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Uma_Introdução_Axiomática_dos_Conjuntos

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Universidade Federal da Paraíba 
CNPJ/MF: 24.098.477/000 –10 
Cidade Universitária – Campus I S/N° ‐ Castelo Branco 
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Fone/Fax: (83) 32167131/3216‐7135 e 3216‐7178 
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Ficha Técnica  
 
 
Reitor da UFPB                                        
Rômulo Soares Polari 
 
Departamento de Matemática 
Fágner Dias Araruna 
 
Coordenador da UFPB – Virtual 
Renata Patrícia Jerônymo Moreira 
Edson de Figueiredo Lima Junior 
 
Arte, Design e Diagramação 
Romulo Jorge Barbosa Silva 
Pró‐Reitor de Graduação 
Valdir Barbosa Bezerra 
  
Centro de Ciências Exatas e da Natureza 
Antônio José Creão Duarte 
 
Coordenador do Curso 
José Gomes de Assis 
 
Revisão Técnica e Linguística 
Inaldo Barbosa de Albuquerque
 
 
S586u   Silva, Antônio de Andrade e 
 
Uma introdução axiomática dos conjuntos / Antônio de 
Andrade e Silva.   – João Pessoa: Editora Universitária da 
UFPB, 2011. 
 
               311 p.    
 
                          1. Álgebra 
 
                                                                      CDU: 512 
Sumário
Prefácio iii
1 O Método Axiomático 1
1.1 Introdução Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Modelos Axiomáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Caracterização de um Sistema de Axiomas . . . . . . . . . . . . 16
2 Conjuntos 35
2.1 Introdução Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.3 Gráficos e Famílias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.4 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3 Conjuntos Parcialmente Ordenados 101
3.1 Conjuntos Ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
3.2 Isomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
3.3 Elementos Notáveis e Dualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
3.4 Conjuntos Bem Ordenados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
4 Axioma da Escolha e Aplicações 175
4.1 Axioma da Escolha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
4.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
4.3 Princípio da Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
i
ii SUMÁRIO
5 Os Números Naturais 219
5.1 Os Números Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
5.2 Aritmética dos Números Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
6 Números Cardinais 255
6.1 Conjuntos Equipotentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256
6.2 Números Cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
6.3 Aritmética dos Números Cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . 277
Bibliografia 301
Índice Remissivo 302
Prefácio
Este texto surgiu da experiência do autor quando este ministrou algu-
mas vezes a disciplina para os cursos de Matemática e na Licenciatura em
Matemática a Distância.
O principal objetivo deste texto é levar o leitor a compreender os axiomas
da Teoria dos Conjuntos, segundo “Zermelo-Fraenkel”, a ponto de aplicá-los em
diferentes contextos tais como o axioma da escolha, modelagem de situações-
problema envolvendo o princípio do máximo de Hausdorff, Lema de Zorn,
conjuntos bem ordenados, construção dos números naturais e números cardi-
nais.
O texto é dividido em seis capítulos, dos quais o primeiro é responsável
pela introdução do método axiomático e resultados utilizados em todo o texto.
Em cada estudo específico, busca-se a caracterização do objeto por meio de
propriedades que possibilitem ao leitor estabelecer correspondências entre de-
terminadas situações-problema da vida real e a espécie de função focalizada,
objetivando sua utilização na construção de uma tradução matemática da
respectiva situação.
É nossa expectativa que este texto assuma o carater de espinha dorsal de
uma experiência permanentemente renovável, sendo, portanto, bem vindas às
críticas e/ou sugestões apresentadas por todos - professores ou alunos quantos
dele fizerem uso.
Para desenvolver a capacidade do leitor de pensar por si mesmo em termos
das novas definições, incluímos no final de cada seção uma extensa lista de
exercícios, onde a maioria dos exercícios dessas listas foram selecionados dos
livros citados no final do texto. Devemos, porém, alertar aos leitores que os
iii
iv SUMÁRIO
exercícios variam muito em grau de dificuldade, sendo assim, não é necessário
resolver todos numa primeira leitura.
No capítulo 1 apresentaremos um pouco da história do surgimento do
método axiomático na matemática, que serão necessárias para o entendimento
dos próximos capítulos.
No capítulo 2 apresentaremos, via método axiomático, os elementos básicos
da Teoria dos Conjuntos através dos sete primeiros axiomas. Além disso, defi-
nimos as operações com conjuntos: união, interseção, complementar, diferença,
gráficos, famílias, produto cartesiano e algumas propriedades algébricas.
No capítulo 3 estudaremos os problemas de aplicações ordinárias de mate-
mática tais como: relação de ordem, conjuntos parcialmente ordenados, ele-
mentos maximais e minimais, maior e menor elemento, supremo e ínfimo de
um conjunto. Além disso, estudaremos reticulados e conjuntos bem ordenados.
No capítulo 4 apresentaremos as formulações clássicas do axioma da escolha
dada por Zermelo e suas principais consequências.
No capítulo 5 construiremos, formalmente, o conjunto dos números natu-
rais, o qual será munido com todas as propriedades que são associadas com
os números naturais do nosso pensamento. Além disso, com o “axioma da
infinidade” completaremos a Teoria Axiomática dos Conjuntos, segundo Zer-
melo.
Finalmente, no capítulo 6 apresentaremos o conceito de conjuntos equipo-
tentes e o conceito formal de números cardinais via método axiomático. Tam-
bém, veremos que o conjunto dos números cardinais possui quase todas as
propriedades algébricas do conjunto dos números naturais.
Agradecemos aos colegas e alunos do Departamento de Matemática que,
direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. Em
particular, aos professores João Bosco Nogueira e Glauber Dantas Morais.
Antônio de Andrade e Silva.
Capítulo 1
O Método Axiomático
Quando falamos que um objeto pertence a outro objeto, queremos dizer,
simplesmente, que o primeiro deles depende do segundo. Situações de per-
tinência fazem-se presentes constantemente em nossa vida. Por exemplo, um
ponto pertence a uma reta.
A partir de agora, você está convidado a nos acompanhar neste passeio
pelo mundo dos axiomas e postulados. Juntos analisaremos detalhadamente
as caracterizações de um sistema de axiomas e a independência de um axioma.
É importante salientar que alguma familiaridade com conceitos tais como:
conjuntos, conjuntos numéricos, espaço vetorial, grupo etc. é necessário para
uma boa leitura deste capítulo.
No nosso dia-a-dia, os axiomas e postulados aparecem com mais frequência
na Geometria Plana. Considere, por exemplo,
“Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos
interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas
retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma
é menor que dois ângulos retos.”
Este e outros axiomas da Geometria Plana serão tratados neste capítulo.
1
2 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
1.1 Introdução Histórica
Nesta seção apresentaremos um pouco da história do surgimento do método
axiomático na matemática. O leitor interessado em mais detalhes pode con-
sultar Tarski, A. [8] ou Wilder, R. L. [9].
Nos textos de Geometria Plana, visto no ensino fundamental, encontramos
dois grupos fundamentais de afirmações, um chamado de axiomas e outro
chamado de postulados. Formalmente:
Um axioma é uma afirmação que dispensa explicação, ou seja, é uma ver-
dadeuniversal.
Exemplo 1.1
1. O todo é maior do que cada uma de suas partes.
2. O todo é a soma de suas partes.
3. Coisas iguais a uma outra coisa são iguais entre si.
Um postulado é um fato geométrico simples e óbvio que podemos supor sua
validade.
Exemplo 1.2
1. Dois pontos distintos determinam uma e somente uma reta.
2. Uma reta pode ser estendida indefinidamente.
3. Se r é uma reta e P é um ponto fora de r, então existe uma única reta
s paralela à reta r e passando por P .
Um teorema é uma verdade que não se torna evidente senão por meio de
uma prova.
Observação 1.3 Um teorema é composto de duas partes:
1.a Hipótese - é o conjunto de suposições.
1.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 3
2.a Tese - é a consequência que o raciocínio deduz da hipótese, por meio de
verdades já conhecidas.
Exemplo 1.4 (Teorema de Pitágoras) Em qualquer triângulo retângulo, a
área do quadrado cujo lado é a hipotenusa é igual à soma das áreas dos quadra-
dos que têm como lados cada um dos catetos. (Pitágoras, 569-480, a.C.)
Um lema é um teorema auxiliar.
Finalmente, um corolário é uma proposição que é uma consequência de um
teorema previamante provado.
Esses agrupamentos de axiomas e postulados já eram conhecidos em Aristó-
teles (384-321, a.C.) e em Euclides (330-260, a.C.) como noções comuns e
postulados. A partir dessas afirmações e de um certo número de definições,
Euclides demonstrou 465 teoremas em uma sequência lógica. Por exemplo, o
quinto postulado de Euclides, em sua forma original, foi enunciado como:
E5 - Se uma linha reta intercepta duas outras linhas retas formando ângulos
interiores no mesmo lado menor do que dois ângulos retos, as duas linhas
retas, se prolongadas indefinidamente se interceptarão no lado em que a soma
é menor que dois ângulos retos, confira Figura 1.1.
Proclus (Proclus Lycaeus, 412-485, d.C, filósofo grego) descreveu a con-
trovérsia que estava se formando com relação a esse postulado mesmo nessa
época, sendo ele próprio a favor da eliminação do postulado por classificá-lo
de ingênuo, plausível e sem carater de necessidade lógica.
No período Renascentista (séculos XV e XV I) iniciou-se novo período de
controvérsias com relação ao quinto postulado a partir dos outros postulados,
ou seja, demonstrá-lo a partir dos outros postulados e axiomas da geometria
usando princípios da lógica. Vamos dar uma pausa para relembrar a definição
de retas paralelas.
Duas retas distintas r e s, em Geometria Plana, são chamadas de paralelas
se elas não se interceptam, isto é, r 6= s e r ∩ s = ∅. Assim, atualmente, o
quinto postulado de Euclides é enunciado como:
E5 - Dada uma reta r e um ponto P fora de r, existe uma e somente uma
reta s que contém P e é parelela à reta r, confira Figura 1.2.
4 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Figura 1.1: Quinto postulado de Euclides.
Figura 1.2: Geometria Euclidiana.
Note que esse postulado afirma que retas paralelas existem.
No século dezenove, Lobachevsky (Nikolai Ivanovich Lobachevsky, 1792-
1856, matemático russo) em 1820, Gauss (Carl Friedrich Gauss 1777-1855,
matemático alemão) e Bolyai (János Bolyai, 1802-1860, matemático húngaro)
em 1823, descobriam que poderiam obter uma teoria matemática “consistente”
partindo de um postulado que afirma a existência de infinidade de retas parale-
las contendo P .
1.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 5
Postulado de Lobachevsky-Gauss-Bolyai - Dada uma reta r e um
ponto P fora de r, existem pelo menos duas retas s e t que contém P e são
paralelas à reta r.
Figura 1.3: Geometria Hiperbólica.
Um “modelo” para esta geometria é dado pelo o semiplano H, em que
as retas são semi-retas e semicírculos perpendiculares à reta que determina o
semiplano, confira Figura 1.3.
Riemann (Georg Friedrich Bernhard Riemann, 1826-1866, matemático ale-
mão), descobriu uma nova geometria partindo de um postulado que nega a
existência de retas paralelas.
Postulado de Riemann - Duas retas nunca são paralelas.
Figura 1.4: Geometria Esférica.
Um modelo para esta geometria é dado pela esfera S2, em que as retas são
os grandes círculos, ou seja, as interseções de S2 com os planos π contendo o
6 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
centro de S2, confira Figura 1.4.
Com esses postulados temos três tipos de geometrias. Em cada uma dessas
geometrias é claro que precisamos de muitos outros postulados.
Hilbert (David Hilbert, 1862-1943, matemático alemão), em 1899, no seu
célebre trabalho “Fundamentos da Geometria”, apresenta a ideia de que apenas
um nome - axiomas - deve ser usado com relação às proposições fundamentais,
e que certos termos básicos como ponto e reta são deixados completamente
indefinidos.
Embora esse trabalho de Hilbert seja reconhecido por muitos como sendo
o primeiro a tratar de método axiomático em sua forma moderna, devemos
reconhecer que ideias análogas também apareceram em trabalhos de outros
estudiosos da época.
Em 1882 apareceu a primeira edição do livro de Pasch (Moritz Pasch,
1843-1930, matemático alemão) “Vorlesungen über Neuere Geometrie.” Pasch
baseou seu tratamento da geometria em um pequeno número de “conceitos nu-
cleares” e “proposições nucleares” que são introduzidas respectivamente sem
definição e sem demonstrações, mas que ele acredita ter uma base comum de
aceitação pela nossa experiência. Depois que o sistema básico de proposições
(axiomas) é introduzido, a dedução lógica das outras proposições do sistema
são obtidas de forma rigorosa. Suas ideias foram descritas por ele mesmo como
segue:
“Na realidade, se a geometria deve ser dedutiva, a dedução deve ser in-
dependente do significado dos conceitos geométricos, da mesma forma que
deve ser independente de diagramas; somente as relações especificadas nas
proposições e definições (teoremas) empregadas podem ser usadas. Durante
a demonstração é útil e correto, mas de modo algum necessário, pensar no
significado dos termos; aliás, se for necessário proceder desse modo a ineficiên-
cia da prova está clara. Se, entretanto, um teorema é rigorosamente derivado
de um conjunto de proposições (os axiomas), a demonstração tem um valor que
transcende o objetivo inicial. Pois se substituirmos os termos geométricos nos
axiomas por outros termos certos, proposições verdadeiras serão obtidas, então
fazendo substituições análogas nos teoremas obteremos um novo teorema sem
termos que repetir a demonstração.”
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 7
1.2 Modelos Axiomáticos
Nesta seção apresentaremos alguns modelos axiomáticos que serão necessá-
rios para o desenvolvimento deste texto.
O modelo axiomático organiza as teorias de um modo sistemático a partir
de proposições primitivas e definições, procedendo ao desenvolvimento por via
dedutiva.
Um sistema de axiomas é uma coleção formada pelos termos indefinidos,
axiomas e “teoremas.”
Intuitivamente, um sistema de axiomas é construído como segue: primeiro
escolhemos os conceitos básicos e procuramos explicá-los sua natureza da mel-
hor maneira possível. Segundo escrevemos os axiomas para os conceitos.
Agora, apresentaremos um sistema “parcial” de axiomas como uma amostra
do modelo axiomático.
Exemplo 1.5 O sistema de axiomas E da Geometria Plana (Euclides).
Termos indefinidos: Ponto e Reta.
E1 - Toda reta é uma coleção de pontos.
E2 - Existem pelo menos dois pontos.
E3 - Se P e Q são pontos distintos, então existe uma e somente uma
reta contendo P e Q.
E4 - Se r é uma reta, então existe um ponto fora de r.
E5 - Se r é uma reta e P um ponto fora de r, então existe uma e somente
uma reta s contendo P e paralela à reta r.
Observação 1.6 Seja E o sistema de axiomas da Geometria Plana (Euclides)
1. Ponto e reta em E desempenham o mesmo papel que as variáveis em
equações algébricas, por exemplo,
(x+ y)2 = x2 + xy + yx+ y2,
8 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
com x e y representando qualquer objeto (número, matriz, etc.) de um
certo conjunto especificado.
2. Note que o axioma E1 em E estabelece uma relação entre os termos
indefinidos ponto e reta.
3. Vamos mostrar,com um exemplo, que o sistema de axiomas E não
é adequado para a Geometria Plana. Seja C uma cidade com duas bi-
bliotecas distintas,
C = {b1, b2} ,
em que os termos indefinidos são: “livro = ponto” e “biblioteca = reta.”
Note que o axioma E3 não é satisfeito, enquanto os outros o são.
4. Seja Z uma comunidade formada de quatro pessoas
Z = {a, b, c, d}
e seis clubes
ab, ac, ad, bc, bd e cd,
em que os termos indefinidos são: “pessoa = ponto” e “clube = reta.”
Então todos os axiomas são satisfeitos.
Teorema 1.7 Todo ponto pertence a pelo menos duas retas distintas.
Prova. Seja P um ponto qualquer. Pelo axioma E2 existe um pontoQ distinto
de P . Pelo axioma E3 existe uma e somente uma reta r contendo P e Q. Além
disso, pelo axioma E4 existe um ponto R fora de r. Novamente, pelo axioma
E3 existe uma reta s contendo P e R.
Finalmente, pelo axioma E1 temos que r 6= s, com r ∩ s = {P}. ¥
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 9
Figura 1.5: Esboço da Prova.
Corolário 1.8 Toda reta contém pelo menos um ponto.
Prova. Primeiro note que pelo axioma E2 existe um ponto P e pelo Teorema
1.7 existem duas retas distintas r e s contendo P . Agora, suponhamos, por
absurdo, que exista uma reta t sem pontos. Então, por definição, r e s são
paralelas à reta t. Como P está fora de t temos, pelo axioma E5 que existe
uma e somente uma reta u contendo P e paralela à reta t, o que contradiz o
fato de r e s serem paralelas à reta t. ¥
Teorema 1.9 Toda reta contém pelo menos dois pontos.
Prova. Seja r uma reta qualquer. Então, pelo Corolário 1.8, r contém um
ponto P e pelo Teorema 1.7, existe uma reta s distinta de r contendo P . Logo,
pelo axioma E1, existe um ponto Q tal que
(Q ∈ r e Q /∈ s) ou (Q /∈ r e Q ∈ s).
Se Q ∈ r, então o Teorema está provado. Se Q ∈ s, então, pelo axioma E4
existe um ponto R fora de s. Assim, temos duas possibilidades: se R ∈ r,
então o Teorema está provado. Se R /∈ r, então pelo axioma E5 existe uma e
somente uma reta t contendo R e paralela à reta s.
Afirmação. r ∩ t 6= ∅.
De fato, se r ∩ t = ∅, então a reta t é paralela à reta r. Logo, r e s são retas
contendo P e paralelas à reta t, o que contradiz o axioma E5.
Seja X ∈ r ∩ t. Então X é um ponto distinto de P , pois P /∈ t. Portanto,
r contém pelo menos dois pontos P e X. ¥
10 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Figura 1.6: Esboço da Prova.
Corolário 1.10 Toda reta fica completamente determinada por quaisquer dois
de seus pontos que sejam distintos.
Prova. Seja r uma reta qualquer. Então, pelo Teorema 1.9, a reta r contém
dois pontos distintos P e Q. Portanto, pelo axioma E3, a reta r é completa-
mente determinada pelos pontos P e Q. ¥
Teorema 1.11 Existem pelo menos quatro pontos distintos.
Prova. Pelo axioma E2 existem pelo menos dois pontos distintos P e Q. Pelo
axioma E3 existe uma única reta r contendo P e Q. Além disso, pelo axioma
E4 existe um ponto R fora de r e, pelo axioma E5, existe uma única reta s
contendo R e paralela à reta r.
Finalmente, pelo Teorema 1.9, s contém um ponto S distinto de R. Por-
tanto, existem pelo menos quatro pontos P , Q, R e S. ¥
Figura 1.7: Esboço da prova.
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 11
Teorema 1.12 Existem pelo menos seis retas distintas.
Prova. Pela prova do Teorema 1.11, existe uma reta r contendo P e Q; uma
reta s paralela à reta r contendo pontos distintos R e S. Logo, pelo axioma E3
existem retas u e v contendo Q e S; P e R, respectivamente. Note que Q /∈ v,
pois se Q ∈ v, então v = r e R ∈ r, o que é impossível. De modo inteiramente
análogo, prova-se que S /∈ v e P,R /∈ u. Novamente, pelo axioma E3 existem
retas t e x contendo P e S; Q e R, respectivamente. Observe que Q /∈ t e
S /∈ x. Portanto, r, s, t, u, v e x são retas distintas. ¥
Figura 1.8: Esboço da prova.
Note, nas provas dos resultados acima, que as Figuras nos ajudam a me-
morizar os vários símbolos
(r, s, P,Q, . . .)
bem como, seus significados de maneira mais fácil. Não obstante, nenhum
significado especial foi dado aos termos “ponto” e “reta”, e, consequentemente,
são válidas se substituirmos pessoas por pontos e duas pessoas por reta. Além
disso, é claro que não provamos acima todos os teoremas possíveis.
Finalizaremos esta seção apresentado mais um exemplo de um sistema de
axiomas para definirmos um “corpo.”
12 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Exemplo 1.13 O sistema de axiomas F formado por um conjunto não vazio
K de objetos (corpo).
Termos indefinidos: Objetos (Conjunto e Pertinência).
O conjunto K é munido com duas operações binárias:
+ : K ×K −→ K
(a, b) 7−→ a+ b
e
· : K ×K −→ K
(a, b) 7−→ a · b
chamadas adição e multiplicação tais que os seguintes axiomas são satis-
feitos:
F1 - Sejam a, b, c, d ∈ K. Se a = c e b = d, então a+ b = c+ d, isto é,
a operação + está bem definida.
F2 - a+ (b+ c) = (a+ b) + c, para todos a, b, c ∈ K.
F3 - Existe 0 ∈ K tal que a+ 0 = 0 + a = a, para todo a ∈ K.
F4 - Para cada a ∈ K, existe −a ∈ K tal que a+ (−a) = (−a) + a = 0.
F5 - a+ b = b+ a, para todos a, b ∈ K.
F6 - Sejam a, b, c, d ∈ K. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é, a
operação · está bem definida
F7 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ K.
F8 - Existe 1 ∈ K tal que a · 1 = 1 · a = a, para todo a ∈ K.
F9 - K possui pelo menos dois elementos. Neste caso, o elemento 0 é
diferente do elemento 1.
F10 - Para cada a ∈ K∗, existe a−1 ∈ K tal que a · a−1 = a−1 · a = 1.
F11 - a · b = b · a, para todos a, b ∈ K.
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 13
F12 - A operação binária + é distributiva sobre a operação binária ·, isto
é,
a · (b+ c) = a · c+ a · b e (a+ b) · c = a · c+ b · c, ∀ a, b, c ∈ K.
Teorema 1.14 Sejam K um corpo e a, b, x ∈ K.
1. Se a+ x = a, então x = 0.
2. Se b 6= 0 e b · x = b, então x = 1.
3. Se a+ b = 0, então b = −a.
4. A equação a+ x = b possui uma única solução x = (−a) + b.
5. Se b 6= 0, então a equação b ·x = a possui uma única solução x = b−1 · a.
6. x · 0 = 0 · x = 0.
7. −x = (−1)x.
8. −(a+ b) = (−a) + (−b).
9. −(−x) = x.
10. (−1) · (−1) = 1.
11. Não existe y ∈ K tal que 0 · y = 1.
Prova. Vamos provar apenas os itens (1), (6), (8) e (11): (1) Usando sucessi-
vamente, os axiomas F3, F4 e F2, obtemos
x = 0 + x
= [(−a) + a] + x
= (−a) + (a+ x) hipótese
= (−a) + a = 0.
(6) Pelo axioma F3, 1 = 1 + 0. Logo, pelo axioma F6,
x · 1 = x · (1 + 0).
14 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Assim, pelos axiomas F8 e F12, x = x+x ·0. Portanto, pelo item (1), x ·0 = 0.
(8) Pelo item (7), −(a+ b) = (−1)(a+ b). Pelo axioma F12,
(−1)(a+ b) = (−1)a+ (−1)b.
Novamente, pelo item (7),
(−1)a+ (−1)b = (−a) + (−b).
Portanto, −(a+ b) = (−a) + (−b).
(11) Pelo item (6), 0 ·x = 0, para todo x ∈ K. Suponhamos, por absurdo,
que exista y ∈ K tal que 0 · y = 1. Então 0 = 0 · y = 1, o que contradiz o
axioma F9. ¥
EXERCÍCIOS
1. O sistema de axiomas V formado por um conjunto não vazio V de “ve-
tores” (espaço vetorial).
Termos indefinidos: Vetores.
O conjunto V é munido com duas operações:
+ : V × V −→ V
(u, v) 7−→ u+ v
e
· : K × V −→ V
(a, u) 7−→ a · u
chamadas adição e multiplicação por escalar tais que os seguintes
axiomas são satisfeitos:
V1 - Sejam u, v, w, t ∈ V . Se u = w e v = t, então u + v = w + t,
isto é, a operação + está bem definida.
V2 - u+ (v + w) = (u+ v) + w, para todos u, v, w ∈ V .
V3 - Existe 0 ∈ V tal que u+ 0 = 0 + u = u, para todo u ∈ V .
1.2. MODELOS AXIOMÁTICOS 15
V4 - Para cada u ∈ V , existe −u ∈ V tal que
u+ (−u) = (−u) + u = 0.
V5 - u+ v = v + u, para todos u, v ∈ V .
V6 - Sejam a, b ∈ K e u, v ∈ V , em que K é um corpo. Se a = b e
u = v, então a · u = b · v, isto é, a operação · está bem definida.
V7 - a(b · u) = (ab) · u, para todo u ∈ V e a, b ∈ K.
V8 - (a+ b) · u = a · u+ b · u, para todo u ∈ V e a, b ∈ K.
V9 - a · (u+ v) = a · u+ a · v, para todos u, v ∈ V e a ∈ K.
V10 - 1 · u = u, para todo u ∈ V e 1 o elemento identidade de K.
(a) Mostre que o vetor 0 é único em V .
(b) Mostre que o vetor −u é único em V .
(c) Mostre que existe um único x ∈ V tal que u + x = v, para todos
u, v ∈ V .
(d) Mostre que seu+ u = u, então u = 0.
(e) Mostre que a · 0 = 0, para todo 0 ∈ V e a ∈ K.
(f) Mostre que 0 · u = 0, para todo u ∈ V e 0 ∈ K.
(g) Mostre que se a ·u = 0, então a = 0 ou u = 0, onde u ∈ V e a ∈ K.
(h) Mostre que −u = (−1)u, para todo u ∈ V .
(i) Mostre que (−a) ·u = a · (−u) = −(a ·u), para todo u ∈ V e a ∈ K.
2. Mostre que o conjunto dos números complexos
C = {a+ bi : a, b ∈ R e i2 = −1}
satisfaz o sistema de axiomas V com as operações usuais, onde K = R.
3. O sistema de axiomas G formado por um conjunto não vazio G de
objetos (grupo).
16 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Termos indefinidos: Objetos.
O conjunto G é munido com uma operação binária:
· : G×G −→ G
(a, b) 7−→ a · b
chamada produto tais que os seguintes axiomas são satisfeitos:
G1 - Sejam a, b, c, d ∈ G. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é,
a operação · está bem definida.
G2 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ G.
G3 - Existe e ∈ G tal que a · e = e · a = a, para todo a ∈ G.
G4 - Para cada a ∈ G, existe a−1 ∈ G tal que a · a−1 = a−1 · a = e.
(a) Mostre que o elemento e é único em G.
(b) Mostre que o elemento a−1 é único em G.
(c) Mostre que para quaisquer a, b ∈ G, as equações a ·x = b e y · a = b
possuem soluções únicas x, y ∈ G.
(d) Mostre que as funções Lc : G −→ G e Rc : G −→ G definidas como
Lc(x) = c · x e Rc(x) = x · c, respectivamente, são bijetoras, para
todo c ∈ G fixado.
4. Seja M2(R) o conjunto das 2 × 2 matrizes com entradas em R. Mostre
que o conjunto das matrizes invertíveis
GL 2(R) = {A ∈M2(R) : det(A) 6= 0}
satisfaz o sistema de axiomas G, com a operação usual de multiplicação
de matrizes.
1.3 Caracterização de um Sistema de Axiomas
Quando os termos indefinidos e os axiomas forem selecionados, como pode-
remos garantir que o sistema de axiomas obtido é adequado aos propósitos
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 17
para que foi estabelecido? Se, por exemplo, ele foi estabelecido para servir
de base para os fundamentos da Geometria Plana, então desejaríamos saber
de alguma maneira se de fato os axiomas estabelecidos são suficientes. Outra
questão que poderíamos abordar, é sobre a “independência” dos axiomas;
algum dos axiomas pode ser provado a partir dos outros, e caso isto ocorra,
não deveríamos enunciá-lo como um teorema para ser depois demonstrado?
A experiência tem mostrado, entretanto, que uma questão mais fundamen-
tal é a seguinte: o sistema implica teoremas contraditórios? Se isto ocorre,
então é claro que alguma coisa está errada, e teremos então que eliminar este
defeito antes de abordarmos qualquer outro aspecto. Consideraremos portanto
esta questão em primeiro lugar.
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é consistente se ele não im-
plicar teoremas contraditórios. Caso contrário, diremos que Σ é inconsistente.
Observação 1.15 Como cada axioma é implicado pelo sistema de axiomas
temos, em particular, que um sistema de axiomas consistentes não pode ter
axiomas contraditórios.
Exemplo 1.16 Se acrescentarmos o axioma, E6 - “Existe no máximo três
pontos”, ao sistema de axiomas E da Observação 1.6, então E é inconsistente,
pois, contradiz o Teorema 1.11, “Existem pelo menos quatro pontos.”
Seja Σ um sistema de axiomas. Uma interpretação de Σ é uma atribuição
de significados aos termos indefinidos do sistema, de modo que os axiomas
se tornem simultaneamente proposições verdadeiras para todos os valores va-
riáveis (por exemplo, pontos e retas no sistema E).
Exemplo 1.17 O conjunto Z de quatro pessoas é uma interpretação para o
sistema de axiomas E da Observação 1.6.
Exemplo 1.18 O conjunto dos números reais R é uma interpretação para o
sistema de axiomas F do Exemplo 1.13.
Seja Σ um sistema de axiomas. Um modelo para Σ é o resultado de uma
interpretação. Assim, o conjunto dos números reais R é um modelo do sistema
18 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
de axiomas F , e a coleção de quatro pessoas Z é também um modelo para o
sistema E . Em geral, quando fazemos uma interpretação I de um sistema de
axiomas Σ, o modelo resultante da interpretação será representado por M(I).
Para alguns modelos de um sistema de axiomas Σ, alguns axiomas do
sistema podem ser verdadeiros por vacuidade, isto é, axiomas da forma “se
. . . , então . . . ” (p → q), que chamaremos de “axiomas condicionais”, podem
ser verdadeiros quando interpretados simplesmente porque a parte condicional
“se . . . ” não é satisfeita pelo modelo.
Exemplo 1.19 Sejam p a sentença “dois ângulos opostos pelo vértice” e q a
sentença “dois ângulos congruentes.” Então comprove intuitivamente a tabela
da sentença p → q sendo verdadeira se pudermos desenhar o diagrama dos
ângulos, caso contrário, falsa, confira Figura 1.9.
Figura 1.9: Tabela de Verdade.
p q p→ q (∼ p) ∨ q
V V V V
V F F F
F V V V
F F V V
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é satisfatório se ele admitir
uma interpretação.
Exemplo 1.20 Os sistemas de axiomas E e F da Observação 1.6 e do Exem-
plo 1.13, respectivamente, são satisfatórios.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 19
Vamos determinar ummétodo de verificarmos a consistência de um sistema
de axiomas Σ. Para isso, vamos relembrar dois princípios da lógica clássica
(Aristoteliana). Seja p uma sentença (ou proposição). Então:
1. Princípio da contradição. Se p é verdadeira, então ∼ p é falsa, isto
é, dadas duas proposições contraditórias uma delas é falsa. Em símbolos,
∼ [p ∧ (∼ p)].
2. Princípio do terceiro excluído. p ou ∼ p é sempre verdadeira, isto
é, dadas duas proposições contraditórias pelo menos uma delas é sempre
verdadeira. Em símbolos,
p ∨ (∼ p).
Exemplo 1.21 Seja p a proposição “hoje é quarta-feira.” O princípio da con-
tradição vale, pois hoje não pode ser ambos quarta-feira e quinta-feira. O
princípio do terceiro excluído afirma p ou ∼ p é sempre verdadeira.
Exemplo 1.22 Seja A um conjunto e P (x) uma propriedade “a qual é signi-
ficativa para cada elemento x em A.” O princípio do terceiro excluído afirma
ou existe um x ∈ A tal que P (x) é verdadeira ou ao contrário, P (x) é falsa,
para todo x ∈ A.
Seja Σ um sistema de axiomas. Uma Σ-proposição é uma proposição que
pode ser expressa com base nos termos indefinidos e universais de Σ.
Exemplo 1.23 Os axiomas e teoremas de Σ são Σ-proposições.
Vamos enunciar mais dois princípios da lógica aplicados ao sistema de
axiomas Σ.
L1 Todas as proposições implicadas pelos axiomas de Σ, são verdadeiras para
todos os modelos de Σ.
L2 O princípio da contradição se aplica a todas as proposições sobre um
modelo de Σ, desde que elas sejam Σ-proposições cujos termos técnicos
tenham os significados dados na interpretação.
20 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Sejam Σ um sistema de axiomas e I uma interpretação de Σ. Uma (Σ, I)-
proposicão é o resultado de atribuirmos aos termos técnicos de uma Σ-proposi-
ção seus significados em I. Assim, os princípios (L1) e (L2) podem ser enunci-
ados como seguem:
L
0
1 Toda (Σ, I)-proposição, tal que a correspondente Σ-proposição é impli-
cada por Σ, é verdadeira para M(I).
L
0
2 (Σ, I)-proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras para
M(I).
Teorema 1.24 Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é satisfatório, então ele
é consistente.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ seja inconsistente. Então existem
duas Σ-proposições contraditórias em Σ. Como Σ é satisfatório temos que
existe uma interpretação I para Σ. Logo, pelo princípio (L
0
1), essas proposições
podem ser vistas como (Σ, I)-proposições e são ambas verdadeiras para M(I),
o que contradiz o princípio (L
0
2). Portanto, Σ é um sistema consistente. ¥
Observação 1.25 Seja Σ um sistema de axiomas. A existência de uma in-
terpretação em Σ garante a sua consistência.
Exemplo 1.26 A interpretação I = R garante a consistência do sistema de
axiomas F do Exemplo 1.13.
Sejam Σ um sistema de axiomas satisfatório e A1, . . . , An os axiomas de Σ.
Diremos que um axioma Aj é independente em Σ se o sistema de axiomas
(Σ−Aj) + (∼ Aj)
for satisfatório, ouseja, o sistema de axiomas Σ excluindo o axioma Aj mais
a negação do axioma Aj é satisfatório.
Observação 1.27 Sejam Σ um sistema de axiomas e A1, . . . , An os axiomas
de Σ. Se Aj for provado pelo sistema de axiomas Σ − Aj, então Aj não é
independente. Neste caso, todo modelo que satisfaça Σ−Aj satisfaz necessari-
amente Aj (prove isso!) e, portanto, não podemos achar uma interpretação
para Σ−Aj, que não seja interpretação de Aj.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 21
Exemplo 1.28 O axioma E5 do sistema de axiomas E do Exemplo 1.5 é in-
dependente.
Solução. Seja E6 o seguinte axioma: “existe uma reta r e um ponto P fora
de r tal que não existe nenhuma reta s contendo P e paralela à reta r.”
Afirmação. E6 =∼ E5 e (E −E5) + E6 é um sistema de axiomas satis-
fatório.
De fato, sejaM o conjunto de três moedas distintas, em que “moeda = ponto”
e “par de moedas = reta.” Então é fácil verificar que os axiomas E1, E2, E3
e E4 de E são satisfeitos, mas o axioma E5 não é satisfeito. Assim, M é uma
interpretação para (E − E5) +E6. Portanto, (E −E5) +E6 é satisfatório e E5
é independente em E . ¥
Exemplo 1.29 O axioma F10 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 é
independente.
Solução. Seja F13 o axioma: “para algum a ∈ K∗, não existe a−1 ∈ K tal que
a · a−1 = a−1 · a = 1.”
Afirmação. F13 =∼ F10 e (F − F10) + F13 é um sistema de axiomas
satisfatório.
De fato, o conjunto dos números inteiros Z, com as operações usuais de adição e
multiplicação, é uma interpretação para (F − F10)+F13. Portanto, (F − F10)+
F13 é satisfatório e F10 é independente em F . ¥
Exemplo 1.30 O axioma F5 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 não
é independente, ou seja, F − F5 implica F5.
Solução. Devemos provar que F5 é uma consequência do sistema de axiomas
F − F5. Primeiro vamos desenvolver (a+ b) (1 + 1) de duas maneiras: Pelos
axiomas F12, F8 e F2, obtemos
(a+ b) (1 + 1) = (a+ b) · 1 + (a+ b) · 1
= (a+ b) + (a+ b)
= a+ (b+ a) + b.
22 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
Por outro lado, pelos axiomas F12, F8 e F2, obtemos
(a+ b)(1 + 1) = a(1 + 1) + b(1 + 1)
= (a+ a) + (b+ b)
= a+ (a+ b) + b.
Logo,
a+ (b+ a) + b = a+ (a+ b) + b.
Portanto, pelos axiomas F3, F4 e F2, obtemos
a+ b = [0 + (a+ b)] + 0
= (−a) + [a+ (a+ b) + b] + (−b)
= (−a) + [a+ (b+ a) + b] + (−b)
= [0 + (b+ a)] + 0
= b+ a,
que é o resultado desejado. Faça outra prova desenvolvendo (1 + a) (1 + b) de
duas maneiras. ¥
Sabemos que com o sistema de axiomas E não podemos provar todos os
teoremas da Geometria Plana. Na realidade vimos uma interpretação para o
sistema E com apenas um número finito de pontos. É claro que isto não deveria
ocorrer se fosse um sistema adequado para o estudo da Geometria Plana.
Agora, vamos iniciar a noção de completividade de um sistema de axiomas,
com a ideia de serem os axiomas desses sistemas suficientes para provarmos
todos os teoremas, podemos afirmar que se encontrarmos um teorema tal que,
tanto ele como sua negação não podem ser provados no sistema, então esse
“teorema” é um candidato a um novo axioma do sistema.
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é independente se todos os
axiomas de Σ o são.
Exemplo 1.31 O sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 não é independente.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 23
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é completo se não existir
uma Σ-proposição p tal que p seja um axioma independente em Σ+ p, isto é,
os sistemas de axiomas Σ+ p e Σ+ (∼ p) sejam satisfatórios.
Observação 1.32 Seja Σ um sistema de axiomas. Vimos que Σ é completo
se for impossível adicioná-lo um novo axioma independente. Neste caso, os
termos indefinidos devem permanecer os mesmos.
Exemplo 1.33 O sistema de axiomas E do Exemplo 1.5 não é completo. Pois
se E6 é o axioma: “existe no máximo quatro pontos”, então E+E6 e E+(∼ E6)
são satisfatórios, um vez que, o primeiro admite a interpretação das quatro
pessoas e o segundo admite a interpretação da Geometria Plana.
Sejam Σ um sistema de axiomas e M1, M2 dois modelos para Σ. Diremos
que M1 é isomorfo a M2 se existir uma função bijetora de M1 sobre M2 que
preserva as Σ-proposições.
Exemplo 1.34 Sejam E6 o axioma: “existe no máximo quatro pontos” e E 0 =
E +E6 um sistema de axiomas. Então os modelos M1 =M(I1) e M2 =M(I2)
para E 0 são isomorfos, onde I1 = conjunto de quatro pessoas e I2 = conjunto
de quatro moedas.
Com a definição de isomorfismo à nossa disposição, podemos determinar um
método que nos permita verificar a completividade de um sistema de axiomas.
Este método baseia-se no seguinte conceito:
Seja Σ um sistema de axiomas. Diremos que Σ é categórico se quaisquer
dois modelos para Σ são isomorfos com relação a Σ.
Teorema 1.35 Seja Σ um sistema de axiomas. Se Σ é categórico, então ele
é completo.
Prova. Suponhamos, por absurdo, que Σ não seja completo. Então existe
uma Σ-proposição p tal que Σ+p e Σ+(∼ p) sejam satisfatórios. Logo, existe
uma interpretação I1 para Σ+p e uma interpretação I2 para Σ+(∼ p). Como
Σ é categórico temos que existe uma função bijetora
ϕ :M(I1)→M(I2)
24 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
que preserva Σ-proposições, o que é uma contradição, pois p é verdadeira em
M(I1) e falsa em M(I2). ¥
Para finalizarmoos esta seção vamos fazer alguns comentários sobre as
vantagens do método axiomático: o primeiro é a “economia” que obtemos
quando um sistema de axiomas Σ possui muitos modelos em diferentes ramos
da matemática; pois um único teorema em Σ fornece um teorema em cada in-
tepretação; sem que seja necessário uma prova especial uma vez que o teorema
foi provado no sistema Σ. Outra grande vantagem do método axiomático que
merece especial atenção é o carater de definição implícita. Embora a origem e
o desenvolvimento matemático pode ocorrer por linhas inteiramente diversas,
uma vez o conceito estabelecido, a sua caracterização axiomática é extrema-
mente vantajosa. Por exemplo, o desenvolvimento do sistema de todos os
números reais, que forma os fundamentos da moderna Análise, e evoluiu va-
garosamente durante muitos séculos.
Atualmente, como veremos neste texto, podemos dar uma definição
axiomática precisa e estudarmos suas propriedades através de teoremas basea-
dos nos axiomas. Muitos outros conceitos matemáticos se desenvolveram de
modo análogo.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que o axioma F9 do sistema de axiomas F do Exemplo 1.13 é
independente.
2. Seja V o sistema de axiomas do Exercício 1 da Seção 1.2.
(a) Mostre que V não é independente.
(b) Mostre que o axioma V10 de V é independente.
3. Seja G o sistema de axiomas do Exercício 3 da Seção 1.2.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 25
(a) Mostre que o conjunto dos números reais não nulos R∗ com a mul-
tiplicação usual é um modelo para G.
(b) Mostre que o conjunto dos números racionais Q com a soma usual
é um modelo para G.
(c) O sistema de axiomas G é consistente?
(d) O sistema de axiomas G é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de G é independente.
4. O sistema de axiomasA formado por um conjunto não vazio A de objetos
(anel).
Termos indefinidos: Objetos.
O conjunto A é munido com duas operações binárias:
+ : A×A −→ A
(a, b) 7−→ a+ b
e
· : A×A −→ A
(a, b) 7−→ a · b
chamadas adição e multipicação tais que os seguintes axiomas são
satisfeitos:
A1 - Sejam a, b, c, d ∈ A. Se a = c e b = d, então a+ b = c+ d, isto
é, a operação + está bem definida.
A2 - a+ (b+ c) = (a+ b) + c, para todos a, b, c ∈ A.
A3 - Existe 0 ∈ A tal que a+ 0 = 0 + a = a, para todo a ∈ A.
A4 - Para cada a ∈ A, existe−a ∈ A tal que a+(−a) = (−a)+a = 0.
A5 - a+ b = b+ a, para todos a, b ∈ A.
A6 - Sejam a, b, c, d ∈ A. Se a = c e b = d, então a · b = c · d, isto é,
a operação · está bem definida
A7 - a · (b · c) = (a · b) · c, para todos a, b, c ∈ A.
A8 - As operações binárias + e · são distributivas, isto é, para todos
a, b, c ∈ A,
a · (b+ c) = a · c+ a · b
26 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
e
(a+ b) · c = a · c+ b · c.
(a) Mostre que o conjunto dos números inteiros Z com a soma e a
multiplicação usualé um modelo para A.
(b) Mostre que o conjunto das matrizes M2(R) com a soma e a multi-
plicação usual é um modelo para A.
(c) Mostre que cada axioma de A é independente.
(d) O sistema de axiomas A é consistente?
(e) O sistema de axiomas A é categórico?
(f) O sistema de axiomas A é completo?
5. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Uma relação binária sobre X
é uma função R : X ×X −→ {0, 1} definida como
R(x, y) =
(
1, se x está relacionado com y
0, se x não está relacionado com y.
Quando R(x, y) = 1 é conveniente escrever xRy. Uma relação de equi-
valência sobre X é uma relação binária R sobre X tal que os seguintes
axiomas são satisfeitos:
R1 - xRx, para todo x ∈ X.
R2 - Se xRy, então yRx, para todos x, y ∈ X.
R3 - Se xRy e yRz, então xRz, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Seja X = Z×Z∗. Para (a, b), (c, d) ∈ X, definimos a relação binária
(a, b)R(c, d)⇔ ad = bc.
Mostre que X é um modelo para R.
(b) Seja Y = {1, 2, 3}. Definimos a relação binária
R = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1), (1, 3), (3, 1), (2, 3), (3, 2)}.
Mostre que Y é um modelo para R.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 27
(c) O sistema de axiomas R é consistente?
(d) O sistema de axiomas R é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de R é independente.
6. SejaX um conjunto não vazio qualquer. Uma relação de ordem (parcial)
sobre X é uma relação binária P sobre X tal que os seguintes axiomas
são satisfeitos:
P1 - xPx, para todo x ∈ X.
P2 - Se xPy e yPx, então x = y, para todos x, y ∈ X.
P3 - Se xPy e yPz, então xPz, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Seja X = N. Para x, y ∈ X, definimos
xPy ⇔ x divide y.
Mostre que X é um modelo para P.
(b) Sejam Y = {1, 2, 3} um conjunto e P(Y ) o conjunto das potências
de Y . Para A,B ∈ P(Y ), definimos
APB ⇔ A ⊆ B.
Mostre que P(Y ) é um modelo para P.
(c) O sistema de axiomas P é consistente?
(d) O sistema de axiomas P é categórico?
(e) Mostre que cada axioma de P é independente.
7. Seja X um conjunto não vazio qualquer. Uma ordem simples sobre
X é uma relação binária ≺ sobre X tal que os seguintes axiomas são
satisfeitos:
S1 - Se x, y ∈ X, com x 6= y, então x ≺ y ou y ≺ x.
S2 - Se x ≺ y, então x 6= y, para todos x, y ∈ X.
28 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
S3 - Se x ≺ y e y ≺ z, então x ≺ z, para todos x, y, z ∈ X.
(a) Mostre que se x, y ∈ X, então x ≺ y ou y ≺ x e não ambos
(b) SejamX = R e x < y significa que “x está à esquerda de y.” Mostre
que X é um modelo para ≺.
(c) Sejam X = N e x < y significa que “x é menor do que y.” Mostre
que X é um modelo para ≺.
(d) O sistema ≺ é consistente?
(e) O sistema de axiomas ≺ é categórico?
8. SejaX um conjunto não vazio qualquer. Uma coleção T de subconjuntos
de X, chamados abertos de X, é uma topologia sobre X se os seguintes
axiomas são satisfeitas:
T1 - ∅, X ∈ T .
T2 - A união de um número qualquer de conjuntos de T pertence a
T .
T3 - A interseção de dois conjuntos quaisquer de T pertence a T .
(a) Mostre que o conjunto dos intervalos abertos da reta real R é um
modelo para T .
(b) Sejam
X = {1, 2, 3, 4, 5} e B = {∅, {1}, {3, 4}, {1, 3, 4}, {2, 3, 4, 5}, X}.
Mostre que B é um modelo para T .
(c) O sistema T é consistente?
(d) O sistema de axiomas T é categórico?
Respostas e/ou Soluções
É importante observar que os exercícios deste Capítulo constam de dois
objetos: Um conjunto de “pontos” P e um conjunto de “retas” R formado de
subconjuntos de P .
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 29
Seção 1.2
1. Vamos provar apenas os itens (a) e (e): (a) Suponhamos que exista outro
vetor 00 ∈ V tal que u + 00 = u, para todo u ∈ V . Então, pelo axioma
V3, obtemos 0 = 0 + 00 = 00.
(e) Pelo axioma V3, u+0 = u, para todo u ∈ V . Em particular, 0+0 = 0.
Logo, pelos axiomas V6 e V9, obtemos
a0 = a(0 + 0) = a0 + a0.
Portanto, pelo item (a), a0 = 0.
2. É fácil verificar que C munido com as operações
+ : C×C −→ C
(z, w) 7−→ z + w
e
· : R×C −→ C
(a, z) 7−→ a · z
satisfaz o sistema de axiomas V, pois R é um subcorpo de C e essas
operações já existem de modo natural em C.
3. Vamos provar apenas o item (c). É claro que x0 = a−1 · b é uma solução
da equação a · x = b, pois pelos axiomas G2, G4 e G3, obtemos
a · x0 = a · (a−1 · b) = (a · a−1) · b = e · b = b.
Agora, se x1 é outra solução da equação a · x = b, então, pelos axiomas
G3, G4 e G2, obtemos
x1 = e · x1 = (a−1 · a) · x1 = a−1 · (a · x1) = a−1 · b = x0.
4. Dados A,B ∈ GL 2(R). Então, pelo Teorema de Binet-Cauchy, obtemos
det(AB) = det(A) det(B) 6= 0.
Logo, AB ∈ GL 2(R), isto é, o produto usual de matrizes satisfaz o
axioma G1. É claro que essa operação satisfaz o axioma G2 e a matriz
30 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
identidade I2 satisfaz o axioma G3. Se A ∈M2(R) é tal que det(A) 6= 0,
então, com alguns cálculos, obtemos
A−1 =
1
det(A)
"
a22 −a12
−a21 a11
#
, em que A =
"
a11 a12
a21 a22
#
.
Como det(A−1) = (det(A))−1 6= 0 temos que
A−1 ∈ GL 2(R) e AA−1 = A−1A = I2,
ou seja, GL 2(R) satisfaz o axioma G4.
Seção 1.3
1. Seja F13 o axioma: “K possui no máximo dois elementos.” Então F13 =∼
F9 e (F − F9) + F13 é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, o
conjunto K = {0, 1}, com as operações binárias definidas via tabelas:
⊕ 0 1
0 0 1
1 1 0
e
· 0 1
0 0 0
1 0 1
é uma interpretação para (F − F9) + F13. Portanto, (F − F9) + F13
é satisfatório e F9 é independente em F . Note que para provar que
K satisfaz a maioria dos axiomas de F , basta verificar que a função
f : Z→ K definida como
f(n) =
(
0, se n par
1, se n ímpar
é sobrejetora e satisfaz as propriedades
f(m+ n) = f(m)⊕ f(n) e f(mn) = f(m) · f(n).
2. (a) Use o mesmo argumento do Exemplo 1.28 para provar que o axioma
V5 não é independente.
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 31
(b) Seja V11 o axioma: “existe u ∈ V tal que 1·u 6= u.” Então V11 =∼ V10 e
(V − V10)+V11 é um sistema de axiomas satisfatório. De fato, o conjunto
V = R2 munido com as operações de adição e multiplicação por escalar
u+ v = (x1 + y1, x2 + y2) e a · u = (ax1, 0),
onde u = (x1, x2), v = (y1, y2) ∈ V e a ∈ R, é uma interpretação para
(V − V10) +V11. Portanto, (V − V10) +V11 é satisfatório e V10 é indepen-
dente em V.
3. (a) É fácil verificar que R∗ munido com a operação binária
· : R∗ ×R∗ −→ R∗
(a, b) 7−→ a · b
satisfaz o sistema de axiomas G.
(b) Novamente, é fácil verificar que Q munido com a operação binária
+ : Q×Q −→ Q
(a, b) 7−→ a+ b
satisfaz o sistema de axiomas G.
(c) O sistema de axiomas G é consistente, pois o item (a) ou (b) serve
como uma interpretação para G.
(d) Não, os modelos M(R∗) e M(Q) não são isomorfos.
(e) Vamos provar apenas que os axiomas G2 e G4 são independentes.
Seja G5 o axioma: “existem a, b, c ∈ G tais que
a · (b · c) 6= (a · b) · c.”
Então G5 =∼ G2 e (G −G2) +G5 é um sistema de axiomas satisfatório,
pois o conjunto
G = {±1,±i,±j,±k,±l,±il,±jl,±kl}
32 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
com a operação · sobre G definida via tabela
· 1 i j k l il jl kl
1 1 i j k l il jl kl
i i −1 k −j il −l −kl jl
j j −k −1 i jl kl −l il
k k j −i −1 kl −jl il −l
l l −il −jl −kl −1 i j k
il il l −kl jl −i −1 −k j
jl jl kl l −il −j k −1 −i
kl kl −jl il l −k −j i −1
é uma interpretação para (G −G2) +G5. Por exemplo, se a = l, b = il e
c = jl, então
a(bc) = l(−k) = kl e (ab)c = i(jl) = −kl,
ou seja,
a(bc) 6= (ab)c.
Portanto, (G −G2) +G5 é satisfatório e G2 é independente em G.
Agora, seja G6 o axioma: “para algum a ∈ G, a 6= e, não existe a−1 ∈ G
tal que a · a−1 = a−1 · a = e.” Então G6 =∼ G4 e (G −G4) + G6 é
um sistema de axiomas satisfatório, pois o conjunto dos números inteiros
Z∗, com a operação usual de multiplicação, é uma interpretação para
(G −G4)+G6. Portanto, (G −G4)+G6 é satisfatório eG4 é independente
em G.
4. (c) Vamos provar apenas que o axioma A7 é independente. Seja A9 o
axioma: “existem a, b, c ∈ A tais que
a · (b · c) 6= (a · b) · c.”
Então A9 =∼ A7 e (A−A7) +A9 é um sistema de axiomas satisfatório,
pois o conjunto
S = {A ∈M2(R) : At = A},
1.3. CARACTERIZAÇÃO DE UM SISTEMA DE AXIOMAS 33
com a soma usual e a multiplicação· sobre S definida como
A ·B = 1
2
(AB+BA)
é uma interpretação para (A−A7) + A9. Portanto, (A−A7) + A9 é
satisfatório e A7 é independente em A.
(f). Não é completo, pois se A9 é o axioma:
“a · b = b · a, ∀ a, b ∈ A”,
então A + A9 e A + (∼ A9) são satisfatórios, um vez que, o primeiro
admite a interpretação do item (a) e o segundo admite a interpretação
do item (b).
5. (e) Vamos provar apenas que o axioma R1 é independente. Seja R4
o axioma: “existe x ∈ X tal que x não está relacionado com x, isto é,
R(x, x) = 0.” Então R4 =∼ R1 e (R−R1)+R4 é um sistema de axiomas
satisfatório, pois o conjunto X = {1, 2, 3}, com a relação binária
R1 = {(1, 1), (2, 2), (1, 2), (2, 1), (1, 3), (3, 1), (2, 3), (3, 2)},
é uma interpretação para (R−R1) + R4. Portanto, (R−R1) + R4 é
satisfatório e R1 é independente em R.
6. (e) Vamos provar apenas que o axioma P2 é independente. Seja P4 o
axioma: “existem x, y ∈ X tais que xPy e yPx, mas x 6= y.” Então
P4 =∼ P2 e (P − P2) + P4 é um sistema de axiomas satisfatório, pois o
conjunto X = Z, com a relação binária
xPy ⇔ x divide y,
é uma interpretação para (P − P2) + P4. Neste caso, x divide −x e −x
divide x, mas x 6= −x. Portanto, (P − P2) + P4 é satisfatório e P2 é
independente em P.
7. Vamos provar apenas o item (a). Se x ≺ y e y ≺ x, então, pelo axioma
S3, obtemos x ≺ x, o que impossível.
34 CAPÍTULO 1. O MÉTODO AXIOMÁTICO
8. (a) Seja I o conjunto dos intervalos abertos de R. É claro que ∅,R ∈ T .
Seja
J =
[
λ∈Λ
Iλ
uma união qualquer de intervalos abertos de I. Então devemos provar
que J é um intervalo aberto, ou seja, dado x ∈ J , existe > 0 tal que
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ J.
Dado x ∈ J , existe λ ∈ Λ tal que x ∈ Iλ. Como Iλ é um intervalo aberto
temos que existe > 0 tal que
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ Iλ.
Portanto,
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ Iλ ⊆ J
e J ∈ T .
Finalmente, dados intervalos abertos I1 e I2 de I. Então devemos provar
que I1 ∩ I2 é um intervalo aberto. Dado x ∈ I1 ∩ I2, obtemos x ∈ I1 e
x ∈ I2. Assim, existem 1 > 0 e 2 > 0 tais que
x ∈ (x− 1, x+ 1) ⊆ I1 e x ∈ (x− 2, x+ 2) ⊆ I2.
Pondo = min{ 1, 2}, obtemos
x ∈ (x− , x+ ) ⊆ I1 ∩ I2.
Portanto, I1 ∩ I2 ∈ T , ou seja, I é um modelo para T .
(b) Verificação direta de união e interseção de conjuntos.
(c) Sim, pois o item (a) ou (b) é um modelo.
(d) Não, os modelos M(I) e M(B) não são isomorfos.
Capítulo 2
Conjuntos
A teoria avançada dos conjuntos foi desenvolvida por volta do ano 1872 por
Cantor (Georg Cantor, 1845-1918, matemático alemão), quando investigava o
problema de unicidade da representação de funções por séries trigonométricas.
Foi aperfeiçoada no início do século XX por outros matemáticos, entre eles,
Zermelo (Ernst Zermelo, 1871-1956, matemático alemão), Skolem (Thoralf Al-
bert Skolem, 1887-1963, matemático norueguês), Fraenkel (Adolf Fraenkel,
1891-1965, matemático alemão), Gödel (Kurt Gödel, 1906-1978, matemático
austríaco), von Neumann (John von Neumann, 1903-1957, matemático hún-
garo), entre outros.
O que se estuda deste assunto no ensino fundamental, é tão somente uma
introdução elementar à teoria dos conjuntos, base para o desenvolvimento de
temas futuros, a exemplo de relações, funções, análise combinatória, probabi-
lidades etc.
Neste capítulo vamos nos dedicar ao estudo dos conjuntos via método
axiomático. É comum na Teoria dos Conjuntos, se ouvirem frases como:
(...) um “conjunto” é qualquer coleção, dentro de um todo de objetos
definidos e distinguíveis, chamados de elementos ou membros, de nossa in-
tuição ou pensamento.
G. Cantor (1895).
(...) por “conjunto” nada mais do que um objeto do qual se sabe não mais
e quer-se saber não mais do que aquilo que se segue dos postulados.
35
36 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
J. von Neumann (1928).
Estas e outras afirmações sobre definições de conjuntos vão ser contornadas
via método axiomático, em que “conjunto” é um termo indefinido.
2.1 Introdução Histórica
É importante observar que o matemático usa a palavra “definição” em um
sentido diferente daquele do dicionário, ou seja, quando um matemático dá
uma definição, pretende-se que não será um mero sinônimo que o leitor possa
saber o significado, mas um critério para identificação; uma “caracterização”
da coisa definida.
Um paradoxo ou antinomia é uma contradição entre duas proposições ou
princípios. Tomando uma abordagem informal ou ingênua que qualquer coleção
de objetos é um conjunto, podem ocorrer os seguintes fatos:
- Se A é o conjunto de todos os animais, então A /∈ A “conjunto”.
- Se N é o conjunto de todos os “números naturais”, então N /∈ N “con-
junto”.
- Se B é o conjunto de todas as coisas abstratas, então B ∈ B “classe”.
- Se C é o conjunto de todos os conjuntos, então C ∈ C “classe”.
Pelos fatos acima vimos que um conjunto de objectos é bem definido, desde
que seja sempre possível determinar se ou não um elemento particular pertence
ao conjunto.
Vamos apresentar os paradoxos de Russell (Bertrand Arthur William Rus-
sell, 1872-1970, matemático e filósofo inglês).
Paradoxo Lógico (1902) - Sejam C um conjunto e
R = {A ∈ C : A /∈ A}.
Então:
1. R ∈ R.
2.1. INTRODUÇÃO HISTÓRICA 37
2. R /∈ R.
Solução. Primeiro note que como A pode assumir qualquer objeto da teoria
temos, em particular, que ele pode assumir o “conjunto” R. (1) R ∈ R é im-
possível, pois se R ∈ R, então, por definição, R /∈ R, o que é uma contradição.
(2) R /∈ R é impossível, pois se R /∈ R, então, por definição, R ∈ R, o que é
uma contradição. Portanto,
R ∈ R⇔ R /∈ R,
o que contradiz o princípio do terceiro excluído. ¥
O paradoxo Russell é equivalente a: em uma cidade tem um barbeiro que
faz a barba somente dos homens que não se barbeiam a si mesmo. Pergunta:
Quem faz a barba do barbeiro?
Paradoxo Semântico (1906, atribuído por Russell a G. G. Berry) - Seja
T = {x : x é um número inteiro positivo que pode ser descrito por uma frase
com menos de vinte palavras da língua portuguesa}. Então existe um inteiro
positivo x0 tal que
1. x0 /∈ T .
2. x0 ∈ T .
Solução. Suponhamos que as palavras da língua portuguesa estejam catalo-
gadas em um dicionário. Então T é finito, pois um dicionário contém apenas
um número finito de palavras e o número de frases envolvendo menos de vinte
palavras é finito. Assim, existem inteiros positivos (infinitos) que são maiores
do que todos os outros inteiros positivos de T . Portanto, existe um menor
inteiro positivo x0 que é maior do que todos os inteiros positivos de T . Então
x0 /∈ T . Por outro lado, como x0 = menor inteiro positivo que não pode
ser descrito por uma frase com menos de vinte palavras da língua
portuguesa (19 palavras) temos que x0 ∈ T , o que contradiz o princípio do
terceiro excluído. ¥
38 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Com o surgimento dos paradoxos houve muita controvérsia por parte dos
matemáticos da época. Mas, com o trabalho de Dedekind (Julius Wilhelm
Richard Dedekind, 1831- 1916, matemático alemão) em 1888mostrando que os
nossos “números naturais” podem ser construídos por meio da teoria elementar
dos conjuntos:
0 = ∅, 1 = {∅}, 2 = {∅, {∅}} . . .
a teoria passou a ser aceita.
Enunciaram-se, em 1905, várias correntes para contornar os paradoxos,
as quais podemos classificar em três grupos: Axiomático, Logicista e In-
tuicionista.
A primeira axiomatização da Teoria dos Conjuntos foi dada por Zermelo
em 1908, com certas modificações em 1922 devidas a Skolem e Fraenkel. No
sistema de axiomas ZF os termos indefinidos e relações indefinidas são: con-
junto, pertinência e igualdade.
2.2 Conjuntos
Embora a ideia intuitiva de conjunto dada, no curso de Matemática Ele-
mentar, seja suficiente para os nossos propósitos, uma exposição geral da Teoria
dos Conjuntos requer mais precisão, pois a não axiomatização da Teoria dos
Conjuntos nos leva a várias contradições. Sendo assim, nesta seção iniciare-
mos o estudo formal da Teoria dos Conjuntos segundo Zermelo-Fraenkel. Neste
contexto formal, uma classe é qualquer coleção de objetos (conjuntos) C tal
que dado qualquer objeto X é possível determinar se X ∈ Cou se X /∈ C, ou
seja,
C = {X : X é um conjunto com a propriedade P}.
Uma classe que não é um conjunto é chamada de classe própria. Por exemplo,
R = {A : A é um conjunto e A /∈ A}.
Portanto, uma classe A é um conjunto se existir uma classe C tal que A ∈ C.
Salvo menção explícita em contrário, os objetos considerados neste texto são
conjuntos.
2.2. CONJUNTOS 39
Antes de iniciarmos o estudo formal da Toeria de Conjuntos vamos rever
os sinais em uma Teoria MatemáticaM:
Os sinais lógicos: ∼,∨,∧ . . .
As letras: a, b, c, d . . .; A,B,C,D . . .
Os sinais específicos: =,∈,⊆ . . .
O símbolo ∃! significa existe um único.
O símbolo := significa por definição.
Uma sentença (ou uma fórmula) emM é uma sucessão de sinais deM do
tipo
∀ x ∃ y ∀ z : p(x, y, z).
Lê-se “para cada x existe um y tal que, para cada z, p(x, y, z) é verdadeira”,
sua negação é
∃ x ∀ y ∃ z : ∼ p(x, y, z).
Lê-se “existe um x para cada y tal que, existe z, p(x, y, z) é falsa.” Note que na
negação mantivemos a ordem das variáveis. O principal objetivo de introdução
de símbolos, é facilitar a escrita e a leitura das definições e resultados em
Matemática, ou seja, são imprescindíveis para uma boa compreenção deM.
Finalmente, é pertinente lembrar que a construção deM (vista no Capítulo
1) é do seguinte modo:
1. Definimos os axiomas explícitos (relações) emM;
2. Definimos uma ou mais regras (axiomas implícitos) sobreM, chamadas
operações sobreM.
As letras a, b, c, d, . . . serão usadas, preferencialmente, para indicar ele-
mentos e A, B, C, D, . . . elementos ou conjuntos. Assim, se x é um elemento
e existe um conjunto A tal que x ∈ A, diremos que x é um elemento de A.
(um objeto que não é uma coleção, por exemplo, um ponto sobre uma reta de
Euclides)
40 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A e B são iguais se, e somente se,
eles têm os mesmos elementos. Em símbolos,
∀ A ∀ B [A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B e x ∈ B ⇒ x ∈ A]]
ou, simplesmente,
A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇔ x ∈ B].
Esta definição implica a seguinte propriedade:
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A e A = B]⇒ x ∈ B.
Essa propriedade é nosso primeiro axioma.
ZF1 - Axioma da extensão. ∀ A ∀ x [[x ∈ A e x = y]⇒ y ∈ A].
O axioma ZF1 significa que um conjunto é completamente determinado
pelos seus elementos.
É importante observar que o axioma ZF1 pode ser visto como uma lei que
relaciona o conceito indefinido de pertinência com o conceito indefinido de
igualdade. Além disso, ele garante a unicidade dos conjuntos.
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A está contido em B ou A é um
subconjunto de B ou que B é uma extensão de A se qualquer elemento de A é
um elemento de B, em símbolos,
∀ A ∀ B [A ⊆ B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B]]
ou, simplesmente,
A ⊆ B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B]
Neste caso, A = B significa que A ⊆ B e B ⊆ A.
Se A ⊆ B e A 6= B (∼ [A = B]), diremos que A está contido propriamente
em B ou A é um subconjunto próprio de B e denotaremos por A ⊂ B.
Teorema 2.1 Sejam A, B e C conjuntos. Então:
1. A = A.
2.2. CONJUNTOS 41
2. A = B ⇒ B = A.
3. A = B e B = C ⇒ A = C.
4. A ⊆ A.
5. A ⊆ B e B ⊆ A⇒ B = A.
6. A ⊆ B e B ⊆ C ⇒ A ⊆ C.
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
A = B ⇔ ∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B e x ∈ B ⇒ x ∈ A]
e
B = C ⇔ ∀ x [x ∈ B ⇒ x ∈ C e x ∈ C ⇒ x ∈ B].
Pela primeira e terceira dessas afirmações, obtemos
∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ C]⇔ A ⊆ C.
Pela quarta e segunda dessas afirmações, obtemos
∀ x [x ∈ C ⇒ x ∈ A]⇔ C ⊆ A.
Portanto, A = C. ¥
ZF2 - Axioma da construção de conjuntos. Seja P (x) uma pro-
priedade ou uma afirmação com relação a x, a qual pode ser expressa in-
teiramente em termos dos símbolos
∈,=,∨,∧,∼,⇒,∃,∀, colchetes e variáveis livres x, y, z, A,B,C . . .
Então existe um conjunto C que consiste de todos os elementos x que satis-
fazem P (x), que denotaremos por
C = {x : P (x)}.
42 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
e lê-se: “o conjunto de todos os elementos x que satisfazem a propriedade
P (x).” Formalmente,
∃ C ∀ x [x ∈ C ⇔ P (x)].
Observação 2.2
1. O axioma ZF2 é também conhecido como Axioma do subconjunto,
Axioma da separação, Axioma da compreensão, ou ainda, Axioma de
especificação. Esse axioma é na verdade uma “família” de axiomas, pois
para cada propriedade P (x) temos um axioma.
2. Note que o axioma ZF1, garante que o conjunto C é unicamente deter-
minado, pois se D é o conjunto de todos os elementos x que satisfazem
P (x), então qualquer elemento de C é um elemento de D e vice-versa.
Portanto, C = D.
3. Em geral, a propriedade P (x) é uma fórmula.
4. O axioma ZF2 nos permite formar o conjunto de todos os “elementos”
x que satisfazem P (x), mas não o conjunto de todas os “conjuntos”
x que satisfazem P (x). Assim, eliminamos todos os paradoxos lógicos.
Formalmente, se P (x) é a afirmação
∼ [x ∈ x] = x /∈ x,
então
∃ C ∀ x [x ∈ C ⇔ x /∈ x].
Em particular, se x = C, então
C ∈ C ⇔ C /∈ C,
o que é impossível. Portanto, C é uma classe própria.
5. O axioma ZF2 admite somente as afirmações P (x) que podem ser escritas
inteiramente em forma de símbolos
∈,=,∨,∧,∼,⇒,∃,∀, colchetes e variáveis livres x, y, z, A,B,C . . .
Assim, eliminamos todos os paradoxos semânticos.
2.2. CONJUNTOS 43
Agora vamos apresentar as operações Booleanas (George Boole, 1815-1864,
matemático e lógico inglês). Sejam A e B conjuntos. A união ou a reunião de
A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a A ou B ou ambos.
Em símbolos,
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A ∪B ⇔ x ∈ A ou x ∈ B]
ou, simplesmente,
A ∪B = {x : x ∈ A ou x ∈ B}.
A interseção de A e B é o conjunto de todos os elementos que pertencem a
ambos os conjuntos A e B. Em símbolos,
∀ A ∀ B [∀ x [x ∈ A ∩B ⇔ x ∈ A e x ∈ B]]
ou, simplesmente,
A ∩B = {x : x ∈ A e x ∈ B}.
Note, pelo axioma ZF2, que os conjuntos A ∪B e A ∩B estão bem definidos.
O “conjunto” universal U é um conjunto que tem a propriedade de conter
como subconjuntos todos os conjuntos em pauta. Em símbolos,
∀ A ∃ U [∀ x [x ∈ U ⇔ x ∈ A e x = x]]
ou, simplesmente,
U = {x : x = x}.
Neste caso, P (x) é a afirmação x = x. É importante lembrar que o conjunto
universal não existe, mas a “classe universal” é a classe de todos os conjuntos.
Por isso, adotamos esta convensão de conjunto universal.
O conjunto vazio ∅ é o conjunto sem nenhum elemento. Em símbolos,
∀ A ∃ ∅ [∀ x [x ∈ ∅ ⇔ x ∈ A e x 6= x]]
ou, simplesmente,
∅ = {x : x 6= x}.
44 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Neste caso, P (x) é a afirmação x 6= x. A existência do conjunto vazio será
dada pelo axioma ZF9. Note que se existem conjuntos A e B sem elementos,
então A = B. De fato,
∀ x [x ∈ A⇒ x ∈ B],
é uma afirmação verdadeira, pois é uma implicação com um antecedente falso
(confira Exemplo 1.19). De modo inteiramente análogo, prova-se a outra in-
clusão.
Sejam A e B conjuntos. Diremos que A e B são disjuntos se eles não têm
elementos em comum. Em símbolos,
A ∩B = ∅.
Neste caso, o símbolo
•
∪ significa união disjunta. O complementar de A é o
conjunto de todos os elementos que não pertencem a A. Em símbolos,
A0 = {x : x /∈ A}.
Assim,
∀ x [x ∈ A0 ⇔ x /∈ A].
A diferença de A e B é o conjunto de todos os elementos de A que não per-
tencem a B. Em símbolos,
A−B = {x : x ∈ A e x /∈ B}.
Logo,
∀ x [x ∈ A−B ⇔ x ∈ A e x /∈ B].
Note que A−B = A∩B0 e, pelo axioma ZF2, que o conjunto A−B está bem
definido. Além disso, pelo o axioma ZF1,
A 6= B ⇒ ∃ x [x ∈ A−B ou x ∈ B −A]⇔ (A−B) ∩ (B −A) = ∅.
Como
(A ∪A)−A 6= A ∪ (A−A)
temos que a localização dos parênteses na diferença de conjuntos é importante.
2.2. CONJUNTOS 45
É instrutivo observar que o relacionamento entre os conjuntos pode ser
representado graficamente por meio de uma linha fechada e não entrelaçada,
quando a linha fechada for um círculo, chama-se diagrama de Venn, (John
Venn, 1834-1923, matemático inglês).
Teorema 2.3 Sejam A, B e C conjuntos. Então:
1. ∅ ⊆ A e A ⊆ U .
2. A ⊆ A ∪B e B ⊆ A ∪B.
3. A ∩B ⊆ A e A ∩B ⊆ B.
4. A ⊆ B se, e somente se, A ∪B = B se, e somente se, A ∩B = A.
5. A ∪ (A ∩B) = A e A ∩ (A ∪B) = A.
6. (A ∪B)0 = A0 ∩B0 e (A ∩B)0 = A0 ∪B0 (Lei de De Morgan).
7. A ∪ (B∪ C) = (A ∪B) ∪ C e A ∩ (B ∩ C) = (A ∩B) ∩ C.
8. A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C) e A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C).
Prova. Vamos provar apenas uma afirmação do item (6).
∀ x [x ∈ (A ∪B)0 ⇔ x /∈ (A ∪B)⇔ x /∈ A e x /∈ B
⇔ x ∈ A0 e x ∈ B0 ⇔ x ∈ (A0 ∩B0)],
que é o resultado desejado. ¥
EXERCÍCIOS
1. Sejam A, B subconjuntos de U e X um subconjunto de U com as
seguintes propriedades:
(a) A ⊆ X e B ⊆ X.
46 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
(b) Se A ⊆ Y e B ⊆ Y , então X ⊆ Y , para todo Y ⊆ U .
Mostre que X = A ∪B.
2. Enuncie e demonstre um resultado análogo ao Exercício 1, caracterizando
A ∩B.
3. Sejam A, B, C e D conjuntos.
(a) Mostre que se A ⊆ B e C ⊆ D, então (A ∪ C) ⊆ (B ∪ D) e
(A ∩ C) ⊆ (B ∩D).
(b) Mostre que se A = B e C = D, então (A ∪ C) = (B ∪ D) e
(A ∩ C) = (B ∩D).
4. Sejam A e B conjuntos. Mostre que:
(a) A−A = ∅.
(b) A−B = A− (A ∩B) = (A ∪B)−B.
(c) (A−B) ∩ (B −A) = ∅.
(d) A−B = B0 −A0.
(e) A = (A ∩B) ∪ (A−B).
(f) A ∪B = (A ∩B) ∪ (A−B) ∪ (B −A).
(g) (A−B)− C = A− (B ∪ C).
(h) A− (B − C) = (A−B) ∪ (A ∩ C).
(i) A ∪ (B − C) = (A ∪B)− (C −A).
(j) A ∩ (B − C) = (A ∩B)− (C ∩A).
5. Sejam A e B conjuntos.
(a) Mostre que A ∪B = A ∪ (B −A), com A ∩ (B −A) = ∅.
(b) Mostre que B = (A ∩B) ∪ (B −A), com (A ∩B) ∩ (B −A) = ∅.
2.2. CONJUNTOS 47
6. Vamos definir a operação de “+” em conjuntos como segue: se A e B
são conjuntos, então
A+B = (A ∩B0) ∪ (A0 ∩B) = (A−B) ∪ (B −A).
Mostre que:
(a) A+ ∅ = A.
(b) A+B = ∅ ⇔ A = B.
(c) A+B = (A ∪B)− (B ∩A).
(d) A+B = B +A.
(e) A+B = A+ C ⇒ B = C.
(f) (A+B)0 = (A ∩B) ∪ (A0 ∩B0).
(g) A+ (B + C) = (A+B) + C.
(h) A ∩ (B + C) = (A ∩B) + (A ∩ C).
(i) A ∪ C = B ∪ C ⇔ A+B ⊆ C.
(j) (A ∪ C) + (B ∪ C) = (A+B)− C.
7. Sejam A um conjunto qualquer e
R = {x ∈ A : x /∈ x}.
Mostre que R é um conjunto e R /∈ A. Conclua que a coleção de todos
os conjuntos não é um conjunto.
8. Mostre que o conjunto ∅ é caracterizado pelas seguintes condições:
(a) ∅ ⊆ A, para todo conjunto A.
(b) Se B é um conjunto tal que B ⊆ A, para todo conjunto A, então
B = ∅.
48 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
2.3 Gráficos e Famílias
Seja a um elemento. Então, pelo axioma ZF2, obtemos o conjunto
{a} = {x : x = a}
Assim, a é o único elemento do conjunto {a} e x ∈ {a} significa que x = a.
Sejam a e b elementos. Então, pelo axioma ZF2, obtemos o conjunto
{a, b} = {x : x = a ou x = b} = {a} ∪ {b}.
Note que {a, b} = {b, a}. De modo inteiramente análogo, obtemos os conjuntos
{a, b, c}, {a, b, c, d}
e, assim por diante. Isto motiva o axioma.
ZF3 - Axioma do par (não ordenado). Se a e b são elementos, então
{a, b} é um elemento. Em símbolos,
∀ a ∀ b ∃ c [c = {a, b}]
Observação 2.4
1. O axioma ZF3 é equivalente a: dados conjuntos quaisquer existe um con-
junto ao qual eles pertencem. Mais precisamente, dados conjuntos quais-
quer A e B, existe um conjunto C tal que
∀ x [x ∈ C ⇔ x ∈ A ou x ∈ B],
ou seja,
∀ A ∀ B ∃ C [∀ x [x ∈ C ⇔ x ∈ A ou x ∈ B]].
Neste caso, A 6= C, caso contrário, A ∈ A, o que é impossível.
2. É claro que {a, a} = {a}. Assim, fazendo a = b no axioma ZF3, obtemos
“se a é um elemento, então {a} é um elemento”, ou seja, existem con-
juntos unitários. Em particular, ∅ e {∅} são conjuntos distintos. Neste
caso, existe uma “infinidade” de conjuntos.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 49
3. Note que a ∈ A se, e somente se, {a} ⊆ A.
4. Se A é um conjunto, então
{x ∈ A : x = x} = {x : x ∈ A} = A.
Teorema 2.5 Se {x, y} = {u, v}, então [x = u e y = v] ou [x = v e y = u].
Prova. Há dois casos a serem considerados:
1.o Caso. Se x = y, então, pelo axioma ZF1, {x, y} = {x}. Portanto, por
hipótese, x = u = v = y.
2.o Caso. Se x 6= y, então, pelo axioma ZF1, [x = u ou x = v] e [y = u ou
y = v]. Se x = u e y ∈ {u, y} = {u, v}, então y = v, pois x 6= y. Se x = v e
y ∈ {v, y} = {u, v}, então y = u, pois x 6= y. Portanto, em qualquer caso,
[x = u e y = v] ou [x = v e y = u],
que é o resultado desejado. ¥
Sejam a e b elementos. Então, aplicando o axioma ZF3 três vezes, temos
que
{{a}, {a, b}}
é um conjunto o qual chama-se, devido a Kuratowski (Kazimierz Kuratowski,
1896-1980, matemático e lógico polonês), par ordenado. Em símbolos,
(a, b) = {{a}, {a, b}}.
Note que
(b, a) = {{b}, {b, a}} = {{b}, {a, b}}.
Neste caso, fica clara a distinção entre os pares ordenados (a, b) e (b, a).
Teorema 2.6 Se (a, b) = (c, d), então a = c e b = d.
Prova. Por definição, obtemos
{{a}, {a, b}} = {{c}, {c, d}}.
50 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Então, pelo Teorema 2.5,
[{a} = {c} e {a, b} = {c, d}] ou [{a} = {c, d} e {a, b} = {c}].
Se {a} = {c} e {a, b} = {c, d}, então a = c e, pelo Teorema 2.5, [a = c e b = d]
ou [a = d e b = c]. Assim, a = c e b = d ou b = c = a = d. Se {a} = {c, d} e
{a, b} = {c}, então a = c = d, pois c, d ∈ {c, d}. Por outro lado, b = c, pois
b ∈ {a, b}. Portanto, a = b = c = d. ¥
Sejam A e B conjuntos. O produto cartesiano de A e B é a classe de todos
os pares ordenados (a, b), onde a ∈ A e b ∈ B. Em símbolos,
A×B = {(a, b) : a ∈ A e b ∈ B}
= {x : x = (a, b), para algum a ∈ A e b ∈ B}.
Teorema 2.7 Sejam A, B, C e D conjuntos. Então:
1. A× (B ∩ C) = (A×B) ∩ (A× C).
2. A× (B ∪ C) = (A×B) ∪ (A× C).
3. (A×B) ∩ (C ×D) = (A ∩ C)× (B ∩D).
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (A×B) ∩ (C ×D)
⇔ (x, y) ∈ A×B e (x, y) ∈ C ×D
⇔ (x ∈ A e y ∈ B) e (x ∈ C e y ∈ D)
⇔ (x ∈ A e x ∈ C) e (y ∈ B e y ∈ D)
⇔ x ∈ A ∩ C e y ∈ B ∩D
⇔ (x, y) ∈ (A ∩ C)× (B ∩D)],
que é o resultado desejado. ¥
Um gráfico é qualquer conjunto de pares ordenados (x, y), isto é, qualquer
subconjunto de U × U . Isto significa que
∃ G ∀ z [z ∈ G⇒ z = (x, y)].
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 51
Note que a relação (x, y) ∈ G significa que y está relacionado com x sob G,
ou seja,
G = {(x, y) : (x, y) ∈ G}.
Observação 2.8 Intuitivamente, uma relação sobre um conjunto A é uma
afirmação R(x, y) que é verdadeira ou falsa, para cada par ordenado (x, y) de
elementos de A. No entanto, a representação gráfica de uma relação sobre A
é um gráfico G ⊆ A × A que consiste de todos os pares (x, y) tal que R(x, y)
é verdadeira. Reciprocamente, qualquer gráfico G ⊆ A×A define uma relação
sobre A, a saber, a relação R tal que R(x, y) é verdadeira se, e somente se,
(x, y) ∈ G.
Se G é um gráfico, então G−1 é o gráfico definido como
G−1 = {(x, y) : (y, x) ∈ G}.
O domínio do gráfico G é definido como
Dom(G) = {x : ∃ y tal que (x, y) ∈ G}
e a imagem do gráfico G é definida como
Im(G) = {y : ∃ x tal que (x, y) ∈ G}.
Portanto,
G ⊆ Dom(G)× Im(G).
Neste caso, se Dom(G) = ∅ ou Im(G) = ∅, então G = ∅.
Note que se A e B são conjuntos, então A×B é um gráfico, pois qualquer
elemento de A está relacionado com qualquer elemento de B.
O gráfico identidade sobre A é definido como
IA = {(x, y) ∈ A×A : y = x}.
Sejam G e H dois gráficos. Então o gráfico G ◦H é definido como
G ◦H = {(x, y) : ∃ z tal que (x, z) ∈ H e (z, y) ∈ G}.
Note, em geral, que G ◦H 6= H ◦G, pois se G = {(1, 2)} e H = {(0, 1)}, então
G ◦H = {(0, 2)} e H ◦G = ∅.
52 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Teorema 2.9 Sejam G, H e J gráficos. Então:
1. G ◦ (H ◦ J) = (G ◦H) ◦ J.
2. (G−1)−1 = G.
3. (G ◦H)−1 = H−1 ◦G−1.
4. Dom(G) = Im(G−1) e Im(G) = Dom(G−1).
5. Dom(G ◦H) ⊆ DomH e Im(G ◦H) ⊆ Im(G).
Prova. Vamos provar apenas o item (3).
∀ (x, y) [(x, y) ∈ (G ◦H)−1 ⇔ (y, x) ∈ G ◦H
⇔ ∃ z tal que (y, z) ∈ H e (z, x) ∈ G
⇔ ∃ z tal que (x, z) ∈ G−1 e (z, y) ∈ H−1
⇔ (x, y) ∈ H−1 ◦G−1],
que é o resultado desejado. ¥
Seja I um conjunto não vazio. Se a cada elemento i ∈ I associarmos um
conjunto Ai, o conjunto
{Ai}i∈I = {Ai : i ∈ I}
chama-se a família de conjuntos (indexada por I) e I chama-se o conjunto de
índices para a família, sem nenhuma condição de que os conjuntos com índices
distintos sejam diferentes ou não.
Observe que qualquer conjunto C cujos elementos são conjuntos pode ser
convertido para uma família de conjuntos pelo autoíndice, ou seja, usaremos
o conjunto C como conjunto de índices e associaremos a cada elemento do
conjunto o conjunto que o representa. Mais precisamente, pondo I = C e
Ai = i, para todo i ∈ I, obtemos
{i : i ∈ I}= {Ai : i ∈ I} ou {A}A∈C = {A : A ∈ C}.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 53
Note que a família de conjuntos
{1, 2}, {3, 4}, {5, 6}, . . . , {2n− 1, 2n}, . . .
pode ser considerada como uma família de conjuntos indexada pelo conjunto
dos números naturais N, em que
An = {2n− 1, 2n},
para todo n ∈ N. Portanto,
{An}n∈N = {An : n ∈ N}
= {A1, A2, . . . , An, . . .}.
Neste caso, diremos que a família {An}n∈N é uma sequência e An o n-ésimo
conjunto da sequência.
Observação 2.10 Formalmente, uma família de conjuntos {Ai}i∈I é um grá-
fico G, com Dom(G) = I e
Ai = {x : (i, x) ∈ G}.
Por exemplo, se I = {1, 2}, A1 = {a, b} e A2 = {c, d}, então
{Ai}i∈I = G = {(1, a), (1, b), (2, c), (2, d)}.
Exemplo 2.11 Sejam b ∈ R fixado e
Rb = {(x, y) ∈ R× R : y = x+ b}
Então {Rb}b∈R é uma família de retas do plano R×R. Note que a família
{Rb}b∈R
é uma partição de R×R, ou seja,
R =
•[
b∈R
Rb.
54 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Seja {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U . A união dos conjuntos
Ai é o “conjunto” de todos os elementos que pertencem a pelo menos uma
conjunto Ai da família. Em símbolos,[
i∈I
Ai = {x ∈ U : ∃ i ∈ I tal que x ∈ Ai},
ou ainda, [
i∈I
Ai = {x ∈ U : x ∈ Ai, para algum i ∈ I}.
Note, em particular, que se A é um conjunto, então[
x∈A
{x} = A.
A interseção dos conjuntos Ai é o “conjunto” de todos os elementos que per-
tencem a todos os conjuntos Ai da família. Em símbolos,\
i∈I
Ai = {x ∈ U : ∀ i ∈ I, x ∈ Ai},
ou ainda, \
i∈I
Ai = {x ∈ U : x ∈ Ai, para todo i ∈ I}.
Exemplo 2.12 Sejam i ∈ R e
Si = {x ∈ R : x > i},
ou seja, a cada número real i ∈ R associamos um subconjunto Si de R. Neste
caso, obtemos a família {Si}i∈R de subconjuntos de R. Agora, é fácil verificar
que
Si1 ∪ Si2 = Si, em que i = min{i1, i2},
Si1 ∩ Si2 = Sj, em que j = max{i1, i2},[
i∈I
Si = S0 e
\
i∈I
Si = S1,
com I = [0, 1] um intervalo fechado de R.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 55
ZF4 - Axioma de subconjuntos. Qualquer subclasse de um conjunto é
um conjunto. Em símbolos,
∀ x [x ∩A é um conjunto],
Observe que se A e B são conjuntos, então pelo item (3) do Teorema 2.3,
A ∩B ⊆ A. Portanto, pelo axioma ZF4, a interseção A ∩B é um conjunto.
ZF5 - Axioma de união. Se C é um conjunto cujos elementos são con-
juntos, então [
C = {x : x ∈ A, para algum A ∈ C} =
[
A∈C
A
é um conjunto. Formalmente,
∀ C [C 6= ∅ ⇒ ∃ D [D =
[
C]].
Por exemplo, [
∅ = ∅ e
[
{x} = x.
Observação 2.13 Seja C um conjunto cujos elementos são conjuntos.
1. Note que x ∈
S
C significa que existe A ∈ C tal que x ∈ A. Em
particular, se A ∈ C, então A ⊆
S
C. Portanto,
S
C representa a união
de todos os conjuntos em C.
2. Se A e B são elementos de C, então, pelo axioma ZF3, {A,B} é um
conjunto. Assim, por definição,[
{A,B} = {x : x ∈ X, para algum X ∈ {A,B}}
= {x : x ∈ X, com X = A ou X = B}
= A ∪B.
Portanto, pelo axioma ZF5, A ∪B é um conjunto.
56 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Seja A um conjunto. O conjunto das potências de A é a família (classe) de
todos os subconjuntos de A. Em símbolos,
P(A) = {B : B ⊆ A}.
Note que P(A) é a família de todos os subconjuntos B que satisfazem a pro-
priedade B ⊆ A. Portanto, pelo axioma ZF2, a classe P(A) está bem definido.
ZF6 - Axioma das potências. Se A é um conjunto, então P(A) é um
conjunto. Formalmente,
∀ A ∃ C [C = P(A)].
Observação 2.14 Seja A um conjunto qualquer.
1. Se Q(X) é uma propriedade com relação à um subconjunto X de A,
então, pelos axiomas ZF4 e ZF2,
B = {X : X ⊆ A e Q(X)}
é um conjunto. Assim, se X ∈ B, então X ∈ P(A). Logo, B ⊆ P(A).
Portanto, pelos axiomas ZF6 e ZF4, B é um conjunto, ou seja, se A
é um conjunto e Q(X) é uma propriedade de X, então a conjunto de
todos os subconjuntos de A é um conjunto. Por exemplo, se C é um
subconjunto de P(A), então[
B∈C
B = {x ∈ A : x ∈ B, para algum B ∈ C}
é um conjunto. Em particular,[
B∈P(A)
B = A.
2. A união e a interseção são operações binárias sobre P(A). Além disso,
se A é um conjunto não vazio, então
P(A)∗ = P(A)− {∅}
é uma família de conjuntos não vazios.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 57
3. A classe universal U é caracterizada por:
(a) Se A ∈ U , então A ⊆ U .
(b) Se A ∈ U , então P(A) ⊆ U .
Exemplo 2.15 Se A = {1, 2}, então P(A) = {∅, {1}, {2}, A} é um conjunto.
Note que X ⊆ A significa que X ∈ P(A) e x ∈ A significa que {x} ∈ P(A).
Exemplo 2.16 Sejam A um conjunto e a, b ∈ A. Mostre que
(a, b) ∈ P(P({a, b}) e a, b ∈
[
(a, b).
Conclua que (a, b) ∈ P(P(A)).
Solução. Como {a}, {a, b} ⊆ {a, b} temos que {a}, {a, b} ∈ P({a, b}). Por-
tanto,
{{a}, {a, b}} ⊆ P({a, b})⇒ (a, b) = {{a}, {a, b}} ∈ P(P({a, b})).
Note que como a ∈ {a} e b ∈ {a, b} temos que a, b ∈ (a, b). Logo,
a, b ∈
[
(a, b) = {x : x ∈ B, para algum B ∈ (a, b)},
que é o resultado desejado. ¥
Exemplo 2.17 Seja G um gráfico. Mostre que se G é um conjunto, então
Dom(G) e Im(G) são conjuntos.
Solução. Seja x ∈ Dom(G). Então existe y tal que (x, y) ∈ G. Logo,
(x, y) ∈
[
G = {a : a ∈ A, para algum A ∈ G},
Em particular,
{x} ∈
[
G.
De modo inteiramente análogo, prova-se que
x ∈
[³[
G
´
.
Portanto,
Dom(G) ⊆
[³[
G
´
,
ou seja, pelo axioma ZF5, Dom(G) é um conjunto. ¥
58 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Teorema 2.18 Se A e B são conjuntos, então A×B é um conjunto.
Prova. Note, pelos axiomas ZF5 e ZF6, que P(A∪B) é um conjunto. Nova-
mente, pelo axioma ZF6, P(P(A ∪B)) é um conjunto.
Afirmação. A×B ⊆ P(P(A ∪B)).
De fato, seja (x, y) ∈ A×B. Então x ∈ A∪B e y ∈ A∪B. Logo, {x} ⊆ A∪B
e {x, y} ⊆ A ∪B. Assim, {x}, {x, y} ∈ P(A ∪B). Consequentemente,
{{x}, {x, y}} ⊆ P(A ∪B)⇒ (x, y) = {{x}, {x, y}} ∈ P(P(A ∪B)),
ou seja, A × B ⊆ P(P(A ∪ B)). Portanto, pelo axioma ZF4, A × B é um
conjunto. ¥
Observação 2.19 Se A e B são conjuntos, então, pelo axioma ZF4, qualquer
gráfico G de A×B é um conjunto e
A×B = {(x, y) ∈ P(P(A ∪B)) : x ∈ A e y ∈ B}.
EXERCÍCIOS
1. Mostre que os conjuntos ∅, {∅}, {∅, {∅}} . . . são todos distintos.
2. Sejam A, B, C e D conjuntos não vazios.
(a) Mostre que A e B são disjuntos se, e somente se, A × E e B × E
são disjuntos, para qualquer conjunto E.
(b) Mostre que A ⊆ B e C ⊆ D se, e somente se, A× C ⊆ B ×D.
(c) Mostre que A×B = C ×D se, e somente se, A = C e B = D.
(d) Mostre que A×B e A0 × C são disjuntos.
(e) Mostre que B ×A e C ×A0 são disjuntos.
3. Sejam G e H gráficos.
2.3. GRÁFICOS E FAMÍLIAS 59
(a) Mostre que se G ⊆ A×B, então G−1 ⊆ B ×A.
(b) Mostre que se G ⊆ A×B e H ⊆ B × C, então H ◦G ⊆ A× C.
4. Sejam G, H gráficos e B, C subconjuntos de Dom(G). Vamos definir a
restrição de G a B como
G|B = {(x, y) : (x, y) ∈ G e x ∈ B}.
Note que G|B = G ◦ I, em que I é o gráfico (inclusão) I ⊆ B×Dom(G).
Mostre que:
(a) G|B = G ∩ (B × Im(G)).
(b) G|(B∪C) = G|B ∪G|C.
(c) G|(B∩C) = G|B ∩G|C.
(d) (H ◦G)|B = H ◦ (G|B).
5. Sejam G e H gráficos. Mostre que se G e H são conjuntos, então G−1 e
G ◦H são conjuntos.
6. Sejam A e B conjuntos. Mostre que A−B e A+B são conjuntos.
7. Sejam {Ai}i∈I , {Bj}j∈J famílias de subconjuntos de U e B um subcon-
junto qualquer de U .
(a) Mostre que se Ai ⊆ B, para todo i ∈ I, então
S
i∈I Ai ⊆ B.
(b) Mostre que se B ⊆ Ai, para todo i ∈ I, então B ⊆
T
i∈I Ai.
(c) Mostre que se Ai ⊆ Bi, para todo i ∈ I, então
S
i∈I Ai ⊆
S
i∈I Bi
(d) Mostre que se Ai ⊆ Bi, para todo i ∈ I, então
T
i∈I Ai ⊆
T
i∈I Bi.
8. Sejam {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U e X um subconjunto
de U com as seguintes propriedades:
(a) Para todo i ∈ I, tem-se X ⊆ Ai.
(b) Se Y ⊆ Ai para todo i ∈ I, então Y ⊆ X.
60 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS
Mostre que X =
T
i∈I Ai.
9. Enuncie e demonstre um resultado análogo ao Exercício 8, caracterizandoS
i∈I Ai.
10. Seja {Ai}i∈I uma família de subconjuntos de U . Mostre que:
(a) (
S
i∈I Ai)
0 =
T
i∈I A
0
i.
(b) (
T
i∈I Ai)
0 =
S
i∈I A
0
i.
11. Sejam {Ai}i∈I e {Bj}j∈J famílias de subconjuntos de U . Mostre que:
(a) (
S
i∈I Ai) ∩ (
S
j∈J Bj) =
S
(i,j)∈I×J(Ai ∩Bj).
(b) (
T
i∈I Ai) ∪ (
T
j∈J Bj) =
T
(i,j)∈I×J(Ai ∪Bj).
(c) (
T
i∈I Ai)× (
T
j∈J Bj) =
T
(i,j)∈I×J(Ai ×Bj).
(d) (
S
i∈I Ai)× (
S
j∈J Bj) =
S
(i,j)∈I×J(Ai ×Bj).
12. Sejam {Ai}i∈I uma família de subconjuntos

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