = fm(n).
Observe que + : ω × ω → ω é uma operação binária sobre ω. Assim, as
condições (1) e (2), podem ser reescritas como:
1. m+ 0 = m.
2. m+ n+ = (m+ n)+, para todo n ∈ ω.
Lema 5.15 n+ = 1 + n, em que 1 = 0+, para todo n ∈ ω. Concluaque se
n 6= 0, então existe um único k ∈ ω tal que n = k+. Neste caso, escreveremos
n = k + 1 e k = n− 1.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : n+ = 1 + n}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1), 0+ = 1 = 1 + 0. Suponhamos que o
resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então, pela condição (2),
1 + n+ = (1 + n)+ = (n+)+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω.
A última afirmação segue do Exemplo 5.5 ¥
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 231
Lema 5.16 0 + n = n, para todo n ∈ ω, ou seja, 0 é o elemento neutro da
adição sobre ω.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : n = 0 + n}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1), 0 = 0 + 0. Suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então, pela condição (2),
0 + n+ = (0 + n)+ = n+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.17 k + (m + n) = (k +m) + n, para todos k,m, n ∈ ω, ou seja, a
adição sobre ω é associativa.
Prova. Para dois k e m fixados, seja
S = {n ∈ ω : k + (m+ n) = (k +m) + n}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1),
k + (m+ 0) = k +m = (k +m) + 0.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2),
k + (m+ n+) = k + (m+ n)+ = (k + (m+ n))+
= ((k +m) + n)+ = (k +m) + n+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.18 m+ n = n+m, para todos m,n ∈ ω, ou seja, a adição sobre ω é
comutativa.
Prova. Para m fixado, seja
S = {n ∈ ω : m+ n = n+m}.
232 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1),
m+ 0 = m = m+ 0.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2) e os Lemas 5.15 e 5.17,
m+ n+ = (m+ n)+ = (n+m)+ = 1 + (n+m) = (1 + n) +m = n+ +m.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.19 Se k + n = m+ n, então k = m, para todos k,m, n ∈ ω, ou seja,
na adição sobre ω vale a lei do cancelamento.
Prova. Para k e m fixados, seja
S = {n ∈ ω : k + n = m+ n⇒ k = m}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1),
k + 0 = m+ 0⇒ k = m.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2) e o Teorema 5.9,
k + n+ = m+ n+ ⇒ (k + n)+ = (m+ n)+
⇒ k + n = m+ n
⇒ k = m.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Seja m ∈ ω fixado. Então, pelo Teorema 5.11, existe uma única função
fm : ω → ω tal que
1. fm(0) = 0.
2. fm(n+) = m+ fm(n), para todo n ∈ ω.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 233
Note que a função g : ω → ω é definida como g(x) = x+m e c = 0.
Dados m,n ∈ ω, definimos a multiplicação sobre ω como sendo
m • n = fm(n).
Observe que • : ω × ω → ω é uma operação binária sobre ω. Assim, as
condições (1) e (2), podem ser reescritas como
1. m • 0 = 0.
2. m • n+ = m+m • n, para todo n ∈ ω.
Com o objetivo de simplificar a notação usaremos mn ao invés de m • n.
Lema 5.20 0 · n = 0, para todo n ∈ ω.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : 0 · n = 0}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1), 0 · 0 = 0. Suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então, pela condição (2) e o Lema
5.16,
0n+ = 0 + 0n = 0n = 0.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.21 1n = n, para todo n ∈ ω, ou seja, 1 é o elemento neutro da
multiplicação sobre ω.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : 1n = n}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1), 1 · 0 = 0. Suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então, pela condição (2),
1n+ = 1n+ 1 = n+ 1 = n+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
234 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Lema 5.22 Dados k,m, n ∈ ω.
1. k(m+ n) = km+ kn.
2. (k +m)n = kn+mn.
Ou seja, a adição e multiplicação sobre ω são distributivas.
Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para dois k e m fixados, seja
S = {n ∈ ω : k(m+ n) = km+ kn}.
Então 0 ∈ S, pois pelo Lema 5.16 e a condição (1),
k(m+ 0) = km = km+ 0 = km+ k0.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2) e os Lemas 5.17 e 5.18,
k(m+ n+) = k(m+ n)+ = k + k(m+ n) = k + (km+ kn)
= (k + km) + kn = (km+ k) + kn
= km+ (k + kn)
= km+ kn+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.23 k(mn) = (km)n, para todos k,m, n ∈ ω, ou seja, a multiplicação
sobre ω é associativa.
Prova. Para dois k e m fixados, seja
S = {n ∈ ω : k(mn) = (km)n}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1),
k(m0) = 0 = (km)0.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 235
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2) e o Lema 5.22,
k(mn+) = k(m+mn) = km+ k(mn)
= km+ (km)n = km(1 + n)
= (km)n+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.24 mn = nm, para todos m,n ∈ ω, ou seja, a multiplicação sobre ω
é comutativa.
Prova. Para m fixado, seja
S = {n ∈ ω : mn = nm}.
Então 0 ∈ S, pois pela condição (1),
m0 = 0 = 0m.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então,
pela condição (2) e os Lemas 5.21 e 5.22,
mn+ = m+mn = mn+m
= nm+ 1m = (n+ 1)m
= n+m.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Teorema 5.25 Para m,n ∈ ω, definimos
m ≤ n⇔ m ∈ n ou m = n⇔ m ∈ n+.
Então ≤ é uma relação de ordem sobre ω. Neste caso,
m < n⇔ m ∈ n.
Conclua que, n < n+, para todo n ∈ ω.
236 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Prova. Como m = m, para todo m ∈ ω, temos que m ≤ m. Dados m,n ∈ ω,
se m ≤ n e n ≤ m, então m = n ou (m ∈ n e n ∈ m). Assim, se m ∈ n e
n ∈ m, então m ⊆ n e n ⊆ m. Logo, m = n.
Finalmente, dados m,n, p ∈ ω, se m ≤ n e n ≤ p, então [m = n ou m ∈ n]
e [n = p ou n ∈ p]. Assim, há quatro possibilidades a serem considerados:
1.o Possibilidade. Se m = n e n = p, então m = p.
2.o Possibilidade. Se m = n e n ∈ p, então m ∈ p.
3.o Possibilidade. Se m ∈ n e n = p, então m ∈ p.
4.o Possibilidade. Se m ∈ n e n ∈ p, então m ∈ n e n ⊆ p. Assim, m ∈ p.
Portanto, em qualquer possibilidade, m ≤ p, ou seja, ≤ é uma relação de
ordem sobre ω. ¥
Lema 5.26 Se n ∈ ω, então n ≥ 0, ou seja, 0 é o menor elemento de ω.
Prova. Seja
S = {n ∈ ω : n ≥ 0}.
Então 0 ∈ S, pois 0 = 0. Suponhamos que o resultado seja válido para algum
n, isto é, n ∈ S. Então
n ∈ n+ ⇒ 0 ≤ n ≤ n+.
Portanto, n+ ∈ S e S = ω. ¥
Lema 5.27 Dados m,n ∈ ω.
1. m < n+ se, e somente se, m ≤ n.
2. m+ ≤ n se, e somente se, m < n.
Prova. Vamos provar apenas o item (2). Para m fixado, seja
S = {n ∈ ω : m < n⇒ m+ ≤ n}.
Então 0 ∈ S, pois 0 é o menor elemento de ω. Suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Se m < n+, então m ∈ n+. Logo, pelo
Lema 5.6, m ∈ n ou m = n. Se m = n, então m+ = n+ e n+ ∈ S. Se m ∈ n,
então m < n. Logo, n+ ∈ S, pois m+ ≤ n < n+. Portanto, S = ω. ¥
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 237
Teorema 5.28 (Princípio da Boa Ordenação) ω é um conjunto bem or-
denado.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que ω contenha um subconjunto A dife-
rente do vazio sem menor elemento. Seja
S = {n ∈ ω : n ≤ m, ∀ m ∈ A}.
Então, pelo Lema 5.26, 0 ∈ S. Suponhamos que o resultado seja válido para
algum n, isto é, n ∈ S. Se n = k, para algum k ∈ A, então k seria o menor
elemento de A, que é uma contradição. Assim, n < m, para todo m ∈ A.
Logo, pelo Lema 5.27, n+ ≤ m, para todo m ∈ A, ou seja, n+ ∈ S. Portanto,
S = ω. Como S ∩ A = ∅, pois A não contém menor elemento, temos que
A = ∅, o que é uma contradição. ¥
Exemplo 5.29 (Princípio Maximal) Mostre que se um subconjunto não
vazio B de ω possui uma cota superior, então ele possui um maior elemento.
Solução. Sejam
S = {k ∈ ω : k é uma cota superior de B}
e b ∈ ω uma cota superior de B. Então S 6= ∅, pois b ∈ S Assim, pelo
Teorema 5.28, S contém um menor elemento, digamos n ∈ S. Neste caso, é
fácil verificar que n = sup(B) ∈ ω.
Afirmação. n ∈ B.
De fato, suponhamos, por absurdo, que n /∈ B. Então m < n, para todo
m ∈ B. Logo, n 6= 0, pois B 6= ∅, e pelo Exemplo 5.5, n = k+ = k + 1, para
algum k ∈ ω. Assim, pelo Lema 5.27, k ≥ m, para todo m ∈ B. Portanto,
k ∈ S é uma cota superior de B, com k < n, o que contradiz a minimalidade
de n. ¥
No exemplo a seguir introduzimos um método de resolução conhecido como
prova pelo contraexemplo minimal.
Exemplo 5.30 Sejam a, b ∈ ω, com b > 0. Mostre que existe n ∈ ω tal que
nb > a.
238 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Solução. Suponhamos, por absurdo, que nb ≤ a, para todo n ∈ ω. Seja
S = {a− kb : k ∈ ω} ⊆ ω.
Então S 6= ∅. Assim, pelo Teorema 5.28, S contémum menor elemento,
digamos c ∈ S. Logo, c ≤ a− nb, para todo n ∈ ω. Portanto,
c− b ≤ (a−mb)− b = a− (m+ 1)b, ∀ m ∈ ω,
o que é uma contradição, pois c − b ∈ S, com c − b < c. Este exemplo pode
ser provado usando o Exemplo 5.29. ¥
Teorema 5.31 (Segundo Princípio de Indução Finita) Seja P (n) uma
afirmação, para cada n ∈ ω, que goza das seguintes propriedades:
1. P (0) é vedadeira (Base de indução).
2. Se P (k) é verdadeira para cada k, com 0 ≤ k ≤ n, então P (n + 1) é
verdadeira. (PIF )
Então P (n) é verdadeira, para todo n ∈ ω.
Prova. Seja o conjunto
S = {k ∈ ω : P (k) é falsa}.
Suponhamos, por absurdo, que S 6= ∅. Logo, pelo Teorema 5.28, S contém um
menor elemento, digamos n ∈ S. Como P (k) é verdadeira para cada k, com
0 ≤ k ≤ n − 1, temos, pela condição PIT , que P (n) é verdadeira, ou seja,
n /∈ S. o que é contradição. Portanto, P (n) é verdadeira, para todo x ∈ ω. ¥
Exemplo 5.32 Mostre que as seguintes condições são equivalentes:
1. O princípio da boa ordenação;
2. O princípio maximal;
3. O segundo princípio de indução finita.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 239
Solução. (1⇒ 2) Já foi provada no Exemplo 5.29.
(2 ⇒ 3) Seja P (n) uma afirmação, para cada n ∈ ω. Suponhamos que
P (k) seja verdadeira para cada k, com k < n, implica que P (n) seja verdadeira
Agora, vamos supor, por absurdo, que exista m ∈ ω tal que P (m) seja falsa.
Consideremos o conjunto
S = {t ∈ ω : P (k) seja verdadeira para todo n tal que 0 ≤ n ≤ t}.
Então m é uma cota superior de S, pois se m ≤ k, então k /∈ S. Assim, S
contém um maior elemento, digamos s0 ∈ S. Logo, P (k) é verdadeira para
todo k, com 0 ≤ k ≤ s0. Pela condição PIT , temos que P (s0 + 1) é também
verdadeira. Portanto, s0 + 1 ∈ S, o que contradiz o fato de s0 ser o maior
elemento de S.
(3⇒ 1) Suponhamos que S seja um subconjunto de ω sem menor elemento.
Consideremos a afirmação P (n):
s /∈ S, para todo s ∈ ω tal que 0 ≤ s ≤ n.
Então P (0) é verdadeira, isto é, 0 /∈ S. Caso contrário, 0 seria o menor ele-
mento de S, o que é impossível. Agora, suponhamos que P (k) seja verdadeira
para cada k, com 0 ≤ k ≤ n. Então n + 1 /∈ S, pois se n + 1 ∈ S, então
s /∈ S, para todo s, com 0 ≤ s ≤ n, e n + 1 seria o menor elemento de S, o
que é impossível. Portanto, P (n + 1) é verdadeira. Consequentemente, P (n)
é verdadeira, para todo n ∈ ω. Em particular, n /∈ S, para todo n ∈ ω. Logo,
S = ∅. ¥
Seja m ∈ ω fixado. Então, pelo Teorema 5.11, existe uma única função
fm : ω → ω tal que
1. fm(0) = 1.
2. fm(n+) = fm(n)m, para todo n ∈ ω.
Note que a função g : ω → ω é definida como g(x) = xm e c = 1.
Dados m,n ∈ ω, definimos a potenciação sobre ω como sendo
mn = fm(n).
Assim, as condições (1) e (2), podem ser reescritas como
240 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
1. m0 = 1.
2. mn
+
= mn+1 = mnm, para todo n ∈ ω.
Lema 5.33 Sejam m,n, p ∈ ω. Então:
1. mnmp = mn+p.
2. (mn)p = mpnp.
3. (mn)p = mnp.
Prova. Vamos provar apenas o item (1). Para dois m e n fixados, seja
S = {p ∈ ω : mnmp = mn+p}.
Então 0 ∈ S. Suponhamos que o resultado seja válido para algum p, isto é,
p ∈ S. Então, pela condição (2),
mn+p
+
= mn+p+1 = mn+pm = (mnmp)m
= mn(mpm) = mnmp+1 = mnmp
+
.
Portanto, p+ ∈ S e S = ω. ¥
Agora, vamos fazer mais uma aplicação da Fórmula de Recorrência. Ob-
serve, pelo Teorema 2.18, que ω × ω é um conjunto, pois ω é um conjunto.
Consideremos a função g : ω × ω → ω × ω definida como
g(m,n) =
(
(0,m+ 1), se n = 0
(m+ 1, n− 1), se n > 0
Então g é injetora e (0, 0) /∈ Im(g), pois dados (m,n), (p, q) ∈ ω × ω, se
g(m,n) = g(p, q) = (r, s),
então há dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se r = 0, então, por definição, n = 0 = q. Logo,
(0, s) = g(m, 0) = (0,m+ 1) e (0, s) = g(p, 0) = (0, p+ 1)
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 241
Assim, s = m+ 1 e s = p+ 1, ou seja m = p.
2.o Caso. Se r > 0, então
(r, s) = g(m,n) = (m+ 1, n− 1) e (r, s) = g(p, q) = (p+ 1, q − 1)
Assim, r = m+ 1 e r = p+ 1; s = n− 1 e s = q − 1, ou seja, m = p e n = q.
Portanto, em qualquer caso, (m,n) = (p, q). Logo, pelo Corolário 5.12,
existe uma única função injetora f : ω → ω × ω tal que
1. f(0) = (0, 0).
2. f(n+) = f(n+ 1) = g(f(n)), para todo n ∈ ω.
Afirmação. A função f é sobrejetora.
De fato, dado (p, q) ∈ ω × ω, vamos usar indução sobre p+ q para provar que
existe n ∈ ω tal que
f(n) = (p, q).
Se p + q = 0, então p = q = 0 e f(0) = (0, 0). Suponhamos que o resultado
seja válido para todo k, com 0 ≤ k < p + q e p + q = r+ = r + 1. Então há
dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se p = 0, então, pela primeira sentença da definição, obtemos
(p, q) = (0, q) = (0, (q − 1) + 1) = g(q − 1, 0).
Logo, pela hipótese de indução, existem ∈ ω tal que f(m) = (q−1, 0). Assim,
(p, q) = g(q − 1, 0) = g(f(m)) = f(m+) = f(m+ 1).
2.o Caso.Se p > 0, então, pela segunda sentença da definição, obtemos
(p, q) = g(p− 1, q + 1)
Logo, pela hipótese de indução, existe n ∈ ω tal que f(n) = (p + q − 1, 0).
Assim,
f(n+ 1) = g(f(n)) = g(p+ q − 1, 0) = (0, p+ q)
f(n+ 2) = g(f(n+ 1)) = g(0, p+ q) = (1, p+ q − 1)
...
f(n+ p+ 1) = g(f(n+ p)) = g(p− 1, q + 1) = (p, q).
242 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Portanto, em qualquer caso, dado (p, q) ∈ ω × ω, existe k ∈ ω tal que f(k) =
(p, q), ou seja, f é uma função sobrejetora.
Neste caso, f é uma função bijetora e obtemos uma boa ordenação para
ω × ω;
∀ m,n ∈ ω [m ≤ n⇔ f(m) ≤ f(n)].
Explicitamente,
{(0, 0), (0, 1), (1, 0), (0, 2), (1, 1), (2, 0), (0, 3), . . .},
pois
0 ≤ 1⇒ (0, 0) = f(0) ≤ f(1) = g(f(0)) = g(0, 0) = (0, 1), . . .
Observe, pelo Exemplo 4.34, que a função f : Z→ ω definida como
f(n) =
(
2n− 1, n > 0
−2n, n ≤ 0
é bijetora. Portanto, pelo axioma ZF7, Z é um conjunto.
Finalmente, como qualquer número racional r ∈ Q pode ser escrito sob a
forma
r =
m
n
, onde m,n ∈ Z, com n 6= 0,
temos que a função f : Z× Z∗ → Q definida como
f(m,n) =
m
n
é claramente sobrejetora. Portanto, pelo axioma ZF7, Q é um conjunto.
No próximo capítulo provaremos que existe uma correspondência biunívoca
entre 2ω e R. Portanto, pelos axiomas ZF6 e ZF7, os números reais R é um
conjunto. Neste caso, os números complexos C é um conjunto, pois R × R é
um conjunto.
Finalizaremos esta seção apresentando uma segunda prova do teorema de
Cantor-Schröder-Bernstein usando o conjunto dos números naturais ω, cuja
existência é garantida pelo axioma da infinidade ZF9.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 243
Teorema 5.34 (Teorema de Cantor-Schröder-Bernstein) Sejam A e B
conjuntos quaisquer. Se existem funções injetoras f : A → B e g : B → A,
então existe uma função bijetora de A sobre B.
Prova. Para cada n ∈ ω fixado, definimos hn : A→ A como
hn = (g ◦ f)n,
Observe que h0 = IA. Como g e f são injetoras temos, indutivamente, que hn
também o é, para todo n ∈ ω.
Consideremos o subconjunto X de A definido como
X = {x ∈ A : h−1n (x) /∈ Im(g), para algum n ∈ ω}
Note que se x /∈ Im(g), então, pondo n = 0, obtemos
h−10 (x) = x /∈ Im(g),
ou seja, x ∈ X. Reciprocamente, se x /∈ X, então x ∈ Im(g). Neste caso,
x /∈ X ⇔ x ∈ Im(g).
Por outro lado, dado y ∈ B, se g(y) ∈ X, então y ∈ Im(f) e f−1(y) ∈ X,
pois se g(y) ∈ X, então existe n ∈ ω tal que
h−1n (g(y)) /∈ Im(g).
É claro que n 6= 0. Neste caso,
h−1n (g(y)) = [h
−1
n−1(g(y)) ◦ (g ◦ f)−1](g(y))
= h−1n−1(f
−1(g−1(g(y))))
= h−1n−1(f
−1(y)).
Logo,
h−1n−1(f
−1(y)) /∈ Im(g).
Portanto,
f−1(y) ∈ X.
244 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Agora, vamos provar que a função h : A→ B definida como
h(x) =
(
f(x), se x ∈ X
g−1(x), se x /∈ X.
possui as propriedades desejadas
Note que h está bem definida, pois g é injetora e se x /∈ X, então x ∈ Im(g).
Dados x, y ∈ A, temos as seguintes possibilidades:
1.a Possibilidade. Se x, y ∈ X e h(x) = h(y), então f(x) = f(y). Logo,
x = y, pois f é injetora.
2.a Possibilidade. Se x, y /∈ X e h(x) = h(y), então
g−1(x) = g−1(y).
Assim, x = y, pois g é injetora.
3.a Possibilidade. Se x ∈ X, y /∈ X e h(x) = h(y), então
f(x) = g−1(y).
Logo,
x = (f−1 ◦ g−1)(y) = h−11 (y).
Como x ∈ X temos que existe n ∈ ω tal que h−1n (x) /∈Im(g). Assim,
h−1n (h
−1
1 (y)) /∈ Im(g),
ou seja, h−1n+1(y) /∈ Im(g). Isto implica que y ∈ X, o que é impossível. Portanto,
em qualquer possibilidade, h é injetora.
Finalmente, dado y ∈ B, se g(y) /∈ X, então
h(g(y) = g−1(g((y)) = y.
Se g(y) ∈ X, então
h(g(y) = f(g((y))⇒ f−1(y) ∈ X.
Logo,
h(f−1(y)) = (f ◦ f−1)(y) = y.
Portanto, h é sobrejetora. ¥
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 245
EXERCÍCIOS
1. Dados m,n, p ∈ ω.
(a) Mostre que se m = n, então m+ p = n+ p.
(b) Mostre que se m = n, então mp = np.
2. Dado n ∈ ω.
(a) Mostre que se n < 1, então n = 0.
(b) Mostre que não existe p ∈ ω tal que n < p < p+.
3. Dados m,n, p ∈ ω.
(a) Mostre que se m < n, então m+ p < n+ p.
(b) Mostre que se m+ n = m+ p, então n = p.
(c) Mostre que se m+ n 6= 0, então m 6= 0 e n 6= 0.
4. Dados m,n, p ∈ ω.
(a) Mostre que se m < n e p 6= 0, então mp < np.
(b) Mostre que se mp = np e p 6= 0, então m = n.
(c) Mostre que se mn 6= 0, então m 6= 0 e n 6= 0.
5. Dado n ∈ ω. Mostre que
n = {m ∈ ω : m < n} = Sn.
6. Dadosm,n ∈ ω. Mostre que exatamente uma e apenas uma das condições
pode ocorrer:
m < n ou m = n ou m > n (Lei da Tricotomia).
246 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
7. Dados m,n ∈ ω. Mostre que m ≤ n se, e somente se, existe um único
k ∈ ω tal que m + k = n. Neste caso, k = n−m chama-se a diferença
entre n e m.
8. Dados m,n, p ∈ ω.
(a) Mostre que se m+ p < n+ p, então m < n.
(b) Mostre que se mp < np e p 6= 0, então m < n.
9. Mostre que para quaisquer a, b ∈ ω, com b > 0, existem únicos q, r ∈ ω
tais que
a = qb+ r, com 0 ≤ r < b.
10. Mostre que não existe f : ω → ω tal que f(n+) ∈ f(n), para todo n ∈ ω.
11. Mostre que a função f : ω × ω → ω definida como
f(m,n) = m+
1
2
(m+ n)(m+ n+ 1).
é bijetora.
Respostas e/ou Soluções
Seção 5.1
1. Suponhamos que A seja um conjunto transitivo. Então C ⊆ A, para
todo C ∈ A. Como B ∈ C e C ⊆ A temos que B ∈ A. Reciprocamente,
dado X ∈ A, se a ∈ X, então a ∈ A. Logo, X ⊆ A. Portanto, A é um
conjunto trasitivo.
2. Sejam X ∈ Y e Y ∈ A ∪ B. Então [X ∈ Y e Y ∈ A] ou [X ∈ Y e
Y ∈ B]. Logo, por hipótese, Y ∈ A ou Y ∈ B. Assim, X ∈ A ∪ B.
Portanto, pelo Exercício 1, A ∪B é um conjunto transitivo.
3. Como A = B temos que
A+ = A ∪ {A} = B ∪ {B} = B+.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 247
4. Seja S = {n ∈ ω : n /∈ n}. Então 0 ∈ S, pois 0 /∈ 0 = ∅. Suponhamos
que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então n+ /∈ n+,
pois se n+ ∈ n+, então n+ ∈ n ou n+ = n implica que n ∈ n, o que é
impossível. Portanto, n+ ∈ S. Assim, pelo Princípio de Indução Finita,
S = ω.
5. (a) Se n = n+, então n ∈ n, o que é impossível pelo Exercício 4. Portanto,
n 6= n+, para todo n ∈ ω.
(b) Se m ∈ n, então m ∈ n+ 6= n. Logo, n /∈ m.
(c) Pelo Lema 5.8, p é um conjunto transitivo. Assim, pelo Exercício 1,
m ∈ p.
(d) Se m ∈ n, então m ⊆ n, pois n é um conjunto transitivo. Portanto,
m+ = m ∪ {m} ⊆ n.
6. Seja
S = {n ∈ ω : A ∈ n⇒ A ∈ ω}.
Então 0 ∈ S, pois A ∈ ∅ ∈ ω implica que A ∈ ω, desde que A ∈ ∅ é
impossível. Suponhamos que o resultado seja válido para algum n, isto
é, n ∈ S. Então A ∈ n+ = n ∪ {n}. Assim, A ∈ n ou A = n implica
que A ∈ ω Portanto, n+ ∈ S. Assim, pelo Princípio de Indução Finita,
S = ω. Consequentemente, ω é um conjunto transitivo.
7. Como A ∈ A+ e A+ ∈ ω temos, pelo Exercício 6, que A ∈ ω.
8. Suponhamos, por absurdo, que n ∈ ω seja um conjunto indutivo. Então,
por definição, ω ⊆ n. Portanto, n = ω, o que é impossível.
9. Seja n ∈ ω. Então
n = {0, 1, . . . , n− 1}.
Assim, se m ∈ n e n ⊆ m, então m ∈ m, o que é impossível.
10. Como n é um conjunto transitivo temos que[
n = {k : k ∈ m, para algum m ∈ n} ⊆ n.
248 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Portanto, [
n+ =
[
[n ∪ {n}]
=
h[
n
i
∪
h[
{n}
i
=
h[
n
i
∪ n
= n.
Note que
ω =
[
n =
[³[
n+
´
=
[
ω.
11. Sejam IA ∈ AA e g : AA → AA uma função definida como g(h)(x) = h(x).
Então, pelo Teorema 5.11, existe uma única função f : ω → AA definida
como f(n) = hn tal que f(0) = IA e f(n+) = g(f(n)), para todo n ∈ ω.
Portanto, hn é um elemento unicamente determinado em AA, para todo
n ∈ ω, com as propriedades desejadas.
12. As funções f : Z→ Z definidas como
f(n+ 1) =
(
f(n) + 1, se f(n) < 0
f(n), se f(n) ≥ 0
são tais que f(0) = 0 e f(n + 1) = g(f(n)), para todo n ∈ Z. Em
particular, para cada a ∈ Z fixado, com a ≤ 1, consideremos
fa(n) =
(
n+ a, se n < a
0, se n ≥ a
Isto ocorre pois Z não é um conjunto bem ordenado com a ordem usual.
13. Primeiro lembramos que uma sequência estritamente crescente em A é
uma função f : ω → A tal que
∀ m,n ∈ ω [m < n⇒ f(m) < f(n)].
Vamos denotar f(n) = xn e usar indução sobre n. ComoA 6= ∅ temos que
ele contém um elemento, digamos x0 ∈ A. Suponhamos que o resultado
seja válido para algum n, ou seja,
x0 < x1 < x2 < · · · < xn.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 249
Consideremos o conjunto
An = {x ∈ A : x > xn}.
Então An 6= ∅, pois caso contrário xn seria o elemento maximal de A, o
que uma contradição. Assim, An contém um elemento, digamos xn+1 ∈
An, e
x0 < x1 < x2 < · · · < xn < xn+1.
Portanto, indutivamente, obtemos uma sequência crescente
S0 = {x0}, S1 = {x0, x1}, . . . , Sn = {x0, x1, . . . , xn+1}, . . .
Finalmente, pondo
f =
[
n∈ω
Sn = {xn}n∈ω
temos a sequência em A estritamente crescente:
x0 < x1 < x2 < · · · < xn < · · ·
Seção 5.2
1. Vamos provar apenas o item (a). Para dois m e n fixados, seja
S = {p ∈ ω : m+ p = n+ p}.
Então 0 ∈ S. Suponhamos que o resultado seja válido para algum p, isto
é, p ∈ S.
m+ p+ = m+ (p+ 1)
= (m+ p) + 1
= (n+ p) + 1
= n+ (p+ 1)
= n+ p+.
Portanto, p+ ∈ S e S = ω.
250 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
2. Confira o Lema 5.27.
3. Vamos provar apenas o item (b). Suponhamos, por absurdo, que n 6= p.
Então n < p ou n > p. Se n < p, então pelo item (a) m + n < m + p,
para todo m ∈ ω, o que é impossível. Se n > p, então pelo item (a)
m+ n > m+ p, para todo m ∈ ω, o que é impossível. Portanto, n = p.
4. Vamos provar apenas o item (a). Para dois m e n fixados, consideremos
a afirmação P (p):
m < n⇒ mp < np, para cada p ∈ ω, com p 6= 0.
Então P (1) é verdadeira, pois
m · 1 = m < n = n · 1.
Suponhamos que a afirmação P (p) seja verdadeira. Então, pelo item (a)
do Exercício 3,
mp+ = m(p+ 1)
= mp+m
< mp+ n
< np+ n
= n(p+ 1)
= np+.
Logo, P (p+) é verdadeira. Portanto, P (p) é verdadeira, para todo p ∈ ω.
Note que podemos usar este resultado para provar que o conjunto
S = {n ∈ ω : 0 < n < 1}
é vazio. De fato, se S 6= ∅, então, pelo Teorema 5.28, S contém um
menor elemento, digamos n0 ∈ S. Assim,
0 < n0 < 1⇒ 0 < n20 < n0 < 1.
Logo, n20 ∈ S, o que contradiz a minimalidade de n0. Portanto, S = ∅.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 251
5. Seja m ∈ n. Então m ∈ ω, pois ω é transitivo. Logo, m < n e m ∈ Sn,
ou seja, n ⊆ Sn. Por outro lado, sem ∈ Sn, entãom < n. Assim, m ∈ n,
ou seja, Sn ⊆ n. Portanto,
Sn = {m ∈ ω : m < n} = n.
6. Para m fixado, seja S o conjunto dos elementos n em ω tais que pelo
menos uma das condições
m < n ou m = n ou m > n
seja verdadeira. Então 0 ∈ S, pois 0 é o menor elemento de ω. Supon-
hamos que o resultado seja válido para algum n, isto é, n ∈ S. Então
m ≤ n ou m > n. Se m ≤ n, então m < n+. Se m > n, então, pelo item
(2) do Lema 5.27, n+ ≤ m. Assim, em qualquer caso, n+ ∈ S. Portanto,
S = ω.
Agora, vamos provar que ocorre exatamente uma das três condições. Se
m < n e m = n, então m ∈ n e m = n. Logo, n ∈ n, o que é impossível.
De modo análogo, prova-se as outras possibilidades.
7. (Existência) Para n fixado, consideremos o conjunto
S = {m ∈ ω : m ≤ n⇒ n = m+ p, para algum p ∈ ω}.
Então 0 ∈ S. Suponhamos que o resultado seja válido para algumm, isto
é, m ∈ S. Se m+ ≤ n, então m < n. Assim, pelo item (b) do Exercício
3 e a hipótese de indução, n = m+ k+, para algum k ∈ ω. Logo,
n = m+ k+ = (m+ k)+ = m+ + k.
Portanto, m+ ∈ S e S = ω.
(Unicidade) Segue do item (b) do Exercício 3.
Reciprocamente, basta provar que m ≤ m + k, para todos k,m ∈ ω.
Para m fixado, consideremos o conjunto
S = {k ∈ ω : m ≤ m+ k}.
252 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROSNATURAIS
Então 0 ∈ S, pois m = m+ 0. Suponhamos que o resultado seja válido
para algum k, isto é, k ∈ S. Então
m ≤ m+ k ≤ (m+ k)+ = m+ k+.
Portanto, k+ ∈ S e S = ω.
8. Vamos provar apenas o item (b). Suponhamos, por absurdo, que m ≥ n.
Então m = n ou m > n. Se m = n, então, pelo item (b) do Exercício 1,
pm = pn, para todo p ∈ ω, com p 6= 0, o que é impossível. Se m > n,
então, pelo item (a) do Exercício 4, pm > pn, para todo p ∈ ω, com
p 6= 0, o que é impossível. Portanto, m < n.
9. Consideremos o conjunto
S = {t ∈ ω : tb ≤ a} ⊆ ω.
Então S 6= ∅, pois 0 ∈ S, Note que a é uma cota superior de S, pois
t ≤ tb, para todo t ∈ S. Assim, pelo Exemplo 5.29, S contém um maior
elemento, digamos q ∈ S. Logo,
qb ≤ a < (q + 1)b.
Pondo r = a− qb, obtemos
0 ≤ r = a− qb < (q + 1)b− qb = b.
Agora, vamos provar que q e r são únicos. Sejam q0, r0 ∈ ω outro par.
Suponhamos, por absurdo, que r 6= r0, digamos r < r0. Como
a = qb+ r e a = q0b+ r0
temos que
0 < r0 − r = (q − q0)b.
Observe que q ≥ q0, pois b > 0. Se q > q0, então
b ≤ (q − q0)b.
5.2. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS NATURAIS 253
Logo,
b ≤ (q − q0)b = r0 − r < b− r ≤ b,
o que é impossível. Assim, q = q0 implica que r0 − r = 0, o que é uma
contradição. Portanto, r = r0 e q = q0.
10. Suponhamos, por absurdo, que exista uma tal função. Então o conjunto
T = f(ω) = {f(n) : n ∈ ω}
é não vazio. Assim, pelo Teorema 5.28, T contém um menor elemento,
digamos t0 = f(n0) ∈ T , para algum n0 ∈ ω. Portanto,
f(n+0 ) < f(n0) = t0,
o que contradiz a minimalidade de t0, pois f(n+0 ) ∈ T .
11. Note que dado q ∈ ω, podemos escolher p ∈ ω tal que
p(p+ 1)
2
≤ q < (p+ 1)(p+ 2)
2
.
Neste caso,
m = q − p(p+ 1)
2
∈ ω e n = (p+ 1)(p+ 2)
2
− (q + 1) ∈ ω.
Assim, dado q ∈ N, existe (m,n) ∈ ω × ω tal que f(m,n) = q, pois
m+ n = p e m+ n+ 1 = p+ 1.
Logo, f é sobrejetora. Agora, vamos provar que f é injetora. Dados
(k, l), (m,n) ∈ ω × ω, se (k, l) 6= (m,n), então há dois casos a serem
considerados:
1.o Caso. Se k + l = m+ n e k < m, então f(k, l) < f(m,n).
2.o Caso. Se k+ l < m+ n, então existe um único r ∈ ω, r > 0, tal que
m+ n = k + l + r. Observe, pelo primeiro caso, que
f(k, l) ≤ f(k + l, 0) e f(0,m+ n) ≤ f(m,n).
254 CAPÍTULO 5. OS NÚMEROS NATURAIS
Assim, basta provar que f(k + l, 0) < f(0,m+ n). De fato,
f(0,m+ n) =
1
2
(m+ n)(m+ n+ 1)
=
1
2
(k + l + r)(k + l + r + 1)
=
1
2
[(k + l)2 + (k + l)(2r + 1) + r(r + 1)]
>
1
2
[(k + l)2 + 3(k + l)]
= (k + l) +
1
2
(k + l)(k + l + 1)
= f(k + l, 0).
Portanto, em qualquer caso, f((k, l)) 6= f((m,n)), isto é, f é injetora.
Capítulo 6
Números Cardinais
A definição de Dedekind, de conjunto infinito, é usada na discussão de pro-
priedades de conjuntos infinitos e de conjuntos finitos. É demonstrado, dentre
outras coisas, que conjuntos enumeráveis são os menores, em tamanho, dentre
os conjuntos infinitos. Além disso, apresentaremos propriedades e exemplos
de conjuntos enumeráveis e de conjuntos não enumeráveis. Portanto, toda a
matemática clássica trabalha apenas com duas “medidas” de conjuntos infini-
tos, a saber, os conjuntos equipotentes a ω e os conjuntos equipotentes a 2ω.
A potência 2ω é frequentemente chamada de potência do contínuo.
Seja A um conjunto não vazio qualquer. Já vimos, no Teorema 2.31, que
existe uma correspondência biunívoca entre os conjuntos 2A e P(A). Neste
capítulo caracterizaremos todos os conjuntos com esta propriedade. Além
disso, provaremos o seguinte teorema de Cantor:
Não existe função bijetora entre os conjuntos A e P(A).
A grande importância deste teorema é o seguinte resultado: se fizermos
A1 = ω,A2 = P(A1), A3 = P(A2), . . . , An = P(An−1), . . .
então obtemos uma família (sequência) estritamente crescente de conjuntos
infinitos
A1 < A2 < A3 < · · · < An < · · ·
255
256 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
6.1 Conjuntos Equipotentes
Sejam A e B conjuntos quaisquer. Diremos que A e B são equipotentes ou
possuem a mesma potência se existir uma função bijetora f : A→ B e deno-
taremos por A ≈ B. Note que ser equipotente é uma relação de equivalência.
Exemplo 6.1 Os conjuntos [0, 1] e [a, b], com a 6= b, são equipotentes. Em
particular, os conjuntos ]0, 1[ e ]− 1, 1[ são equipotentes.
Solução. Vamos provar que a função f : [0, 1]→ [a, b] definida como
f(x) = a+ (b− a)x
é bijetora. Dados x, y ∈ [0, 1], se f(x) = f(y), então
a+ (b− a)x = a+ (b− a)y ⇒ (b− a)x = (b− a)y ⇒ x = y,
pois b− a 6= 0. Logo, f é injetora.
Agora, dado y ∈ [a, b], obtemos
a ≤ y ≤ b⇒ 0 ≤ y − a ≤ b− a⇒ 0 ≤ y − a
b− a ≤ 1,
pois b− a 6= 0. Assim, dado y ∈ [a, b], existe
x =
y − a
b− a ∈ [0, 1]
tal que y = f(x). Portanto, f é sobrejetora. Note que a função
f : ]− 1, 1[ → ]a, b[
definida como
f(x) =
a+ b
2
+
b− a
2
x
é bijetora. ¥
Exemplo 6.2 Os conjuntos ]0, 1[ e [0, 1] são equipotentes.
6.1. CONJUNTOS EQUIPOTENTES 257
Solução. Primeiro note que
[0, 1] =
½
0, 1,
1
2
,
1
3
, . . .
¾
•
∪A e ]0, 1[ =
½
1
2
,
1
3
, . . .
¾
•
∪A,
com
A = [0, 1]−
½
0, 1,
1
2
,
1
3
, . . .
¾
= ]0, 1[ −
½
1
2
,
1
3
, . . .
¾
.
Agora, vamos definir a função
f : [0, 1]→ ]0, 1[
como
f(x) =
⎧⎪⎨⎪⎩
1
2
, se x = 0
1
n+2
, se x = 1
n
x, se x /∈
©
0, 1
n
ª
,
para todo n ∈ N = ω − {0}. Então é fácil verificar que f é bijetora.. ¥
Observação 6.3 Já vimos, no Exemplo 3.18, que os conjuntos ] − 1, 1[ e
R são equipotentes. Portanto, o conjunto de todos os números reais e to-
dos os intervalos não degenerados são equipotentes, por exemplo, a função
f : ]0,+∞[ → ]0, 1[ definida como
f(x) =
x
1 + x
µ
f−1(x) =
x
1− x
¶
é bijetora, pois
lim
x→0+
f(x) = 0 e lim
x→+∞
f(x) = 1
µ
lim
x→0+
f−1(x) = 0 e lim
x→1−
f(x) = +∞
¶
.
Exemplo 6.4 Os conjuntos
B1(O) = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y2 < 1}
e
Br(A) = {(x, y) ∈ R2 : (x− a)2 + (y − b)2 < r2}
são equipotentes, em que r > 0 e O = (0, 0), A = (a, b) ∈ R2.
258 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Solução. Vamos provar que a função f : B1(O)→ Br(A) definida como
f(x, y) = (a, b) + r(x, y) = (a+ rx, b+ ry)
é bijetora. Dados (x, y), (s, t) ∈ B1(O), se f(x, y) = f(s, t), então
(a+ rx, b+ ry) = (a+ rs, b+ rt)
⇒ a+ rx = a+ rs e b+ ry = b+ rt
⇒ x = s e y = t
⇒ (x, y) = (s, t).
Logo, f é injetora. Agora, dado (u, v) ∈ Br(A), existe
(x, y) =
µ
u− a
r
,
v − b
r
¶
∈ B1(O)
tal que (u, v) = f(x, y). Portanto, f é sobrejetora. ¥
Exemplo 6.5 Os conjuntos ω, Z e ω × ω são equipotentes.
Solução. Vamos provar que a função f : ω → Z definida como
f(n) =
(
n
2
, se n = 2k
−
¡
n+1
2
¢
, se n = 2k + 1,
para todo k ∈ ω, é bijetora. Dados m,n ∈ ω, se f(m) = f(n), então m e n
são ambos pares ou ambos ímpares. Se m = 2k e n = 2l, então
m
2
=
n
2
⇒ k = l⇒ m = n.
Se m = 2k + 1 e n = 2l + 1, então
−m+ 1
2
= −n+ 1
2
⇒ k + 1 = l + 1⇒ k = l⇒ m = n.
Logo, f é injetora. Dado k ∈ Z. Então k ≥ 0 ou k < 0. Se k ≥ 0, então existe
n = 2k ∈ ω tal que f(n) = k. Se k < 0, então existe n = 2 |k|+ 1 ∈ ω tal que
f(n) = k. Logo, f é sobrejetora.
6.1. CONJUNTOS EQUIPOTENTES 259
Finalmente, a função g : ω × ω → ω definida como
g(m,n) = 2m(2n+ 1)− 1
é bijetora, pois a função h : ω → ω × ω definida como
h(x) =
(
(0, n) se x = (2n+ 1)− 1
(m,n), se x = 2m(2n+ 1)− 1
é a inversa de g. ¥
Exemplo 6.6 (Princípio de Dirichlet) m,n ∈ ω são equipotentes se, e so-
mente se, m = n. Em particular, se f : n → n é uma função injetora, então
f é sobrejetora (bijetora).
Solução. Para m fixado, seja
S = {n ∈ ω : m ≈ n⇒ m = n}
Então 0 ∈ S, pois se m ≈ 0, então existe uma função bijetora f : m → 0.
Como 0 = ∅ temos que m = ∅ = 0. Suponhamos que o resultado seja válido
para algum n, isto é, n ∈ S. Sejam f : m → n+ uma função bijetora e
k = f(m− 1). Consideremos a função g : n+ → n+ definida como
g(x) =
⎧⎪⎨⎪⎩
n, se x = k
k, se x = n
x, se x /∈ {k, n}
Se k = n, então g = In+. Se k 6= n, então g2 = g ◦ g = In+. Logo, g é
uma função bijetora e h = g ◦ f : m → n+ é uma a função bijetora tal que
h(m− 1) = n, isto é, h aplica m− 1 sobre n. Assim, por hipótese, m− 1 = n.
Logo,
m = {0, 1, . . . ,m− 1} = {0, 1, . . . , n} = n+,
ou seja, n+ ∈ S. Portanto, S =ω. ¥
Sejam A e B conjuntos quaisquer. Diremos que A é de uma potência menor
do que B se existir uma função injetora f : A→ B e denotaremos por A ¹ B.
260 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Diremos que A é de uma potência estritamente menor do que B se existir uma
função injetora f : A→ B e não existir g : A→ B sobrejetora e denotaremos
por A ≺ B. Neste caso, A é equipotente a um subconjunto de B.
Teorema 6.7 (Teorema de Cantor) Seja A um conjunto qualquer. Então
A ≺ P(A).
Primeira Prova. Primeiro note que a função j : A → P(A) definida como
j(x) = {x} injetora. Portanto, A ¹ P(A).
Agora, suponhamos, por absurdo, que exista uma função f : A → P(A)
sobrejetora. Então, para cada x ∈ A, temos que f(x) ⊆ A. Assim, x ∈ f(x)
ou x /∈ f(x). Consideremos o conjunto
S = {x ∈ A : x /∈ f(x)}.
Então S ∈ P(A). Logo, por hipótese, existe y ∈ A tal que f(y) = S. Como
S ⊆ A temos que y ∈ S ou y /∈ S. Se y ∈ S, então y /∈ f(y) = S, o que é
uma contradição. Se y /∈ S, então y ∈ f(y) = S, o que é uma contradição.
Portanto,
S = {x ∈ A : x /∈ f(x)} 6= f(x), ∀ x ∈ A,
e A ≺ P(A).
Segunda Prova. Suponhamos, por absurdo, que exista uma função f : A→
P(A) sobrejetora. Então, pelo Teorema 2.31, existe uma função bijetora ϕ :
P(A) → 2A. Portanto, a função ϕ ◦ f : A → 2A seria sobrejetora, o que
contradiz o Exemplo 4.17. ¥
Observação 6.8 O Teorema de Cantor pode ser visualizado geometricamente
como segue. Sejam A = [0, 1] e
f(x) = {(x, y) : y ∈ A} ⊆ {x} ×A, ∀ x ∈ A.
Então
T = {(x, y) : y ∈ f(x)} ⊆ A×A.
Pondo
D = {(x, y) : y = x} ⊆ A×A,
6.1. CONJUNTOS EQUIPOTENTES 261
obtemos
S = {x ∈ A : x /∈ f(x)} = p1(D − T ) 6= f(x), ∀ x ∈ A,
em que p1 : A×A→ A é a projeção sobre o eixo dos x.
Corolário 6.9 Seja A um conjunto qualquer.
1. Se B é um subconjunto de A, então B ≺ P(A).
2. Se P(A) é um subconjunto de D, então A ≺ D.
Prova. Fica como um exercício. ¥
Agora, apresentaremos a definição de conjunto infinito devida a Dedekind.
Seja A um conjunto qualquer. Diremos que A é um conjunto infinito se ele for
equipotente com um subconjunto próprio ou, equivalentemente, se existir uma
função f : A → A injetora tal que f(A) 6= A. Caso contrário, diremos que A
é um conjunto finito.
Exemplo 6.10 O conjunto de todos os números naturais ω é infinito, pois
a função f : ω → ω definida como f(n) = 2n (f(n) = 2n + 1) é claramente
injetora. Consequentemente, o conjunto de todos os números reais R é infinito,
pois a função g : R→ R definida como
g(x) =
(
2x, se x ∈ ω
x, se x ∈ R− ω
é claramente injetora, com g(R) 6= R.
Teorema 6.11 Sejam A e B conjuntos quaisquer. Então:
1. Se B é um conjunto infinito e B ⊆ A, então A é um conjunto infinito.
2. Se A é um conjunto finito e B ⊆ A, então B é um conjunto finito.
262 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Prova. Vamos provar apenas o item (1). Como B é um conjunto infinito
temos que existe uma função injetora f : B → B tal que f(B) 6= B. Seja a
função g : A→ A definida como
g(x) =
(
f(x), se x ∈ B
x, se x /∈ B.
(6.1)
Então g é claramente injetora e g(A) 6= A, pois A = B
•
∪ (A− B). Portanto,
A é um conjunto infinito. ¥
Exemplo 6.12 Sejam A, B conjuntos quaisquer e f : A → B uma função
bijetora. Mostre que se A é infinito, então B também o é.
Solução. Como A é um conjunto infinito temos que existe uma função injetora
g : A→ A tal que g(A) 6= A. Então a função h : B → B definida como
h(y) = (f ◦ g ◦ f−1)(y),
para todo y ∈ B, é claramente injetora. Note que
h(B) = (f ◦ g ◦ f−1)(B) = f(g(f−1(B)) = f(g(A)) 6= B,
pois g(A) 6= A. Portanto, B é um conjunto infinito. ¥
Teorema 6.13 Sejam A um conjunto infinito qualquer e a0 ∈ A fixado. Então
A−{a0} é um conjunto infinito. Conclua que se B é um subconjunto não vazio
finito de A, então A−B é um conjunto infinito.
Prova. Como A é um conjunto infinito temos que existe uma função injetora
f : A→ A tal que f(A) 6= A. Assim, há dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se a0 ∈ f(A), então existe um único a1 ∈ A tal que f(a1) = a0.
Neste caso, a função g : A− {a0}→ A− {a0} definida como
g(x) =
(
f(x), se x 6= a1
b, se x = a1 ∈ A− {a0},
6.1. CONJUNTOS EQUIPOTENTES 263
onde b é um elemento qualquer de A− f(A) fixado, tem as propriedades dese-
jadas, por exemplo,
g(A− {a0}) = f(A− {a0, a1}) ∪ {b} 6= A− {a0}.
2.o Caso. Se a0 /∈ f(A), então a função g : A− {a0}→ A− {a0} definida
como g(x) = f(x) tem as propriedades desejadas.
Portanto, em qualquer caso, A− {a0} é um conjunto infinito. ¥
Exemplo 6.14 Mostre que o conjunto
In = {m ∈ ω : m < n+ 1} = {0, 1, . . . , n}
é finito, para todo n ∈ ω.
Solução. Vamos usar indução sobre n. Se n = 0, nada há para ser provado.
Suponhamos que o resultado seja válido para algum n. Consideremos o con-
junto
In+1 = {0, 1, . . . , n, n+ 1} = In ∪ {n+ 1}
Então In+1 é um conjunto finito. Caso contrário, pelo Teorema 6.13, In+1 −
{n+1} = In seria um conjunto infinito, o que contradiz a hipótese de indução.
Portanto, In é um conjunto finito, para todo n ∈ ω. ¥
Lema 6.15 Sejam x ∈ ]0, 1[ e d ∈ ω, com d ≥ 2. Então para cada n ∈ ω
existe uma única expressão
x =
a1
d
+
a2
d2
+ · · ·+ an
dn
+ qn,
onde os elementos ai ∈ ω satisfazem
0 ≤ ai < d e 0 ≤ qn <
1
dn
.
Prova. (Existência) Primeiro note que para cada x ∈ R+, obtemos
bxc ≤ x < bxc+ 1, em que bxc = max{n ∈ ω : n ≤ x}.
264 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Assim, se k = bxc ∈ ω, então
x = k + q, onde q ∈ [0, 1) ∩Q.
Agora, sejam x ∈ ]0, 1[ e m = bxdnc. Então m ∈ ω e existe qn ∈ [0, 1) tal que
x = m+qn. Já vimos, pelo Algoritmo da Divisão, que existem únicos n, ci ∈ ω
tais que
m = c0d
0 + c1d
1 + · · ·+ cn−1dn−1 + cndn,
onde os elementos ci ∈ ω satisfazem
0 ≤ ci < d e n = blogdmc.
Portanto, dividindo a expressão de m por dn, obtemos
x =
a1
d
+
a2
d2
+ · · ·+ an
dn
+ qn,
onde os elementos ai = cn−i ∈ ω satisfazem
0 ≤ ai < d e 0 ≤ qn <
1
dn
.
(Unicidade) Seja
x =
b1
d
+
b2
d2
+ · · ·+ bn
dn
+ rn,
onde os elementos bi ∈ ω satisfazem
0 ≤ bi < d e 0 ≤ rn <
1
dn
,
outra expressão para x. Então
a1
d
+
a2
d2
+ · · ·+ an
dn
+ qn =
b1
d
+
b2
d2
+ · · ·+ bn
dn
+ rn.
Assim, pela unicidade da representação de um número na base d, obtemos
ai = bi e qn = rn. ¥
Exemplo 6.16 Os conjuntos 2ω e R são equipotentes.
6.1. CONJUNTOS EQUIPOTENTES 265
Solução. Pela Observação 6.3, basta provar que os conjuntos 2ω e I = ]0, 1[
são equipotentes. Pelo Lema 6.15, cada x ∈ I pode ser escrito de modo único
sob a forma
x =
x1
2
+
x2
22
+
x3
23
+ · · · = 0, x1x2x3 . . .
onde xi ∈ {0, 1}. Assim, para cada x ∈ I fixado, obtemos uma função
χx : ω → {0, 1}
definida como
χx(i) =
(
xi, se i 6= 0
0, se i = 0,
ou seja, χx ∈ 2ω, para todo x ∈ I. Logo, a função f : I → 2ω definida
como f(x) = χx é claramente bijetora. Portanto, os conjuntos 2
ω e R são
equipotentes. ¥
Exemplo 6.17 Os conjuntos R×R e R são equipotentes.
Solução. Seja I = ]0, 1[. Então basta provar que a função f : I × I → I
definida como
f(0, x1x2x3 . . . , 0, y1y2y3 . . .) = (0, x1y1x2y2x3y3 . . .)
é bijetora. ¥
Finalizaremos esta seção com o seguinte comentário: Seja A um conjunto
qualquer. Então, pelo Teorema 2.31, os conjuntos P(A) e 2A são equipotentes.
Portanto, A ≺ 2A. Agora, se fizermos
A1 = ω, A2 = P(A1), A3 = P(A2), . . .
então obtemos uma família estritamente crescente de conjuntos infinitos
A1 ≺ A2 ≺ A3 ≺ · · ·
Consideremos
B1 =
[
i∈ω
Ai+1.
266 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Então P(Ai+1) ⊆ B1, pois Ai+1 ⊆ B1, para todo i ∈ ω. Assim, pelo item (2)
do Corolário 6.9,
Ai+1 ≺ B1, ∀ i ∈ ω.
Se fizermos
B2 = P(B1), B3 = P(B2), B4 = P(B3), . . . ,
então obtemos uma sequência estritamente crescente de conjuntos infinitos
A1 ≺ A2 ≺ A3 ≺ · · · ≺ B1 ≺ B2 ≺ B3 ≺ · · · .
Portanto, de modo intuitivo, existem mais “medidas” de conjuntos infinitos
que diferentes “medidas” de conjuntos finitos. No entanto, toda a matemática
clássica, trabalha apenas com duas “medidas” de conjuntos infinitos, a saber,
os conjuntos equipotentes a ω e os conjuntos equipotentes a 2ω.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que equipotência é uma relação de equivalência.
2. Mostre que osconjuntos 2ω e C são equipotentes.
3. Sejam A e B conjuntos, com A não vazio. Mostre que A ¹ B se, e
somente se, existe uma função g : B → A sobrejetora.
4. Sejam A, B e C conjuntos. Mostre que se A∩C = ∅ e B ∩C = ∅, então
A ∪ C ≈ B ∪ C. Mostre, com um exemplo, que esta afirmação não é
necessariamente verdade para um conjunto qualquer C.
5. Sejam A, B, C e D conjuntos. Mostre que se A ≈ C e B ≈ D, então
A×B ≈ C ×D.
6. Sejam A e B conjuntos. Mostre que se A ≈ B, então P(A) ≈ P(B).
7. Sejam A e B conjuntos. Mostre que se (A−B) ≈ (B−A), então A ≈ B.
6.2. NÚMEROS CARDINAIS 267
8. Mostre que o disco de centro P = (a, b) ∈ R2 e raio r > 0,
Br(P ) = {(x, y) ∈ R2 : (x− a)2 + (y − b)2 ≤ r2},
e o disco de centro Q = (c, d) ∈ R2 e raio s > 0,
Bs(Q) = {(x, y) ∈ R2 : (x− c)2 + (y − d)2 ≤ s2},
são equipotentes.
9. Sejam {Bi}i∈I e {Ci}i∈I famílias de conjuntos não vazios disjuntas aos
pares. Mostre que se Bi ≈ Ci, para todo i ∈ I, então[
i∈I
Bi ≈
[
i∈I
Ci.
10. Sejam {Bi}i∈I e {Ci}i∈I famílias de conjuntos não vazios. Mostre que se
Bi ≈ Ci, para todo i ∈ I, entãoY
i∈I
Bi ≈
Y
i∈I
Ci.
11. Sejam A um conjunto e
Pf(A) = {B ⊆ A : B é um conjunto finito}.
(a) Mostre que Pf(A) é o menor subconjunto de P(A) tal que
i. ∅ ∈ Pf(A).
ii. Se X ∈ Pf(A) e x ∈ A, então X ∪ {x} ∈ Pf(A).
(b) Mostre que se X,Y ∈ Pf(A), então X ∪ Y ∈ Pf(A).
(c) Mostre que se A é finito, então P(A) é finito.
6.2 Números Cardinais
Já vimos que a relação entre conjuntos
A ≈ B
268 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
é uma relação de equivalência. Assim, esta definição nos permite comparar
“medidas” de conjuntos, mas não explica o que significa a medida. De fato, a
“essência” da medida é mais filosófica do que matemática, ou seja, intuitiva-
mente, a medida de um conjunto A é a propriedade que é comum a todos os
conjuntos que são equipotentes a ele. Formalmente, temos o seguinte axioma.
ZF10 - Axioma dos números cardinais. Existe uma família C de con-
juntos, chamada números cardinais, com as seguintes propriedades:
1. Se A é um conjunto qualquer, então existe um número cardinal α ∈ C
tal que α ≈ A.
2. Se A é um conjunto e α, β ∈ C, então α ≈ A e β ≈ A implicam que
α = β.
Notações. α = |A| ou α = card(A) ou α = #(A).
Observação 6.18 Infelizmente, a família dos números cardinais C não é um
conjunto. De fato, suponhamos, por absurdo, que C seja um conjunto. Então
K =
[
α∈C
α
é um conjunto. Logo, P(K) é um conjunto. Assim, pelo item (1) do axioma
ZF10, existe um número cardinal β tal que β ≈ P(K), o que é uma contradição,
pois β ⊆ K e K ≺ P(K). Portanto, C é uma classe própria.
Exemplo 6.19 Sejam A e B conjuntos quaisquer. Mostre que se A ≈ B,
então |A| = |B|.
Solução. Pelo item (1) do axioma ZF10, existem números cardinais α e β tais
que α ≈ A e β ≈ B. Como A ≈ B temos que α ≈ β. Assim, pelo item (2) do
axioma ZF10, α = β. Portanto, |A| = |B|. ¥
Seja U a classe universal. Dados A,B ∈ U , definimos
A ∼ B ⇔ A ≈ B.
6.2. NÚMEROS CARDINAIS 269
Então ∼ é uma relação de equivalência sobre U . Logo, o quociente
U
∼ = {A : A ∈ U}
está em correspodência biunívoca com a família dos números cardinais C. Por-
tanto,
U
∼
é uma classe própria.
Definimos os cardinais finitos como
0 = |∅|
1 = |{0}|
2 = |{0, 1}|
...
Além disso, denotaremos os cardinais transfinitos como
ℵ0 = |ω|
ℵ1 = |P(ω)|
ℵ2 = |P(P(ω))|
...
Finalmente, denotaremos c = |R|. Neste caso, pelo Exemplo 6.16,
c = |R| = |2ω| = |P(ω)| = ℵ1 = 2ℵ0.
O símbolo ℵ0 foi denominado por Cantor de alef zero..
Sejam α, β números cardinais e A, B conjuntos tais que α = |A| e β = |B|.
Diremos que α é menor do que ou igual a β, em símbolos, α ¹ β, se A ¹ B, ou
seja, se existir uma função injetora f : A→ B. Note que esta relação está bem
definida. De fato, sejam C e D conjuntos tais que α = |C| e β = |D|. Então
A ≈ C e B ≈ D. Assim, existem funções bijetoras f : A → C e g : B → D.
Logo, se existe uma função injetora h : A→ B, então k = g ◦ h ◦ f−1 : C → D
é uma função injetora. É fácil verificar que ¹ é uma pré-ordem sobre a classe
dos números cardinais.
Notação. α ≺ β significa que α ¹ β e α 6= β.
270 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Lema 6.20 Sejam A, B conjuntos quaisquer e f : A→ B uma função sobre-
jetora. Então |B| ¹ |A|.
Prova. Pelo Exemplo 4.16, existe uma função g : B → A tal que f ◦ g = IB e
g é injetora.. Portanto, |B| ¹ |A|. ¥
Lema 6.21 Sejam A e B conjuntos quaisquer. Se |A| ¹ |B|, então
|A− {a}| ¹ |B − {b}| , ∀ a ∈ A e b ∈ B.
Prova. Seja f : A→ B uma função injetora. Vamos definir
g : A− {a}→ B − {b}
como
g(x) =
(
f(x), se x 6= a e b 6= f(a)
f(a), se x 6= a e b = f(a).
Então é fácil verificar que g é uma função injetora e Dom(g) = A− {a}. ¥
Lema 6.22 Sejam A um conjunto qualquer e B um subconjunto de A. Se
existir uma função injetora f : A → B, então |A| = |B|. Note que f(A) ⊆
B ⊆ A.
Prova. (R. H. Cox) Se A = B, nada há para ser provado. Suponhamos que
B 6= A. Então A−B 6= ∅. Consideremos o conjunto
C = (A−B) ∪ f(A−B) ∪ f(f(A−B)) ∪ · · ·
=
[
n∈ω
fn(A−B) ⊆ A,
em que A−B = f0(A−B) e fn+1 = f ◦ fn, para todo n ∈ ω, confira a Figura
6.1. Note que
A−B ⊆ C e f(C) ⊆ C.
Além disso, para cada m,n ∈ ω, com m 6= n, obtemos
fm(A−B) ∩ fn(A−B) = ∅
6.2. NÚMEROS CARDINAIS 271
pois se m < n e
fm(A−B) ∩ fn(A−B) 6= ∅
então existe
z ∈ fm(A−B) ∩ fn(A−B),
ou seja, existem x, y ∈ A−B tais que
z = fm(x) e z = fn(y).
Logo,
fn(y) = fm(x)⇒ fn−1(y) = fm−1(x)⇒ · · ·⇒ fn−m(y) = x,
pois f é injetora. Assim, x ∈ Im(fn−m) = B, o que é impossível, uma vez que
B ∩ (A−B) = ∅. Agora, vamos definir a função g : A→ B como
g(x) =
(
f(x), se x ∈ C
x, se x /∈ C.
Então, por definição, g é injetora. Como
(A−X) ∪ Y = (A ∪ Y )− (X − Y )
temos que
g(A) = (A− C) ∪ f(C)
=
Ã
A−
[
n∈ω
fn(A−B)
!
∪ f
Ã[
n∈ω
fn(A−B)
!
=
Ã
A−
[
n∈ω
fn(A−B)
!
∪
Ã[
n∈ω
fn+1(A−B)
!
=
Ã
A ∪
Ã[
n∈ω
fn+1(A−B)
!!
−
Ã[
n∈ω
fn(A−B)−
Ã[
n∈ω
fn+1(A−B)
!!
= A− (A−B)
= B.
272 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Assim, g é sobrejetora. Portanto, g é bijetora e |A| = |B|. ¥
Figura 6.1: Esboço da prova do Lema.
Corolário 6.23 (Teorema de Cantor-Schröder-Bernstein) Sejam A e B
conjuntos quaisquer. Se |A| ¹ |B| e |B| ¹ |A|, então |A| = |B|.
Prova. Sejam X um subconjunto de A e Y um subconjunto de B tais que
A ≈ Y e B ≈ X. Então existem funções bijetoras f1 : A→ Y e g1 : B → X.
Logo, f = g1 ◦ f1 : A → X é uma função injetora. Assim, pelo Lema 6.22,
existe uma função bijetora h : A→ X. Portanto, a função g = g−11 ◦h : A→ B
é bijetora e |A| = |B|. ¥
Observação 6.24 Já vimos que ¹ era uma pré-ordem sobre C. Portanto,
pelo Corolário 6.23, ¹ é uma ordem sobre C.
Teorema 6.25 Qualquer família de números cardinais possui um menor ele-
mento.
Prova. Sejam C qualquer família de números cardinais e α ∈ C. Se α é o
menor elemento de C, acabou. Caso contrário, seja
B = {β ∈ C : β ≺ α}.
6.2. NÚMEROS CARDINAIS 273
Como α é um conjunto temos, pelo Princípio da Boa Ordenação, que α é bem
ordenado. Assim, para cada β ∈ B fixado, seja ϕ(β) o menor elemento x ∈ α
tal que β ≈ Sx. Logo,
T = {ϕ(β) : β ∈ B} ⊆ α
possui um menor elemento, digamos ϕ(γ) ∈ T.
Afirmação. γ é o menor elemento de B.
De fato, se β ∈ B, então ϕ(γ) ≤ ϕ(β). Logo, Sϕ(γ) ⊆ Sϕ(β) e j : Sϕ(γ) → Sϕ(β)
é a função inclusão. Assim, pelo diagrama
γ ≈ Sϕ(γ) → Sϕ(β) ≈ β,
existe uma função injetora de γ em β. Portanto, γ ≤ β. ¥
Corolário 6.26 A família de todos os números cardinais é bem ordenada.
Consequentemente, para quaisquer números cardinais α e β uma e apenas
uma das condições ocorre:
α ≺ β ou α = β ou α Â β (Lei da Tricotomia).
Prova. Fica como um Exercício. ¥
Exemplo 6.27 Mostre que os conjuntos ]0, 1[ e [0, 1] são equipotentes.
Solução. A função j : ]0, 1[ → [0, 1] definida como j(x) = x é claramente
injetora. Por outro lado, a função f : [0, 1]→ ]0, 1[ definida como
f(x) =
1
2
x+
1
4
é claramente injetora. Portanto, pelo Corolário 6.23, os conjuntos ]0, 1[ e [0, 1]
são equipotentes. ¥
Exemplo 6.28 Os conjuntos ω e ω × ω são equipotentes.
Solução. A função j : ω → ω × ω definida como j(x) = (x, 0) é claramenteinjetora. Por outro lado, a função f : ω × ω → ω definida como
f(k, l) = (k + l)2 + k
274 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
é injetora, pois dados (k, l), (m,n) ∈ ω × ω, se f(k, l) = f(m,n), então
(k + l)2 + k = (m+ n)2 +m.
Logo, pela Lei da Tricotomia, k+ l > m+n ou k+ l = m+n ou k+ l < m+n.
Se k + l > m+ n, então k + l ≥ m+ n+ 1 e
m− k = (k + l)2 − (m+ n)2
≥ (m+ n+ 1)2 − (m+ n)2
= 2m+ 2n+ 1
> m− k,
o que é impossível. O caso k+l < m+n trata-se de modo inteiramente análogo.
Assim, k + l = m+ n. Neste caso, k = m e l = n. Portanto, (k, l) = (m,n) e
f é injetora. Consequentemente, pelo Corolário 6.23, os conjuntos ω e ω × ω
são equipotentes. ¥
Exemplo 6.29 Os conjuntos ω e Q são equipotentes. Conclua que todos os
conjuntos enumeráveis são equipotentes.
Solução. A função j : ω → Q definida como j(x) = x é claramente injetora.
Por outro lado, como qualquer número racional x ∈ Q pode ser escrito de
modo único sob a forma
x =
m
n
, onde m,n ∈ Z, com n > 0 e mdc(m,n) = 1,
pois
m
n
=
−m
−n e (n > 0 ou − n > 0),
temos que a função f : Q→ ω definida como
f(x) =
(
2n3m, se m ≥ 0
2n5|m|, se m < 0
é injetora, pelo Teorena Fundamental da Aritmética. Portanto, pelo Corolário
6.23, os conjuntos ω e Q são equipotentes. ¥
6.2. NÚMEROS CARDINAIS 275
Exemplo 6.30 Sejam V um espaço vetorial sobre um corpo F e X, Y duas
bases de V . Mostre que |X| = |Y |.
Solução. Sejam X = {ui}i∈I e Y = {vj}j∈J duas bases de V . Então cada
elemento u de X pode ser escrito de modo único sob a forma
u = c1vj1 + · · ·+ cnvjn,
onde c1, . . . , cn ∈ F − {0} e vj1, . . . ,vjn ∈ Y . Seja
Yu = {vj1 , . . . ,vjn}.
Então cada elemento u de X está associado a um subconjunto finito Yu de Y .
Afirmação. Y =
S
u∈X Yu.
De fato, se v ∈ Y , então [Y − {v}] 6= V . Logo, existe w ∈ V tal que
w /∈ [Y − {v}]. Assim,
w = d1ui1 + · · ·+ dmuim ,
onde d1, . . . , dm ∈ F − {0} e ui1 , . . . ,uim ∈ X. Como w /∈ [Y − {v}] temos
que existe i0, 1 ≤ i0 ≤ m, tal que u0 = ui0 /∈ [Y − {v}]. Portanto, v ∈ Yu0 .
Consequentemente, Y ⊆
S
u∈X Yu.
Note que a função f : X → Y definida como f(u) = Yu é sobrejetora.
Então, pelo Lema 6.20, |Y | ¹ |X|. Por um argumento simétrico, prova-se que
|X| ¹ |Y |. Portanto, pelo Corolário 6.23, |X| = |Y |. ¥
Finalizaremos esta seção com mais alguns resultados e comentários. Pelo
Exemplo 4.33, qualquer conjunto finito é equipotente a um número natural.
Isto motiva a seguinte definição. Seja α ∈ C. Diremos que α é um cardinal
finito se existir n ∈ ω tal que α ≈ n. Caso contrário, diremos que α é um
cardinal transfinito. Note que ℵ0 é o menor cardinal transfinito, pois se α é um
cardinal transfinito, então existe um único conjunto infinito A tal que α = |A|.
Assim, pelo Exemplo 4.14, A contém um subconjunto enumerável. Portanto,
α º ℵ0.
Hipótese do Contínuo. Não existe nenhum número cardinal α tal que
ℵ0 ≺ α ≺ ℵ1 = 2ℵ0 .
276 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Já vimos, segundo Cohen, que a hipótese do contínuo, não pode ser provada a
partir dos axiomas da Teoria dos Conjuntos. Portanto, o status da hipótese do
contínuo, na Teoria dos Conjuntos, é análogo ao do axioma das paralelas de
Euclides (o quinto postulado) na Geometria. Neste caso, podemos postulá-los
ou negá-los, em qualquer caso obtendo um teoria matemática consistente.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que os conjuntos [0, 1[ e [0,+∞[ possuem a mesma cardinalidade.
2. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Mostre que se |A| = |B|, então
|P(A)| = |P(B)|.
3. Mostre que |ωω| = 2ℵ0.
4. Mostre que α < 2α, para qualquer cardinal α, ou seja, para qualquer
cardinal existe um cardinal maior.
5. SejamA um conjunto e f : A→ A uma função. Mostre que |f(A)| ¹ |A|.
6. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Mostre que se |A| ¹ |B| e A 6= ∅,
então existe uma função sobrejetora g : B → A.
7. Sejam A, B conjuntos quaisquer. Mostre que se existem funções f : A→
B e g : B → A sobrejetoras, então |A| = |B|.
8. Sejam A, B e C conjuntos quaisquer. Mostre que se A ⊆ B ⊆ C e A
equipotente a C, então B equipotente a C.
9. Mostre que |ω × · · · × ω| = |ωn| = |ω|.
10. Mostre que se A = {a1, a2, . . .} e B = {b1, b2, . . .}, então
A×B =
[
k∈ω−{0}
Sk, Sk = {(ai, bj) : i+ j = k + 1},
é uma união disjunta de conjuntos finitos.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 277
11. Seja K(R,R) o conjunto de todas as funções constantes. Mostre que
|K(R,R)| = |R|.
12. Seja C(R,R) o conjunto de todas as funções contínuas. Mostre que
|C(R,R)| = |R|.
13. Seja U a classe universal. Mostre que existe um conjunto B ∈ U tal que
|B| Â |X|, para todo X ∈ U .
14. Use o Teorema de Cantor para provar que o “conjunto de todos os con-
juntos” não existe
6.3 Aritmética dos Números Cardinais
Nesta seção provaremos que os números cardinais possuem “quase” todas
as propriedades algébricas dos números naturais.
Teorema 6.31 Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer, com A ∩ B = ∅ e
C ∩D = ∅. Se A ≈ C e B ≈ D, então A ∪B ≈ C ∪D.
Prova. Suponhamos que A ≈ C e B ≈ D. Então existem funções bijetoras
f : A → C e g : B → D. Assim, pelo Corolário 2.22, f : A → C ∪ D,
g : B → C ∪D são funções. Como
f |(A∩B) = g|(A∩B)
temos, pelo Teorema 2.35, que existe uma única função h : A∪B → C ∪D tal
que h|A = f e h|B = g. Por outro lado, pelo Corolário 2.22, f−1 : C → A∪B,
g−1 : D→ A ∪B são funções tais que
f−1|(C∩D) = g−1|(C∩D).
Logo, pelo Teorema 2.35, existe uma única função k : C ∪D→ A∪B tal que
k|C = f−1 e k|D = g−1. Agora, dado x ∈ A ∪B, obtemos x ∈ A ou x ∈ B. Se
x ∈ A, então
(k ◦ h)(x) = k(h(x)) = k(f(x)) = f−1(f(x)) = x.
278 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Se x ∈ B, então
(k ◦ h)(x) = k(h(x)) = k(g(x)) = g−1(g(x)) = x.
Assim, em qualquer caso, k ◦h = IA∪B. De modo inteiramente análogo, prova-
se que h ◦ k = IC∪D. Portanto, h é bijetora e A ∪B ≈ C ∪D. ¥
Sejam α, β números cardinais e A, B conjuntos disjuntos tais que α = |A|
e β = |B|. Definimos a adição sobre os números cardinais como sendo
α+ β = |A ∪B| .
Observação 6.32
1. Pelo Teorema 6.31 esta operação está bem definida.
2. Se A e B são conjuntos quaiquer, então A equipotente A × {0} e B
equipotente B × {1} com
(A× {0}) ∩ (B × {1}) = ∅,
mesmo que A e B não sejam disjuntos. Portanto,
α+ β = |(A× {0}) ∪ (B × {1})|
em que α = |A| e β = |B|. Assim, a definição da adição de números
cardinais pode ser substiuída por esta.
3. Se A = {a, b, c} e B = {1, 2, 3, 4, 5}, então
3 + 5 = |A ∪B| = |{a, b, c, 1, 2, 3, 4, 5}| = 8
Neste caso, a adição dos números cardinais coincide com a adição usual
dos números naturais.
Teorema 6.33 Sejam α, β, γ e δ números cardinais. Então:
1. α+ (β + γ) = (α+ β) + γ.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 279
2. 0 + α = α.
3. α+ β = β + α.
4. α ¹ α+ β.
5. Se α ¹ β e γ ¹ δ, então α+ γ ¹ β + δ.
Prova. Vamos provar apenas os itens (1) e (5): (1) Basta observar que
A ∪ (B ∪ C) = (A ∪B) ∪ C,
para todos os conjuntos A, B e C.
(5) Sejam A, B, C e D conjuntos tais que α = |A|, β = |B|, γ = |C| e
δ = |D|. Então existem funções injetoras f : A → B e g : C → D. Podemos
supor que
A ∩ C = ∅ = B ∩D.
Então, pelo Teorema 2.35, que existe uma única função h : A ∪ C → B ∪ D
tal que h|A = f e h|C = g. É fácil verificar que h é injetora. Portanto,
α+ γ = |A ∪ C| ¹ |B ∪D| = β + δ,
que é o resultado desejado. ¥
Observação 6.34 Sejam α, β e γ números cardinais. Então α + β = α + γ
não implica que β = γ, pois
ℵ0 + ℵ0 = ℵ0 = ℵ0 + 1, mas ℵ0 6= 1,
confira o exemplo a seguir. Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto
dos números naturais, mas não nos números cardinais.
Exemplo 6.35 Sejam ωp = {0, 2, 4, . . .} e ωi = {1, 3, 5, . . .}. Então, pelo
Exemplo 6.10, |ωp| = |ω| = |ωi|. Em particular,
ℵ0 + ℵ0 = |ωp ∪ ωi| = |ω| = ℵ0.
280 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Proposição 6.36 Sejam α e β números cardinais. Então α ¹ β se, e somente
se, existe um número cardinal γ tal que β = α+ γ.
Prova. Sejam A, B e C conjuntos tais que α = |A|, β = |B| e γ = |C|.
Suponhamos que α ¹ β e que A ∩ B = ∅. Então existe uma função injetora
f : A→ B. Como A ≈ f(A) temos que α = |A| = |f(A)|. Se C = B − f(A),
então
β = |B| =
¯̄̄
f(A)•
∪ (B − f(A))
¯̄̄
= α+ γ.
Reciporcamente, suponhamos que β = α+γ e que A∩C = ∅. Então existe
uma função f : A ∪ C → B bijetora tal que g = f |A : A → B é injetora.
Portanto, α ¹ β. ¥
Teorema 6.37 Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A ≈ C e B ≈ D,
então A×B ≈ C ×D.
Prova. Suponhamos que A ≈ C e B ≈ D. Então existem funções bijetoras
f : A→ C e g : B → D. Assim, a função h : A×B → C ×D definida como
h(x, y) = (f(x), g(y))
é claramente bijetora. Portanto,A×B ≈ C ×D. ¥
Sejam α, β números cardinais e A, B conjuntos tais que α = |A| e β = |B|.
Definimos a multiplicação sobre os números cardinais como sendo
α · β = |A×B| .
Observação 6.38
1. Pelo Teorema 6.37 esta operação está bem definida.
2. Note que se A = {a, b, c} e B = {1, 2, 3}, então
3 · 3 = |A×B| = |{(a, 1), (a, 2), (a, 3), . . . , (c, 1), (c, 2), (c, 3)}| = 9.
Neste caso, a multiplicação dos números cardinais coincide com a mul-
tiplicação usual dos números naturais.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 281
Teorema 6.39 Sejam α, β, γ e δ números cardinais. Então:
1. α(βγ) = (αβ)γ.
2. 1 · α = α.
3. αβ = βα.
4. (α+ β)γ = αγ + βγ.
5. α ¹ αβ, se α Â 0.
6. Se α ¹ β e γ ¹ δ, então αγ ¹ βδ.
7. α+ α = 2 · α. Mais geralmente, nα = α+ · · ·+ α, n parcelas, para todo
n ∈ ω.
8. α+ α ¹ α · α, se α Â 1.
Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (4) e (7): (1) A função
f : A× (B × C)→ (A×B)× C
definida como
f(x, (y, z)) = ((x, y), z)
é claramente bijetora.
(4) Basta observar, pelo Teorema 2.7, que
A× (B ∪ C) = (A×B) ∪ (A× C),
para todos os conjuntos A, B e C.
(7) Se α = |A|, então 2 · α = |{1, 2} ×A|. Por outro lado, como
{1, 2} ×A = ({1} ∪ {2})×A = ({1} ×A)
•
∪ ({2} ×A)
temos que |{1, 2} ×A| = α+ α. Portanto, α+ α = 2 · α. ¥
282 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Observação 6.40 Sejam α, β e γ números cardinais. Então αβ = αγ não
implica que β = γ, pois pelo Exemplo 6.5
ℵ0ℵ0 = |ω × ω| = |ω| = ℵ0 = ℵ0 · 1, mas ℵ0 6= 1,
Portanto, a lei do cancelamento vale no conjunto dos números naturais, mas
não nos números cardinais.
Exemplo 6.41 Mostre que ℵ0 · c = c.
Solução. É fácil verificar que a função f : Z × [0, 1[ → R definida como
f(n, x) = x + n é bijetora. Por exemplo, dados (m,x), (n, y) ∈ Z × [0, 1[, se
f(m,x) = f(n, y), então
0 ≤ m− n < 1.
Como m − n ∈ Z temos que m = n e x = y. Logo, (m,x) = (n, y) e f é
injetora. Portanto, ℵ0 · c = c. ¥
Teorema 6.42 Sejam A, B, C e D conjuntos quaisquer. Se A ≈ C e B ≈ D,
então BA ≈ DC.
Prova. Já vimos que Y X representa o conjunto de todas as funções com
domínio X e contradomínio Y . Agora, suponhamos que A ≈ C e B ≈ D.
Então existem funções bijetoras f : A→ C e g : B → D. Seja F : BA → DC
a função definida como F (k) = h, onde h ∈ DC é a função tal que
h(f(z)) = g(k(z), ∀ z ∈ A,
ou seja, h = g ◦k ◦f−1, confira o diagrama 6.2. Então F é claramente bijetora.
Portanto, BA ≈ DC. ¥
Figura 6.2: Diagrama de flechas.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 283
Sejam α, β números cardinais e A, B conjuntos tais que α = |A| e β = |B|.
Definimos a potenciação sobre os números cardinais como sendo
βα =
¯̄
BA
¯̄
.
Observação 6.43 Pelo Teorema 6.42 esta operação está bem definida. Con-
vencionaremos 0α = 0 e β0 = 1.
Teorema 6.44 Sejam α, β, γ e δ números cardinais. Então:
1. αβαγ = αβ+γ.
2. (αβ)γ = αβγ.
3. (αβ)γ = αγβγ.
4. α ¹ αβ, se β Â 0.
5. β ¹ αβ, se α Â 1.
6. Se α ¹ β e γ ¹ δ, então αγ ¹ βδ.
7. α ·α = α2. Mais geralmente, αn = α · · · · ·α, n fatores, para todo n ∈ ω.
Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (2) e (6): (1) Sejam A, B e C
conjuntos tais que α = |A|, β = |B| e γ = |C|, com B ∩C = ∅. Primeiro note
que se f : B → A e g : C → A são funções quaisquer, então, pelo o diagrama,
Figura 6.3: Diagrama de flechas
é fácil verificar que existe uma única função h tal que f = f1 ◦ h e g = g1 ◦ h.
Agora, a função F : AB∪C → AB ×AC definida como
F (h) = (f1 ◦ h, g1 ◦ h)
284 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
tem as propriedades desejadas. Portanto, AB∪C ≈ AB ×AC e αβαγ = αβ+γ.
(2) Sejam f : B × C → A uma função qualquer e y ∈ C fixado. Então
fy : B → A definida como fy(x) = f(x, y) é claramente uma função. Neste
caso, F : C → AB definida como F (y) = fy é uma função (note que
[F (y)](x) = fy(x) = f(x, y), ∀ x ∈ B e y ∈ C).
Agora, a função G : AB×C →
¡
AB
¢C
definida como G(f) = F tem as pro-
priedades desejadas, por exemplo, dados f, g ∈ AB×C , obtemos
f(x, y) = [F (y)](x) = g(x, y), ∀ (x, y) ∈ B × C.
Logo, f = g, ou seja, G é injetora. Portanto, AB×C ≈
¡
AB
¢C
e (αβ)γ = αβγ.
(6) Se α ¹ β e γ ¹ δ, então, pela Proposição 6.36, existem números
cardinais β1 e δ1 tais que β = α+ β1 e δ = γ + δ1.
Afirmação. αγ ¹ (α+ β1)γ.
De fato, sejam A, B e C conjuntos tais que α = |A|, β1 = |B1| e γ = |C|.
Então, pelo Corolário 2.22, qualquer função f : C → A é também uma função
f : C → A ∪B1. Assim, F : AC → (A ∪B1)C definida como
F (f) = f, ∀ f ∈ AC ,
é uma função injetora. Portanto, αγ ¹ (α+ β1)γ e αγ ¹ βγ.
Finalmente,
αγ = αγ · 1 ¹ βγβδ1 = βγ+δ1 = βδ,
que é o resultado desejado. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A, B conjuntos quaisquer e α, β números cardinais tais que α =
|A|, β = |B|. Mostre que
α+ β = |A ∪B|+ |A ∩B| .
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 285
2. Sejam α e β números cardinais. Mostre que:
(a) 0 + α = α.
(b) α+ β = β + α.
(c) α ¹ α+ β.
(d) Se α+ 1 = β + 1, então α = β.
(e) Se α+ n = β + n, para todo n ∈ ω, então α = β.
3. Sejam α, β, γ e δ números cardinais. Mostre que:
(a) 1 · α = α.
(b) 0 · α = α.
(c) αβ = βα.
(d) α ¹ αβ, se α Â 0.
(e) Se α ¹ β e γ ¹ δ, então αγ ¹ βδ.
(f) nα = α+ · · ·+ α, n parcelas, para todo n ∈ ω.
(g) α+ α ¹ α · α, se α Â 1.
4. Sejam α, β e γ números cardinais. Mostre que:
(a) (αβ)γ = αγβγ.
(b) α ¹ αβ, se β Â 0.
(c) β ¹ αβ, se α Â 1.
(d) αn = α · · · · · α, n fatores, para todo n ∈ ω.
5. Mostre que c · c = c, em que c = |R|.
6. Mostre que ℵ0 + c = c, em que c = |R|.
7. Sejam α e β números cardinais. Mostre que:
(a) se α · β = 0, então α = 0 ou β = 0.
286 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
(b) se α · β = 1, então α = 1 e β = 1.
8. Seja A um conjunto infinito qualquer. Mostre que |ω| ≤ |A|.
9. Sejam F = {x0, x1, . . . , xn} um conjunto finito e A = F
•
∪ω. Mostre que
|A| = |ω|.
10. Sejam A um conjunto infinito qualquer, F = {x0, x1, . . . , xn} um con-
junto finito e B = F
•
∪A. Mostre que |A| = |B|.
11. SejamA um conjunto infinito qualquer e E um conjunto contável infinito.
Mostre que |A×E| = |A|. Em particular, mostre que se F é um conjunto
finito, então |A× F | = |A|.
12. Sejam A um conjunto infinito qualquer e B um conjunto não vazio tal
que |B| ≤ |A|. Mostre que
|A ∪B| = |A| .
13. Seja A um conjunto infinito qualquer. Mostre que |A×A| = |A|.
14. Seja A um conjunto infinito qualquer. Mostre que |An| = |A|, para todo
n ∈ ω, com n 6= 0.
15. Sejam A1, . . . , An conjuntos não vazios tais que
|Ai| ≤ |An| , i = 1, . . . , n.
Mostre que
|A1 × · · · ×An| = |An| .
16. Sejam A um conjunto infinito qualquer e
Pf(A) = {B : B ⊆ A e B é um conjunto finito}.
Mostre que |Pf(A)| = |A|.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 287
17. Sejam A e B conjuntos quaisquer. Mostre que existe uma função injetora
f : A→ B ou uma função injetora g : B → A. Conclua que a classe dos
números cardinais é uma cadeia.
Respostas e/ou Soluções
Seção 6.1
1. Como a função identidade IA : A → A é bijetora temos que A ≈ A. Se
A ≈ B, então existe uma função bijetora f : A→ B. Assim, f−1 : B →
A é bijetora e B ≈ A.
Finalmente, se A ≈ B e B ≈ C, então existem funções bijetoras f : A→
B e g : B → C. Logo, g ◦ f : A→ C é bijetora. Portanto, A ≈ C.
2. Confira o Exemplo 6.17.
3. Como A não vazio temos que existe x0 ∈ A. Se A ¹ B, então existe uma
função injetora f : A→ B. Assim, a função g : B → A definida como
g(y) =
(
f−1(y), se y ∈ f(A)
x0, se y ∈ B − f(A)
é sobrejetora.
Reciprocamente, suponhamos que exista uma função g : B → A sobreje-
tora. Além disso, pelo Princípio da Boa Ordenação, podemos supor que
B seja bem ordenado. Então a função f : A→ B definida como
f(x) = min{y ∈ B : g(y) = x}
é injetora. Portanto,A ¹ B.
4. Como A ≈ B temos que existe uma função bijetora f : A→ B. Então a
função g : A ∪ C → B ∪ C definida como
g(x) =
(
f(x), se x ∈ A
x, se x ∈ C
288 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
é bijetora (prove isto!). Portanto, A ≈ B.
Finalmente, tome A = {1, 2} e B = C = {2, 3}. Então é claro que
A ∪ C = {1, 2, 3} e B ∪ C = {2, 3} não são equipotentes.
5. Confira o Teorema 6.31.
6. Como A ≈ B temos que existe uma função bijetora f : A→ B. Assim,
pelo Teorema 2.23, a função
F : P(A)→ P(B)
definida como F (X) = f(X) é bijetora. Portanto,
P(A) ≈ P(B).
7. Seja f : (A−B)→ (B −A) uma função bijetora. Como
A = (A ∩B)
•
∪ (A−B) e B = (A ∩B)
•
∪ (B −A)
temos que a função g : A→ B definida como
g(x) =
(
f(x), se x ∈ A−B
x, se x ∈ A ∩B
é bijetora (prove isto!). Portanto, A ≈ B.
8. Pelo Exemplo 6.4, existem funções bijetoras f : B1(O) → Br(P ) e g :
B1(O) → Bs(Q), respectivamente. Então é fácil verificar que a h =
g ◦ f−1 : Br(P ) → Bs(Q) é bijetora. Portanto, os conjuntos Br(P ) e
Bs(Q) são equipotentes.
9. Como Bi ≈ Ci temos que existe uma função bijetora fi : Bi → Ci, para
cada i ∈ I. Assim, pelo Teorema 2.35, existe uma única função bijetora
f :
[
i∈I
Bi →
[
i∈I
Ci
tal que
f |Bi = fi, ∀ i ∈ I.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 289
Portanto, [
i∈I
Bi ≈
[
i∈I
Ci.
10. Para cada i ∈ I, existe uma função bijetora fi : Bi → Ci. Então a função
F :
Y
i∈I
Bi →
Y
i∈I
Ci
definida como F ({xi}i∈I) = {fi(xi)}i∈I é bijetora (prove isto!).
11. Vamos provar apenas os itens (a) e (c). É claro que ∅ ∈ Pf(A). Se
X ∈ Pf(A) e x ∈ A, então X ∪ {x} ∈ Pf(A), caso contrário, pelo
Teorema 6.13,
(X ∪ {x})− {x} = X
seria um conjunto infinito, o que é impossível. Agora, seja Q qualquer
subconjunto de P(A) satisfazendo as condições (i) e (ii). Então, por (ii),
X ∈ Q, para todo X ∈ Pf(A), pois
X = ∅ ∪X = (∅ ∪ {x0}) ∪ · · · ∪ (∅ ∪ {xn}),
para algum n ∈ ω.
(c) Vamos usar indução sobre o número de elementos de A. Se A = ∅,
então P(A) = {∅} é finito. Suponhamos que P(A) seja finito quando A
possuir n elementos e que
B = {b0, b1, . . . , bn}.
Então, pondo
A = {b0, b1, . . . , bn−1} e C = {X ⊆ B : bn ∈ X},
é fácil verificar que a função f : C → P(A) definida como f(X) =
X − {bn} é bijetora. Assim, P(A) e C são finitos. Portanto, pelo item
(b),
P(B) = P(A) ∪ C
é finito.
290 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Seção 6.2
1. Basta observar que a função f : [0,+∞[ → [0, 1[ definida como
f(x) =
xp
1−√x
injetora.
2. Confira o Exercício 5 da Seção 6.1.
3. Basta observar que 2ω ⊆ ωω ⊆ P(ω × ω).
4. Seja A um conjunto tal que α = |A|. Então, pelo Teorema de Cantor.
A ≺ P(A).
Portanto,
α < 2α,
pois P(A) ≈ 2A.
5. Note que
Ab = f
−1(b) = {x ∈ A : f(x) = b}
é um subconjunto não vazio de A, para todo b ∈ f(A), e Ab ∩ Ac = ∅
quando b 6= c. Assim, pelo axioma da escolha, existe
g ∈
Y
b∈f(A)
Ab.
Logo, g : f(A) → A é injetora, pois dados b, c ∈ f(A), se b 6= c, então
g(b) ∈ Ab e g(c) ∈ Ac implica que g(b) 6= g(c). Portanto, |f(A)| ¹ |A|.
6. Confira o Exercíco 3 da Seção 6.1.
7. Como f : A→ B e g : B → A são funções sobrejetoras temos, pelo Lema
6.20, que |B| ¹ |A| e |A| ¹ |B|. Portanto„ pelo Corolário 6.23,
|A| = |B| .
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 291
8. A função j : A → B definida como j(x) = x é claramente injetora.
Por outro lado, como A é equipotente a C temos que existe uma função
f : A → C bijetora. Assim, a função g = f−1|B : B → A é injetora.
Portanto, pelo Corolário 6.23, A é equipotente a B. Consequentemente,
B é equipotente a C.
9. A função j : ω → ω × · · · × ω definida como j(x) = (x, 0, . . . , 0) é
claramente injetora. Por outro lado, sejam 2, 3, . . . , pn os primeiros n
números primos. Então a função f : ω × · · · × ω → ω definida como
f(r1, r2, . . . , rn) = 2
r13r1 · · · prnn
é injetora, pelo Teorena Fundamental da Aritmética. Portanto, pelo
Corolário 6.23,
|ω × · · · × ω| = |ωn| = |ω| .
10. É claro que
A×B =
[
k∈ω−{0}
Sk, Sk = {(ai, bj) : i+ j = k + 1}.
Agora, se (x, y) ∈ Sm ∩ Sn, então
(x, y) = (ai, bj) = (ar, bs), com i+ j = m+ 1 e r + s = n+ 1.
Como x = ai = ar e y = bj = bs temos que m = n, ou seja, Sm = Sn.
11. Para cada a ∈ R fixado, a função fa : R→ R definida como fa(x) = a é
claramente um elemento de K(R,R). Então a função f : R → K(R,R)
definida como f(a) = fa está bem definida e é bijetora. Portanto,
|K(R,R)| = |R|.
12. Pelo Exercício 11, |R| ≤ |C(R,R)|. Por outro lado, a função ϕ : C(R,R)→
2Q definida como ϕ(f) = f |Q está bem definida e é injetora. De fato, da-
dos f, g ∈ C(R,R), se ϕ(f) = ϕ(g), então f |Q = g|Q, ou seja, f(r) = g(r),
para todo r ∈ Q. Dado x ∈ R, existe, pelo Exemplo 3.56, uma sequência
{rn}n∈N em Q tal que limn→∞ rn = x. Assim,
f(x) = lim
n→∞
f(rn) = lim
n→∞
g(rn) = g(x),
292 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
ou seja, f = g e ϕ é ingetora. Portanto, |C(R,R)| ≤
¯̄
2Q
¯̄
= |R|. Conse-
quentemente, |C(R,R)| = |R|.
13. Sejam U a classe universal e
B = P
³[
U
´
.
Então, pelo Teorema de Cantor,¯̄̄[
U
¯̄̄
≺ |B| .
Como
|X| ¹
¯̄̄[
U
¯̄̄
,
pois seX ∈ U , entãoX ⊆
S
U , temos, por transitividade, que |B| Â |X|,
para todo X ∈ U .
14. Seja C o conjunto de todos os conjuntos. Então, pelo Exercício 12,
existe um conjunto B ∈ C tal que |B| Â |X|, para todo X ∈ C. Como
P (B) ∈ C temos que
|P (B)| ≺ |B| ,
o que contradiz o Teorema de Cantor.
Seção 6.3
1. Como
A ∪B = A
•
∪ (B −A) e B = (A ∩B)
•
∪ (B −A)
temos que
|A ∪B| = |A|+ |B −A| e |B| = |A ∩B|+ |B −A| .
Logo,
|A ∪B|+ |A ∩B| = |A|+ |B −A|+ |A ∩B| = |A|+ |B| .
Portanto, α+ β = |A ∪B|+ |A ∩B|.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 293
2. Vamos provar apenas os itens (c) e (d): (c) Sejam A e B conjuntos tais
que α = |A| e β = |B|. Como a função f : A × B → B × A definida
como f(x, y) = (y, x) é claramente bijetora temos que α+ β = β + α.
(d) Seja A um conjunto tal que α + 1 = |A| = β + 1. Então existem
subconjuntos B e C de A tais que α = |B|, β = |B| e A − B, A − C
possuem um elemento cada. Sejam A−B = {x} e A−C = {y}. Então
A− (B ∩ C) = A ∩ (B ∩ C)0
= A ∩ (B0 ∪ C 0)
= (A−B) ∪ (A− C)
= {x, y}.
Assim, existem duas possibilidades: se x = y, então B = B ∩C = C, de
modo que α = β. Se x 6= y, então
B = (B ∩ C) ∪ (B − C) = (B ∩ C) ∪ {y} e C = (B ∩ C) ∪ {x},
de modo que
α = |B| = |(B ∩ C) ∪ {y}| = |(B ∩ C) ∪ {x}| = |C| = β.
3. Vamos provar apenas os itens (d) e (f): (d) Como α ¹ β e γ ¹ δ temos,
pela Proposição 6.36, que existem números cardinais β1 e δ1 tais que
β = α+ β1 e δ = γ + δ1. Logo,
βδ = (α+ β1)(γ + δ1) = α(γ + δ1) + β1(γ + δ1)
= αγ + (αδ1 + β1γ + β1δ1).
Portanto, pela Proposição 6.36, βδ ¹ αγ.
(f) Como 2 ¹ α temos, pelo item (d), que 2 · α ¹ α · α. Portanto,
α+ α ¹ α · α, pois α+ α = 2 · α.
4. Vamos provar apenas os itens (a) e (d): (a) Sejam A, B e C conjuntos
tais que α = |A|, β = |B| e γ = |C|, com B ∩ C = ∅. Seja
F : AC ×BC → (A×B)C
294 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
definida como F (f, g) = h, com
h(z) = (f(z), g(z)), ∀ z ∈ C.
Note que F está bem definida, pois claramente h ∈ (A × B)C. Dados
(f, g), (f1, g1) ∈ AC ×BC, se
h = F (f, g) = F (f, g) = h1,
então
(f(z), g(z)) = h(z) = h1(z) = (f1(z), g1(z)), ∀ z ∈ C.
Logo,
f(z) = f1(z) e g(z) = g1(z) ∀ z ∈ C.
Assim, f = f1 e g = g1. Portanto, (f, g) = (f1, g1) e F é injetora. Agora,
dado h ∈ (A×B)C, digamos h(z) = (xz, yz) ∈ A×B, para todo z ∈ C.
Então existem funções f : C → A e g : C → B definidas como f(z) = xz
e g(z) = xy tais que F (f, g) = h, ou seja, F é sobrejetora. Portanto,
AC ×BC ≈ (A×B)C e (αβ)γ = αγβγ.
(d) Vamos provar o caso n = 2, o caso geral, segue por indução sobre n.
Seja A um conjunto tal que α = |A|. Então a função F : 2A → A × A
definida como F (f) = (f(1), f(2)) é bijetora (prove isto!). Portanto,
A×A ≈ 2A e α · α = α2.
5. Como ℵ0 = ℵ0 + ℵ0 temos, pelo Exemplo 6.16, que
c = 2ℵ0 = 2ℵ0+ℵ0 = 2ℵ0 · 2ℵ0 = c · c.
6. Seja A = ω ∪ ]0, 1[. Então |A| = ℵ0 + c, pois ω e ]0, 1[ são conjuntos
disjuntos. Por outro lado, como R ≈ ]0, 1[ ⊆ A e A ≈ A ⊆ R temos,
pelo Corolário 6.23, que A ≈ R. Portanto, ℵ0 + c = c.
7. Vamos provar apenas o item (a). Sejam Ae B conjuntos tais que α = |A|
e β = |B|. Então |A×B| = α · β = 0 = |∅|, ou seja, A×B ≈ ∅. Logo,
A ≈ ∅ ou B ≈ ∅. Portanto, α = 0 ou β = 0.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 295
8. Já vimos, pelo Exemplo 4.14, que existe uma função injetora f : ω → A.
Portanto, |ω| ≤ |A|.
9. É fácil verificar que a função f : A→ ω definida como
f(x) =
(
i, se x = xi ∈ F
x+ n+ 1, se x ∈ ω
é bijetora (prove isto!). Portanto, |A| = |ω|.
10. Pelo Exercício 8 existe um subconjunto enumerável E de A tal que |E| =
|ω|. Logo, A = E
•
∪(A−E). Assim, B = F
•
∪E
•
∪(A−E). Pelo Exercício 9,
existe uma função bijetora g : F
•
∪E → E. A função f : B → A definida
como
f(x) =
(
g(x), se x ∈ F
•
∪E
x, se x ∈ A−E
é bijetora (prove isto!). Portanto, |A| = |B|.
11. Como A é um conjunto infinito temos, pelo Exercício 6 da Seção 4.2, que
A =
[
i∈I
Ei,
é uma união disjunta de conjuntos enumeráveis. Assim,
A×E =
[
i∈I
(Ei ×E).
Sendo Ei × E um conjunto enumerável temos que existe uma bijeção
fi : Ei ×E → Ei, para cada i ∈ I. Logo, pelo Teorema 2.35, existe uma
única função bijetora f : A×E → A tal que
f |(Ei×E) = fi, ∀ i ∈ I,
pois
(Ei ×E) ∩ (Ej ×E) = ∅, quando i 6= j.
Portanto, |A×E| = |A|.
296 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Finalmente, como F é um conjunto finito temos que existe uma imersão
de F em um conjunto enumerável E. Logo,
|A× F | ≤ |A×E| = |A| .
Por outro lado, sendo a função j : A→ A×F definida como j(x) = (x, y)
injetora, onde y ∈ F é fixado, obtemos |A| ≤ |A× F |. Portanto, pelo
Corolário 6.23, |A× F | = |A|.
12. Note que
A ∪B = A
•
∪ C, com C = B −A ⊆ B.
Assim, |C| ≤ |A|, pois |B| ≤ |A|. Como
A× {1, 2} = (A× {1})
•
∪ (A× {2})
e |C| ≤ |A| temos uma imersão de A
•
∪ C em A × {1, 2}. Logo, pelo
Exercício 11,
|A
•
∪ C| ≤ |A× {1, 2}| = |A| .
Por outro lado, sendo |A| ≤ |A
•
∪ C| temos, pelo Corolário 6.23, que
|A ∪B| = |A|.
13. Consideremos a família
F = {(B, f) : B ⊆ A e f : B → B ×B é uma função bijetora}.
Então, pelo Exemplo 4.14, F 6= ∅, pois (E, f) ∈ F , com E um subcon-
junto contável infinito de A. Dados (B1, f1), (B2, f2) ∈ F , definimos
(B1, C1) ¹ (B2, C2)⇔ B1 ⊆ B2 e f2|B1 = f1.
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F , digamos
C = {(Bi, fi)}i∈I ,
para algum conjunto de índice I,
M =
[
i∈I
Bi e U =
[
i∈I
Ci.
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 297
Agora, definimos uma função bijetora g : M → M ×M . Dado x ∈ M ,
existe i ∈ I tal que x ∈ Bi Assim, a função g : M → M ×M definida
como g(x) = fi(x) possui as propriedades desejadas. De fato, se existe
j ∈ I tal que x ∈ Bj, então Bi ⊆ Bj ou Bj ⊆ Bi, pois C é uma cadeia,
digamos Bi ⊆ Bj. Logo,
x ∈ Bj e fj(x) = fi(x),
ou seja, g está bem definida. Dados x, y ∈ M , se g(x) = g(y), então
fi(x) = fi(y) e x = y, pois fi é injetora. Assim, g é injetora. Dado
(x, y) ∈M ×M,
existem i, j ∈ I tais que x ∈ Bi e y ∈ Bj. Como C é uma cadeia temos
que Bi ⊆ Bj ou Bj ⊆ Bi, digamos Bi ⊆ Bj. Logo,
x, y ∈ Bj e fj(b) = (x, y),
para algum b ∈ Bj, pois fj é sobrejetora. Assim, por definição,
g(b) = (x, y)
e g é sobrejetora. Portanto, (M, g) ∈ F e (M, g) = sup(C). Pelo Lema de
Zorn, F contém pelo menos um elemento maximal, digamos (M, g) ∈ F .
Seja C = A−M . Se |C| ≤ |M |, então, pelo Exercício 12,
|M | ≤ |A| = |M ∪ C| = |M | .
Assim, pelo Corolário 6.23,
|M ×M | = |M | = |A| e |A×A| = |A| .
Se |M | ≤ |C|, então existe um subconjunto C1 de C tal que |M | = |C1|.
Como
(M ∪ C1)× (M ∪ C1) = (M ×M) ∪ (C1 ×M) ∪ (M × C1) ∪ (C1 × C1)
temos que
(M ∪ C1)× (M ∪ C1) = (M ×M)
•
∪D,
298 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
em que
D = (C1 ×M) ∪ (M × C1) ∪ (C1 × C1)
e, pelo Exercício 12,
|C1 ×M | = |M × C1| = |C1 × C1| = |M | .
Logo,
|D| = |M | .
Neste caso, existe uma bijeção f : C1 → D. Definimos uma função
h :M ∪ C1 → (M ∪ C1)× (M ∪ C1)
como
h(x) =
(
g(x), se x ∈M
f(x), se x ∈ C1.
Então claramente h é bijetora. Assim, (M ∪C1, h) ∈ F , o que contradiz
a maximalidade de (M, g), ou seja, o caso |M | ≤ |C| não pode ocorrer.
Portanto, |A×A| = |A|.
14. Use o Exercício 13 e indução sobre n ∈ ω, com n 6= 0.
15. Como |Ai| ≤ |An| temos que existe uma função injetora fi : Ai → An,
para cada i = 1, . . . , n. Logo, a função
f : A1 × · · · ×An → An × · · · ×An
dedinida como
f(x1, . . . , xn−1, xn) = (f1(x1), . . . , fn−1(xn−1), xn)
é claramente injetora. Assim, pelo Exercício 14,
|An| ≤ |A1 × · · · ×An| ≤ |An × · · · ×An| = |An| .
Portanto, pelo Corolário 6.23,
|A1 × · · · ×An| = |An| .
6.3. ARITMÉTICA DOS NÚMEROS CARDINAIS 299
16. Para cada n ∈ ω, com n 6= 0, consideremos o conjunto
Pn(A) = {B : B ⊆ A tal que |B| = n}.
Então
Pf(A) =
∞[
n=1
Pn(A)
é uma união disjunta. Como |Pn(A)| ≤ |A| temos que existe uma função
injetora fn : Pn(A) → A, para cada n ∈ ω. Logo, pelo Teorema 2.35,
existe uma única função injetora
g : Pf(A)→ A
tal que
g|Pn(A) = fn, ∀ n ∈ ω.
Assim, |Pf(A)| ≤ |A|. Por outro lado, dado F ∈ Pn(A), digamos
F = {x1, . . . , xn}.
Então é fácil verificar que a função f : Pn(A)→ An definida como
f(F ) = (x1, . . . , xn)
é injetora. Assim, pelo Exercício 14,
|Pn(A)| ≤ |An| = |A| .
Como |P1(A)| = |A| temos que |A| ≤ |Pf(A)|. Portanto, pelo Corolário
6.23,
|Pf(A)| = |A| .
17. Consideremos a família
F = {f ⊆ A×B : f é uma função injetora e Dom(f) ⊆ A}.
Então F 6= ∅, pois f = ∅ ∈ F . Dados f, g ∈ F , definimos
f ≤ g ⇔ f ⊆ g.
300 CAPÍTULO 6. NÚMEROS CARDINAIS
Logo, F é um poset. Sejam C uma cadeia qualquer de F e
h =
[
f∈C
f.
Então vamos provar que h ∈ F e h = sup(C). De fato, dados
(x, y1), (x, y2) ∈ h,
existem f, g ∈ C tais que (x, y1) ∈ f e (x, y2) ∈ g. Como C é uma cadeia
temos que f ⊆ g ou g ⊆ f , digamos f ⊆ g. Logo, (x, y1), (x, y2) ∈ g e
y1 = y2, pois g é uma função. Portanto, h é uma função. Dados x1, x2 ∈
Dom(h), existem únicos y1, y2 ∈ B tais que (x1, y1) ∈ h e (x2, y2) ∈ h.
Se y1 = y2, então (x1, y1), (x2, y1) ∈ h. Assim, existem f, g ∈ C tais que
(x1, y1) ∈ f e (x2, y1) ∈ g. Como C é uma cadeia temos que f ⊆ g ou
g ⊆ f , digamos f ⊆ g. Logo, (x1, y1), (x2, y1) ∈ g e x1 = x2, pois g é
injetora. Portanto, h é injetora. É fácil verificar que h = sup(C). Pelo
Lema de Zorn, F contém pelo menos um elemento maximal, f ∈ F .
Finalmente, como f ⊆ A×B e f é maximal emF temos queDom(f) = A
ou Dom(f) ⊂ A. Se Dom(f) = A, então f : A → B é injetora. Se
Dom(f) ⊂ A, então Im(f) = B. Caso contrário, f ∪ {(a, b)} ∈ F ,
onde a ∈ A−Dom(f), o que contradiz a maximalidade de f . Portanto,
g = f−1 : B → A é injetora. Consequentemente, existe uma função
injetora f : A→ B ou uma função injetora g : B → A.
Bibliografia
[1] Bourbaki, N. - Theory of Sets, Addison-Wesley, 1968.
[2] Da Costa, N. C. A. - Introdução aos Fundamentos da Matemática,
Editora Hucitec, 1977.
[3] Halmos, P. R. - Naive Set Theory, Princeton, N. J., Van Nostrand,
1960.
[4] Hrbacek, K. and Jech, T. - Introduction to Set Theory, 3rd ed., Marcel
Dekker, 1999.
[5] Lipschutz, S. - Teoria dos Conjuntos, Coleção Schaum, McGraw-Hill,
1978.
[6] Pinter, C. C. - Set Theory, Addison-Wesley, 1971.
[7] Silva, A. de A. e - Notas de Aula, Departamento de Matemática,
Campus I, UFPB.
[8] Tarski, A. Introduction to Logic and to the Methodology of the Deductive
Sciences, 4th ed., Oxford University Press, 1994.
[9] Wilder, R. L. - Introduction to the Foundation of Mathematics, John
Wiley & Sons, 1965.
301
Índice Remissivo
Alef zero, 269
Antinomia, 36
Aristóteles, 3
Arquimedes, 101
Axioma(s), 2
condicionais, 18
da construção de conjuntos, 41
da escolha, 176
da extensão, 40
da infinidade, 220
da substituição, 72
das potências, 56
de Euclides, 7
de Peano, 224
de subconjuntos, 55
de união, 55
do par (não ordenado), 48
dos números cardinais, 268
independente, 20
Base de Hamel, 198
Bolyai, 4
Boole, 43
Cadeia, 104
Cantor, 35
Cardinal
finito, 275
transfinito, 275
Classe(s), 38
de equivalência, 132
própria, 38
universal, 43
Cobertura, 76
Cohen, 175
Conjunto(s)
bem ordenado, 138
complementar, 44
completo, 126
das potências, 56
de índices, 52
diferença, 44
disjuntos, 44
dos números naturais, 221
equipotentes,256
escolha, 182
estritamente indutivamente orde-
nado, 191
finito, 261
iguais, 40
indutivamente ordenado, 191
indutivo, 220
infinito, 261
302
ÍNDICE REMISSIVO 303
interseção, 43
isomorfos, 115
parcialmente ordenado, 103
sucessor, 220
totalmente ordenado, 104
união, 43
unitário, 48
universal, 43
vazio, 43
Contraexemplo minimal, 237
Corolário, 3
Corte, 106
Cota
inferior, 122
superior, 122
Cox, 270
Diagrama
comuta, 64
de Hasse, 107
de linha, 107
Venn, 45
Diferença, 246
Elemento, 39
limite, 154
maximal, 119
minimal, 119
Está contido, 40
Euclides, 3
Euler, 63
Extensão, 40
Fórmula
de recorrência, 224
de recorrência de Dedekind, 150
Faixa
vertical, 90
Família
compatível, 74
de carater finito, 200
de conjuntos (indexadas), 52
totalmente ordenada, 111
Fibra, 91
Filtro
próprio, 206
Fraenkel, 35
Função, 61
aditiva, 197
avaliação, 69
característica, 71
crescente, 112
decrescente, 112
escolha, 176, 180
estritamente crescente, 112
iguais, 63
residual de, 119
valor, 63
Gödel, 35
Gauss, 4
Gráfico, 50
domínio, 51
identidade, 51
imagem, 51
restrição, 59
Hilbert, 6
304 ÍNDICE REMISSIVO
Hipótese
do contínuo, 275
Imersão
crescente, 117
diagonal, 68
Infimo, 123
Intervalo
aberto, 106
não limitado à direita, 105
não limitado à esquerda, 105
fechado, 106
Isomorfismo, 112
Kuratowski, 49
Lei
da tricotomia, 104, 245, 273
de Arquimedes, 127
de De Morgan, 45
modular, 129
Lema, 3
de Zorn, 195
Lobachevsky, 4
Método
da diagonal de Cantor, 188
Maior elemento, 121
Menor elemento, 121
modelo(s), 17
axiomático, 7
Núcleo, 77
Número(s)
cardinais, 268
menor do que ou igual, 269
natural, 222
Operação
de adição, 12, 14, 25, 230, 278
de multiplicação, 12, 25, 233, 280
de multiplicação por escalar, 14
de potenciação, 239, 283
de produto, 16
Ordem
dual, 125
isomorfos, 115
Ordenação
pela inclusão, 105
p-sequência, 191
Par ordenado, 49
Paradoxo, 36
lógico, 36
semântico, 37
Pasch, 6
Peano, 219
Ponto
fixo, 126
Poset, 103
coroa, 108
Postulado, 2
Euclides, 3
Lobachevsky-Gauss-Bolyai, 5
Riemann, 5
Potência
do contínuo, 255
menor do que, 259
n-ésima, 152
ÍNDICE REMISSIVO 305
Predecessor
imediato, 138
Princípio
da boa ordenação, 205, 237
da contradição, 19
da dualidade, 125
de Dirichlet, 259
de indução finita
primeira forma, 222
segunda forma, 238
de indução transfinita
primeira forma, 148
segunda forma, 149
do terceiro excluído, 19
maximal, 237
maximal de Hausdorff, 195
Proclus, 3
Produto
cartesiano, 50, 66
Propriedade
universal, 69
Relação
binária, 26
de equivalência, 26, 131
de ordem antilexicográfica, 110
de ordem cartesiana, 111
de ordem induzida, 104
de ordem inversa, 111
de ordem lexicográfica, 109
de ordem parcial, 27, 102
de ordem simples, 27
de ordem total, 102
de pré-ordem, 102
Reta(s)
paralelas, 3
Reticulado, 128
completo, 131
Retração, 78
Riemann, 5
Russell, 36
Seção, 78, 141
Segmento
final, 105
inicial, 105
Sentença, 39
Sequência, 53
Sigma
proposição, 19, 20
Sistema(s)
de axiomas, 7
categórico, 23
completo, 23
consistente, 17
inconsistente, 17
independente, 22
isomorfos, 23
minimal de representantes, 183
satisfatório, 18
Skolem, 35
Sub-reticulado, 131
Subconjunto, 40
convexo, 118
denso, 141
limitado, 122
306 ÍNDICE REMISSIVO
limitado inferiormente, 122
limitado superiormente, 122
não limitado, 122
próprio, 40
Sucessor, 220
imediato, 138
Supremo, 123
Teorema, 2
de Bourbaki, 192
de Cantor, 260
de Cantor-Schröder-Bernstein, 133,
243, 272
de Pitágoras, 3
do Ponto Fixo de Knaster, 126
do Ponto Fixo de Tarski, 133
Topologia, 28
von Neumann, 35
Zermelo, 35

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