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Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 325Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... (1) Professor do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 7712. CEP 90001 970 Porto Alegre (RS). E-mail: ibanghi@ufrgs.br (2) Professor do Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da Faculdade de Agronomia da UFRGS. E-mail: paulocfc@ufrgs.br (3) Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Faculdade de Agronomia da UFRGS. E-mail: sergioelycosta2011@hotmail.com ABORDAGEM SISTÊMICA DO SOLO EM SISTEMAS INTEGRADOS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA E PECUÁRIA NO SUBTRÓPICO BRASILEIRO Ibanor Anghinoni(1), Paulo César de Faccio Carvalho(2) & Sérgio Ely Valadão Gigante de Andrade Costa(3) Introdução .................................................................................................................................................... Teoria e Evolução dos Sistemas Integrados ............................................................................................... Sistemas Integrados no Subtrópico Brasileiro ............................................................................................. Ambiente e Produção Agrícola e Pecuária .............................................................................................. Modelos de Integração ............................................................................................................................ Modelos que Integram a Pecuária na Lavoura ........................................................................................ Modelos que Integram a Lavoura na Pecuária ........................................................................................ O Solo no Contexto dos Sistemas Integrados ............................................................................................ Inserção do Solo no Sistema .................................................................................................................. Protocolo Experimental ............................................................................................................................ Abordagem Sistêmica .............................................................................................................................. Modelo Conceitual Solo no Sistema de Integração ................................................................................. Indicadores do Estado Físico do Solo e suas Relações ......................................................................... Indicadores do Estado Químico do Solo e suas Relações ..................................................................... Indicadores do Estado Biológico do Solo e suas Relações .................................................................... Indicadores de Manejo do Solo e suas Relações .................................................................................... Indicadores do Sistema Solo e suas Relações ....................................................................................... Fertilidade do Solo, Ciclagem de Nutrientes e Adubação de Sistema ........................................................ Fertilidade do Solo: Conceito e Evolução com o Manejo ........................................................................ Ciclos Biogeoquímicos e Ciclagem de Nutrientes .................................................................................. Ciclagem de Nutrientes e Adubação de Sistema em Integração Lavoura-Pecuária .............................. Modelos Conceituais dos Sistemas Integrados ........................................................................................... Literatura Citada .......................................................................................................................................... INTRODUÇÃO Os sistemas integrados de produção agrícola e pecuária são caracterizados por serem planejados para explorar sinergismos e propriedades emergentes, frutos de interações nos compartimentos solo- Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.326 planta-animal-atmosfera de áreas que integram atividades de produção agrícola e pecuária (Moraes et al., 2012). No Brasil, esses sistemas são mais conhecidos pela denominação de integração lavoura-pecuária (ILP), correspondendo a associações entre pecuária de corte ou leite e cultivos como soja, milho, arroz, eucalipto, algodão, dentre outros, normalmente em escala de fazenda; são interações planejadas em diferentes escalas espaço- temporais, abrangendo a exploração de cultivos agrícolas (grãos, floresta etc.) e produção animal (ruminantes e monogástricos) na mesma área, de forma concomitante ou sequencial, e mesmo entre áreas distintas. Diversidade e complexidade são propriedades inerentes aos sistemas integrados. Já a agricultura contemporânea, decorrente da revolução verde, tornou-se especializada e simplificada (sensu diversidade) e altamente dependente de insumos, o que aumentou seu risco operacional e teve, por consequência, impactos ambientais indesejáveis. Os sistemas integrados, por sua vez, remetem aos primórdios da agricultura, não se tratando de nova tecnologia. Como conceito antigo, esses sistemas vinham sendo preteridos até recentemente como “modelo de produção”. Contudo, os sistemas integrados estão retomando novamente seu status, pois seus atributos de sustentabilidade são únicos e se impõem na nova lógica de “intensificação sustentável” (Freidrich, 2010), exigida para o futuro da produção mundial de alimentos. Segundo Bell & Moore (2012), os sistemas integrados constituem-se numa das mais importantes formas de uso da terra, atingindo 25 milhões de km2 em todo o mundo; nesse cenário de ressurgência, a novidade que a ciência brasileira apresenta ao mundo é o uso desse conceito de produção sob os pilares da agricultura conservacionista. O plantio direto e sua exigência em cobertura do solo, aliado à diversidade de rotações mais o efeito do pastejo, interagem de forma sinérgica, aportando novas propriedades aos sistemas integrados (Carvalho et al., 2010). O resultado, no âmbito de sistema, é maior que a soma das contribuições das tecnologias individuais, em que se depreende a aplicação do conceito de propriedades emergentes(*) (Odum, 1988). O principal compartimento a acolher os vários processos sinérgicos desses sistemas é o solo; enquanto os diferentes componentes vegetais incorporam nutrientes e energia, e os animais funcionam como catalizadores ao introduzirem variabilidade e novas vias de fluxos de nutrientes e água, o solo é o compartimento mediador dos processos. Disso resulta o principal (*) São propriedades do todo; não são redutíveis à soma dos efeitos isolados; não estão presentes no nível inferior de ordem; e não podem ser explicadas e nem reduzidas aos elementos que interagiram para gerá-las. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 327Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... propósito deste texto, que é o de discutir como alguns dos processos ecossistêmicos envolvidos nos sistemas integrados são mediados pelo compartimento solo. Para tanto, a ciclagem de nutrientes é apresentada como o processo fundamental para caracterizar os sistemas integrados. Posteriormente, sua fundamentação teórica é descrita para, então, ilustrar tipologias de sistemas em uso no subtrópico brasileiro, ressaltando sua diversificação. O solo é apresentado sob o foco mediador dos processos, concluindo pela proposição de um modelo conceitual de sistemas integrados, que sugere o compartimento solo como a “memória” da evolução dos processos envolvidos. TEORIA E EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS INTEGRADOS A revolução agrícola neolítica marcou a transição do homem-caçador- coletor para sociedades de cultivadores, originando os primeiros sistemas agrários (Mazoyer & Roudart, 2010). É provável que essa transição tenha ocorrido com as primeiras pressões da populaçãohumana sobre os recursos naturais, uma necessidade que surgiu quando o tempo necessário para predação passou a ser cada vez maior, fruto de fenômenos conjuntos de aumento da população e redução na acessibilidade aos alimentos; isso, no momento em que a população humana decuplicou, de cinco para 50 milhões de habitantes (Mazoyer & Roudart, 2010). Esse desequilíbrio clássico, entre a renovação dos recursos naturais e sua utilização pelo homem, é tido como o responsável pelo insucesso de diversas civilizações (Diamond, 2005). Whalen & Sampedro (2010) sugeriram haver associação específica entre a eficiência e conservação do ecossistema solo e o desenvolvimento das sociedades humanas. O fato importante a pontuar é o significado ecológico dessa transição, entre retirar alimentos de ecossistemas naturais que estão em equilíbrio para explorar cultivos em ecossistemas “construídos”. Nos primórdios da protoagricultura (Mazoyer & Roudart, 2010), os ecossistemas encontravam- se próximos do equilíbrio e os fluxos de energia e de nutrientes se autorregulavam. Fundamental para tanto, foi o fato de que o homem desenvolveu formas de cultivo e criação que se baseavam na exploração combinada de várias espécies, isto é, diversidade. Segundo Altieri (1999), essa diversidade é que provê a base do equilíbrio ecossistêmico e de seus serviços. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.328 O cultivo das plantas e a criação dos animais já se integravam de maneira diversa sob o manejo do homem na agricultura neolítica. Um dos primeiros registros de modelos de produção integrada foi o descrito na cidade de Jericho (9000 a.C.) (Encyclopedia, 2005). O conceito em se integrar cultivos com a criação de animais residia num princípio básico do funcionamento dos ecossistemas naturais: a ciclagem de nutrientes. Herbívoros domesticados eram capazes de consumir partes das plantas que o homem não conseguia aproveitar; delas, os animais geravam nutrientes passíveis de consumo humano e, tão importante quanto, seus excrementos geravam a fonte de nutrientes necessária aos cultivos. Dessa simples combinação de propósitos, surgiu a integração lavoura-pecuária em seu estado mais bruto. No Brasil, nos sistemas agrários dos séculos XVII e XVIII (Linhares, 1995), os registros históricos indicam que predominava a separação entre agricultura e pecuária, a exceção de um sistema de uso da terra tido como “peculiar e eficaz”, em que o gado era integrado aos cultivos de fumo e mandioca. Segundo Linhares (1995), era notória a ausência de práticas de reposição de nutrientes do solo nos modelos agrícolas daquela época, predominando longos períodos de pousio em rotações floresta/cultivo, no que se denominava “rotação de terras primitivas”. Já o sistema de integração gado-fumo-mandioca baseava-se nas características da agricultura europeia pré-capitalista, tendo o gado, a função de “estrumar” o solo, ilustrando como a estratégia de aporte de nutrientes para as culturas acaba por definir o sistema de produção vigente. Segue então a “evolução humana e agrícola” até os dias atuais e a agricultura comercial de escala surge para responder à imensa demanda de alimentos gerada pela expansão populacional no final do século XX. A agricultura segue o caminho da especialização, com base em tecnologia de insumos e multiplicando notavelmente a capacidade de produzir alimentos por unidade de área cultivada. Segundo Lemaire et al. (2013), a consequência dessa corrida produtivista foi a perda da diversidade e a poluição do ambiente por excesso de nutrientes e de resíduos de defensivos agrícolas, bem como a fragmentação de “habitats”. Segundo a FAO (2010), os modelos de produção atuais não estão alinhados aos desafios da futura produção de alimentos, obrigatoriamente segura e sustentável. Portanto, novos paradigmas são necessários para o avanço da agricultura, pois há que se mudar a forma de produzir alimentos pelo uso de tecnologias mais equilibradas e em sintonia com os novos requerimentos de comprometimento ambiental. É nesse cenário que os sistemas integrados vêm retomando Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 329Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... interesse (Carvalho et al., 2010), pois são comprovadamente mais sustentáveis e mais resilientes, em relação aos sistemas agrícolas modernos (Russelle et al., 2007). De acordo com Tracy (2007), a agricultura moderna progride em sentido diametralmente oposto à natureza. Em contraponto, os sistemas integrados seriam uma forma de construir sistemas agrícolas diversos e, pela possibilidade de comporem vários tipos de culturas de grãos, árvores e animais, atingir nível de diversidade único, comparado a outros sistemas agrícolas. Segundo Smukler et al. (2010), quanto mais diverso o sistema agrícola, maior a sua funcionalidade ecossistêmica; entretanto, os sistemas integrados devem ser diversos não somente no número de opções agrícolas envolvidas, mas também no tempo e no espaço. Nesse contexto, propõe-se a conceitualização dos sistemas integrados, a partir de três dimensões: diversidade dos componentes (espécies e funcionalidade); temporalidade dos ciclos (intervalo de tempo entre opções e amplitude de duração do sistema); e espacialização das interações (distância para conectividade dos componentes). Para desenvolver esse conceito (hipotético), foram tomados como exemplo diferentes arranjos de cultivo num sistema de produção de soja no ambiente subtropical brasileiro (Figura 1). Figura 1. Planos de produção integrada a partir da inclusão de animais e de outros cultivos em áreas originalmente produtoras de soja. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.330 Inicialmente, é importante considerar que os diferentes sistemas apresentados não ilustram a situação mais extrema do componente espacial, que ocorre, por exemplo, entre áreas de diferentes propriedades, como o milho produzido numa propriedade que suplementa animais em outra. O componente temporal também é limitado, assim como a opção de rotação com árvores, no sentido de facilitar o entendimento. O Sistema 1 é pouco diversificado, ainda que integrado. As rotações são rápidas, pois a mesma cultura retorna na mesma área a cada semestre. Do ponto de vista de diversidade, os demais sistemas são sempre mais diversos que o Sistema 1, pois o número de espécies envolvidas nas rotações é sempre maior. Entretanto, nota-se que, quando se comparam os Sistemas 2 e 3, esses não são muito diferentes, pois ambas as opções são gramíneas e, portanto, não há ganhos com relação à funcionalidade do componente vegetal, como seria no caso de se terem brássicas, asteráceas e outras espécies na rotação. Ao se comparar o Sistema 2 com o 4, têm-se sistemas com o mesmo nível de diversidade, mas com arranjos diferentes no tempo e espaço, o mesmo ocorrendo com os Sistemas 3 e 5. Por último, quando se compara o Sistema 1 com o 6, vislumbram-se modificações nas três dimensões propostas: diversidade, temporalidade e espacialização. Essa organização conceitual se encontra na figura 2. A combinação dessas características, por sua vez, define as propriedades do sistema. A proposta é ilustrada situando-se diferentes sistemas de produção em relação a um contínuo de incremento na complexidade das relações envolvidas: monocultivo em semeadura convencional (Mo); monocultivo em semeadura direta (Mod); cultivos agrícolas em rotação e semeadura direta (PDr); cultivos agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais (PDi); e cultivos agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais e árvores (PDi+). Como se pode depreender, o grau de interações sinérgicas é dependente do quão complexo é o sistema em relação às suas características de diversidade, temporalidade e espacialização. Quanto maior a diversidade, incluída a dos tipos e das categorias animais, que nunca é abordada, tanto maior a temporalidade com que os arranjos de integração se repetem; e quanto menor o espaço físico de interação entre os componentes,maior a possibilidade de ocorrência de processos sinérgicos. A organização dessas três dimensões gera as propriedades dos sistemas integrados. Quanto mais diversos o forem, mais se aproximam dos processos ecossistêmicos naturais e mimetizam seu funcionamento em equilíbrio (Kirschenmann, 2007). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 331Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Figura 2. Conceitualização dos sistemas integrados de produção agrícola e pecuária. A diversidade, a temporalidade e a espacialização determinam a natureza e magnitude das interações sinérgicas no sistema (Mo: monocultivo no sistema convencional; Mod: monocultivo em semeadura direta; PDr: cultivos agrícolas em rotação e semeadura direta); PDi: cultivos agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais; e PDi+: cultivos agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais e árvores. Por sua vez, a “construção do sistema”, pela escolha dos componentes e estratégia de seus arranjos espaço-temporais, define a natureza (elementos envolvidos) e a magnitude (quantidade dos fluxos) dos ciclos biogeoquímicos presentes. Por último, propriedades emergentes são originadas, pois os efeitos até aqui descritos não são simplesmente cumulativos. O grau de entropia desse sistema gera novo estado de ordem e novo grau de conectividade entre componentes e múltiplas interações se sobrepõem às simples relações anteriormente experimentadas, de onde emergem novos processos sistêmicos (Vezzani & Mielniczuk, 2009; Mello, 2011). As propriedades emergentes dos sistemas integrados não são simples de observar, predizer ou mesmo provar, pois os arranjos dos componentes envolvidos, nas três dimensões propostas, transcendem os limites atuais e a natureza exigida para seu estudo é transdisciplinar. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.332 Não obstante, há reconhecimento pelo meio científico de que os sistemas integrados são eficientes na ciclagem de nutrientes e energia (Entz et al., 2005) e mais sustentáveis (Ryschawy et al., 2012) e resilientes (Lemaire et al., 2013), características essas associadas a sistemas que apresentam propriedades emergentes (Odum, 1988). Como o fundamento básico para ocorrência de todos esses processos é a diversidade, quanto maior a diversidade de fatores bióticos e abióticos de um habitat, maior a possibilidade teórica de construção de sistemas integrados. Nesse sentido, o subtrópico brasileiro permite o uso de várias famílias de plantas, anuais e perenes, de distintos ciclos metabólicos, o que resulta em possibilidade única para se organizarem os mais diferentes arranjos espaço-temporais em sistemas integrados. Nesse contexto, os principais sistemas em uso atualmente no ambiente subtropical brasileiro são descritos na sequência. SISTEMAS INTEGRADOS NO SUBTRÓPICO BRASILEIRO Ambiente e produção agrícola e pecuária A região subtropical brasileira está localizada abaixo da linha do Trópico de Capricórnio, que cruza o paralelo 23,5°, latitude Sul, passando por Campinas, SP, e Londrina, PR, e abrange, majoritariamente, os três Estados da Região Sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; apresenta clima temperado úmido todo o ano, com verão quente (Cfa) na maior área de abrangência e verão ameno (Cfb), nas áreas de maior altitude e latitude. Os solos do ambiente subtropical brasileiro derivam de rochas eruptivas básicas, que resultaram na formação de Latossolos e Nitossolos, seguidos, em menor escala, de Chernossolos, Neossolos Litólicos e Luvissolos (Embrapa, 2006; Streck et al., 2008). Formações geológicas complexas de rochas graníticas, metamórficas e sedimentares, que ocorrem nas regiões leste e sudeste do Paraná e Santa Catarina e sudoeste do Rio Grande do Sul, deram origem a solos com amplas variações nas suas características físicas e químicas. Há, ainda, a ocorrência de solos de sedimentos aluviais de vários tipos de rocha (ígneas, metamórficas e sedimentares), ocorrendo na região da Depressão Central e na faixa litorânea do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que originaram a formação de solos de várzea, predominantemente Planossolos e Gleissolos Háplicos (IBGE, 2013a). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 333Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... A utilização agrícola do solo no ambiente subtropical do Brasil caracterizou-se, desde o início da colonização, pela implantação de sistemas agrícolas imediatistas, decorrentes da ação de estímulos econômicos a favorecer a exploração cíclica e migratória dos recursos naturais (Muzilli, 2002). Os anos contínuos dessa filosofia de produção levaram ao esgotamento da matéria orgânica e dos nutrientes. Os solos tornaram-se improdutivos e, na década de 1960, os agricultores passaram a ocupar regiões de campo natural sobre Latossolos mais pobres em matéria orgânica e em nutrientes. Nesse processo, houve também ampliação do tamanho médio das propriedades e grande crescimento da área cultivada pela implantação de agricultura mecanizada e de escala, com predominância de cultivos de trigo e soja e utilização de insumos agrícolas modernos, especialmente fertilizantes minerais e defensivos agrícolas. Em decorrência da adoção de práticas agrícolas imediatistas e de pouco compromisso com a sustentabilidade dos sistemas de produção, houve processo acelerado de degradação do solo, reduzindo sua produtividade e tornando-o vulnerável a processos erosivos. As práticas nocivas de manejo do solo incluíam o uso continuado da sucessão trigo-soja; a queima dos resíduos (palhada), após a colheita; a pulverização do solo mediante seu preparo intenso com arações e gradagens, em períodos de grande erosividade das chuvas; e a manutenção de solo descoberto no período de inverno, nas áreas em que o trigo não era semeado. A partir do final da década de 1970, vários programas foram desenvolvidos nos três Estados do sul do País, objetivando a introdução de manejos conservacionistas de solo. Esses programas foram centrados na redução do preparo e no aumento da cobertura do solo pela introdução de culturas de cobertura e manejo adequado dos resíduos (Mielniczuk et al., 2003). Dentre os manejos conservacionistas, destaca-se o sistema plantio direto, que teve início lento em 1973; porém, exponencial a partir de 1993, estimando- se haver, atualmente, nesse sistema, em torno de 11 milhões de ha, sendo 5,7 milhões, no PR; 1,1 milhão, em SC; e 4,7 milhões, no RS, o que equivale a 35 % da área de plantio direto no Brasil, que gira na ordem de 32,0 milhões de ha (FEBRAPDP, 2013). A região subtropical brasileira caracteriza-se como grande produtora de grãos, carne e leite com utilização intensiva do solo. Do total da área ocupada com grãos, 88 % (15,7 milhões ha) são cultivados no verão e somente 12 % (2,1 milhões ha), no inverno (Quadro 1). Dentre as culturas de inverno, a mais cultivada, em 2011, foi a do trigo, em particular no Paraná e no Rio Grande do Sul, com algum destaque, neste Estado, para a produção de Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.334 aveia branca (Quadro 2); já dentre as de verão (Quadro 3), destacou-se a da soja, predominantemente no Paraná e Rio Grande do Sul, seguida pelo milho, sobressaindo-se, novamente, o Paraná. Para o arroz, o destaque foi o Rio Grande do Sul, seguido por Santa Catarina, sendo irrigado por alagamento em ambos os Estados. Quadro 1. Área de cultivo para a produção agrícola e pecuária no subtrópico brasileiro, safras 201 1 e 2012 Quadro 2. Área de cultivo para a produção de grãos de inverno no subtrópico brasileiro, safra 2012 Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 335Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... A pastagem nativa ocorre largamente em todos os Estados, com ênfase para o Rio Grande do Sul, enquanto a pastagem cultivada tem maior destaque no Paraná, embora uma área significativa apresente condição de degradação (Quadro 4). Quadro 4. Área de pastagem e rebanho animalno subtrópico brasileiro, safra 2011/12 Quadro 3. Área de cultivo para a produção de grãos de verão no subtrópico brasileiro, safra 201 1/12 As culturas de verão apresentam, historicamente, grandes riscos de perdas no sul do Brasil (Quadro 5). Para a soja, por exemplo, enquanto no RS ocorreram 16 frustrações, no período de 1976 a 2012, no Paraná houve somente nove e, em Santa Catarina, oito (Figura 3). Na comparação entre as duas últimas safras, houve redução de 15 % na produção de grãos, o que equivale a perdas de 9.457 mil toneladas (CONAB, 2013). O Rio Grande do Sul foi o Estado que mais sofreu interferência, cuja quebra de produção, na safra 2011/12, foi de 7,8 milhões de toneladas com a cultura da soja. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.336 Quadro 5. Área de cultivo e produção de soja e milho no subtrópico brasileiro, safra 201 1/12 Figura 3. Rendimento de soja ao longo do tempo nos Estados do subtrópico brasileiro. Fonte: CONAB (2013). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 337Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Modelos de integração Os modelos de integração de produção agrícola e pecuária com potencial de utilização no ambiente subtropical brasileiro incluem rotação ou sucessão de pastagens e culturas comerciais, em plantio direto, onde a pastagem é utilizada para a produção de carne ou leite. Tais sistemas ocorrem dentro da propriedade agrícola, alternando essas produções em diferentes áreas. As ações de pesquisa em integração lavoura-pecuária no ambiente subtropical brasileiro têm se desenvolvido, segundo Moraes et al. (2002), a partir de duas realidades distintas: em região tipicamente agrícola e em região tipicamente pecuária. No primeiro caso, a pecuária é a opção de diversificação das propriedades, que possibilita a alimentação animal com plantas de cobertura e, ou, pastagens anuais em sucessão ou rotação com cultivos anuais de grãos. No segundo, a produção de culturas comerciais surge como opção na reforma de pastagens degradadas, pela fertilização do solo, pelo controle de plantas daninhas e pela diminuição de pragas e doenças, possibilitando retorno econômico imediato e diversificação de renda. Modelos que integram a pecuária na lavoura Dentre os sistemas que integram a pecuária na lavoura, dois têm se destacado no ambiente subtropical: integração soja e milho no verão e pastagem (pastejo) no inverno em coxilha (terras altas), de ocorrência generalizada na região; e arroz irrigado e pastagem (pastejo), nas áreas de várzea (terras baixas), predominantes no Rio Grande do Sul. No caso da integração de culturas comerciais em região de pecuária, citam-se as ações desenvolvidas na região do arenito Caiuá, no norte do Paraná (Moraes et al., 2002), envolvendo principalmente a cultura da soja. Conforme visto anteriormente, a região subtropical brasileira caracteriza- se pela grande área semeada com grãos (15,72 milhões de ha), no verão, enquanto no inverno, somente 2,11 milhões de ha, na safra 2011/12 (Quadro 1). Na utilização da pecuária em ambiente de coxilha, têm sido utilizadas para pastejo, no inverno, principalmente espécies gramíneas (azevém e aveia preta) e, em menor ocorrência, leguminosas (cornichão e trevos), enquanto em ambientes mais quentes, ao norte do Paraná, têm-se utilizado milheto, sorgo e pastagens tropicais (Tanzânia, Arachis, Braquiária e Mombaça). As lavouras de terras altas normalmente contam com boa infraestrutura e com máquinas e equipamentos modernos, sendo dotadas de mão de obra qualificada e bem gerenciadas (Moraes et al., 2002). O grande potencial desse Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.338 modelo é a integração soja/milho-pecuária, pois a área plantada com essas culturas é vasta (Quadro 5), em relação à cultivada com culturas comerciais de inverno (Quadro 2). Somente considerando essas duas culturas, ainda permanecem mais de 11 milhões de ha em pousio ou com plantas de cobertura no inverno, estas ocupando em torno de 4 milhões de ha. É importante ressaltar que essa situação ocorre exatamente no período em que a pecuária extensiva sofre de carência alimentar, pois é embasada predominantemente em pastagem de espécies estivais, pouco produtiva nessa estação. As pastagens anuais utilizadas em sistemas de integração no subtrópico brasileiro são gramíneas de crescimento hibernal, especialmente azevém e aveia preta. No Rio Grande do Sul, essas espécies têm sido utilizadas para a terminação dos animais. Entretanto, para produção pecuária eficiente durante todo o ano, necessita-se de áreas com pastagens perenes de verão que, associadas com pastagens anuais de inverno, compõem um sistema pastoril capaz de suprir a forragem continuamente aos animais. Essa composição, na propriedade agrícola, permite manter carga animal constante e obter receita de áreas menos aptas às culturas comerciais. Esse cenário é particularmente importante em sistemas de produção de leite e de cria (Moraes et al., 2002). No atual contexto social e econômico, não existem justificativas para que áreas enormes em pousio ou com plantas de cobertura permaneçam improdutivas. Sistemas de cultivos podem se beneficiar quando em rotação com pastagem, melhorando a eficiência do investimento, pela intensificação do uso da terra, tornando o sistema produtivo mais estável (Carvalho et al., 2011). A produção animal pode ser integrada como opção de diversificação, gerando renda adicional. A despeito de estatísticas esparsas e incertas em relação à área em integração lavoura-pecuária no subtrópico brasileiro, a maior barreira para a sua adoção é o paradigma corrente sobre os impactos negativos do animal nos sistemas de produção em manejo conservacionista. Assim, de acordo com os conceitos do plantio direto, o pastejo poderia ser interpretado como danoso e, frequentemente, indesejado, pois o animal se alimentaria das plantas de cobertura, deixando pouco resíduo. Além disso, existe ainda consenso entre os produtores e técnicos de que os animais causam compactação no solo (lenda do casco), a despeito de muitos trabalhos demonstrarem que pastejos moderados (bom pastejo) podem melhorar as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo (Carvalho et al., 2010). De acordo com Diekow & Bayer (2012), sistemas de integração lavoura-pecuária em plantio direto têm resultado em aumento de estoques de C e N, quando comparados com áreas sem pastejo. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 339Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Nesse contexto, pesquisas que têm avaliado os impactos do pastejo em sistemas agrícolas têm sido de grande interesse no sul do Brasil. Entre os inúmeros tópicos de pesquisa, permanece a definição da altura de manejo do pasto que garanta cobertura de solo para a cultura subsequente, dentro dos preceitos do sistema plantio direto. Quando se considera a produção animal, a massa de forragem, altamente correlacionada com a altura do pasto, define o ganho de peso por animal e por área, uma vez que ela determina a ingestão e a seleção da forragem. Dessa forma, o “ótimo” de massa de forragem deve ser balanceado com a demanda, com respeito à produção animal, ao manejo da cultura comercial e ao manejo total do sistema. A consequência dessas particularidades em sistemas de integração lavoura-pecuária em plantio direto é determinante para ambos os processos de produção, animal e vegetal (Carvalho et al., 2010). Em sentido contrário à apreensão dos produtores, que entendem que a pastagem em sucessão aos cultivos anuais possa comprometer o rendimento de grãos comerciais, pesquisas recentes têm apresentado efeitos positivos da presença do animal em pastejo. Moraes et al. (2012) revisaram 23 trabalhos no subtrópico brasileiro, em que o rendimento de grãos (soja, milho, feijão e trigo) de áreas em rotação com cobertura pastejada foi comparado com áreas de cobertura não pastejada. Os efeitos positivos do pastejo no rendimento de grãos foram notados na totalidade dos trabalhosque usaram pastejo moderado. Em pastejos moderados, a massa remanescente de resíduos é suficiente para privilegiar tanto a ingestão de forragem para alto desempenho animal como adequada intercepção de luz para o desenvolvimento do pasto. Na comparação com áreas não pastejadas, pastejos moderados propiciam acúmulo de C no solo, desde que a produção total de forragem seja elevada (Carvalho et al., 2011). Além disso, e em consequência, outras propriedades e características físicas, químicas e biológicas podem ser melhoradas como demonstram pesquisas desenvolvidas no subtrópico brasileiro, que serão apresentadas adiante. Em ambiente de várzea (terras baixas), o arroz irrigado é, possivelmente, um dos cultivos comerciais mais antigos no Brasil; é tradicional na região Sul, especialmente no Rio Grande do Sul, onde tem sido sucessivamente cultivado em algumas áreas há mais de 100 anos. Atualmente, são cultivados em torno de 1 milhão de ha nesse Estado e 150 mil ha em Santa Catarina. A área potencial de cultivo, entretanto, é maior, pois existem 6,08 milhões de ha de solos de várzea (terras baixas), sendo 5,40 milhões no RS, predominantemente Planossolos, e 0,68 milhões em SC, prevalecendo os Gleissolos (Pinto et al., 2004). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.340 Nas propriedades médias e grandes do Rio Grande do Sul, o cultivo de arroz é alternado ao pousio (sistema tradicional arroz-pousio), onde a área restante, de pastagem nativa (inverno e verão), é utilizada como base alimentar de bovinos e ovinos, formando um sistema binário, porém, não integrado. Esse sistema de produção era considerado, até recentemente, como precário, tanto pela baixa rentabilidade do arroz, baixa produtividade relativa aos altos custos de produção, como pelos baixos índices de produtividade animal (Saibro & Silva, 1999). A razão dessa baixa produtividade animal, como carne e leite, na visão de Saibro & Silva (1999), estava na falta de espécies e cultivares com características de adaptação aos ambientes mal drenados e ao desempenho abaixo do potencial forrageiro de espécies exóticas, por deficiência de manejo, especialmente a drenagem do solo. Um dos raros trabalhos de produção integrada de arroz e de pecuária de corte foi desenvolvido por Saibro & Silva (1999), na região da Planície Costeira Externa do RS, com avaliação por três períodos de pastagens cultivadas (cultura isolada ou consorciada) de estação fria e seus efeitos na produção de arroz (Quadro 6). Para os autores, foi muito importante conhecer o comportamento das espécies exóticas, como azevém, trevos: vesicoloso, branco e ball, e cornichão, em Planossolo sob pastejo. O azevém confirmou suas características de excelente adaptação a esse ambiente, com altos rendimentos e qualidade de forragem, enquanto as leguminosas evidenciaram ser mais exigentes e menos adaptadas, requerendo também melhores condições de fertilidade e manejo do solo. A produtividade de arroz (Quadro 6) em sequência ao azevém foi 15 % superior à média do Estado naquela safra e, em sequência ao consórcio com leguminosas, chegou a ser, na média, 18 % superior. Quadro 6. Desempenho de novilhos de corte, em diferentes pastagens cultivadas e rendimento de arroz cultivado na sequência (1) no subtrópico brasileiro, Viamão, RS Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 341Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... O binômio arroz-pastagem era caracterizado, ainda nas décadas de 1980 e 1990, por desequilíbrio tecnológico, em que se considerava a lavoura de arroz como altamente tecnificada, em contraste com a pecuária. O uso do sistema pré-germinado, cultivares de ciclo longo e manejo adequado da cultura em Santa Catarina, resultou em aumento crescente de produtividade, com a média estadual atingindo em torno de 6,50 Mg ha-1 na safra 2001/02. Nessa ocasião, iniciou-se no Rio Grande do Sul, um programa de pesquisa e de transferência de tecnologia (Projeto 10: Estratégias de manejo para aumento da produtividade e sustentabilidade da lavoura de arroz irrigado do RS), do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), visando o manejo integrado da cultura. Esse Projeto, aliado ao uso da tecnologia Clearfield®, que utiliza genótipos mutagênicos, caracterizados pela resistência aos herbicidas do grupo das imidalozinonas, para o controle do arroz vermelho, a principal invasora da cultura, resultou em aumentos crescentes de produtividade das lavouras de arroz, que partiram de um patamar de 5,30 Mg ha-1 (média das safras 2001/04) para atingir 7,73 Mg ha-1 (em 2010/11), permanecendo, desde então, próximas de 7,40 Mg ha-1 (Menezes et al., 2012). Paralelamente a esses acontecimentos, a lavoura de soja em rotação com o arroz passou a constituir uma alternativa, tanto de renda, frente à grande oscilação dos preços do arroz, como de controle das plantas daninhas, pelo fato de serem utilizados outros princípios ativos. Programas de melhoramento e de manejo da soja em terras baixas vêm sendo desenvolvidos e muitas áreas de arroz passaram a ser cultivadas com soja, atingindo 150 mil ha na safra 2011/12 (Vedelago et al., 2012). As perspectivas são de aumentos sucessivos de área, pela disponibilização de cultivares mais tolerantes ao excesso hídrico e pelo uso de microcamalhões (para drenagem, no estabelecimento; e para irrigação por sulco, em situações de déficit hídrico), sendo estimulados pelos preços favoráveis da soja no mercado internacional. Mesmo com as altas produtividades do arroz irrigado, essa cultura não produz resíduos suficientes para haver balanço positivo de C no solo, premissa básica para a melhoria de sua fertilidade. Para garantir a sustentabilidade do sistema produtivo de arroz, deve-se buscar a integração de uma produção agrícola diversificada (arroz, soja e milho) com uma pecuária que inclua períodos curtos (um ciclo) e longos (dois ou mais ciclos) de pastejo com uso de gramíneas e leguminosas. Somente dessa forma, podem-se conseguir estabilidade e rentabilidade do negócio, com menor risco e balanço positivo de C no solo, usufruindo de seus benefícios nos processos que regulam o equilíbrio no continuum solo-planta-atmosfera (sustentabilidade do sistema). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.342 Modelos que integram a lavoura na pecuária Na avaliação de Moraes et al. (2002), as áreas de regiões tipicamente pecuarista contam com menor infraestrutura e, ou, limitações edáficas importantes para a atividade agrícola intensiva. Nesse caso, a agricultura é que passa a ser opção na reforma de pastagens, o que possibilita o controle de plantas daninhas, a diminuição de pragas e a adubação adequada, além da diversificação da renda na propriedade. Além disso, podem-se introduzir forrageiras anuais nas áreas agrícolas em épocas em que não haja influência da implantação das lavouras principais ou produção de silagem. A utilização das forrageiras na alimentação animal no período de inverno, por sua vez, possibilita o incremento da produção pecuária. Esse tipo de sistema tem sido praticado por instituições de pesquisa do Paraná, na região do arenito Caiuá, no noroeste desse Estado; abrange 3,51 milhões de ha, com 59 % utilizados com pastagem que alimenta 3,50 milhões de cabeças de gado. Atualmente, a região é caracterizada por pecuária extensiva e extrativista que, ao longo do tempo, levou à degradação do solo; como consequência, a produtividade das pastagens é baixa. Nesse contexto, a premissa da integração da lavoura em áreas de pecuária tem sido a recuperação da fertilidade do solo e de pastagens degradadas pela implantação de lavouras anuais de verão, como milho, soja e feijão, em rotação com pastagens anuais de inverno, aveia e azevém, em plantio direto, com o pressuposto de manter o solo continuamente coberto com palhada ou com cultivos. Uma vez que a fertilidade do solo seja recuperada, sucede-se a reimplantação de pastagens perenes de alto potencial de produtividade, como Tanzânia + Arachis, Braquiária e Mombaça, a fim de minimizaros riscos de degradação ambiental frente à fragilidade e susceptibilidade desses solos à erosão (Moraes et al., 2002). Os resultados desse sistema têm quebrado muitos paradigmas, como: a produção animal seria menos rentável que a agricultura; a adubação em pastagem seria pouco viável economicamente; a impossibilidade de utilização de forrageiras de inverno, por limitações edafoclimáticas; e a impossibilidade de cultivos agrícolas nos solos do arenito de Caiuá. Os possíveis riscos inerentes ao sistema de integração estão associados à maior complexidade em seu manejo e gerenciamento, sendo o preparo convencional totalmente desaconselhado. O impacto positivo da introdução da lavoura na pecuária, segundo Moraes et al. (2002), está associado ao aumento de renda da propriedade agrícola, como resultado da melhoria da fertilidade do solo, da produção de grãos nas áreas de rotação de culturas e da intensificação do uso de forrageiras. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 343Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... O SOLO NO CONTEXTO DOS SISTEMAS INTEGRADOS Inserção do solo no sistema Para melhor compreender o papel do solo em sistemas de produção agrícola e pecuária, é necessário partir de um modelo conceitual que envolva as relações bioeconômicas-ambientais e sua evolução no tempo. Esse modelo deve ajustar-se aos sistemas integrados encontrados no subtrópico brasileiro, quer esses sejam pela inclusão da produção pecuária na produção agrícola (mais comum), quer sejam pela inclusão da produção agrícola na pecuária. Para o desenvolvimento dessa temática, usou-se o protocolo de produção integrada de soja-bovinos de corte de longa duração no subtrópico brasileiro (Carvalho et al., 2011), em que foi avaliado grande número de atributos, características e propriedades, envolvendo as relações entre os compartimentos solo, planta, animal e atmosfera (ambiente), descritas a seguir. Protocolo experimental O protocolo-base para a abordagem da temática em foco é de longa duração. Foi iniciado em 2001, a partir de uma parceria público-privada, entre os Departamentos de Solos e de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da Faculdade de Agronomia da UFRGS e a Cabanha Cerro Coroado (Fazenda do Espinilho), no município de São Miguel das Missões, RS. O solo, Latossolo Vermelho distroférrico, é argiloso na camada de 0 a 20 cm, contendo teores de argila, silte e areia de 540, 270 e 190 g kg-1, respectivamente. Os teores de ferro solúveis em citrato-bicarbonato-ditionita e oxalato de amônio eram de 110,2 e 5,2 g kg-1, respectivamente (Silva Neto et al., 2008). De acordo com esses autores, caulinita e hematita são os minerais predominantes na fração argilo-mineral. O clima é subtropical com verão úmido e quente (Cfa), na classificação de Köeppen. A análise química inicial na camada de 0 a 20 cm indicou: pH em água de 4,7; teor médio de matéria orgânica de 3,2 %; altos teores de P e K disponíveis (Mehlich-1) de 8,0 e 126 mg kg-1, respectivamente; altos teores de Ca e Mg trocáveis (KCl 1,0 mol L-1) de 4,8 e 1,6 cmol c kg-1, respectivamente; baixo teor de alumínio trocável (KCl 1,0 mol L-1) e sua saturação de 0,6 cmol c kg-1 e 8 %, respectivamente; saturação por bases baixa, de 44 %; e alta capacidade de troca de cátions (CTC pH 7,0 ) de 16,3 cmol c kg-1, conforme CQFS RS/SC (2004). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.344 O foco central do experimento foi a introdução de bovinos de corte (outono-inverno) em sistema de produção de soja (primavera-verão) (Figura 4), em que inicialmente se estudou o efeito de diferentes alturas de manejo de uma mistura forrageira e seu impacto: no desempenho da pastagem e do animal; nas características e propriedades do solo; e no estabelecimento e rendimento de grãos de soja e suas inter-relações, visando o entendimento do funcionamento do sistema de produção. Figura 4. Modelo que integra a pecuária de corte na lavoura de soja no subtrópico brasileiro, São Miguel das Missões, RS. Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011). Anteriormente à sua implantação, a área do experimento vinha sendo cultivada no sistema plantio direto, com soja, no verão, e aveia preta, no inverno, para produção de sementes. Em maio de 2001, a área, de aproximadamente 21 ha, foi dividida em três blocos, de quatro parcelas cada, cujas áreas variaram de 1,0 a 2,5 ha, aproximadamente. Os tratamentos consistiram do manejo, no inverno, de uma mistura de aveia preta + azevém, em quatro alturas: 10, 20, 30 e 40 cm, mantidas com lotação variável em pastoreio contínuo. Entre os blocos, deixaram-se faixas de 10 m de largura, que foram isoladas do pastejo (áreas de referência). Ao final do primeiro ciclo de pastejo (novembro de 2001), foram aplicadas 6,0 Mg ha-1 de calcário (PRNT de 68 %) na superfície do solo, para elevar o pH do solo a 5,5 (CQFS Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 345Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... RS/SC, 2004). Após cada período de pastejo, a soja era implantada em semeadura direta, sendo geralmente colhida no início de maio. Aproximadamente 45 dias após a semeadura da pastagem, aplicava-se a adubação nitrogenada (ureia) de cobertura, em doses de 45 a 90 kg ha-1 de N. Bovinos jovens de aproximadamente 12 meses de idade foram utilizados nos ciclos de pastagem, que se inicia na metade de julho e termina na primeira quinzena de novembro. Em média, o número de animais foi de seis, quatro, dois e um por hectare, para manter as alturas de manejo do pasto em 10, 20, 30 e 40 cm, respectivamente. Após o ciclo de pastejo, o pasto tem sido dessecado com herbicida (glifosato) para a semeadura da soja, que tem ocorrido no final de novembro e início de dezembro de cada ano. A adubação de base, somente aplicada na soja, consistiu de 300 kg ha-1 das fórmulas 0-20-30, 5-20-20, 0-20-30, 0-20-30, 0-20-30 e 0-20-30 nas safras 2001/02, 2002/03, 2003/04, 2004/05, 2005/06 e 2006/07, respectivamente, recomendadas para produtividade de 4,0 Mg ha-1 de grãos (CQFS RS/SC, 2004). Abordagem sistêmica A abordagem disciplinar das temáticas de pesquisa tem sido a norma predominante em todas as áreas do conhecimento, pelo fato de que, usualmente, os pesquisadores são profundos especialistas numa área ou de um tema. Por mais que os estudos se aprofundem em determinada área do conhecimento (abordagem disciplinar) (Figura 5), ou mesmo diferentes grupos trabalhando em cada uma delas (abordagem multidisciplinar), os progressos são limitados e insuficientes para entender os processos que regem os sistemas de integração lavoura-pecuária. O que normalmente ocorre, é que a especialização induz em resistência à abordagem sistêmica, pois não se consegue elevar o conhecimento de forma conexa a outras áreas temáticas, numa abordagem holística. Ainda que assim se fizesse, surgem muitos desafios na medida em que o funcionamento da área específica se modifica em conjunto com outros componentes do sistema e há que se aprender tudo novamente. As leis de funcionamento das partes modificam-se quando combinadas em outro nível de organização. Sistemas de integração lavoura-pecuária, portanto, exigem abordagem interdisciplinar para o entendimento dos processos regentes (conexões transversais - Figura 6). Consequentemente, para se avançar no conhecimento, há que se agregar ciência de várias disciplinas, nucleando-as, necessariamente, sob perspectiva sistêmica (Carvalho et al., 2010). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.346 Figura 5. Sistema de relações disciplinares no submodelo solo em sistema de integração soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro. Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011). Modelo conceitual solo no sistema de integração O solo, em sistemas integrados (Figura 6), pode ser considerado o compartimento centralizador dos processos e aquele que captura as modificações do sistema de produção, que são, em última análise, determinadas pelo homem, quando define o manejo que impõe ao sistema. Esse é o ponto-chavede sucesso, ou não, do empreendimento. Deve-se considerar o sistema em sua totalidade, sem privilegiar um ou outro componente (produção agrícola ou pecuária), mas sim o seu somatório. Nessa abordagem, deve-se avaliar, além da capacidade produtiva do solo ao longo do tempo, o seu potencial em cumprir suas funções ecossistêmicas de sustentar e fornecer nutrientes, água e oxigênio às plantas. Ao definir o uso de insumos, da maquinaria agrícola, do manejo do pasto, dos animais e da cultura comercial, o homem está interferindo, além do resultado econômico do empreendimento, nas características, nas propriedades e nos processos que ocorrem no solo. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 347Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Figura 6. Sistema de relações no submodelo solo em sistema de integração soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro. Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011). Considera-se que o animal em pastejo, além do efeito direto do pisoteio sobre o solo, seja o agente catalisador que modifica as taxas e os fluxos dos processos sistêmicos, reciclando o material orgânico e determinando a dinâmica dos nutrientes entre os seus compartimentos. Dessa forma, enquanto os cultivos se sucedem, tanto quanto a presença dos animais, o solo é o compartimento que permanece convergindo os fluxos multidirecionais, que regem os processos biofísico-químicos ao longo do tempo. Por essa razão, o solo concentra vários dos indicadores de avaliação dos sistemas integrados de produção agrícola (Carvalho et al., 2009; Anghinoni et al., 2011). Sendo assim, a aplicabilidade e a pertinência de estudos que vislumbrem compreender o submodelo Solo vem tendo maior destaque ultimamente. Ao optar por determinado manejo (Figura 6), especialmente a lotação animal e o método de pastoreio, está se definindo a ação direta do pisoteio, que, por sua vez, influencia características, propriedades e processos fisico-hídricos, químicos e biológicos. O principal componente do solo interferido pelo manejo é a matéria orgânica (Figura 6), especialmente a fração lábil. Trata-se do componente do solo que centraliza as constantes trocas de matéria e energia pela ação da microbiota do solo. A complexidade do funcionamento desse sistema só Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.348 pode ser desmistificada pela quebra de paradigmas com abordagens que busquem aprofundamento no entendimento do sistema solo-planta-animal- atmosfera. Nesse prisma, a evolução não é só de cunho científico, mas, também, filosófico, pois se deve mudar da visão multidisciplinar para a interdisciplinar. Nesse nível de abordagem, deve-se ter foco na compreensão dos processos físico-químicos (termodinâmicos), mecânicos, hídricos, bioquímicos e fisiológicos ao longo do tempo, que leva à organização ou desorganização do sistema solo (Vezzani & Mielniczuk, 2009). Nessa percepção, a água é um componente que se destaca por sua essencialidade em todos os processos que regem o equilíbrio em sistemas de produção de alimentos. Essa não só conduz as reações bioquímicas, físico-químicas e fisiológicas do solo, planta e animal, mas também é essencial para o equilíbrio entre a demanda hídrica atmosférica e o crescimento das plantas pela umidade do solo. Há, então, superveniência da disponibilidade hídrica no solo sobre o processo de sequestro de C, visto como o maior gargalo para a sustentabilidade global. Além disso, a escassez mundial desse recurso natural torna indispensável a inserção de estudos hídricos em sistema de produção de alimentos. No contexto dos sistemas integrados de produção agrícola e pecuária no ambiente subtropical brasileiro, ao decidir por determinado manejo, deve- se também ter em mente as principais resistências dos produtores e técnicos para adotar a produção integrada, o que levou à formação do Grupo de Pesquisas em Integração Lavoura-pecuária da UFRGS e à instalação do protocolo experimental, em 2001 (Figura 4). Entretanto, muitas dúvidas ainda hoje persistem, como a possibilidade de compactação do solo pelo tráfego animal e de máquinas e implementos agrícolas e a quantidade de resíduo que permanece na lavoura para a sustentabilidade do plantio direto. Dessa forma, neste Capítulo, serão utilizados, do protocolo experimental descrito anteriormente, somente o tratamento sem pastejo (SP) e os tratamentos de pastejo moderado (média de 20 e 30 cm de altura do pasto). O SP representa a situação de plantio direto com plantas de cobertura no inverno (plantio direto puro), que corresponde a uma área de aproximadamente 4 milhões de ha no subtrópico brasileiro; e o pastejo moderado (três animais ha-1) retrata a maneira de condução de misturas de aveia preta+azevém que mais traz benefícios ao sistema integrado ao longo do tempo (Carvalho et al., 2011), aqui denominado de “Bom pastejo” (BP). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 349Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Indicadores do estado físico do solo e suas relações O pisoteio dos animais, quando o sistema é mal manejado tem, de fato, potencial para causar compactação no solo (Greenwood & McKenzie, 2001). Essa compactação pode ser agravada quando o solo está com umidade acima do seu limite de friabilidade e quando do uso de taxas de lotação excessivas. O desafio reside em manejar máquinas e animais no sentido de que não se comprometa a produtividade e a sustentabilidade do sistema produtivo e do ambiente. Como a compactação influencia simultaneamente várias características e propriedades do solo, os seus atributos físico-hídricos são apresentados (Quadro 7) e discutidos em conjunto. Observa-se, nesse quadro, pequeno aumento na densidade, por efeito do pisoteio, que se refletiu nos demais atributos a ela relacionados: porosidade total, resistência à penetração, força de tração, pressão de pré-consolidação, umidade volumétrica e infiltração de água no solo. Pela magnitude dos efeitos, o que de fato ocorreu foi apenas adensamento do solo, não havendo distinção de rendimentos de soja entre as intensidades de pastejo (Quadro 7). Os efeitos nas condições físicas do solo foram pequenos porque a lotação utilizada foi moderada em relação à disponibilidade de pasto, o que proporcionou melhor distribuição das forças exercidas pelo pisoteio no solo, em razão da cobertura de pasto existente (3,60 Mg ha-1). É importante ressaltar, entretanto, que esses efeitos no adensamento do solo são reversíveis, pois a densidade, principalmente, e a macroporosidade na camada superficial (0-5 cm), que mais sofreu interferência de pisoteio, retornam à condição original a cada cultivo da soja (Quadro 8). Isso também foi observado por Conte (2011), em mapas de resistência mecânica do solo à penetração, elaborados após os ciclos de pastejo e soja, inclusive no tratamento de pastejo intenso, manejo do pasto a 10 cm de altura. Ressalta-se, também, o efeito positivo das raízes das gramíneas (aveia preta + azevém), na estrutura do solo, cujo crescimento é estimulado pela presença do animal (Figura 8). O resultado final é que a produtividade da soja é pouco influenciada pela presença do animal no ciclo precedente (Quadro 7). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.350 Quadro 7. Indicadores físico-hídricos e rendimento de soja em razão do manejo de sistema de integração com pecuária de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Quadro 8. Indicadores físicos do solo influenciados pelo manejo do sistema de integração soja-pecuária de corte após pastejo e após soja, em plantio direto, no subtrópico brasileiro (profundidade de 0-5 cm e média de cinco anos) Deve ser destacado que, em sistemas de produção integrada, a compactação moderada, advinda da inserção animal em um solo já cultivado no SPD, promove re-organização do solo, possibilitando rendimentos semelhantes às áreas sem animais. Tal comportamento segue a linha da compactação benéfica do solo, em que a planta é sujeita a um estresse moderado (eu-stress),ativador e estimulador, sendo elemento positivo para o seu desenvolvimento (Lichtenthaler, 1996). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 351Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Figura 7. Desenvolvimento de raízes de aveia preta mais azevém no solo em razão do pastejo em integração soja-pecuária de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro. Fonte: Souza (2008). Recentemente, surgiram indicadores de qualidade física do solo que buscam incorporar alguns componentes do contínuo solo-planta-animal- máquina-atmosfera. Dentre esses, o intervalo hídrico ótimo (IHO) apareceu como ferramenta promissora pela abordagem multidisciplinar (Letey, 1985), contemplando vários atributos físicos do solo. Todavia, o impacto positivo da compactação “moderada” do solo no rendimento das plantas, descrito pela relação matemática entre o rendimento relativo e a densidade relativa do solo (Reichert et al., 2009), traz indagações quanto à forma em que a densidade do solo influencia o IHO. De modo geral, com o aumento da densidade do solo, o intervalo decresce de um valor máximo até zero (Tormena et al., 2007; Klein & Camara, 2007; Kaiser et al., 2009). O uso do IHO como indicador de qualidade física do solo no protocolo experimental (Figura 8) não forneceu respostas concordantes com a “percepção” da planta (repostas de natureza biológica). Esse resultado corrobora com a recente revisão em âmbito nacional efetuada por Gubiani et al. (2013), dados em preto na figura 8, sobre a associação do IHO com as plantas. As principais críticas sobre esse indicador dizem respeito à possibilidade de descrever os mecanismos controladores do crescimento, por meio de funções matemáticas empíricas e à utilização de limites abrúpticos (limites críticos), tanto os superiores (porosidade de aeração e água volumétrica) como os inferiores (resistência à penetração e, especialmente, ponto de murcha permanente), na continuidade dos processos fisiológicos. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.352 Figura 8. Relação do rendimento relativo de diferentes culturas (arroz, trigo, soja, milho e feijão) em diferentes solos, manejos e condições climáticas com a razão densidade do solo/densidade crítica, (Ds/Dsc IHO) medida pelo IHO. Modificado de Gubiani et al. (2013) com a inclusão de dados do sistema de integração lavoura-pecuária (ILP). Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011). Da mesma forma, o índice S, obtido pela declividade da curva de retenção de água no solo (Dexter, 2004), na forma em que vem sendo utilizado (Maia, 2011), também não tem sido promissor quanto à sua utilidade em expressar a qualidade do solo (Jong van Lier, 2012). Percebe-se que as ferramentas utilizadas atualmente para avaliar a qualidade física do solo são insuficientes diante dos processos atuantes. Assim, não se pode explicar sua ineficiência pela complexidade do sistema, uma vez que advém da dificuldade no entendimento a despeito das pontes existentes entre parâmetros bio, fisiológicos e hidromecânicos em sistemas abertos. Há, então, superveniência das inter-relações entre os processos que resultam na produção de biomassa (parte aérea e raízes), grãos e fibras nesses sistemas, em relação a indicadores empíricos da qualidade física do solo. Na ressurgência dos sistemas integrados de produção agrícola e pecuária de longa duração (10 ou mais anos), com o sustentáculo do manejo Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 353Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... conservacionista do solo e da produção diversificada, não mais cabem abordagens disciplinares simplistas, mas sim entendimento aprofundado dos processos. Nesse contexto, indicadores de qualidade física do solo devem abordar os fluxos de ar, água e temperatura no sistema. Dentre esses, visualizam-se a eficiência de utilização de água - EUA (Gregory et al., 2000), a produtividade hídrica - PH (Rockström et al., 1999; Peden et al., 2007) e o índice de estresse hídrico - ISH (Idso & Reginato, 1982), como indicadores do impacto de determinado sistema de produção integrada no contínuo solo- planta-atmosfera. Embora possam demandar ajustes em razão das condições edafoclimáticas e das políticas socioeconômicas, o contexto desses indicadores de funcionamento do solo induz à visão mais sistêmica em sistemas integrados de produção. Daí, depreende-se que encontrar um indicador físico-hídrico de qualidade do solo, exprimindo sua trabalhabilidade (resistência e resiliência) e interação com as plantas em um sistema aberto, contemplando os fatores bióticos e abióticos, deve ser o foco para avaliar os fluxos energéticos que regem a produção de alimentos. Independentemente do viés tomado, a água persiste como componente central do funcionamento de sistemas integrados de produção de alimentos. É indispensável, dessa forma, o entendimento quanto à permissividade do solo à sua acomodação, transferência e absorção pelas plantas (Karlen & Stott, 1994). Indicadores do estado químico do solo e suas relações Dentro do conceito químico-mineralista da fertilidade do solo, distinguem- se atributos relacionados à acidez e à disponibilidade de nutrientes para as plantas. Assim, a partir da análise inicial do solo, o calcário foi aplicado na superfície sem incorporação e avaliado o seu efeito nos atributos de acidez em profundidade a cada seis meses; o seu efeito máximo ocorreu aos 24 meses da aplicação, em ambas as camadas (0-10 e 0-20 cm), e foi efetivo na correção da acidez do solo (Flores et al., 2008), pela elevação do pH e saturação por bases e diminuição da saturação por Al, indistintamente da presença ou não dos animais (Quadro 9). O pH (5,4) na camada superficial (0-10 cm) foi muito próximo ao desejado (5,5), porém com valores de saturação por bases mais baixos (54 e 56 %) e por Al mais elevados (6 e 5 %), em relação aos desejados (65 e 0 %, respectivamente) (Quadro 9). Após esse período (24 meses), o efeito da calagem passou a regredir de forma diferenciada, sendo menos acentuado na presença dos animais em todos os atributos avaliados (Flores et al., 2008). Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.354 Quadro 9. Indicadores químicos relacionados à acidez do solo influenciados pelo pastejo de bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Uma das razões da instalação do protocolo experimental era também responder ao temor de que o pisoteio animal, por efeito de compactação do solo, pudesse restringir o aprofundamento no solo das partículas finas de calcário, pela infiltração da água, e diminuir sua eficiência na correção da acidez no seu perfil. Assim, no máximo de reação do calcário, 24 meses, houve ação diferenciada em profundidade, atingindo camadas mais profundas na presença dos animais para todos os atributos analisados (Quadro 10). Esse efeito em profundidade, mesmo na ausência dos animais (plantio direto puro) de 12,5 cm por ano (25 cm em dois anos) é pouco maior do encontrado por Caires (2000), de 10 cm por ano (20 cm em dois anos), e ambos maiores do citado por Anghinoni & Salet (2000), na média de quatro experimentos em cinco tipos de solos em plantio direto puro, que foi de 2,5 cm por ano (10 cm em quatro anos). O efeito rápido do calcário em profundidade tem sido atribuído à descida de partículas finas pelos bioporos e megaporos, cuja continuidade no solo é preservada no plantio direto (Pavan, 1994; Gassen & Kochhann, 1998; Amaral et al., 2004), pela liberação de ácidos orgânicos simples (Miyazawa et al., 2000) fúlvicos e húmicos (Salet, 1998; Salet et al., 1999), oriundos na decomposição dos resíduos das plantas e dos componentes do húmus do solo. O maior efeito, em profundidade, da calagem superficial na presença dos animais, pode ser atribuído à liberação adicional desses ácidos orgânicos simples, na decomposição do esterco e da urina (Baziramakenga & Simard, 1998) e da sua exsudação pelas raízes do pasto, por efeito do pastejo. A produção contínua de ácidos orgânicos hidrossolúveis (de baixopeso molecular), pela decomposição de resíduos orgânicos frescos, também complexa os cátions divalentes (cálcio e magnésio) na forma neutra (CaL0 Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 355Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... ou MgL0) ou negativa (CaL- ou MgL– (Miyazawa et al., 1993). A alteração de carga, mediante a formação de pares iônicos, facilita a mobilidade do complexo até a camada subsuperficial, onde os cátions são deslocados pelo Al, uma vez que formam complexos mais estáveis com esse elemento, especialmente em condições de alta disponibilidade de P no solo (Nolla & Anghinoni, 2006), diminuindo sua toxicidade às raízes (Pavan & Roth, 1992; Miyazawa et al., 2000). Quadro 10. Correção da acidez e descida de cátions básicos no perfil do solo após 24 meses da aplicação de calcário na superfície em integração soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Indicador de acidez Pastejo Sem Com cm pH (H 2 O) 15 17,5 Ca2+ (cmol c kg-1) 15 25 Mg2+ (cmol c kg-1) 7,5 10 Saturação por Al (%) 12 15 Saturação por bases (%) 20 25 Fonte: Flores et al. (2008). A matéria orgânica é utilizada nos Estados do RS e SC como indicador da disponibilidade de N às plantas. Esse indicador teve seu teor aumentado nas duas camadas (0-10 e 0-20 cm) de solo, com o tempo de condução do protocolo experimental (Quadro 11). Não houve, entretanto, diferenciação entre as áreas pastejadas ou não, uma vez que a quantidade de resíduos remanescente foi pouco diferenciada nas duas áreas (Quadro 12). Os teores iniciais de P e K disponíveis, que já eram elevados, 120 e 180 mg dm-3, respectivamente, e acima daqueles considerados críticos, 6,0 e 90 mg dm-3, respectivamente, também aumentaram com o tempo, porém de forma diferenciada, sendo o aumento maior nas áreas sem pastejo (Quadro 11), apesar das quantidades adicionadas pela adubação terem sido as mesmas. Menores teores desses nutrientes nas áreas pastejadas, especialmente K, estão relacionados à sua maior ciclagem no sistema (Quadro 12), via animal, que, após passar pelo trato digestivo, é devolvido ao solo na forma de esterco e de urina. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.356 Quadro 1 1. Disponibilidade de nutrientes em camadas de solo influenciada pelo pastejo por bovinos de corte em integração com soja, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Da mesma forma, os teores de Ca e Mg trocáveis eram elevados no início (Quadro 11) e acima dos considerados deficientes (2,0 e 0,5 cmol c dm-3, respectivamente), aumentando de forma similar entre as áreas, mesmo que a saturação por bases tenha diminuído com o tempo (Quadro 9). Essa diminuição pode ser atribuída ao processo de reacidificação do solo, a partir dos 24 meses da aplicação de calcário. É importante ressaltar que, apesar das diferenças entre a disponibilidade de nutrientes e a presença de níveis de acidez altos (Quadro 9), o rendimento da soja foi pouco influenciado pelas alturas de manejo do pasto (Quadro 7). Os rendimentos representam a média colhida em oito safras (Carvalho et al., 2011), sendo algumas delas muito desfavoráveis, como historicamente tem ocorrido no subtrópico brasileiro (Figura 3). Anos de frustração de safra ocorrem por déficit hídrico, como indicam as variações verificadas no protocolo experimental, entre 1,19 e 4,05 Mg ha-1 de grãos (Carvalho et al., 2011). Da mesma forma, é importante observar que rendimentos elevados de grãos (até 4,05 Mg ha-1) são obtidos em condições de alta acidez do solo (Quadro 9). É por essa razão que as recomendações de calagem para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (CQFS RS/SC, 2004) utilizam critérios diferenciados, tanto na implantação do sistema plantio direto como em sua fase consolidada. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 357Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... Quadro 12. Produção e exportação de produtos e resíduos no sistema soja- bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Indicadores do estado biológico do solo e suas relações Os indicadores biológicos avaliados neste trabalho estão relacionados com a atividade microbiana no solo. Assim, mesmo que os teores de C e N na biomassa microbiana tendam a ser maiores no tratamento sem pastejo, a sua atividade, medida por diversos atributos funcionais (Quadro 13), é menor em relação às áreas pastejadas. O diferencial nessas áreas com animais é a circulação da forragem ingerida via esterco e urina, que servem de fonte de energia aos microrganismos do solo, aumentando a intensidade dos fluxos de matéria e energia. Além disso, especialmente em pastagem de gramíneas, a maior quantidade de raízes nas áreas pastejadas (Figura 7) resulta em maior proporção de solo rizosférico. Como referido anteriormente, a ação do pastejo provoca liberação de ácidos orgânicos simples na superfície das raízes (exsudatos), que também estimulam a formação de biomassa microbiana e, por consequência, a sua atividade no solo. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.358 Quadro 13. Indicadores biológicos de solo em integração soja-bovinos de corte em plantio direto, no subtrópico brasileiro Indicador biológico(1) Pastejo Sem Com Carbono microbiano (mg C kg-1 de solo) 420 410 Nitrogênio microbiano (mg C kg-1 de solo) 26 24 Biomassa microbiana (mg C kg-1) 465 574 Respiração basal (mg kg-1 dia-1 de C-CO 2 no solo) 5,2 5,4 Quociente metabólico (mg C-CO 2 mg-1 C dia-1 x 10-3) 12,5 14,3 (1) Média de quatro avaliações no ciclo de pastagem em 2007. Fonte: Souza et al. (2010) Medidas que relacionam a perda de C e que permitem avaliar se determinado manejo está provocando estresses são importantes no processo de avaliação da sustentabilidade do solo. À medida que a atividade biológica se torna mais eficiente e menos C é liberado pela respiração, uma significativa fração é incorporada no tecido microbiano. Dessa forma, solos com baixo quociente metabólico (qCO 2 ) estariam mais próximos ao estado de equilíbrio, quando incorporam C na biomassa microbiana, contribuindo para a redução de C na atmosfera (Carvalho et al., 2011). Indicadores de manejo do solo e suas relações Consideram-se como indicadores de manejo do solo, aqueles que são diretamente influenciados pela forma de condução do sistema de produção. De todos os componentes do solo, a matéria orgânica é, certamente, o compartimento central e mais importante (Figura 6), pois altera direta ou indiretamente todos os atributos (físicos, químicos e biológicos) que determinam as características e propriedades do solo. Dessa forma, o conhecimento dos estoques e da labilidade de C e de nutrientes é de grande utilidade para se conhecer o potencial de seu suprimento às plantas (via ciclagem), no sentido de atender a demanda para o sistema de produção agrícola e pecuária. Como as alterações no estoque da matéria orgânica estabilizada (húmus), para mais (balanço positivo) ou para menos (balanço negativo), são lentas, as suas frações lábeis, no caso, as particuladas e a biomassa microbiana têm sido utilizadas como indicadores importantes de avaliação do efeito do manejo. De acordo Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 359Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... com tais indicadores (Quadro 14), alguns (estoques de C e N total e P microbiano) não foram alteradas, alguns (C lábil e microbiano e C e N microbiano) foram pouco e os outros (P total e lábil) foram muito alterados, ocorrendo, nestes últimos, maiores valores nas áreas sem pastejo. Quadro 14. Indicadores de manejo do solo (camada de 0-20 cm) influenciados pelo manejo em sistema de integração soja-pecuária de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Indicadores do sistema solo e suas relações Talvez a dificuldade de encontrar um único indicador do sistema (sistêmico) solo resida no fato de se permanecer focado em “produzir mais sem causar danos ao meio ambiente”. Há, dessa maneira, antagonismo na definiçãodas funções do solo na natureza, como “capacidade do solo em sustentar e fornecer nutrientes, água e oxigênio às plantas, enquanto mantém suas funções ecossistêmicas”, pois qualquer sistema de produção altera os fluxos energéticos do local ocupado. A qualidade do solo, nesse prisma, seria a sua capacidade em suportar sistemas de manejo que possibilitem elevados rendimentos com o mínimo impacto possível nos ecossistemas que os circundam. Dessa forma, devem-se buscar sistemas de produção de alimentos equilibrados, em que haja balanço favorável nas entradas e saídas de nutrientes e de energia, e em que o solo participe tanto na ciclagem de nutrientes como na ciclagem hídrica, principalmente como fonte em vez de dreno. Dentro dessa visão, não há dreno, mas sim a retomada do princípio Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.360 de que “na natureza tudo se transforma”. No contexto deste trabalho, consideram-se como indicadores sistêmicos do solo o estado de agregação (Karlen & Stott, 1994), a diversidade biológica (Doran & Parkin, 1994) e o Índice de Manejo de Carbono (IMC) (Blair et al., 1995), por refletirem propriedades agregadas ou de funcionamento do sistema (Diekow et al., 2005). A estabilidade de agregados decorre da aproximação e cimentação das partículas do solo mediante atuação de diversas substâncias de natureza mineral e orgânica, por meio de mecanismos físicos, químicos e biológicos (Silva & Mielniczuk, 1998). Em curto espaço de tempo, a estabilidade dos agregados de um solo está mais relacionada às mudanças nos constituintes orgânicos do que à própria matéria orgânica; em sua expressão, pelo Diâmetro Médio Ponderado (DMP), revela maior agregação do solo na presença dos animais (Quadro 15). Considerando-se não haver diferenças importantes nos indicadores biológicos (Quadro 13) e nem dos indicadores de manejo do solo (Quadro 14), parece que a presença dos animais estimula o processo de agregação, com a dominância de agregados maiores (maior energia) e mais estáveis, por causa da proteção (física e química) dos compostos orgânicos. A microbiota do solo (quantidade e diversidade), nesse contexto, é crítica para o processo de agregação e, na presença do pastejo, foi observado maior valor do Índice de Shannon, que expressa diversidade microbiana funcional (Quadro 15). Esse índice é elevado mesmo na área sem pastejo, quando comparado a sistemas de manejo com culturas comerciais exclusivas ou em sucessão a plantas de cobertura em regiões temperadas, que variam de 2,0 a 4,5 (Papatheodorou et al., 2008; Jacinthe et al., 2010). Quadro 15. Indicadores do sistema solo (camada de 0-20 cm) em função do manejo em sistema de integração soja-pecuária de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 361Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e... O IMC, uma medida relativa da labilidade de C da matéria orgânica, a fração mais alterada pelo manejo (C orgânico particulado), tem sido utilizado como indicador de qualidade do solo (Blair et al., 1995). O IMC permite avaliar a dinâmica dos processos em relação à perda ou ao ganho de C, isto é, a sustentabilidade dos sistemas. O maior valor de IMC (Quadro 15) no tratamento pastejado (107) em relação ao sem pastejo (100) indica maior preservação de C no sistema. A maior diversidade funcional da comunidade microbiana sugere que o sistema se encontra em estado de maior instabilidade termodinâmica, o que imprimiria a esse maior capacidade de organização (agregação). No enfoque sistêmico da integração lavoura-pecuária em plantio direto, os indicadores de funcionamento do sistema solo (Quadro 15) revelam a ação sinérgica da presença dos animais, que reciclam o material vegetal e modificam a dinâmica da ciclagem dos nutrientes, o que favoreceria o surgimento de propriedades novas, ditas emergentes (Odum, 1988), como a própria fertilidade, definida como a capacidade do solo em produzir abundantemente (Nicolodi, 2007). FERTILIDADE DO SOLO, CICLAGEM DE NUTRIENTES E ADUBAÇÃO DE SISTEMA Fertilidade do solo: conceito e evolução com o manejo O conceito de “fertilidade do solo” surgiu antes mesmo do entendimento do próprio solo e está relacionado ao desenvolvimento da humanidade, desde a Antiguidade, quando o homem passou a depender do cultivo da terra. Segundo o conceito mineralista vigente (Curi et al., 1993), a fertilidade é definida como a habilidade do solo em fornecer nutrientes essenciais, em quantidades e proporções adequadas para o crescimento das plantas (sobretudo um conceito químico). O uso efetivo da análise do solo, como base para a recomendação de adubação e calagem, especialmente para grãos comerciais no Brasil, teve início na década de 1970. Os benefícios principais foram os incrementos em produtividade com retorno econômico, em solos de baixa fertilidade natural. A partir disso, houve contribuição importante na ampliação da fronteira agrícola no País, especialmente pela exploração dos solos do Cerrado. No entanto, a adoção de práticas agrícolas denominadas nocivas, descritas anteriormente, acelerou os processos de degradação do solo. Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 Ibanor Anghinoni et el.362 Mesmo diante das melhorias nos atributos químicos do solo pela adubação e calagem, as duas boas características originais, e antes estáveis, matéria orgânica e estrutura, foram gradativamente destruídas. Tal retrocesso acarretou em mudanças para manejos conservacionistas de solo, especialmente o plantio direto, com alicerce na redução do preparo do solo e a substituição da queima da resteva pela adoção de culturas de cobertura. Essa mudança no manejo do solo teve reflexos positivos sobre a redução das perdas do solo por erosão, o aumento na eficiência dos fertilizantes e corretivos e na qualidade do solo. No sistema plantio direto, são utilizadas culturas produtoras de grãos, para a sustentação econômica do estabelecimento agrícola, e plantas de cobertura, para a produção de biomassa vegetal. A questão que se coloca, especialmente na situação de plantio direto consolidado (> 10 anos), é como perceber a fertilidade do solo, com histórico de cultivo em rotação e sucessão de culturas por longo período, e como manejar a adubação e a calagem para o sistema de produção de culturas comerciais. Isso porque a evolução do sistema plantio direto passa por diferentes fases (Sá, 1999), caracterizadas, inicialmente, pelo rearranjo da estrutura, reestabelecimento da biomassa microbiana, acúmulo de palhada, passando, a partir da superfície do solo, a acumular nutrientes, aumentar C e N orgânicos e CTC e, finalmente, por um fluxo contínuo e elevada ciclagem de nutrientes e de água, com menor exigência, especialmente N e P para as culturas. Nesse ambiente, a produtividade das culturas pode aumentar substancialmente com o tempo no sistema plantio direto (propriedade emergente), com os mesmos níveis de fertilidade química do solo e quantidade de adubos (nutrientes) adicionados. Depreende-se que, nesse novo ambiente, deve-se abordar o sistema solo de forma sistêmica e entender, assim, como os processos se complementam. O solo pode, então, ser interpretado com base na teoria dos sistemas abertos, afastados do equilíbrio termodinâmico. Nessa condição, a dependência da continuidade do fluxo de matéria e energia (resíduos orgânicos) determina o processo de auto-organização do solo, que não pode ser descrito por relações lineares, com predominância dos efeitos das interações sobre os efeitos dos fatores isolados, e possui a dinâmica de sistemas caóticos, que promovem a mudança dos níveis de ordem com o tempo (Addiscot, 1995; Mielniczuk et al., 2003; Vezzani & Mielniczuk, 2009). Assim, o solo pode ser considerado como uma rede de relações complexas entre os subsistemas mineral, vegetal e biológico. O subsistema vegetal introduz a energia e a matéria necessárias para o seu Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013 363Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
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