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Vulvovaginites e Cervicites Introdução O corrimento vaginal é uma queixa comum, em especial nas mulheres em idade reprodutiva, sendo que as vulvovaginites correspondem a importantes causas para esses corrimentos. Destaca-se que nem todo corrimento é patológico, pois há o corrimento branco/transparente e fluido que é fisiológico do trato reprodutivo. Além disso, outros corrimento ocorrem na vaginite descamativa, vaginite atrófica e corpo estranho. Conteúdo Vaginal Fisiológico O corrimento vaginal normal é composto por transudato vaginal, células descamadas, leucócitos, microrganismos e leucócitos, assumindo o aspecto branco/transparente e fluido que é dinâmico ao longo do ciclo menstrual. Microbiota vaginal: a biota vaginal fisiológica inclui Lactobacillus, Streptococcus agalactiae, Gardnerella vaginalis, Enterococcus, Bacteroides, Mycoplasma hominis e Ureaplasma sp, e até Candida sp. Essas bactérias, em especial os lactobacilos, produzem o peróxido de hidrogênio (microbicida) e ácido lático, acidificando o pH vaginal (4-4,5). Logo, algumas das vulvovaginites como candidíase e vaginose surgem da perda do equilíbrio endógeno entre esses componentes, podendo inclusive alterar o pH fisiológico da vagina. Abordagem Clínica Durante a consulta, é importante que a paciente seja orientada quanto às causas de corrimento, inclusive o fisiológico, bem como questionar algumas alterações. Anamnese: a investigação da queixa de corrimento deve ter como guia questionar sobre a consistência, cor e as alterações no odor do corrimento, bem como se é associado a prurido e irritação local. Além disso, são úteis na anamnese informações como as práticas sexuais, data da última menstruação, práticas de higiene vaginal e medicações sistêmicas e locais em uso corrente. Exame ginecológico: deve-se examinar a genitália externa e região anal, realizar o exame especular e se disponível, o teste do pH vaginal. Também se deve coletar material para o teste das aminas (positivo se mau odor após colocar uma gota de KOH 10% sobre a amostra do corrimento). Se disponível, coletar o material endocervical para cultura de Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae. Candidíase Vulvovaginal Segunda vulvovaginite mais frequente, sendo causada por espécies de Candida, em especial C. albicans (até 92% dos casos), mas também C. krusei, C. glabrata, C. parapsilosis e C. tropicalis. Em geral, mais sintomática que a vaginose bacteriana e por isso é queixa frequente. Epidemiologia: 75% das mulheres irão apresentar ao menos um episódio de candidíase, sendo recorrente em 5% dos casos (4 ou mais episódios sintomáticos em um ano). Fatores de risco para a doença incluem gravidez, obesidade, diabetes mellitus, uso de corticóides, HIV e imunodeficiências. Há também o uso de contraceptivos orais e antibióticos, contato com irritantes na vagina e hábitos e roupas que aumentem o calor e umidade locais (calças jeans, umidade após piscina). Fisiopatologia: as espécies de Candida são comensais no trato genital de até 20% das mulheres, porém, associada a fatores de risco, o fungo inicia a se proliferar de forma acelerada, mantendo a microbiota de lactobacilos e com isso, gerando inflamação sem alteração do pH vaginal. Quadro clínico: em geral tem sintomatologia exuberante, com prurido vulvovaginal intenso, disúria, ardor local, dispareunia de penetração, corrimento branco grumoso semelhante a leite coalhado ou queijo cottage e sem odor característico, podendo haver relato de piora antes da menstruação (maior acidez). Ao exame físico, pode haver eritema e edema na vulva, escoriações e fissuras, além de corrimento branco, espesso, aderido às paredes da vagina que são hiperemiadas, estando o colo normal. Diagnóstico: embora idealmente seria necessário o exame microscópico, geralmente o diagnóstico é clínico e assertivo, associando o corrimento às queixas da paciente. À microscopia com KOH a 10% para eliminar outras células, observam-se pseudohifas, sendo que o pH vaginal é normal. A cultura está indicada em casos de candidíase recorrente, buscando espécies não-albicans. Um diagnóstico diferencial é a vaginose descamativa. Tratamento: a primeira opção é com miconazol a 2% ou outros imidazólicos durante a noite por 7 dias ou nistatina 100.000 UI via vaginal por 14 dias. Na falha desse, usa-se 150 mg de fluconazol via oral em dose única ou itraconazol 200 mg (2 comprimidos de 100 mg) via oral 2x por 1 dia. Nas gestantes, contraindica-se a terapia oral. Em casos recorrentes ou complicados (não-albicans e comorbidades), deve-se investigar doenças sistêmicas e realiza-se o tratamento tópico por 14 dias ou fluconazol oral 150 mg nos dias 1,4 e 7 com manutenção semanal durante seis meses. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Vulvovaginites e Cervicites Vaginose Bacteriana É a desordem mais frequente do trato genital inferior, sendo caracterizada por mudanças da flora vaginal com perda de lactobacilos e proliferação de outras bactérias, entre elas: G. vaginalis, Mobinculus e Bacteroides. Epidemiologia: é a vulvovaginite mais comum no mundo, sendo uma infecção interna e não-sexualmente transmissível que atinge até 50% das mulheres durante o menacme. Merece destaque por facilitar a contração de IST’s incluindo o HIV e poder trazer complicações à gravidez (corioamnionite, prematuridade e endometrite pós-cesárea) e maior chance de doença inflamatória pélvica durante a inserção do DIU ou curetagem. Fisiopatologia: a redução dos lactobacilos vaginais gera a redução na produção do peróxido de hidrogênio, o que favorece a proliferação de anaeróbios com destaque para G. vaginalis. Uma vez que proliferam, os anaeróbios podem produzir aminas voláteis, que aumentam o pH vaginal para acima de 4,5 e tem odor característico. Quadro clínico: cerca de 50% das pacientes são assintomáticas e não há inflamação (por isso o termo vaginose). Quando sintomática, inclui corrimento vaginal de cor branca perolada ou acinzentada e homogênea, com odor fétido pelas aminas (putrescina, cadaverina), e pode haver odor mais evidente após coito (o sêmen é básico) ou menstruação. Isoladamente, não causa disúria, dispareunia ou prurido. Diagnóstico: se microscopia disponível, é feito pela presença de três dos critérios de Amsel: corrimento vaginal homogêneo, pH vaginal > 4,5, presença de clue cells (cocobacilos ligados a células do epitélio vaginal) no exame a fresco e teste das aminas (Whiff) positivo. O padrão ouro é a coloração de gram do fluido vaginal, quantificando os lactobacilos, bacilos curvos e outras bactérias como Gardnerella (vaginose se >7 pontos). Tratamento: feito com metronidazol vaginal 100 mg/g por 5 dias (um aplicador cheio) ou metronidazol 500 mg (2 comprimidos) 2x ao dia durante 7 dias. A segunda opção é a clindamicina, 300 mg duas vezes ao dia por 7 dias. Esse mesmo esquema terapêutico é indicado na gestação. O metronidazol, mesmo por via tópica, resulta em efeito antabuse se ingerido em conjunto com álcool. Tricomoníase Tricomoníase é uma infecção sexualmente transmissível, sendo a IST não-viral mais comum, que é provocada pelo protozoário flagelado Trichomonas vaginalis, que infecta vagina, colo uterino e uretra gerando inflamação. Epidemiologia: entre as vulvovaginites, é a terceira em prevalência, embora possua importância por se tratar de uma IST que favorece a contração de outras doenças, incluindo o HIV por inflamar a mucosa e deixá-la mais suscetível. Como fator de risco para sua contração, está a atividade sexual desprotegida. Fisiopatologia: esse protozoário infecta os sítios com epitélio escamoso do trato geniturinário, incluindo vagina, uretra, glândulas parauretrais e colo uterino. Uma vez no local, o parasito se adere às células do epitélio local e gera morte celular, bem como uma intensa reação inflamatória que pode vir acompanhada de alterações do microbioma vaginal, favorecendo a vaginose bacteriana. Além disso, a reação inflamatória crônica pode levar a complicações como infertilidade. Quadro clínico: assintomática em até 50% das mulheres, quando sintomática,gera corrimento abundante, amarelo ou amarelo-esverdeado e bolhoso, acompanhado de prurido ou irritação vulvar (em geral menos intenso que a candidíase), dispareunia de penetração e sinusorragia, podendo apresentar ainda dor pélvica e sintomas como disúria e polaciúria. Ao exame da vulva, não costumam se notar alterações, mas o exame especular pode revelar (30% dos casos) corrimento amarelo bolhoso e de odor fétido além do colo em framboesa ou morango (2% a olho nu), caracterizada pela presença de colo uterino hemorrágico ou de aspecto tigróide no teste de Schiller. Complicações: pode haver uretrite, cistite, maior chance de contração do HIV e infertilidade. Em gestantes, por se associar à vaginose, pode induzir parto prematuro. Diagnóstico: nesse caso, exame microbiológico à fresco é essencial, permitindo visualizar o T. vaginalis em Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Vulvovaginites e Cervicites grande mobilidade. Esse exame é importante já que o teste das aminas é positivo e o pH vaginal em geral também é básico (exsudação e vaginose associada). Caso não seja visualizado pelo exame a fresco, pode ser necessária a cultura em Diamond ou testes moleculares. Caso seja observada de modo acidental na colpocitologia, deve-se repetir o exame após tratada. Tratamento: nesses casos o tratamento é sistêmico com metronidazol via oral (2 g em dose única ou 500 mg 12/12 h por 7 dias), sendo necessário também tratamento de parcerias. O tratamento é o mesmo para gestantes e em pessoas com HIV, pode haver interação entre o metronidazol e o ritonavir (aguardar 2 horas entre eles). Cervicite A endocervicite ou cervicite mucopurulenta é uma inflamação que acomete o endocérvice uterino, sendo causada principalmente por Chlamydia trachomatis (bacilo gram-positivo intracelular obrigatório) e Neisseria gonorrhoeae (diplococo gram-negativo). Mais raramente, é causada por M. hominis, Ureaplasma urealiticum, T. vaginalis e herpes-simplex. Epidemiologia: tratam-se de IST’s, de forma que a transmissão é sexual e sem preservativo, sendo mais frequentes em adolescentes e mulheres abaixo de 25 anos. A multiplicidade de parceiros sexuais, antecedentes de IST’s, imunossupressão e baixo nível socioeconômico são condições predisponentes. Quadro clínico: em até 80% dos casos, podem ser assintomáticas, mas se sintomáticas, pode apresentar corrimento vaginal, metrorragia e sinusorragia, dispareunia, disúria, polaciúria e dor pélvica crônica. Ao exame físico, destaca-se dor a mobilização do colo uterino, corrimento mucopurulento do óstio externo uterino, edema e colo uterino hemorrágico à passagem da espátula. A presença de hemorragia no colo pode indicar o uso do ‘’teste do cotonete’’, que consiste no esfregaço desse material. Sintomas infrequentes incluem corrimento vaginal, febre, dor pélvica e dispareunia. Complicações: as principais complicações incluem a doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade. Na gestante, está relacionada a maior risco de prematuridade, perdas fetais, febre puerperal e retardo do crescimento intrauterino. Além disso, no neonato, a infecção gonocócica pode gerar conjuntivite (oftalmia neonatal, pode levar à cegueira), que pode complicar com sepse, artrite, abscessos, pneumonia e meningite. A infecção por clamídia no RN, além de conjuntivite que não responde à profilaxia neonatal (feita com nitrato de prata, povidona ou colírio de azitromicina), pode se manifestar com pneumonia no neonato. Diagnóstico: a coloração de gram tem sensibilidade muito baixa na mulher e não é indicada. Por isso, o teste diagnóstico padrão-ouro são exames de biologia molecular que são preconizados especialmente durante a primeira consulta do pré-natal. Caso a cervicite gonocócica seja sintomática, pode-se cultivar a secreção em meio Thayer-Martin por amostras endocervicais. Tratamento: a infecção por clamídia, é tratada com azitromicina (2 comprimidos 500 mg) ou clindamicina. Na infecção gonocócica, se não complicada, é feita com 500 mg intramuscular de ceftriaxona associada a 2 comprimidos de 500 mg de azitromicina; se disseminada, a ceftriaxona passa a ser 1g intramuscular ou endovenosa por 7 dias, mantendo a azitromicina. Na conjuntivite gonocócica do adulto, usa-se 1 g de ceftriaxona intramuscular e na conjuntivite neonatal, 25-50 mg/kg, além da profilaxia com nitrato de prata. Outras Vaginites Outros quadros vulvares incluem vaginoses e vaginites menos frequentes, mas que podem ser levantadas como diagnóstico diferencial e necessitar de terapia específica. Vaginite descamativa: vaginite purulenta crônica e não relacionada a cervicites e doença inflamatória pélvica. Não tem agente etiológico definido e pode ocorrer durante o climatério. Ela se caracteriza por conteúdo vaginal purulento, pH vaginal alcalino e microscopia que evidencia descamação com predomínio de células profundas, rico em polimorfonucleares (diferencial com a vaginose bacteriana) e sem lactobacilos). O tratamento é com clindamicina vaginal (2-5%) por 7 dias associada ou não a estrogênio tópico vaginal diário. Vaginose citolítica: caracterizada por excesso de lactobacilos, poucos leucócitos e citólise, podendo se associar à fase lútea do ciclo menstrual, gestação e diabetes. Caracterizada por prurido, leucorreia intensa, disúria e dispareunia. Como o quadro é semelhante à candidíase, em geral é necessário o achado de pH vaginal entre 3,5-4,5 e a microscopia. O tratamento é feito com duchas vaginais com 30 a 60 g de bicarbonato dissolvidos em 1 l de água duas vezes por semana até remissão (o objetivo é a alcalinização do pH vaginal). Vaginite atrófica: é uma condição que compõe parte da síndrome genitourinária da menopausa, ocorrendo principalmente na menopausa ou após ooferectomia. Ela se caracteriza por prurido, ardência local, dispareunia de penetração, conteúdo amarelo-esverdeado, disúria, polaciúria, infecção urinária de repetição e incontinência com o ressecamento dos grandes lábios, hiperemia local e palidez vaginal. O diagnóstico é clínico e o tratamento é com uso de cremes e estrógeno tópico. Gabriel Torres→ Uncisal→ Med52→ Vulvovaginites e Cervicites
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