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Abordagem sistêmica do solo em sistemasintegrados de produção agrícola e pecuáriano subtrópico brasileiro

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Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
325Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
(1) Professor do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- UFRGS. Av. Bento Gonçalves, 7712. CEP 90001 970 Porto Alegre (RS). E-mail: ibanghi@ufrgs.br
(2) Professor do Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da Faculdade de Agronomia da UFRGS.
E-mail: paulocfc@ufrgs.br
(3) Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da Faculdade de Agronomia da UFRGS. E-mail:
sergioelycosta2011@hotmail.com
ABORDAGEM SISTÊMICA DO SOLO EM SISTEMAS
INTEGRADOS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA E PECUÁRIA
NO SUBTRÓPICO BRASILEIRO
Ibanor Anghinoni(1), Paulo César de Faccio Carvalho(2) & Sérgio Ely Valadão
Gigante de Andrade Costa(3)
Introdução ....................................................................................................................................................
Teoria e Evolução dos Sistemas Integrados ...............................................................................................
Sistemas Integrados no Subtrópico Brasileiro .............................................................................................
Ambiente e Produção Agrícola e Pecuária ..............................................................................................
Modelos de Integração ............................................................................................................................
Modelos que Integram a Pecuária na Lavoura ........................................................................................
Modelos que Integram a Lavoura na Pecuária ........................................................................................
O Solo no Contexto dos Sistemas Integrados ............................................................................................
Inserção do Solo no Sistema ..................................................................................................................
Protocolo Experimental ............................................................................................................................
Abordagem Sistêmica ..............................................................................................................................
Modelo Conceitual Solo no Sistema de Integração .................................................................................
Indicadores do Estado Físico do Solo e suas Relações .........................................................................
Indicadores do Estado Químico do Solo e suas Relações .....................................................................
Indicadores do Estado Biológico do Solo e suas Relações ....................................................................
Indicadores de Manejo do Solo e suas Relações ....................................................................................
Indicadores do Sistema Solo e suas Relações .......................................................................................
Fertilidade do Solo, Ciclagem de Nutrientes e Adubação de Sistema ........................................................
Fertilidade do Solo: Conceito e Evolução com o Manejo ........................................................................
Ciclos Biogeoquímicos e Ciclagem de Nutrientes ..................................................................................
Ciclagem de Nutrientes e Adubação de Sistema em Integração Lavoura-Pecuária ..............................
Modelos Conceituais dos Sistemas Integrados ...........................................................................................
Literatura Citada ..........................................................................................................................................
INTRODUÇÃO
Os sistemas integrados de produção agrícola e pecuária são
caracterizados por serem planejados para explorar sinergismos e
propriedades emergentes, frutos de interações nos compartimentos solo-
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.326
planta-animal-atmosfera de áreas que integram atividades de produção
agrícola e pecuária (Moraes et al., 2012). No Brasil, esses sistemas são
mais conhecidos pela denominação de integração lavoura-pecuária (ILP),
correspondendo a associações entre pecuária de corte ou leite e cultivos
como soja, milho, arroz, eucalipto, algodão, dentre outros, normalmente em
escala de fazenda; são interações planejadas em diferentes escalas espaço-
temporais, abrangendo a exploração de cultivos agrícolas (grãos, floresta
etc.) e produção animal (ruminantes e monogástricos) na mesma área, de
forma concomitante ou sequencial, e mesmo entre áreas distintas.
Diversidade e complexidade são propriedades inerentes aos sistemas
integrados. Já a agricultura contemporânea, decorrente da revolução verde,
tornou-se especializada e simplificada (sensu diversidade) e altamente
dependente de insumos, o que aumentou seu risco operacional e teve, por
consequência, impactos ambientais indesejáveis. Os sistemas integrados,
por sua vez, remetem aos primórdios da agricultura, não se tratando de
nova tecnologia. Como conceito antigo, esses sistemas vinham sendo
preteridos até recentemente como “modelo de produção”. Contudo, os
sistemas integrados estão retomando novamente seu status, pois seus
atributos de sustentabilidade são únicos e se impõem na nova lógica de
“intensificação sustentável” (Freidrich, 2010), exigida para o futuro da
produção mundial de alimentos.
Segundo Bell & Moore (2012), os sistemas integrados constituem-se
numa das mais importantes formas de uso da terra, atingindo 25 milhões de
km2 em todo o mundo; nesse cenário de ressurgência, a novidade que a
ciência brasileira apresenta ao mundo é o uso desse conceito de produção
sob os pilares da agricultura conservacionista. O plantio direto e sua exigência
em cobertura do solo, aliado à diversidade de rotações mais o efeito do
pastejo, interagem de forma sinérgica, aportando novas propriedades aos
sistemas integrados (Carvalho et al., 2010). O resultado, no âmbito de
sistema, é maior que a soma das contribuições das tecnologias individuais,
em que se depreende a aplicação do conceito de propriedades emergentes(*)
(Odum, 1988).
O principal compartimento a acolher os vários processos sinérgicos
desses sistemas é o solo; enquanto os diferentes componentes vegetais
incorporam nutrientes e energia, e os animais funcionam como catalizadores
ao introduzirem variabilidade e novas vias de fluxos de nutrientes e água, o
solo é o compartimento mediador dos processos. Disso resulta o principal
(*) São propriedades do todo; não são redutíveis à soma dos efeitos isolados; não estão presentes no nível inferior
de ordem; e não podem ser explicadas e nem reduzidas aos elementos que interagiram para gerá-las.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
327Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
propósito deste texto, que é o de discutir como alguns dos processos
ecossistêmicos envolvidos nos sistemas integrados são mediados pelo
compartimento solo. Para tanto, a ciclagem de nutrientes é apresentada
como o processo fundamental para caracterizar os sistemas integrados.
Posteriormente, sua fundamentação teórica é descrita para, então, ilustrar
tipologias de sistemas em uso no subtrópico brasileiro, ressaltando sua
diversificação. O solo é apresentado sob o foco mediador dos processos,
concluindo pela proposição de um modelo conceitual de sistemas integrados,
que sugere o compartimento solo como a “memória” da evolução dos
processos envolvidos.
TEORIA E EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS
INTEGRADOS
A revolução agrícola neolítica marcou a transição do homem-caçador-
coletor para sociedades de cultivadores, originando os primeiros sistemas
agrários (Mazoyer & Roudart, 2010). É provável que essa transição tenha
ocorrido com as primeiras pressões da populaçãohumana sobre os recursos
naturais, uma necessidade que surgiu quando o tempo necessário para
predação passou a ser cada vez maior, fruto de fenômenos conjuntos de
aumento da população e redução na acessibilidade aos alimentos; isso, no
momento em que a população humana decuplicou, de cinco para 50 milhões
de habitantes (Mazoyer & Roudart, 2010). Esse desequilíbrio clássico, entre
a renovação dos recursos naturais e sua utilização pelo homem, é tido como
o responsável pelo insucesso de diversas civilizações (Diamond, 2005).
Whalen & Sampedro (2010) sugeriram haver associação específica entre a
eficiência e conservação do ecossistema solo e o desenvolvimento das
sociedades humanas.
O fato importante a pontuar é o significado ecológico dessa transição,
entre retirar alimentos de ecossistemas naturais que estão em equilíbrio
para explorar cultivos em ecossistemas “construídos”. Nos primórdios da
protoagricultura (Mazoyer & Roudart, 2010), os ecossistemas encontravam-
se próximos do equilíbrio e os fluxos de energia e de nutrientes se
autorregulavam. Fundamental para tanto, foi o fato de que o homem
desenvolveu formas de cultivo e criação que se baseavam na exploração
combinada de várias espécies, isto é, diversidade. Segundo Altieri (1999),
essa diversidade é que provê a base do equilíbrio ecossistêmico e de seus
serviços.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.328
O cultivo das plantas e a criação dos animais já se integravam de maneira
diversa sob o manejo do homem na agricultura neolítica. Um dos primeiros
registros de modelos de produção integrada foi o descrito na cidade de
Jericho (9000 a.C.) (Encyclopedia, 2005). O conceito em se integrar cultivos
com a criação de animais residia num princípio básico do funcionamento
dos ecossistemas naturais: a ciclagem de nutrientes. Herbívoros
domesticados eram capazes de consumir partes das plantas que o homem
não conseguia aproveitar; delas, os animais geravam nutrientes passíveis
de consumo humano e, tão importante quanto, seus excrementos geravam
a fonte de nutrientes necessária aos cultivos. Dessa simples combinação
de propósitos, surgiu a integração lavoura-pecuária em seu estado mais
bruto.
No Brasil, nos sistemas agrários dos séculos XVII e XVIII (Linhares,
1995), os registros históricos indicam que predominava a separação entre
agricultura e pecuária, a exceção de um sistema de uso da terra tido como
“peculiar e eficaz”, em que o gado era integrado aos cultivos de fumo e
mandioca. Segundo Linhares (1995), era notória a ausência de práticas de
reposição de nutrientes do solo nos modelos agrícolas daquela época,
predominando longos períodos de pousio em rotações floresta/cultivo, no
que se denominava “rotação de terras primitivas”. Já o sistema de integração
gado-fumo-mandioca baseava-se nas características da agricultura europeia
pré-capitalista, tendo o gado, a função de “estrumar” o solo, ilustrando como
a estratégia de aporte de nutrientes para as culturas acaba por definir o
sistema de produção vigente.
Segue então a “evolução humana e agrícola” até os dias atuais e a
agricultura comercial de escala surge para responder à imensa demanda de
alimentos gerada pela expansão populacional no final do século XX. A
agricultura segue o caminho da especialização, com base em tecnologia de
insumos e multiplicando notavelmente a capacidade de produzir alimentos
por unidade de área cultivada. Segundo Lemaire et al. (2013), a consequência
dessa corrida produtivista foi a perda da diversidade e a poluição do ambiente
por excesso de nutrientes e de resíduos de defensivos agrícolas, bem como
a fragmentação de “habitats”. Segundo a FAO (2010), os modelos de
produção atuais não estão alinhados aos desafios da futura produção de
alimentos, obrigatoriamente segura e sustentável. Portanto, novos
paradigmas são necessários para o avanço da agricultura, pois há que se
mudar a forma de produzir alimentos pelo uso de tecnologias mais
equilibradas e em sintonia com os novos requerimentos de comprometimento
ambiental. É nesse cenário que os sistemas integrados vêm retomando
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
329Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
interesse (Carvalho et al., 2010), pois são comprovadamente mais
sustentáveis e mais resilientes, em relação aos sistemas agrícolas modernos
(Russelle et al., 2007).
De acordo com Tracy (2007), a agricultura moderna progride em sentido
diametralmente oposto à natureza. Em contraponto, os sistemas integrados
seriam uma forma de construir sistemas agrícolas diversos e, pela
possibilidade de comporem vários tipos de culturas de grãos, árvores e
animais, atingir nível de diversidade único, comparado a outros sistemas
agrícolas. Segundo Smukler et al. (2010), quanto mais diverso o sistema
agrícola, maior a sua funcionalidade ecossistêmica; entretanto, os sistemas
integrados devem ser diversos não somente no número de opções agrícolas
envolvidas, mas também no tempo e no espaço. Nesse contexto, propõe-se
a conceitualização dos sistemas integrados, a partir de três dimensões:
diversidade dos componentes (espécies e funcionalidade); temporalidade
dos ciclos (intervalo de tempo entre opções e amplitude de duração do
sistema); e espacialização das interações (distância para conectividade dos
componentes). Para desenvolver esse conceito (hipotético), foram tomados
como exemplo diferentes arranjos de cultivo num sistema de produção de
soja no ambiente subtropical brasileiro (Figura 1).
Figura 1. Planos de produção integrada a partir da inclusão de animais e de
outros cultivos em áreas originalmente produtoras de soja.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.330
Inicialmente, é importante considerar que os diferentes sistemas
apresentados não ilustram a situação mais extrema do componente espacial,
que ocorre, por exemplo, entre áreas de diferentes propriedades, como o
milho produzido numa propriedade que suplementa animais em outra. O
componente temporal também é limitado, assim como a opção de rotação
com árvores, no sentido de facilitar o entendimento.
O Sistema 1 é pouco diversificado, ainda que integrado. As rotações
são rápidas, pois a mesma cultura retorna na mesma área a cada semestre.
Do ponto de vista de diversidade, os demais sistemas são sempre mais
diversos que o Sistema 1, pois o número de espécies envolvidas nas rotações
é sempre maior. Entretanto, nota-se que, quando se comparam os Sistemas
2 e 3, esses não são muito diferentes, pois ambas as opções são gramíneas
e, portanto, não há ganhos com relação à funcionalidade do componente
vegetal, como seria no caso de se terem brássicas, asteráceas e outras
espécies na rotação. Ao se comparar o Sistema 2 com o 4, têm-se sistemas
com o mesmo nível de diversidade, mas com arranjos diferentes no tempo e
espaço, o mesmo ocorrendo com os Sistemas 3 e 5. Por último, quando se
compara o Sistema 1 com o 6, vislumbram-se modificações nas três
dimensões propostas: diversidade, temporalidade e espacialização. Essa
organização conceitual se encontra na figura 2.
A combinação dessas características, por sua vez, define as
propriedades do sistema. A proposta é ilustrada situando-se diferentes
sistemas de produção em relação a um contínuo de incremento na
complexidade das relações envolvidas: monocultivo em semeadura
convencional (Mo); monocultivo em semeadura direta (Mod); cultivos agrícolas
em rotação e semeadura direta (PDr); cultivos agrícolas em semeadura direta
com rotações envolvendo animais (PDi); e cultivos agrícolas em semeadura
direta com rotações envolvendo animais e árvores (PDi+). Como se pode
depreender, o grau de interações sinérgicas é dependente do quão complexo
é o sistema em relação às suas características de diversidade, temporalidade
e espacialização. Quanto maior a diversidade, incluída a dos tipos e das
categorias animais, que nunca é abordada, tanto maior a temporalidade
com que os arranjos de integração se repetem; e quanto menor o espaço
físico de interação entre os componentes,maior a possibilidade de ocorrência
de processos sinérgicos. A organização dessas três dimensões gera as
propriedades dos sistemas integrados. Quanto mais diversos o forem, mais
se aproximam dos processos ecossistêmicos naturais e mimetizam seu
funcionamento em equilíbrio (Kirschenmann, 2007).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
331Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Figura 2. Conceitualização dos sistemas integrados de produção agrícola e
pecuária. A diversidade, a temporalidade e a espacialização determinam
a natureza e magnitude das interações sinérgicas no sistema (Mo:
monocultivo no sistema convencional; Mod: monocultivo em semeadura
direta; PDr: cultivos agrícolas em rotação e semeadura direta); PDi: cultivos
agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais; e PDi+:
cultivos agrícolas em semeadura direta com rotações envolvendo animais
e árvores.
Por sua vez, a “construção do sistema”, pela escolha dos componentes
e estratégia de seus arranjos espaço-temporais, define a natureza (elementos
envolvidos) e a magnitude (quantidade dos fluxos) dos ciclos biogeoquímicos
presentes. Por último, propriedades emergentes são originadas, pois os
efeitos até aqui descritos não são simplesmente cumulativos. O grau de
entropia desse sistema gera novo estado de ordem e novo grau de
conectividade entre componentes e múltiplas interações se sobrepõem às
simples relações anteriormente experimentadas, de onde emergem novos
processos sistêmicos (Vezzani & Mielniczuk, 2009; Mello, 2011). As
propriedades emergentes dos sistemas integrados não são simples de
observar, predizer ou mesmo provar, pois os arranjos dos componentes
envolvidos, nas três dimensões propostas, transcendem os limites atuais e
a natureza exigida para seu estudo é transdisciplinar.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.332
Não obstante, há reconhecimento pelo meio científico de que os sistemas
integrados são eficientes na ciclagem de nutrientes e energia (Entz et al.,
2005) e mais sustentáveis (Ryschawy et al., 2012) e resilientes (Lemaire et
al., 2013), características essas associadas a sistemas que apresentam
propriedades emergentes (Odum, 1988).
Como o fundamento básico para ocorrência de todos esses processos
é a diversidade, quanto maior a diversidade de fatores bióticos e abióticos
de um habitat, maior a possibilidade teórica de construção de sistemas
integrados. Nesse sentido, o subtrópico brasileiro permite o uso de várias
famílias de plantas, anuais e perenes, de distintos ciclos metabólicos, o
que resulta em possibilidade única para se organizarem os mais diferentes
arranjos espaço-temporais em sistemas integrados. Nesse contexto, os
principais sistemas em uso atualmente no ambiente subtropical brasileiro
são descritos na sequência.
SISTEMAS INTEGRADOS NO SUBTRÓPICO
BRASILEIRO
Ambiente e produção agrícola e pecuária
A região subtropical brasileira está localizada abaixo da linha do Trópico de
Capricórnio, que cruza o paralelo 23,5°, latitude Sul, passando por Campinas,
SP, e Londrina, PR, e abrange, majoritariamente, os três Estados da Região
Sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; apresenta clima
temperado úmido todo o ano, com verão quente (Cfa) na maior área de
abrangência e verão ameno (Cfb), nas áreas de maior altitude e latitude.
Os solos do ambiente subtropical brasileiro derivam de rochas eruptivas
básicas, que resultaram na formação de Latossolos e Nitossolos, seguidos,
em menor escala, de Chernossolos, Neossolos Litólicos e Luvissolos
(Embrapa, 2006; Streck et al., 2008). Formações geológicas complexas de
rochas graníticas, metamórficas e sedimentares, que ocorrem nas regiões
leste e sudeste do Paraná e Santa Catarina e sudoeste do Rio Grande do
Sul, deram origem a solos com amplas variações nas suas características
físicas e químicas. Há, ainda, a ocorrência de solos de sedimentos aluviais
de vários tipos de rocha (ígneas, metamórficas e sedimentares), ocorrendo
na região da Depressão Central e na faixa litorânea do Rio Grande do Sul e
de Santa Catarina, que originaram a formação de solos de várzea,
predominantemente Planossolos e Gleissolos Háplicos (IBGE, 2013a).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
333Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
A utilização agrícola do solo no ambiente subtropical do Brasil
caracterizou-se, desde o início da colonização, pela implantação de sistemas
agrícolas imediatistas, decorrentes da ação de estímulos econômicos a
favorecer a exploração cíclica e migratória dos recursos naturais (Muzilli,
2002). Os anos contínuos dessa filosofia de produção levaram ao esgotamento
da matéria orgânica e dos nutrientes. Os solos tornaram-se improdutivos e,
na década de 1960, os agricultores passaram a ocupar regiões de campo
natural sobre Latossolos mais pobres em matéria orgânica e em nutrientes.
Nesse processo, houve também ampliação do tamanho médio das
propriedades e grande crescimento da área cultivada pela implantação de
agricultura mecanizada e de escala, com predominância de cultivos de trigo
e soja e utilização de insumos agrícolas modernos, especialmente
fertilizantes minerais e defensivos agrícolas.
Em decorrência da adoção de práticas agrícolas imediatistas e de pouco
compromisso com a sustentabilidade dos sistemas de produção, houve
processo acelerado de degradação do solo, reduzindo sua produtividade e
tornando-o vulnerável a processos erosivos. As práticas nocivas de manejo
do solo incluíam o uso continuado da sucessão trigo-soja; a queima dos
resíduos (palhada), após a colheita; a pulverização do solo mediante seu
preparo intenso com arações e gradagens, em períodos de grande erosividade
das chuvas; e a manutenção de solo descoberto no período de inverno, nas
áreas em que o trigo não era semeado.
A partir do final da década de 1970, vários programas foram desenvolvidos
nos três Estados do sul do País, objetivando a introdução de manejos
conservacionistas de solo. Esses programas foram centrados na redução
do preparo e no aumento da cobertura do solo pela introdução de culturas
de cobertura e manejo adequado dos resíduos (Mielniczuk et al., 2003).
Dentre os manejos conservacionistas, destaca-se o sistema plantio direto,
que teve início lento em 1973; porém, exponencial a partir de 1993, estimando-
se haver, atualmente, nesse sistema, em torno de 11 milhões de ha, sendo
5,7 milhões, no PR; 1,1 milhão, em SC; e 4,7 milhões, no RS, o que equivale
a 35 % da área de plantio direto no Brasil, que gira na ordem de 32,0 milhões
de ha (FEBRAPDP, 2013).
A região subtropical brasileira caracteriza-se como grande produtora de
grãos, carne e leite com utilização intensiva do solo. Do total da área ocupada
com grãos, 88 % (15,7 milhões ha) são cultivados no verão e somente 12 %
(2,1 milhões ha), no inverno (Quadro 1). Dentre as culturas de inverno, a
mais cultivada, em 2011, foi a do trigo, em particular no Paraná e no Rio
Grande do Sul, com algum destaque, neste Estado, para a produção de
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.334
aveia branca (Quadro 2); já dentre as de verão (Quadro 3), destacou-se a da
soja, predominantemente no Paraná e Rio Grande do Sul, seguida pelo
milho, sobressaindo-se, novamente, o Paraná. Para o arroz, o destaque foi
o Rio Grande do Sul, seguido por Santa Catarina, sendo irrigado por
alagamento em ambos os Estados.
Quadro 1. Área de cultivo para a produção agrícola e pecuária no subtrópico
brasileiro, safras 201 1 e 2012
Quadro 2. Área de cultivo para a produção de grãos de inverno no subtrópico
brasileiro, safra 2012
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
335Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
A pastagem nativa ocorre largamente em todos os Estados, com ênfase
para o Rio Grande do Sul, enquanto a pastagem cultivada tem maior destaque
no Paraná, embora uma área significativa apresente condição de degradação
(Quadro 4).
Quadro 4. Área de pastagem e rebanho animalno subtrópico brasileiro, safra
2011/12
Quadro 3. Área de cultivo para a produção de grãos de verão no subtrópico
brasileiro, safra 201 1/12
As culturas de verão apresentam, historicamente, grandes riscos de
perdas no sul do Brasil (Quadro 5). Para a soja, por exemplo, enquanto no
RS ocorreram 16 frustrações, no período de 1976 a 2012, no Paraná houve
somente nove e, em Santa Catarina, oito (Figura 3). Na comparação entre
as duas últimas safras, houve redução de 15 % na produção de grãos, o que
equivale a perdas de 9.457 mil toneladas (CONAB, 2013). O Rio Grande do
Sul foi o Estado que mais sofreu interferência, cuja quebra de produção, na
safra 2011/12, foi de 7,8 milhões de toneladas com a cultura da soja.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.336
Quadro 5. Área de cultivo e produção de soja e milho no subtrópico brasileiro,
safra 201 1/12
Figura 3. Rendimento de soja ao longo do tempo nos Estados do subtrópico
brasileiro.
Fonte: CONAB (2013).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
337Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Modelos de integração
Os modelos de integração de produção agrícola e pecuária com potencial
de utilização no ambiente subtropical brasileiro incluem rotação ou sucessão
de pastagens e culturas comerciais, em plantio direto, onde a pastagem é
utilizada para a produção de carne ou leite. Tais sistemas ocorrem dentro
da propriedade agrícola, alternando essas produções em diferentes áreas.
As ações de pesquisa em integração lavoura-pecuária no ambiente
subtropical brasileiro têm se desenvolvido, segundo Moraes et al. (2002), a
partir de duas realidades distintas: em região tipicamente agrícola e em
região tipicamente pecuária. No primeiro caso, a pecuária é a opção de
diversificação das propriedades, que possibilita a alimentação animal com
plantas de cobertura e, ou, pastagens anuais em sucessão ou rotação com
cultivos anuais de grãos. No segundo, a produção de culturas comerciais
surge como opção na reforma de pastagens degradadas, pela fertilização
do solo, pelo controle de plantas daninhas e pela diminuição de pragas e
doenças, possibilitando retorno econômico imediato e diversificação de renda.
Modelos que integram a pecuária na lavoura
Dentre os sistemas que integram a pecuária na lavoura, dois têm se
destacado no ambiente subtropical: integração soja e milho no verão e
pastagem (pastejo) no inverno em coxilha (terras altas), de ocorrência
generalizada na região; e arroz irrigado e pastagem (pastejo), nas áreas de
várzea (terras baixas), predominantes no Rio Grande do Sul. No caso da
integração de culturas comerciais em região de pecuária, citam-se as ações
desenvolvidas na região do arenito Caiuá, no norte do Paraná (Moraes et al.,
2002), envolvendo principalmente a cultura da soja.
Conforme visto anteriormente, a região subtropical brasileira caracteriza-
se pela grande área semeada com grãos (15,72 milhões de ha), no verão,
enquanto no inverno, somente 2,11 milhões de ha, na safra 2011/12 (Quadro 1).
Na utilização da pecuária em ambiente de coxilha, têm sido utilizadas para
pastejo, no inverno, principalmente espécies gramíneas (azevém e aveia
preta) e, em menor ocorrência, leguminosas (cornichão e trevos), enquanto
em ambientes mais quentes, ao norte do Paraná, têm-se utilizado milheto,
sorgo e pastagens tropicais (Tanzânia, Arachis, Braquiária e Mombaça).
As lavouras de terras altas normalmente contam com boa infraestrutura e
com máquinas e equipamentos modernos, sendo dotadas de mão de obra
qualificada e bem gerenciadas (Moraes et al., 2002). O grande potencial desse
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.338
modelo é a integração soja/milho-pecuária, pois a área plantada com essas
culturas é vasta (Quadro 5), em relação à cultivada com culturas comerciais
de inverno (Quadro 2). Somente considerando essas duas culturas, ainda
permanecem mais de 11 milhões de ha em pousio ou com plantas de cobertura
no inverno, estas ocupando em torno de 4 milhões de ha. É importante ressaltar
que essa situação ocorre exatamente no período em que a pecuária extensiva
sofre de carência alimentar, pois é embasada predominantemente em pastagem
de espécies estivais, pouco produtiva nessa estação.
As pastagens anuais utilizadas em sistemas de integração no subtrópico
brasileiro são gramíneas de crescimento hibernal, especialmente azevém e
aveia preta. No Rio Grande do Sul, essas espécies têm sido utilizadas para
a terminação dos animais. Entretanto, para produção pecuária eficiente
durante todo o ano, necessita-se de áreas com pastagens perenes de verão
que, associadas com pastagens anuais de inverno, compõem um sistema
pastoril capaz de suprir a forragem continuamente aos animais. Essa
composição, na propriedade agrícola, permite manter carga animal constante
e obter receita de áreas menos aptas às culturas comerciais. Esse cenário
é particularmente importante em sistemas de produção de leite e de cria
(Moraes et al., 2002).
No atual contexto social e econômico, não existem justificativas para
que áreas enormes em pousio ou com plantas de cobertura permaneçam
improdutivas. Sistemas de cultivos podem se beneficiar quando em rotação
com pastagem, melhorando a eficiência do investimento, pela intensificação
do uso da terra, tornando o sistema produtivo mais estável (Carvalho et al.,
2011). A produção animal pode ser integrada como opção de diversificação,
gerando renda adicional. A despeito de estatísticas esparsas e incertas em
relação à área em integração lavoura-pecuária no subtrópico brasileiro, a
maior barreira para a sua adoção é o paradigma corrente sobre os impactos
negativos do animal nos sistemas de produção em manejo conservacionista.
Assim, de acordo com os conceitos do plantio direto, o pastejo poderia ser
interpretado como danoso e, frequentemente, indesejado, pois o animal se
alimentaria das plantas de cobertura, deixando pouco resíduo. Além disso,
existe ainda consenso entre os produtores e técnicos de que os animais
causam compactação no solo (lenda do casco), a despeito de muitos
trabalhos demonstrarem que pastejos moderados (bom pastejo) podem
melhorar as propriedades físicas, químicas e biológicas do solo (Carvalho et
al., 2010). De acordo com Diekow & Bayer (2012), sistemas de integração
lavoura-pecuária em plantio direto têm resultado em aumento de estoques
de C e N, quando comparados com áreas sem pastejo.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
339Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Nesse contexto, pesquisas que têm avaliado os impactos do pastejo
em sistemas agrícolas têm sido de grande interesse no sul do Brasil. Entre
os inúmeros tópicos de pesquisa, permanece a definição da altura de manejo
do pasto que garanta cobertura de solo para a cultura subsequente, dentro
dos preceitos do sistema plantio direto. Quando se considera a produção
animal, a massa de forragem, altamente correlacionada com a altura do
pasto, define o ganho de peso por animal e por área, uma vez que ela
determina a ingestão e a seleção da forragem. Dessa forma, o “ótimo” de
massa de forragem deve ser balanceado com a demanda, com respeito à
produção animal, ao manejo da cultura comercial e ao manejo total do
sistema. A consequência dessas particularidades em sistemas de integração
lavoura-pecuária em plantio direto é determinante para ambos os processos
de produção, animal e vegetal (Carvalho et al., 2010).
Em sentido contrário à apreensão dos produtores, que entendem que a
pastagem em sucessão aos cultivos anuais possa comprometer o rendimento
de grãos comerciais, pesquisas recentes têm apresentado efeitos positivos
da presença do animal em pastejo. Moraes et al. (2012) revisaram 23 trabalhos
no subtrópico brasileiro, em que o rendimento de grãos (soja, milho, feijão e
trigo) de áreas em rotação com cobertura pastejada foi comparado com áreas
de cobertura não pastejada. Os efeitos positivos do pastejo no rendimento de
grãos foram notados na totalidade dos trabalhosque usaram pastejo moderado.
Em pastejos moderados, a massa remanescente de resíduos é suficiente
para privilegiar tanto a ingestão de forragem para alto desempenho animal
como adequada intercepção de luz para o desenvolvimento do pasto. Na
comparação com áreas não pastejadas, pastejos moderados propiciam
acúmulo de C no solo, desde que a produção total de forragem seja elevada
(Carvalho et al., 2011). Além disso, e em consequência, outras propriedades
e características físicas, químicas e biológicas podem ser melhoradas como
demonstram pesquisas desenvolvidas no subtrópico brasileiro, que serão
apresentadas adiante.
Em ambiente de várzea (terras baixas), o arroz irrigado é, possivelmente,
um dos cultivos comerciais mais antigos no Brasil; é tradicional na região
Sul, especialmente no Rio Grande do Sul, onde tem sido sucessivamente
cultivado em algumas áreas há mais de 100 anos. Atualmente, são cultivados
em torno de 1 milhão de ha nesse Estado e 150 mil ha em Santa Catarina. A
área potencial de cultivo, entretanto, é maior, pois existem 6,08 milhões de
ha de solos de várzea (terras baixas), sendo 5,40 milhões no RS,
predominantemente Planossolos, e 0,68 milhões em SC, prevalecendo os
Gleissolos (Pinto et al., 2004).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.340
Nas propriedades médias e grandes do Rio Grande do Sul, o cultivo de
arroz é alternado ao pousio (sistema tradicional arroz-pousio), onde a área
restante, de pastagem nativa (inverno e verão), é utilizada como base
alimentar de bovinos e ovinos, formando um sistema binário, porém, não
integrado. Esse sistema de produção era considerado, até recentemente,
como precário, tanto pela baixa rentabilidade do arroz, baixa produtividade
relativa aos altos custos de produção, como pelos baixos índices de
produtividade animal (Saibro & Silva, 1999). A razão dessa baixa produtividade
animal, como carne e leite, na visão de Saibro & Silva (1999), estava na falta
de espécies e cultivares com características de adaptação aos ambientes
mal drenados e ao desempenho abaixo do potencial forrageiro de espécies
exóticas, por deficiência de manejo, especialmente a drenagem do solo.
Um dos raros trabalhos de produção integrada de arroz e de pecuária de
corte foi desenvolvido por Saibro & Silva (1999), na região da Planície Costeira
Externa do RS, com avaliação por três períodos de pastagens cultivadas (cultura
isolada ou consorciada) de estação fria e seus efeitos na produção de arroz
(Quadro 6). Para os autores, foi muito importante conhecer o comportamento
das espécies exóticas, como azevém, trevos: vesicoloso, branco e ball, e
cornichão, em Planossolo sob pastejo. O azevém confirmou suas características
de excelente adaptação a esse ambiente, com altos rendimentos e qualidade
de forragem, enquanto as leguminosas evidenciaram ser mais exigentes e menos
adaptadas, requerendo também melhores condições de fertilidade e manejo do
solo. A produtividade de arroz (Quadro 6) em sequência ao azevém foi 15 %
superior à média do Estado naquela safra e, em sequência ao consórcio com
leguminosas, chegou a ser, na média, 18 % superior.
Quadro 6. Desempenho de novilhos de corte, em diferentes pastagens
cultivadas e rendimento de arroz cultivado na sequência (1) no subtrópico
brasileiro, Viamão, RS
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
341Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
O binômio arroz-pastagem era caracterizado, ainda nas décadas de
1980 e 1990, por desequilíbrio tecnológico, em que se considerava a lavoura
de arroz como altamente tecnificada, em contraste com a pecuária. O uso
do sistema pré-germinado, cultivares de ciclo longo e manejo adequado da
cultura em Santa Catarina, resultou em aumento crescente de produtividade,
com a média estadual atingindo em torno de 6,50 Mg ha-1 na safra 2001/02.
Nessa ocasião, iniciou-se no Rio Grande do Sul, um programa de pesquisa
e de transferência de tecnologia (Projeto 10: Estratégias de manejo para
aumento da produtividade e sustentabilidade da lavoura de arroz irrigado do
RS), do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), visando o manejo integrado
da cultura. Esse Projeto, aliado ao uso da tecnologia Clearfield®, que utiliza
genótipos mutagênicos, caracterizados pela resistência aos herbicidas do
grupo das imidalozinonas, para o controle do arroz vermelho, a principal
invasora da cultura, resultou em aumentos crescentes de produtividade das
lavouras de arroz, que partiram de um patamar de 5,30 Mg ha-1 (média das
safras 2001/04) para atingir 7,73 Mg ha-1 (em 2010/11), permanecendo, desde
então, próximas de 7,40 Mg ha-1 (Menezes et al., 2012).
Paralelamente a esses acontecimentos, a lavoura de soja em rotação
com o arroz passou a constituir uma alternativa, tanto de renda, frente à
grande oscilação dos preços do arroz, como de controle das plantas
daninhas, pelo fato de serem utilizados outros princípios ativos. Programas
de melhoramento e de manejo da soja em terras baixas vêm sendo
desenvolvidos e muitas áreas de arroz passaram a ser cultivadas com soja,
atingindo 150 mil ha na safra 2011/12 (Vedelago et al., 2012). As perspectivas
são de aumentos sucessivos de área, pela disponibilização de cultivares
mais tolerantes ao excesso hídrico e pelo uso de microcamalhões (para
drenagem, no estabelecimento; e para irrigação por sulco, em situações de
déficit hídrico), sendo estimulados pelos preços favoráveis da soja no mercado
internacional.
Mesmo com as altas produtividades do arroz irrigado, essa cultura não
produz resíduos suficientes para haver balanço positivo de C no solo, premissa
básica para a melhoria de sua fertilidade. Para garantir a sustentabilidade
do sistema produtivo de arroz, deve-se buscar a integração de uma produção
agrícola diversificada (arroz, soja e milho) com uma pecuária que inclua
períodos curtos (um ciclo) e longos (dois ou mais ciclos) de pastejo com
uso de gramíneas e leguminosas. Somente dessa forma, podem-se conseguir
estabilidade e rentabilidade do negócio, com menor risco e balanço positivo
de C no solo, usufruindo de seus benefícios nos processos que regulam o
equilíbrio no continuum solo-planta-atmosfera (sustentabilidade do sistema).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.342
Modelos que integram a lavoura na pecuária
Na avaliação de Moraes et al. (2002), as áreas de regiões tipicamente
pecuarista contam com menor infraestrutura e, ou, limitações edáficas
importantes para a atividade agrícola intensiva. Nesse caso, a agricultura é
que passa a ser opção na reforma de pastagens, o que possibilita o controle
de plantas daninhas, a diminuição de pragas e a adubação adequada, além
da diversificação da renda na propriedade. Além disso, podem-se introduzir
forrageiras anuais nas áreas agrícolas em épocas em que não haja influência
da implantação das lavouras principais ou produção de silagem. A utilização
das forrageiras na alimentação animal no período de inverno, por sua vez,
possibilita o incremento da produção pecuária. Esse tipo de sistema tem
sido praticado por instituições de pesquisa do Paraná, na região do arenito
Caiuá, no noroeste desse Estado; abrange 3,51 milhões de ha, com 59 %
utilizados com pastagem que alimenta 3,50 milhões de cabeças de gado.
Atualmente, a região é caracterizada por pecuária extensiva e extrativista
que, ao longo do tempo, levou à degradação do solo; como consequência, a
produtividade das pastagens é baixa. Nesse contexto, a premissa da
integração da lavoura em áreas de pecuária tem sido a recuperação da fertilidade
do solo e de pastagens degradadas pela implantação de lavouras anuais de
verão, como milho, soja e feijão, em rotação com pastagens anuais de inverno,
aveia e azevém, em plantio direto, com o pressuposto de manter o solo
continuamente coberto com palhada ou com cultivos. Uma vez que a fertilidade
do solo seja recuperada, sucede-se a reimplantação de pastagens perenes
de alto potencial de produtividade, como Tanzânia + Arachis, Braquiária e
Mombaça, a fim de minimizaros riscos de degradação ambiental frente à
fragilidade e susceptibilidade desses solos à erosão (Moraes et al., 2002).
Os resultados desse sistema têm quebrado muitos paradigmas, como:
a produção animal seria menos rentável que a agricultura; a adubação em
pastagem seria pouco viável economicamente; a impossibilidade de utilização
de forrageiras de inverno, por limitações edafoclimáticas; e a impossibilidade
de cultivos agrícolas nos solos do arenito de Caiuá. Os possíveis riscos
inerentes ao sistema de integração estão associados à maior complexidade
em seu manejo e gerenciamento, sendo o preparo convencional totalmente
desaconselhado. O impacto positivo da introdução da lavoura na pecuária,
segundo Moraes et al. (2002), está associado ao aumento de renda da
propriedade agrícola, como resultado da melhoria da fertilidade do solo, da
produção de grãos nas áreas de rotação de culturas e da intensificação do
uso de forrageiras.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
343Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
O SOLO NO CONTEXTO DOS SISTEMAS
INTEGRADOS
Inserção do solo no sistema
Para melhor compreender o papel do solo em sistemas de produção
agrícola e pecuária, é necessário partir de um modelo conceitual que envolva
as relações bioeconômicas-ambientais e sua evolução no tempo. Esse
modelo deve ajustar-se aos sistemas integrados encontrados no subtrópico
brasileiro, quer esses sejam pela inclusão da produção pecuária na produção
agrícola (mais comum), quer sejam pela inclusão da produção agrícola na
pecuária.
Para o desenvolvimento dessa temática, usou-se o protocolo de produção
integrada de soja-bovinos de corte de longa duração no subtrópico brasileiro
(Carvalho et al., 2011), em que foi avaliado grande número de atributos,
características e propriedades, envolvendo as relações entre os
compartimentos solo, planta, animal e atmosfera (ambiente), descritas a seguir.
Protocolo experimental
O protocolo-base para a abordagem da temática em foco é de longa
duração. Foi iniciado em 2001, a partir de uma parceria público-privada,
entre os Departamentos de Solos e de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia
da Faculdade de Agronomia da UFRGS e a Cabanha Cerro Coroado (Fazenda
do Espinilho), no município de São Miguel das Missões, RS. O solo,
Latossolo Vermelho distroférrico, é argiloso na camada de 0 a 20 cm,
contendo teores de argila, silte e areia de 540, 270 e 190 g kg-1,
respectivamente. Os teores de ferro solúveis em citrato-bicarbonato-ditionita
e oxalato de amônio eram de 110,2 e 5,2 g kg-1, respectivamente (Silva Neto
et al., 2008). De acordo com esses autores, caulinita e hematita são os
minerais predominantes na fração argilo-mineral. O clima é subtropical com
verão úmido e quente (Cfa), na classificação de Köeppen. A análise química
inicial na camada de 0 a 20 cm indicou: pH em água de 4,7; teor médio de
matéria orgânica de 3,2 %; altos teores de P e K disponíveis (Mehlich-1) de
8,0 e 126 mg kg-1, respectivamente; altos teores de Ca e Mg trocáveis (KCl
1,0 mol L-1) de 4,8 e 1,6 cmol
c
 kg-1, respectivamente; baixo teor de alumínio
trocável (KCl 1,0 mol L-1) e sua saturação de 0,6 cmol
c
 kg-1 e 8 %,
respectivamente; saturação por bases baixa, de 44 %; e alta capacidade de
troca de cátions (CTC
pH 7,0
) de 16,3 cmol
c
 kg-1, conforme CQFS RS/SC (2004).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.344
O foco central do experimento foi a introdução de bovinos de corte
(outono-inverno) em sistema de produção de soja (primavera-verão) (Figura
4), em que inicialmente se estudou o efeito de diferentes alturas de manejo
de uma mistura forrageira e seu impacto: no desempenho da pastagem e do
animal; nas características e propriedades do solo; e no estabelecimento e
rendimento de grãos de soja e suas inter-relações, visando o entendimento
do funcionamento do sistema de produção.
Figura 4. Modelo que integra a pecuária de corte na lavoura de soja no
subtrópico brasileiro, São Miguel das Missões, RS.
Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011).
Anteriormente à sua implantação, a área do experimento vinha sendo
cultivada no sistema plantio direto, com soja, no verão, e aveia preta, no
inverno, para produção de sementes. Em maio de 2001, a área, de
aproximadamente 21 ha, foi dividida em três blocos, de quatro parcelas
cada, cujas áreas variaram de 1,0 a 2,5 ha, aproximadamente. Os tratamentos
consistiram do manejo, no inverno, de uma mistura de aveia preta + azevém,
em quatro alturas: 10, 20, 30 e 40 cm, mantidas com lotação variável em
pastoreio contínuo. Entre os blocos, deixaram-se faixas de 10 m de largura,
que foram isoladas do pastejo (áreas de referência). Ao final do primeiro
ciclo de pastejo (novembro de 2001), foram aplicadas 6,0 Mg ha-1 de calcário
(PRNT de 68 %) na superfície do solo, para elevar o pH do solo a 5,5 (CQFS
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
345Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
RS/SC, 2004). Após cada período de pastejo, a soja era implantada em
semeadura direta, sendo geralmente colhida no início de maio.
Aproximadamente 45 dias após a semeadura da pastagem, aplicava-se
a adubação nitrogenada (ureia) de cobertura, em doses de 45 a 90 kg ha-1
de N. Bovinos jovens de aproximadamente 12 meses de idade foram utilizados
nos ciclos de pastagem, que se inicia na metade de julho e termina na
primeira quinzena de novembro. Em média, o número de animais foi de
seis, quatro, dois e um por hectare, para manter as alturas de manejo do
pasto em 10, 20, 30 e 40 cm, respectivamente. Após o ciclo de pastejo, o
pasto tem sido dessecado com herbicida (glifosato) para a semeadura da
soja, que tem ocorrido no final de novembro e início de dezembro de cada
ano. A adubação de base, somente aplicada na soja, consistiu de 300 kg
ha-1 das fórmulas 0-20-30, 5-20-20, 0-20-30, 0-20-30, 0-20-30 e 0-20-30 nas
safras 2001/02, 2002/03, 2003/04, 2004/05, 2005/06 e 2006/07,
respectivamente, recomendadas para produtividade de 4,0 Mg ha-1 de grãos
(CQFS RS/SC, 2004).
Abordagem sistêmica
A abordagem disciplinar das temáticas de pesquisa tem sido a norma
predominante em todas as áreas do conhecimento, pelo fato de que,
usualmente, os pesquisadores são profundos especialistas numa área ou
de um tema. Por mais que os estudos se aprofundem em determinada área
do conhecimento (abordagem disciplinar) (Figura 5), ou mesmo diferentes
grupos trabalhando em cada uma delas (abordagem multidisciplinar), os
progressos são limitados e insuficientes para entender os processos que
regem os sistemas de integração lavoura-pecuária. O que normalmente
ocorre, é que a especialização induz em resistência à abordagem sistêmica,
pois não se consegue elevar o conhecimento de forma conexa a outras
áreas temáticas, numa abordagem holística. Ainda que assim se fizesse,
surgem muitos desafios na medida em que o funcionamento da área
específica se modifica em conjunto com outros componentes do sistema e
há que se aprender tudo novamente. As leis de funcionamento das partes
modificam-se quando combinadas em outro nível de organização. Sistemas
de integração lavoura-pecuária, portanto, exigem abordagem interdisciplinar
para o entendimento dos processos regentes (conexões transversais - Figura
6). Consequentemente, para se avançar no conhecimento, há que se agregar
ciência de várias disciplinas, nucleando-as, necessariamente, sob
perspectiva sistêmica (Carvalho et al., 2010).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.346
Figura 5. Sistema de relações disciplinares no submodelo solo em sistema
de integração soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico
brasileiro.
Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011).
Modelo conceitual solo no sistema de integração
O solo, em sistemas integrados (Figura 6), pode ser considerado o
compartimento centralizador dos processos e aquele que captura as
modificações do sistema de produção, que são, em última análise,
determinadas pelo homem, quando define o manejo que impõe ao sistema.
Esse é o ponto-chavede sucesso, ou não, do empreendimento. Deve-se
considerar o sistema em sua totalidade, sem privilegiar um ou outro
componente (produção agrícola ou pecuária), mas sim o seu somatório.
Nessa abordagem, deve-se avaliar, além da capacidade produtiva do solo ao
longo do tempo, o seu potencial em cumprir suas funções ecossistêmicas
de sustentar e fornecer nutrientes, água e oxigênio às plantas. Ao definir o
uso de insumos, da maquinaria agrícola, do manejo do pasto, dos animais
e da cultura comercial, o homem está interferindo, além do resultado
econômico do empreendimento, nas características, nas propriedades e
nos processos que ocorrem no solo.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
347Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Figura 6. Sistema de relações no submodelo solo em sistema de integração
soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro.
Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011).
Considera-se que o animal em pastejo, além do efeito direto do pisoteio
sobre o solo, seja o agente catalisador que modifica as taxas e os fluxos
dos processos sistêmicos, reciclando o material orgânico e determinando a
dinâmica dos nutrientes entre os seus compartimentos. Dessa forma,
enquanto os cultivos se sucedem, tanto quanto a presença dos animais, o
solo é o compartimento que permanece convergindo os fluxos multidirecionais,
que regem os processos biofísico-químicos ao longo do tempo. Por essa
razão, o solo concentra vários dos indicadores de avaliação dos sistemas
integrados de produção agrícola (Carvalho et al., 2009; Anghinoni et al.,
2011). Sendo assim, a aplicabilidade e a pertinência de estudos que
vislumbrem compreender o submodelo Solo vem tendo maior destaque
ultimamente. Ao optar por determinado manejo (Figura 6), especialmente a
lotação animal e o método de pastoreio, está se definindo a ação direta do
pisoteio, que, por sua vez, influencia características, propriedades e
processos fisico-hídricos, químicos e biológicos.
O principal componente do solo interferido pelo manejo é a matéria
orgânica (Figura 6), especialmente a fração lábil. Trata-se do componente
do solo que centraliza as constantes trocas de matéria e energia pela ação
da microbiota do solo. A complexidade do funcionamento desse sistema só
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.348
pode ser desmistificada pela quebra de paradigmas com abordagens que
busquem aprofundamento no entendimento do sistema solo-planta-animal-
atmosfera. Nesse prisma, a evolução não é só de cunho científico, mas,
também, filosófico, pois se deve mudar da visão multidisciplinar para a
interdisciplinar. Nesse nível de abordagem, deve-se ter foco na compreensão
dos processos físico-químicos (termodinâmicos), mecânicos, hídricos,
bioquímicos e fisiológicos ao longo do tempo, que leva à organização ou
desorganização do sistema solo (Vezzani & Mielniczuk, 2009).
Nessa percepção, a água é um componente que se destaca por sua
essencialidade em todos os processos que regem o equilíbrio em sistemas
de produção de alimentos. Essa não só conduz as reações bioquímicas,
físico-químicas e fisiológicas do solo, planta e animal, mas também é
essencial para o equilíbrio entre a demanda hídrica atmosférica e o
crescimento das plantas pela umidade do solo. Há, então, superveniência
da disponibilidade hídrica no solo sobre o processo de sequestro de C, visto
como o maior gargalo para a sustentabilidade global. Além disso, a escassez
mundial desse recurso natural torna indispensável a inserção de estudos
hídricos em sistema de produção de alimentos.
No contexto dos sistemas integrados de produção agrícola e pecuária
no ambiente subtropical brasileiro, ao decidir por determinado manejo, deve-
se também ter em mente as principais resistências dos produtores e técnicos
para adotar a produção integrada, o que levou à formação do Grupo de
Pesquisas em Integração Lavoura-pecuária da UFRGS e à instalação do
protocolo experimental, em 2001 (Figura 4). Entretanto, muitas dúvidas ainda
hoje persistem, como a possibilidade de compactação do solo pelo tráfego
animal e de máquinas e implementos agrícolas e a quantidade de resíduo
que permanece na lavoura para a sustentabilidade do plantio direto. Dessa
forma, neste Capítulo, serão utilizados, do protocolo experimental descrito
anteriormente, somente o tratamento sem pastejo (SP) e os tratamentos de
pastejo moderado (média de 20 e 30 cm de altura do pasto). O SP representa
a situação de plantio direto com plantas de cobertura no inverno (plantio
direto puro), que corresponde a uma área de aproximadamente 4 milhões
de ha no subtrópico brasileiro; e o pastejo moderado (três animais ha-1)
retrata a maneira de condução de misturas de aveia preta+azevém que mais
traz benefícios ao sistema integrado ao longo do tempo (Carvalho et al.,
2011), aqui denominado de “Bom pastejo” (BP).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
349Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Indicadores do estado físico do solo e suas relações
O pisoteio dos animais, quando o sistema é mal manejado tem, de fato,
potencial para causar compactação no solo (Greenwood & McKenzie, 2001).
Essa compactação pode ser agravada quando o solo está com umidade
acima do seu limite de friabilidade e quando do uso de taxas de lotação
excessivas. O desafio reside em manejar máquinas e animais no sentido de
que não se comprometa a produtividade e a sustentabilidade do sistema
produtivo e do ambiente.
Como a compactação influencia simultaneamente várias características
e propriedades do solo, os seus atributos físico-hídricos são apresentados
(Quadro 7) e discutidos em conjunto. Observa-se, nesse quadro, pequeno
aumento na densidade, por efeito do pisoteio, que se refletiu nos demais
atributos a ela relacionados: porosidade total, resistência à penetração, força
de tração, pressão de pré-consolidação, umidade volumétrica e infiltração
de água no solo. Pela magnitude dos efeitos, o que de fato ocorreu foi apenas
adensamento do solo, não havendo distinção de rendimentos de soja entre
as intensidades de pastejo (Quadro 7). Os efeitos nas condições físicas do
solo foram pequenos porque a lotação utilizada foi moderada em relação à
disponibilidade de pasto, o que proporcionou melhor distribuição das forças
exercidas pelo pisoteio no solo, em razão da cobertura de pasto existente
(3,60 Mg ha-1). É importante ressaltar, entretanto, que esses efeitos no
adensamento do solo são reversíveis, pois a densidade, principalmente, e a
macroporosidade na camada superficial (0-5 cm), que mais sofreu
interferência de pisoteio, retornam à condição original a cada cultivo da soja
(Quadro 8). Isso também foi observado por Conte (2011), em mapas de
resistência mecânica do solo à penetração, elaborados após os ciclos de
pastejo e soja, inclusive no tratamento de pastejo intenso, manejo do pasto
a 10 cm de altura. Ressalta-se, também, o efeito positivo das raízes das
gramíneas (aveia preta + azevém), na estrutura do solo, cujo crescimento é
estimulado pela presença do animal (Figura 8). O resultado final é que a
produtividade da soja é pouco influenciada pela presença do animal no ciclo
precedente (Quadro 7).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.350
Quadro 7. Indicadores físico-hídricos e rendimento de soja em razão do manejo
de sistema de integração com pecuária de corte, em plantio direto, no
subtrópico brasileiro
Quadro 8. Indicadores físicos do solo influenciados pelo manejo do sistema
de integração soja-pecuária de corte após pastejo e após soja, em
plantio direto, no subtrópico brasileiro (profundidade de 0-5 cm e média
de cinco anos)
Deve ser destacado que, em sistemas de produção integrada, a
compactação moderada, advinda da inserção animal em um solo já cultivado
no SPD, promove re-organização do solo, possibilitando rendimentos
semelhantes às áreas sem animais. Tal comportamento segue a linha da
compactação benéfica do solo, em que a planta é sujeita a um estresse
moderado (eu-stress),ativador e estimulador, sendo elemento positivo para
o seu desenvolvimento (Lichtenthaler, 1996).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
351Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Figura 7. Desenvolvimento de raízes de aveia preta mais azevém no solo em
razão do pastejo em integração soja-pecuária de corte, em plantio direto,
no subtrópico brasileiro.
Fonte: Souza (2008).
Recentemente, surgiram indicadores de qualidade física do solo que
buscam incorporar alguns componentes do contínuo solo-planta-animal-
máquina-atmosfera. Dentre esses, o intervalo hídrico ótimo (IHO) apareceu
como ferramenta promissora pela abordagem multidisciplinar (Letey, 1985),
contemplando vários atributos físicos do solo. Todavia, o impacto positivo da
compactação “moderada” do solo no rendimento das plantas, descrito pela
relação matemática entre o rendimento relativo e a densidade relativa do
solo (Reichert et al., 2009), traz indagações quanto à forma em que a
densidade do solo influencia o IHO. De modo geral, com o aumento da
densidade do solo, o intervalo decresce de um valor máximo até zero
(Tormena et al., 2007; Klein & Camara, 2007; Kaiser et al., 2009).
O uso do IHO como indicador de qualidade física do solo no protocolo
experimental (Figura 8) não forneceu respostas concordantes com a
“percepção” da planta (repostas de natureza biológica). Esse resultado
corrobora com a recente revisão em âmbito nacional efetuada por Gubiani
et al. (2013), dados em preto na figura 8, sobre a associação do IHO com
as plantas. As principais críticas sobre esse indicador dizem respeito à
possibilidade de descrever os mecanismos controladores do crescimento,
por meio de funções matemáticas empíricas e à utilização de limites
abrúpticos (limites críticos), tanto os superiores (porosidade de aeração e
água volumétrica) como os inferiores (resistência à penetração e,
especialmente, ponto de murcha permanente), na continuidade dos
processos fisiológicos.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.352
Figura 8. Relação do rendimento relativo de diferentes culturas (arroz, trigo,
soja, milho e feijão) em diferentes solos, manejos e condições climáticas
com a razão densidade do solo/densidade crítica, (Ds/Dsc IHO) medida
pelo IHO. Modificado de Gubiani et al. (2013) com a inclusão de dados do
sistema de integração lavoura-pecuária (ILP).
Fonte: Grupo ILP/UFRGS (2011).
Da mesma forma, o índice S, obtido pela declividade da curva de retenção
de água no solo (Dexter, 2004), na forma em que vem sendo utilizado (Maia,
2011), também não tem sido promissor quanto à sua utilidade em expressar
a qualidade do solo (Jong van Lier, 2012).
Percebe-se que as ferramentas utilizadas atualmente para avaliar a
qualidade física do solo são insuficientes diante dos processos atuantes.
Assim, não se pode explicar sua ineficiência pela complexidade do sistema,
uma vez que advém da dificuldade no entendimento a despeito das pontes
existentes entre parâmetros bio, fisiológicos e hidromecânicos em sistemas
abertos. Há, então, superveniência das inter-relações entre os processos que
resultam na produção de biomassa (parte aérea e raízes), grãos e fibras nesses
sistemas, em relação a indicadores empíricos da qualidade física do solo.
Na ressurgência dos sistemas integrados de produção agrícola e
pecuária de longa duração (10 ou mais anos), com o sustentáculo do manejo
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
353Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
conservacionista do solo e da produção diversificada, não mais cabem
abordagens disciplinares simplistas, mas sim entendimento aprofundado
dos processos. Nesse contexto, indicadores de qualidade física do solo
devem abordar os fluxos de ar, água e temperatura no sistema. Dentre esses,
visualizam-se a eficiência de utilização de água - EUA (Gregory et al., 2000),
a produtividade hídrica - PH (Rockström et al., 1999; Peden et al., 2007) e o
índice de estresse hídrico - ISH (Idso & Reginato, 1982), como indicadores
do impacto de determinado sistema de produção integrada no contínuo solo-
planta-atmosfera.
Embora possam demandar ajustes em razão das condições
edafoclimáticas e das políticas socioeconômicas, o contexto desses
indicadores de funcionamento do solo induz à visão mais sistêmica em
sistemas integrados de produção. Daí, depreende-se que encontrar um
indicador físico-hídrico de qualidade do solo, exprimindo sua trabalhabilidade
(resistência e resiliência) e interação com as plantas em um sistema aberto,
contemplando os fatores bióticos e abióticos, deve ser o foco para avaliar os
fluxos energéticos que regem a produção de alimentos. Independentemente
do viés tomado, a água persiste como componente central do funcionamento
de sistemas integrados de produção de alimentos. É indispensável, dessa
forma, o entendimento quanto à permissividade do solo à sua acomodação,
transferência e absorção pelas plantas (Karlen & Stott, 1994).
Indicadores do estado químico do solo e suas relações
Dentro do conceito químico-mineralista da fertilidade do solo, distinguem-
se atributos relacionados à acidez e à disponibilidade de nutrientes para as
plantas. Assim, a partir da análise inicial do solo, o calcário foi aplicado na
superfície sem incorporação e avaliado o seu efeito nos atributos de acidez
em profundidade a cada seis meses; o seu efeito máximo ocorreu aos 24
meses da aplicação, em ambas as camadas (0-10 e 0-20 cm), e foi efetivo
na correção da acidez do solo (Flores et al., 2008), pela elevação do pH e
saturação por bases e diminuição da saturação por Al, indistintamente da
presença ou não dos animais (Quadro 9). O pH (5,4) na camada superficial
(0-10 cm) foi muito próximo ao desejado (5,5), porém com valores de saturação
por bases mais baixos (54 e 56 %) e por Al mais elevados (6 e 5 %), em
relação aos desejados (65 e 0 %, respectivamente) (Quadro 9). Após esse
período (24 meses), o efeito da calagem passou a regredir de forma
diferenciada, sendo menos acentuado na presença dos animais em todos
os atributos avaliados (Flores et al., 2008).
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.354
Quadro 9. Indicadores químicos relacionados à acidez do solo influenciados
pelo pastejo de bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico
brasileiro
Uma das razões da instalação do protocolo experimental era também
responder ao temor de que o pisoteio animal, por efeito de compactação do
solo, pudesse restringir o aprofundamento no solo das partículas finas de
calcário, pela infiltração da água, e diminuir sua eficiência na correção da
acidez no seu perfil. Assim, no máximo de reação do calcário, 24 meses,
houve ação diferenciada em profundidade, atingindo camadas mais profundas
na presença dos animais para todos os atributos analisados (Quadro 10).
Esse efeito em profundidade, mesmo na ausência dos animais (plantio direto
puro) de 12,5 cm por ano (25 cm em dois anos) é pouco maior do encontrado
por Caires (2000), de 10 cm por ano (20 cm em dois anos), e ambos maiores
do citado por Anghinoni & Salet (2000), na média de quatro experimentos
em cinco tipos de solos em plantio direto puro, que foi de 2,5 cm por ano (10
cm em quatro anos).
O efeito rápido do calcário em profundidade tem sido atribuído à descida
de partículas finas pelos bioporos e megaporos, cuja continuidade no solo é
preservada no plantio direto (Pavan, 1994; Gassen & Kochhann, 1998; Amaral
et al., 2004), pela liberação de ácidos orgânicos simples (Miyazawa et al.,
2000) fúlvicos e húmicos (Salet, 1998; Salet et al., 1999), oriundos na
decomposição dos resíduos das plantas e dos componentes do húmus do
solo. O maior efeito, em profundidade, da calagem superficial na presença
dos animais, pode ser atribuído à liberação adicional desses ácidos orgânicos
simples, na decomposição do esterco e da urina (Baziramakenga & Simard,
1998) e da sua exsudação pelas raízes do pasto, por efeito do pastejo. A
produção contínua de ácidos orgânicos hidrossolúveis (de baixopeso
molecular), pela decomposição de resíduos orgânicos frescos, também
complexa os cátions divalentes (cálcio e magnésio) na forma neutra (CaL0
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
355Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
ou MgL0) ou negativa (CaL- ou MgL– (Miyazawa et al., 1993). A alteração de
carga, mediante a formação de pares iônicos, facilita a mobilidade do
complexo até a camada subsuperficial, onde os cátions são deslocados
pelo Al, uma vez que formam complexos mais estáveis com esse elemento,
especialmente em condições de alta disponibilidade de P no solo (Nolla &
Anghinoni, 2006), diminuindo sua toxicidade às raízes (Pavan & Roth, 1992;
Miyazawa et al., 2000).
Quadro 10. Correção da acidez e descida de cátions básicos no perfil do solo
após 24 meses da aplicação de calcário na superfície em integração
soja-bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro
Indicador de acidez
Pastejo
Sem Com
cm
pH (H
2
O) 15 17,5
Ca2+ (cmol
c
 kg-1) 15 25
Mg2+ (cmol
c
 kg-1) 7,5 10
Saturação por Al (%) 12 15
Saturação por bases (%) 20 25
Fonte: Flores et al. (2008).
A matéria orgânica é utilizada nos Estados do RS e SC como indicador da
disponibilidade de N às plantas. Esse indicador teve seu teor aumentado nas
duas camadas (0-10 e 0-20 cm) de solo, com o tempo de condução do protocolo
experimental (Quadro 11). Não houve, entretanto, diferenciação entre as áreas
pastejadas ou não, uma vez que a quantidade de resíduos remanescente foi
pouco diferenciada nas duas áreas (Quadro 12). Os teores iniciais de P e K
disponíveis, que já eram elevados, 120 e 180 mg dm-3, respectivamente, e acima
daqueles considerados críticos, 6,0 e 90 mg dm-3, respectivamente, também
aumentaram com o tempo, porém de forma diferenciada, sendo o aumento
maior nas áreas sem pastejo (Quadro 11), apesar das quantidades adicionadas
pela adubação terem sido as mesmas. Menores teores desses nutrientes nas
áreas pastejadas, especialmente K, estão relacionados à sua maior ciclagem
no sistema (Quadro 12), via animal, que, após passar pelo trato digestivo, é
devolvido ao solo na forma de esterco e de urina.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.356
Quadro 1 1. Disponibilidade de nutrientes em camadas de solo influenciada
pelo pastejo por bovinos de corte em integração com soja, em plantio
direto, no subtrópico brasileiro
Da mesma forma, os teores de Ca e Mg trocáveis eram elevados no
início (Quadro 11) e acima dos considerados deficientes (2,0 e 0,5 cmol
c
dm-3, respectivamente), aumentando de forma similar entre as áreas, mesmo
que a saturação por bases tenha diminuído com o tempo (Quadro 9). Essa
diminuição pode ser atribuída ao processo de reacidificação do solo, a partir
dos 24 meses da aplicação de calcário. É importante ressaltar que, apesar
das diferenças entre a disponibilidade de nutrientes e a presença de níveis
de acidez altos (Quadro 9), o rendimento da soja foi pouco influenciado
pelas alturas de manejo do pasto (Quadro 7). Os rendimentos representam
a média colhida em oito safras (Carvalho et al., 2011), sendo algumas delas
muito desfavoráveis, como historicamente tem ocorrido no subtrópico
brasileiro (Figura 3). Anos de frustração de safra ocorrem por déficit hídrico,
como indicam as variações verificadas no protocolo experimental, entre 1,19
e 4,05 Mg ha-1 de grãos (Carvalho et al., 2011). Da mesma forma, é importante
observar que rendimentos elevados de grãos (até 4,05 Mg ha-1) são obtidos
em condições de alta acidez do solo (Quadro 9). É por essa razão que as
recomendações de calagem para os Estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina (CQFS RS/SC, 2004) utilizam critérios diferenciados, tanto na
implantação do sistema plantio direto como em sua fase consolidada.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
357Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
Quadro 12. Produção e exportação de produtos e resíduos no sistema soja-
bovinos de corte, em plantio direto, no subtrópico brasileiro
Indicadores do estado biológico do solo e suas relações
Os indicadores biológicos avaliados neste trabalho estão relacionados
com a atividade microbiana no solo. Assim, mesmo que os teores de C e N
na biomassa microbiana tendam a ser maiores no tratamento sem pastejo,
a sua atividade, medida por diversos atributos funcionais (Quadro 13), é
menor em relação às áreas pastejadas. O diferencial nessas áreas com
animais é a circulação da forragem ingerida via esterco e urina, que servem
de fonte de energia aos microrganismos do solo, aumentando a intensidade
dos fluxos de matéria e energia. Além disso, especialmente em pastagem
de gramíneas, a maior quantidade de raízes nas áreas pastejadas (Figura 7)
resulta em maior proporção de solo rizosférico. Como referido anteriormente,
a ação do pastejo provoca liberação de ácidos orgânicos simples na superfície
das raízes (exsudatos), que também estimulam a formação de biomassa
microbiana e, por consequência, a sua atividade no solo.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.358
Quadro 13. Indicadores biológicos de solo em integração soja-bovinos de
corte em plantio direto, no subtrópico brasileiro
Indicador biológico(1)
Pastejo
Sem Com
Carbono microbiano (mg C kg-1 de solo) 420 410
Nitrogênio microbiano (mg C kg-1 de solo) 26 24
Biomassa microbiana (mg C kg-1) 465 574
Respiração basal (mg kg-1 dia-1 de C-CO
2
 no solo) 5,2 5,4
Quociente metabólico (mg C-CO
2
 mg-1 C dia-1 x 10-3) 12,5 14,3
(1) Média de quatro avaliações no ciclo de pastagem em 2007.
Fonte: Souza et al. (2010)
Medidas que relacionam a perda de C e que permitem avaliar se
determinado manejo está provocando estresses são importantes no processo
de avaliação da sustentabilidade do solo. À medida que a atividade biológica
se torna mais eficiente e menos C é liberado pela respiração, uma significativa
fração é incorporada no tecido microbiano. Dessa forma, solos com baixo
quociente metabólico (qCO
2
) estariam mais próximos ao estado de equilíbrio,
quando incorporam C na biomassa microbiana, contribuindo para a redução
de C na atmosfera (Carvalho et al., 2011).
Indicadores de manejo do solo e suas relações
Consideram-se como indicadores de manejo do solo, aqueles que são
diretamente influenciados pela forma de condução do sistema de produção. De
todos os componentes do solo, a matéria orgânica é, certamente, o
compartimento central e mais importante (Figura 6), pois altera direta ou
indiretamente todos os atributos (físicos, químicos e biológicos) que determinam
as características e propriedades do solo. Dessa forma, o conhecimento dos
estoques e da labilidade de C e de nutrientes é de grande utilidade para se
conhecer o potencial de seu suprimento às plantas (via ciclagem), no sentido
de atender a demanda para o sistema de produção agrícola e pecuária. Como
as alterações no estoque da matéria orgânica estabilizada (húmus), para mais
(balanço positivo) ou para menos (balanço negativo), são lentas, as suas frações
lábeis, no caso, as particuladas e a biomassa microbiana têm sido utilizadas
como indicadores importantes de avaliação do efeito do manejo. De acordo
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
359Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
com tais indicadores (Quadro 14), alguns (estoques de C e N total e P microbiano)
não foram alteradas, alguns (C lábil e microbiano e C e N microbiano) foram
pouco e os outros (P total e lábil) foram muito alterados, ocorrendo, nestes
últimos, maiores valores nas áreas sem pastejo.
Quadro 14. Indicadores de manejo do solo (camada de 0-20 cm) influenciados
pelo manejo em sistema de integração soja-pecuária de corte, em plantio
direto, no subtrópico brasileiro
Indicadores do sistema solo e suas relações
Talvez a dificuldade de encontrar um único indicador do sistema
(sistêmico) solo resida no fato de se permanecer focado em “produzir mais
sem causar danos ao meio ambiente”. Há, dessa maneira, antagonismo na
definiçãodas funções do solo na natureza, como “capacidade do solo em
sustentar e fornecer nutrientes, água e oxigênio às plantas, enquanto mantém
suas funções ecossistêmicas”, pois qualquer sistema de produção altera
os fluxos energéticos do local ocupado. A qualidade do solo, nesse prisma,
seria a sua capacidade em suportar sistemas de manejo que possibilitem
elevados rendimentos com o mínimo impacto possível nos ecossistemas
que os circundam. Dessa forma, devem-se buscar sistemas de produção de
alimentos equilibrados, em que haja balanço favorável nas entradas e saídas
de nutrientes e de energia, e em que o solo participe tanto na ciclagem de
nutrientes como na ciclagem hídrica, principalmente como fonte em vez de
dreno. Dentro dessa visão, não há dreno, mas sim a retomada do princípio
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.360
de que “na natureza tudo se transforma”. No contexto deste trabalho,
consideram-se como indicadores sistêmicos do solo o estado de agregação
(Karlen & Stott, 1994), a diversidade biológica (Doran & Parkin, 1994) e o
Índice de Manejo de Carbono (IMC) (Blair et al., 1995), por refletirem
propriedades agregadas ou de funcionamento do sistema (Diekow et al.,
2005).
A estabilidade de agregados decorre da aproximação e cimentação das
partículas do solo mediante atuação de diversas substâncias de natureza
mineral e orgânica, por meio de mecanismos físicos, químicos e biológicos
(Silva & Mielniczuk, 1998). Em curto espaço de tempo, a estabilidade dos
agregados de um solo está mais relacionada às mudanças nos constituintes
orgânicos do que à própria matéria orgânica; em sua expressão, pelo
Diâmetro Médio Ponderado (DMP), revela maior agregação do solo na
presença dos animais (Quadro 15). Considerando-se não haver diferenças
importantes nos indicadores biológicos (Quadro 13) e nem dos indicadores
de manejo do solo (Quadro 14), parece que a presença dos animais estimula
o processo de agregação, com a dominância de agregados maiores (maior
energia) e mais estáveis, por causa da proteção (física e química) dos
compostos orgânicos. A microbiota do solo (quantidade e diversidade), nesse
contexto, é crítica para o processo de agregação e, na presença do pastejo,
foi observado maior valor do Índice de Shannon, que expressa diversidade
microbiana funcional (Quadro 15). Esse índice é elevado mesmo na área
sem pastejo, quando comparado a sistemas de manejo com culturas
comerciais exclusivas ou em sucessão a plantas de cobertura em regiões
temperadas, que variam de 2,0 a 4,5 (Papatheodorou et al., 2008; Jacinthe
et al., 2010).
Quadro 15. Indicadores do sistema solo (camada de 0-20 cm) em função do
manejo em sistema de integração soja-pecuária de corte, em plantio
direto, no subtrópico brasileiro
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
361Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...
O IMC, uma medida relativa da labilidade de C da matéria orgânica, a
fração mais alterada pelo manejo (C orgânico particulado), tem sido utilizado
como indicador de qualidade do solo (Blair et al., 1995). O IMC permite
avaliar a dinâmica dos processos em relação à perda ou ao ganho de C, isto
é, a sustentabilidade dos sistemas. O maior valor de IMC (Quadro 15) no
tratamento pastejado (107) em relação ao sem pastejo (100) indica maior
preservação de C no sistema.
A maior diversidade funcional da comunidade microbiana sugere que o
sistema se encontra em estado de maior instabilidade termodinâmica, o
que imprimiria a esse maior capacidade de organização (agregação). No
enfoque sistêmico da integração lavoura-pecuária em plantio direto, os
indicadores de funcionamento do sistema solo (Quadro 15) revelam a ação
sinérgica da presença dos animais, que reciclam o material vegetal e
modificam a dinâmica da ciclagem dos nutrientes, o que favoreceria o
surgimento de propriedades novas, ditas emergentes (Odum, 1988), como
a própria fertilidade, definida como a capacidade do solo em produzir
abundantemente (Nicolodi, 2007).
FERTILIDADE DO SOLO, CICLAGEM DE
NUTRIENTES E ADUBAÇÃO DE SISTEMA
Fertilidade do solo: conceito e evolução com o manejo
O conceito de “fertilidade do solo” surgiu antes mesmo do entendimento
do próprio solo e está relacionado ao desenvolvimento da humanidade, desde
a Antiguidade, quando o homem passou a depender do cultivo da terra.
Segundo o conceito mineralista vigente (Curi et al., 1993), a fertilidade é
definida como a habilidade do solo em fornecer nutrientes essenciais, em
quantidades e proporções adequadas para o crescimento das plantas
(sobretudo um conceito químico).
O uso efetivo da análise do solo, como base para a recomendação de
adubação e calagem, especialmente para grãos comerciais no Brasil, teve
início na década de 1970. Os benefícios principais foram os incrementos
em produtividade com retorno econômico, em solos de baixa fertilidade
natural. A partir disso, houve contribuição importante na ampliação da fronteira
agrícola no País, especialmente pela exploração dos solos do Cerrado.
No entanto, a adoção de práticas agrícolas denominadas nocivas,
descritas anteriormente, acelerou os processos de degradação do solo.
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
Ibanor Anghinoni et el.362
Mesmo diante das melhorias nos atributos químicos do solo pela adubação
e calagem, as duas boas características originais, e antes estáveis, matéria
orgânica e estrutura, foram gradativamente destruídas. Tal retrocesso
acarretou em mudanças para manejos conservacionistas de solo,
especialmente o plantio direto, com alicerce na redução do preparo do solo
e a substituição da queima da resteva pela adoção de culturas de cobertura.
Essa mudança no manejo do solo teve reflexos positivos sobre a redução
das perdas do solo por erosão, o aumento na eficiência dos fertilizantes e
corretivos e na qualidade do solo.
No sistema plantio direto, são utilizadas culturas produtoras de grãos,
para a sustentação econômica do estabelecimento agrícola, e plantas de
cobertura, para a produção de biomassa vegetal. A questão que se coloca,
especialmente na situação de plantio direto consolidado (> 10 anos), é como
perceber a fertilidade do solo, com histórico de cultivo em rotação e sucessão
de culturas por longo período, e como manejar a adubação e a calagem
para o sistema de produção de culturas comerciais. Isso porque a evolução
do sistema plantio direto passa por diferentes fases (Sá, 1999),
caracterizadas, inicialmente, pelo rearranjo da estrutura, reestabelecimento
da biomassa microbiana, acúmulo de palhada, passando, a partir da superfície
do solo, a acumular nutrientes, aumentar C e N orgânicos e CTC e, finalmente,
por um fluxo contínuo e elevada ciclagem de nutrientes e de água, com
menor exigência, especialmente N e P para as culturas. Nesse ambiente, a
produtividade das culturas pode aumentar substancialmente com o tempo
no sistema plantio direto (propriedade emergente), com os mesmos níveis
de fertilidade química do solo e quantidade de adubos (nutrientes)
adicionados.
Depreende-se que, nesse novo ambiente, deve-se abordar o sistema
solo de forma sistêmica e entender, assim, como os processos se
complementam. O solo pode, então, ser interpretado com base na teoria
dos sistemas abertos, afastados do equilíbrio termodinâmico. Nessa
condição, a dependência da continuidade do fluxo de matéria e energia
(resíduos orgânicos) determina o processo de auto-organização do solo,
que não pode ser descrito por relações lineares, com predominância dos
efeitos das interações sobre os efeitos dos fatores isolados, e possui a
dinâmica de sistemas caóticos, que promovem a mudança dos níveis de
ordem com o tempo (Addiscot, 1995; Mielniczuk et al., 2003; Vezzani &
Mielniczuk, 2009). Assim, o solo pode ser considerado como uma rede de
relações complexas entre os subsistemas mineral, vegetal e biológico. O
subsistema vegetal introduz a energia e a matéria necessárias para o seu
Tópicos Ci. Solo, 8:325-380, 2013
363Abordagem Sistêmica do Solo em Sistemas Integrados de Produção Agrícola e...

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