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1 Referência: aula da prof. Dunya Mota A gestação ectópica compõe, junto com abortamento e mola hidatiforme (neoplasia trofoblástica gestacional benigna), o que chamamos de síndromes hemorrágicas do primeiro trimestre. Ou seja, patologias que podem causar sangramento no primeiro trimestre de gestação. Conceito Refere-se à gestação cuja implantação do ovo ocorre fora da cavidade uterina. Esta última é aquela que está no corpo uterino. Vale lembrar que o colo não corresponde à cavidade uterina e, portanto, uma gestação que se implanta nesse local também é considerada ectópica. • Incidência: 0,3 a 2% das gestações. • Taxa de recorrência: 15%. Existindo uma história prévia de gestação ectópica, é importante avaliar precocemente se se está diante de uma recorrência. • Importante causa de morte: hoje em dia, ocorre com menor frequência, por conta do diagnóstico mais precoce. Contudo, ainda podem haver sangramentos importantes, a ponto de causar choque e morte na paciente. Classificação 1. Localizações • Ovariana (1-2%) • Abdominal (1%) • Cervical (0,15%) • Tubária (98-99%) 2. Localizações: tubária Ainda dentro da trompa, há locais específicos de implantação. A forma mais comum é a ístmico-ampular. • Ampular: 79,6% • Ístmica: 12,3% • Frimbriária: 6,2% • Intersticial: 1,9% Etiopatogenia 1. Fatores de risco • Processos inflamatórios • Alterações anatômicas • Endometriose • Tumores justatubários • Cirurgias tubárias • Alterações de motilidade Qualquer fenômeno que possa alterar a anatomia ou fisiologia da trompa vai causar gestação ectópica. 1.1 Processos inflamatórios tubários • Doença inflamatória pélvica com comprometimento da trompa. • Oclusão incompleta da trompa: por causa do tratamento com antibióticos dos processos inflamatórios, o que favorece a implantação do ovo na trompa. • Função ciliar favorece migração errônea do ovo: o ovo que foi fecundado leva mais tempo na migração da trompa, implantando antes de chegar na cavidade uterina. • Estagnação do ovo 1.2 Alterações anatômicas tubárias: promovida por cirurgias ou até pré-existente. 2 • Divertículos, pólipos teciduais, óstios acessórios, hipoplasia de trompa, anomalias de estrutura: favorecem migração ovular comprometida. 1.3 Endometriose Funciona como obstrução na luz da trompa, ocluindo de forma interna, ou oclui funcionando como tumor justatubário, com compressão extrínseca. Isso altera anatomia da trompa e favorece estagnação do ovo. 1.4 Tumores justatubários: compressão extrínseca, levando a uma migração mais defeituosa e complicada do ovo, fazendo com que ele pare antes de atingir a cavidade uterina. 1.5 Cirurgias tubárias anteriores: esterilização falha (foi feita uma laqueadura, mas houve uma recanalização, em que a anatomia não fica preservada e existe uma luz mais fina, por exemplo, que impacta o ovo e favorece gestação ectópica), outras cirurgias realizadas na trompa ou até de reparação de gestação ectópica. Evolução • Rotura tubária • Descolamento ovular • Resolução espontânea • Evolução avançada: até o termo ou muito próxima do termo. • Evolução para uma forma secundária • Degeneração molar: dá origem a uma mola. 1. Rotura tubária O tecido da trompa não é preparado para receber o ovo, que vai invadir a região para nidar e implantar. Quando um ovo se implanta na trompa, ele vai corroer e distender, porque ele quer se fixar, mas a trompa não tem camadas suficientes para isso. O fenômeno acontece entre 4 e 12 semanas. A evolução clássica cursa com a presença de sangue na cavidade peritoneal; é um quadro de irritação peritoneal por conta do sangue que cai na cavidade. É mais frequente quando a localização é ístmica – a trompa é mais estreitada nessa região. O desfecho é rotura. 2. Descolamento ovular O ovo que está nidando na trompa, por alguma razão, descola e cai na cavidade abdominal. Muitos acreditam que isso é decorrente de descolamentos ovulares que caem nesse local, e não gestação inicialmente já implantada na cavidade abdominal. É mais frequente na localização ampolar, que é a mais larga. 3. Resolução espontânea Ocorre em 1/3 dos casos. Há completa reabsorção do ovo e do hematoma. Isso é importante porque existe uma modalidade de tratamento em que a conduta é conservadora. É preciso haver critérios bem estabelecidos, pois pode levar a um abdome agudo e a paciente chegar a chocar. 4. Evolução avançada É algo extremamente excepcional, pois é uma gestação que, mesmo não estando na cavidade uterina, chega a atingir o termo. Normalmente, não acontece quando a localização é tubária, acontece mais quando é abdominal, porque existe espaço para que o feto cresça. Na trompa, isso não existe. 5. Evolução para forma secundária: abdominal, tubo- abdominal. Ocorre no caso dos descolamentos ovulares, vindo para a cavidade uterina e sendo expulso como abortamento, ou vindo para a cavidade abdominal e evoluindo para forma secundária. Muitos acreditam que essa forma é sempre secundária, tanto que é chamada de gestação tubo-abdominal. 6. Degeneração molar: em 2,5% das situações, a gestação ectópica pode dar origem a uma neoplasia trofoblástica gestacional. Quadro clínico Temos dois tipos básicos, em relação ao quadro clínico: • Gestação ectópica íntegra, em que se tem apenas o saco implantado no local errado, mas ela está integra e não causa sintomas na paciente. O quadro clínico, portanto, é muito semelhante à gestação tópica (sem rotura e sem perda de sangue). 3 • Gestação ectópica interrompida, seja por descolamento ou rotura, há um quadro clínico expressivo: o Dor abdominal aguda: por causa do sangue que está em cavidade peritoneal, causando irritação e abdome agudo. o Tonturas e vertigens, dependendo da quantidade de sangramento o Sangramento vaginal: por conta do desprendimento do saco, com morte ovular e queda de hormônios. o Escapulalgia: sinal de Laffont – irritação do nervo frênico por causa do sangue na cavidade. o Choque hemorrágico: em casos mais graves. Depende da quantidade de sangue perdido. Diagnóstico 1. Anamnese: se for uma gestação ectópica íntegra, é pobre. Se for interrompida, existem as queixas já citadas, podendo ou não ter a queixa de atraso menstrual; não é obrigatório, mas sempre pensar na paciente que se queixa de dor abdominal e vida sexual ativa. 2. Exame físico • Inspeção: fácies lívido – palidez por causa do sangramento. • Palpação: reação abdominal, por conta do abdome agudo. • Toque vaginal: colo amolecido, útero aumentado de volume (está recebendo estimulo hormonal), sangue no fundo de saco de Douglas – sinal de Proust (quando tocado, a paciente recebe dor), mobilização uterina dolorosa. 3. Propedêutica laboratorial • β-HCG – gestações normais o Aumentam em 35% ou mais em 48h o Valor: 1000 – 2000 mUI-ml → US Se os valores estiverem entre mil e dois mil, tem que ver um saco gestacional intraútero. Em valores menores, pode não identificar o saco, mas se os valores forem acima, significa que sempre vai ter que encontrar o saco visível na cavidade uterina (a não ser que tenha acontecido abortamento, mas sempre pensar em gestação ectópica). Em gestação ectópica, não se observa aumento do β-HCG a cada 48h, ou seja, a elevação é muito menor ou então os valores do hormônio podem ser mais altos que esses, mas o saco não é visível. 4. Ultrassonografia: avalia cavidade uterina, ovário e fosses ilíacas. Imediatamente acima, vemos um saco gestacional fora da cavidade uterina. Podem haver situações em que confunde, como pseudosaco gestacional, mas ele tem características diferentes. • Fossas ilíacas correspondem a 90% da localização da gravidez ectópica, pois é onde fica a tuba. Portanto, para diagnóstico de gestaçãoectópica, usa-se uma zona discriminatória de β-HCG entre 1000 e 2000, em que se tem que observar o saco gestacional intrauterino. Diagnóstico = ultrassonografia transvaginal + β-HCG sérico Diagnóstico diferencial Qualquer situação que leve ao abdome agudo em paciente com vida sexual ativa 4 Tratamento Depende de certos fatores: • Estado hemodinâmico da paciente • Grau de evolução da gestação: idade gestacional da paciente. • Localização: tópica, ovariana, abdominal. • Desejo de gravidez futura: se houver o desejo de gravidez futura, deve-se tentar ser conservador no tratamento. Se não existe esse desejo, não precisa fazer isso. O tratamento pode ser cirúrgico ou clínico. Este último ainda se subdivide em medicamentoso e expectante. 1. Tratamento cirúrgico É feita uma salpingectomia (retirada da trompa) ou salpingotomia linear (abre trompa, retira conteúdo, limpa e fecha novamente). É feita por laparotomia ou laparoscopia, em quadros agudos, e sempre faz em quadros de instabilidade hemodinâmica. Se a paciente não tiver desejo de engravidar, não tenta recuperar a trompa, apenas a retira. 2. Tratamento clínico medicamentoso Partimos de uma situação em que a paciente tem um sangramento muito discreto ou que nem sequer sangrou. Fazemos quando não houve saída de sangue para a cavidade, sem sangramento expressivo. A paciente não pode estar em risco de sangramento, de entrar em choque hipovolêmico etc. 2.1 Critérios de inclusão • Estabilidade hemodinâmica • Diâmetro máximo do saco gestacional de 3 – 4 cm • BCF ausente: gestação que não vai mais evoluir, não tem mais batimentos, gestação inviável. • β-HCG < 5000 mUI/ml. Se esses critérios de inclusão não forem observados, o risco de acabar indo para cirurgia de urgência serão maiores. 2.2 Contraindicações • Gravidez intrauterina ao mesmo tempo da ectópica • Imunodeficiência / anemia • Leucopenia (leucócitos < 2000 cel/mm3 – a medicação interfere nessa contagem) • Trombocitopenia (plaquetas < 100 mil) • Sensibilidade ao metotrexato (MTX) • Embrião vivo • Doença hepática ou renal: MTX vai ser tóxico. 2.3 Como é feito? • Metotrexato (MTX) 50 mg/m2 intramuscular, dose única • Dosagem de β-HCG 4º e 7º dia após o MTX. • A taxa de sucesso ocorre quando se reduz pelo menos 15% do β-HCG prévio ao tratamento. Se a queda for muito pequena ou não acontecer, faz 2ª dose. • Acompanhamento semanal: β-HCG Se não funcionar com a 2ª dose, o tratamento é cirúrgico. Existe uma modalidade que diz que, quando o embrião está vivo, pode fazer MTX intra saco gestacional para que ele morra. 3. Clínico expectante • É baseado na resolução espontânea que ocorre em 1/3 dos casos. • Critérios: oligossintomática, estabilidade hemodinâmica, β-HCG < 1000-1500 mUI/ml, declínio dos títulos em 24 – 48h, diâmetro máxima da massa não pode ultrapassar 5 cm, BCF ausente. • Acompanhamento semanal: acompanha até o β- HCG negativar.