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Sumário Prefácio 11 Agradecimentos 19 1. Introdução 21 Referências e Notas 27 2. Um Fim e um Começo: uma Dedicação · 29 Nota 42 3. O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais em um Relance 43 As Muitas Faces da Liderança 43 O Lobo Executivo 45 Referências e Notas 48 4. Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 49 A Visão Microscópica 49 A Visão Macroscópica 51 O Posto de Comando e suas Conexões 58 Referências e Notas 59 Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce 22 O CÉREBRO EXECUTIVO intacta. T udo isso muda quando a moléstia ataca os lobos frontais. O que é perdido então não é mais um atributo de sua mente. É a sua mente, seu cerne, seu eu. Os lobos frontais são as mais unicamente humanas de todas as estruturas do cérebro e desempenham um papel crítico no sucesso ou fracasso de qualquer empenho humano. O "erro de Descartes", para tomar de empréstimo a elegante expres são de Antonio Damásio 1 , consistia em acreditar que a mente tem uma vida própria, independente do corpo. Hoje uma sociedade culta não acre dita mais no dualismo cartesiano entre corpo e mente, mas nós abandona mos os vestígios do antigo equívoco em estágios. Hoje, poucas pessoas instruídas, não importa o quanto não informadas em neuro biologia, duvi dam que linguagem, movimento, percepção, memória, tudo isto de alguma forma resida no cérebro. Todavia, ambição, impulso, previsão, insight - esses atributos que definem a personalidade e essência da pes soa -são hoje vistos por muitos como, digamos, "extracranianos", como se fossem atributos de nossas roupas e não de nossa biologia. Estas quali dades humanas evasivas são também controladas pelo cérebro e, particu larmente, pelos lobos frontais. O córtex pré-frontal é o foco da pesquisa neurocientífica hoje, embora seja amplamente desconhecido dos não cientistas. Os lobos frontais desempenham as funções mais avançadas e comple xas de todo o cérebro, as assim chamadas funções executivas. Eles estão vinculados à intencionalidade, propósito e tomada de decisões comple xas. Eles alcançam desenvolvimento significativo apenas em humanos; pode-se dizer que eles nos tornam humanos. Toda a evolução humana foi denominada "a era dos lobos frontais". Meu professor Alexandr Luria chamava os lobos frontais "o órgão da civilização". Este livro é sobre liderança. Os lobos frontais são para o cérebro o que um maestro é para uma orquestra, um general para um exército, o diretor-executivo para uma corporação. Eles coordenam e orientam ou tras estruturas neurais em ação combinada. Os lobos frontais são o posto de comando do cérebro. Nós examinaremos como o papel de liderança evoluiu em várias facetas da sociedade humana - e no cérebro. Este livro é sobre motivação, impulso e visão. Motivação, impulso, previsão e visão clara das metas de uma pessoa são centrais para o sucesso em qualquer percurso da vida. Você descobrirá como todos esses pré-re quisitos do sucesso são controlados pelos lobos frontais. Este livro vai também lhe contar sobre como mesmo danos sutis nos lobos frontais pro duzem apatia, inércia e indiferença. ---- Introdução 23 Este livro é sobre autoconsciência e consciência de outros. Nossa capacidade de realizar nossas metas depende de nossa capacidade de ava liar criticamente nossas próprias ações e as ações dos que nos rodeiam. Esta capacidade repousa sobre os lobos frontais. Lesões nos lobos frontais produzem cegueira debilitante no julgamento. Este livro é sobre talento e sucesso. Nós reconhecemos imediata mente talento literário, talento musical, talento atlético. Mas numa socie dade complexa como a nossa, um talento diferente vem ao primeiro plano, o talento de liderança. De todas as formas de talento, a capacidade de liderar, de compelir outros seres humanos a lhe seguirem, é a mais mis teriosa e a mais profunda. Na história humana, o talento de liderança tem tido o maior impacto sobre o destino de outros e sobre o sucesso pessoal. Este livro realça uma íntima relação entre liderança e os lobos frontais. Por certo, o inverso disto é que uma função fraca do lobo frontal é especial mente devastadora para um indivíduo. Portanto, este livro é também sobre fracasso. Este livro é sobre criatividade. Inteligência e criatividade são insepa ráveis, embora não sejam a mesma coisa. Cada um de nós conheceu pes soas que são brilhantes, inteligentes, atentas - e estéreis. A criatividade requer a capacidade de aceitar novidade. Nós examinaremos o papel crí tico dos lobos frontais na relação com novidade. Este livro é sobre homens e mulheres. Os neurocientistas estão ape nas agora começando a estudar o que as pessoas comuns sempre assumi ram, que homens e mulheres são diferentes. Homens e mulheres abordam as coisas de modos diferentes, eles têm estilos cognitivos diferentes. Exa minaremos como essas diferenças em estilos cognitivos refletem as dife renças de gênero nos lobos frontais. Este é um livro sobre sociedade e história. Todos os sistemas comple xos têm certas características em comum, e, ao aprendermos sobre um desses sistemas, aprendemos sobre os outros. Vamos examinar analogias entre a evolução do cérebro e o desenvolvimento de estruturas sociais complexas e derivaremos certas lições sobre nossa própria sociedade. Este livro é sobre maturidade social e responsabilidade social. Os lobos frontais nos definem como seres sociais. É mais do que coincidência que a maturação biológica dos lobos frontais ocorra na época que tem sido codificada virtualmente em todas as culturas desenvolvidas como o início da idade adulta. Mas desenvolvimento fraco ou lesões nos lobos frontais podem produzir comportamento desprovido de restrições sociais e senso Clarice Realce 24 O CÉREBRO EXECUTIVO de responsabilidade. Vamos discutir como a disfunção do lobo frontal pode contribuir para o comportamento criminoso. Este livro é sobre desenvolvimento cognitivo e aprendizado. Os lobos frontais são críticos para todo processo bem-sucedido de aprendizagem, para motivação e atenção. Hoje estamos cada vez mais conscientes de dis túrbios sutis que afetam crianças e adultos - distúrbio de déficit de aten ção (DDA) e distúrbio de hiperatividade de déficit de atenção (DHDA)2. Este livro descreve como DDA e DHDA são causados por disfunções sutis dos lobos frontais e as trilhas que os conectam a outras partes do cérebro. Este livro é sobre envelhecimento. Conforme envelhecemos, preocu pamo-nos cada vez mais com nossa argúcia mental. À medida que aumenta a preocupação popular com o declínio cognitivo, todos falam sobre perda de memória e ninguém fala da perda de funções executivas. Este livro lhe mostra o quanto vulnerável os lobos frontais são ao mal de Alzheimer e a outras demências. Este livro é sobre moléstia neurológica e psiquiátrica. Os lobos fron tais são excepcionalmente frágeis. Estudos recentes mostraram que a dis função do lobo frontal está no cerne de distúrbios devastadores, tais como a esquizofrenia eo trauma da cabeça. Os lobos frontais estão também envolvidos na síndrome de Tourette e no distúrbio obsessivo-compulsivo. Este livro é sobre o reforço de suas funções cognitivas e a proteção de sua mente contra o declínio. A neurociência contemporânea está apenas agora começando a tratar dessas questões. Algumas das idéias e aborda gens mais recentes são revistas aqui. Sobretudo, este livro é sobre o cérebro, o órgão misterioso que é parte de nós, que nos faz o que somos, que nos dota de nossos poderes e nos faz vergar com nossas fraquezas, o microcosmo, a última fronteira. Ao escre ver este livro, não procurei ser imparcialmente enciclopédico. Pretendi, pelo contrário, apresentar um ponto de vista pessoal, original e por vezes provocante de tópicos de neuropsicologia e neurociência cognitiva. Em bora muitos desses pontos tenham já sido publicados em revistas científi cas, eles não representam necessariamente a opinião predominante no campo, e muitos deles permanecem claramente partidários, controversos, de minha lavra. Finalmente, este livro é sobre pessoas: sobre meus pacientes, meus amigos e meus professores, que de várias maneiras e de ambos os lados da Cortina de Ferro ajudaram a moldar meus interesses e minha carreira, tor nando assim este livro possível. Este livro é dedicado a Alexandr Romano vich Luria, o grande neuropsicólogo, cujo legado informou e moldou o Introdução 25 campo como o de mais ninguém. Como me referi a ele alhures, ele foi, em épocas diversas, "meu professor, meu mentor, meu amigo e meu tirano"3. Nosso relacionamento foi próximo e complexo. No Capítulo 2, forneço um relato bastante pessoal de um dos maiores psicólogos de nossa época e do contexto extraordinariamente difícil no qual ele trabalhou. Um socialite amigo meu observou, sucintamente e direto ao ponto: "O cérebro é o máximo!" Entre todos os modismos intelectuais, quase in telectuais e pseudo-intelectuais hoje em dia, o interesse popular no cére bro reina supremo. Ele é compartilhado por um público geral esclarecido, movido por autêntica curiosidade sobre a "última fronteira da ciência"; por pais ansiosos pelo sucesso de seus filhos e temerosos com a perspec tiva de fracasso; e por insaciáveis baby boomers (N. dos T.: geração nascida após a Segunda Guerra Mundial), decididos a permanecer no assento do motorista para sempre, mas aproximando-se da idade em que o declínio mental debilitante torna-se uma possibilidade estatística. Para ir ao encontro desse interesse sem paralelos, grande quantidade de livros populares foi escrita sobre memória, linguagem, atenção, emoção, hemis férios cerebrais e temas relacionados. Incrivelmente, porém, uma parte do cérebro foi completamente ignorada neste gênero: os lobos frontais. Este livro foi escrito para preencher esta lacuna. O público instruído está ficando desiludido com a feliz ilusão car tesiana de que o corpo é frágil, mas a mente é para sempre. Conforme vive mos mais tempo, somos mais bem instruídos, e vamos em frente pelo nosso cérebro em vez dos músculos, ficamos crescentemente interessados em nossas mentes e preocupados em perdê-las. A preocupação de nossa sociedade autocentrada com doenças criou um complexo emaranhado de realidade, neurose e culpa com tonalidades de Juízo Final. Nunca muito longe do centro de nossa consciência coletiva, essa preocupação geralmente enfoca uma doença que abrange todos os nos sos temores, tornando-se assim, nas palavras de Susan Sontag4, uma metá fora. Foi o câncer, depois a síndrome de imunodeficiência adquirida (aids). Confonne o valor de choque e novidade da metáfora do dia diminuem gra dualmente e uma familiaridade alimenta uma sensação (mágica) de segu rança, um novo foco emerge. Durante a década de 1990, declarada pelos National lnstitutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde) como sendo "a década do cérebro", a demência tornou-se, apropriadamente, o novo foco. À medida que com a idade a demência atinge uma proporção signifi cativa da população, a preocupação é basicamente racional, mas, como a maioria dos modismos, assume tonalidades neuróticas. 26 O CÉREBRO EXECUTIVO Como convém a um movimento, a preocupação com a demência adquiriu sua própria metáfora, uma metáfora dentro de uma metáfora, por assim dizer. O nome desta metáfora é "memória". Na sociedade de informação dominada por baby boomers envelhecendo, há uma crescente preocupação em prevenir declínio cognitivo e reforçar o bem-estar cognitivo. Clínicas de memória e suplementos fortificantes da memória prolife ram. Revistas importantes estão repletas de artigos sobre memória. "Memória" tornou-se o nome do código para a emergente tendência da boa forma mental e da emergente preocupação com a perda da mente com a demência. Mas a cognição consiste em muitos elementos, sendo a memória apenas um deles. A memória é um dos muitos aspectos da mente centrais à nossa existência. O declínio da memória é apenas uma das muitas maneiras pelas quais a mente pode ser perdida, assim como o mal de Alzheimer é apenas uma das diversas demências ainda incuráveis e a AIDS é apenas uma das diversas doenças infecciosas letais ainda incuráveis. Embora indubitavelmente frágil, a memória não é de modo algum o único, e possivelmente nem mesmo o mais vulnerável aspecto da mente, e a perda de memória não é, de forma alguma, a única maneira pela qual a mente pode ser perdida. As pessoas freqüentemente se queixam de deterioração da "memória" por falta de um termo melhor ou mais preciso, quando o que afeta, na verdade, é o declínio de um aspecto da cognição inteiramente diferente. Como este livro vai mostrar, nenhuma outra perda cognitiva se aproxima da perda das funções executivas em grau de devastação que ela provoca na mente e no self de uma pessoa. Conforme aprendemos mais sobre moléstias do cérebro, descobrimos que os lobos frontais são particularmente afetados na demência, na esquizofrenia, na lesão traumática na cabeça, no distúrbio de déficit de atenção e em uma hoste de outros dis túrbios. As funções executivas são afetadas em demências com freqüência e cedo. Quaisquer esforços futuros para reforçar a longevidade cognitiva por meio de farmacologia "cognotrópica" revigorante da mente, exercício cognitivo ou qualquer outro meio terão de enfocar as funções executivas dos lobos frontais. Este livro passa em revisão os métodos científicos emergentes projetados para proteger e fortalecer a mente em geral e as funções executivas dos lobos frontais em particular. Finalmente, iremos traçar amplas analogias entre o desenvolvimento do cérebro e o desenvolvimento de outros sistemas complexos, como dis- Introdução 27 positivos computacionais digitais, e a sociedade. Essas analogias estão baseadas na suposição de que todos os sistemas complexos têm certas características fundamentais em comum e a compreensão de um sistema complexo nos ajuda a compreender os outros. Acredito que idéias são mais bem entendidas quando são considera das no contexto em que emergem. Deste modo, entrelaçadas com a dis cussão de vários tópicos de neurociência cognitiva estão vinhetas pessoais sobre meus professores, sobre meus amigos, sobre eu mesmo e sobre os tempos em que vivemos. Referências e Notas 1. A. Damásio, Descartes' Errar: Emotion, Reason and the Hwnan Brain (Nova Iorque: Putnam Publishing Group, 1994). 2. R. A. Barkley, ADHD and the Nature of Self-Control (Nova Iorque: Guilford Press, 1997). 3. E. Goldberg, "Tribute to Alexandr Romanovich Luria", em Contemporary Neuropsychology and the Legacy of Luria, ed. E. Goldberg (Hillsdale, Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1990), 1-9. 4. S. Sontag, Illness as Metaphor andAIDS and Its Metaphors (Nova Iorque: Dou bleday Books, 1990). 2 Um Fim e um Começo: uma Dedicação Aflições triviais à parte, vivemos num mundo clemente, onde a margem de erro é geralmente bem generosa. Sempre suspeitei que,mesmo nos mais altos postos de poder, a tomada de decisões é um processo um tanto desleixado. De vez em quando, surgem situações na vida de um ser humano, e de uma sociedade, que não permitem margem de erro. Essas situações críticas sobrecarregam as capacidades do executivo que toma as decisões ao seu extremo. Aos 53 anos de idade, posso pensar em apenas uma situação dessas em minha vida. Para mim, na época já um estudioso das funções executivas, a experiência teve o duplo significado de um drama pessoal e de um estudo prático do funcionamento dos lobos fron tais - os meus próprios. Meu mentor, Alexandr Romanovich Luria, e eu estávamos imersos numa conversa que haviamos tido uma dúzia de vezes. Estávamos passean do, tendo saído do apartamento de Luria em Moscou, seguindo a rua Frunze na direção da Antiga Arbat1. Caminhávamos com cuidado, porque Luria quebrara sua perna e mancava, o que desacelerava seu passo geral mente rápido. Era uma tarde no começo da primavera, Moscou estava degelando após um frígido inverno, e a praça estava ficando movimen tada. Mas Luria estava com uma postura tão professoral com seu casaco da Marinha de casimira e gola de astracã que chegava quase até o chão e o chapéu combinando, que a multidão dava passagem. Clarice Realce 30 O CÉREBRO EXECUTIVO O ano era 1972. O país havia vivido através dos anos assassinos de Stalin, através da guerra, através de mais anos assassinos de Stalin, e atra vés do degelo abortado de Krushchev. As pessoas já não eram executadas por dissidência, elas eram meramente encarceradas. O estado de espírito público predominante já não era de terror e calafrio nos ossos, mas depri mido, resignado, desesperançado, estagnado e indiferente, uma espécie de estupor social. Meu mentor tinha setenta anos de idade, e eu 25. Eu estava me aproximando do fim de minha aspirantura, um curso de pós-graduação geralmente levando a uma posição na faculdade. Estáva mos falando sobre meu futuro. Como em muitas ocasiões antes, Alexandr Romanovich estava me dizendo que era tempo de eu ingressar no partido - o partido, o Partido Comunista da União Soviética. Ele próprio um membro do partido, Luria ofereceu-se para nomear-me e arranjar uma segunda nomeação com Ale xey Nikolayevich Leontyev, também um ilustre psicólogo e nosso deão na Universidade de Moscou, com quem eu estava geralmente em termos cor diais. Ser membro do partido era o primeiro degrau da elite soviética, um passo obrigatório para qualquer aspiração séria na vida. Entendia-se que ser membro do partido era um sine qua non para qualquer progresso na carreira na União Soviética. Entendia-se também que minha nomeação para membro do partido era um gesto muito generoso de Luria e Leontyev. Eu era um judeu da Letônia, que era vista como uma província indigna de confiança, e eu tinha antecedentes "burgueses". Meu pai passara cinco anos no Gulag como um "inimigo do povo". Eu não aderira exatamente ao ideal soviético. Votando para mim, Luria e Leontyev, as duas principais figuras da psicolo gia soviética, corriam o risco de irritar a organização do partido da univer sidade por empurrar "um outro judeu" para o estrato rarefeito da elite aca dêmica soviética. Mas eles estavam dispostos a fazê-lo, o que significava que eles queriam que eu ficasse na Universidade de Moscou como mem bro da faculdade em início de carreira. Ambos haviam me protegido em várias situações antes, e estavam preparados para apoiar-me novamente. Repetidas vezes, contudo, eu disse a Alexandr Romanovich que eu não iria ingressar no partido. Por uma dúzia de ocasiões nos últimos pou cos anos, sempre que Luria trazia de volta o assunto eu o descartava, transformando-o numa piada, dizendo que eu era demasiado jovem, demasiado imaturo, que não·estava pronto ainda. Eu não queria um cho que aberto e Luria não me forçava. Mas dessa vez ele estava falando com Um Fim e um Começo: uma Dedicação 31 finalidade. E dessa vez eu disse que não ia ingressar no partido porque não queria. Poderia ser dito que Alexandr Romanovich Luria era o psicólogo soviético mais importante de sua época. Sua multifacetada carreira incluía empreendimentos transculturais e estudos de desenvolvimento, princi palmente em colaboração com seu mentor, Lev Semyonovich Vygotsky, um dos maiores psicólogos do século XX. Mas foi sua contribuição à neuropsicologia que lhe granjeou verdadeira aclamação internacional. Universalmente considerado como o pai fundador da neuropsicologia, ele estudava a base neutra da linguagem, da memória e, é claro, das funções exclusivas. Entre seus contemporâneos, ninguém contribuiu para a com preensão dq complexo relacionamento entre o cérebro e cognição do que Luria, e ele era reverenciado dos dois lados do Atlântico (Fig. 2.1). Nascido em 1902, na família de um prneminente médico judeu, ele viveu em meio ao fermento cultural do início do século, os anos voláteis da Revolução Russa, a guerra civil, os expurgos de Stalin, a Segunda Guerra Mundial, uma segunda rodada de expurgos de Stalin e, finalmen te, um relativo degelo. Ele testemunhou os nomes de seus dois amigos mais próximos e mentores, Lev Vygotsky e Nicholai Bernstein, enodoa rem e a obra de suas vidas ser banida da existência pelo Estado. Em vários pontos de sua vida ele esteve à beira de ser encarcerado no Gulag de Stalin, mas, ao contrário de muitos outros intelectuais soviéticos, nunca foi real mente aprisionado . Sua carreira era uma mistura peculiar de uma odisséia intelectual guiada por um autêntico desdobramento natural de inquirição científica e de uma corrida pela sobrevivência no campo minado da ideo logia soviética. Tendo vindo da extremidade mais ocidental do Império Soviético, da cidade báltica de Riga, cresci num ambiente "europeu". Diferentemente das famílias de meus amigos de Moscou, a geração de meus pais não cres cera sob os soviéticos. Eu tinha um certo senso de cultura "européia" e identidade "européia." Entre meus professores na Universidade de Mos cou, Luria era um dos muito poucos "europeus" reconhecíveis, e esta foi uma das coisas que me levou a ele. Ele era um homem do mundo, poli glota e de muitos talentos, completamente à vontade com a civilização ocidental. Mas ele era também um homem soviético, acostumado a fazer com promissos para sobreviver. Suspeito que nos mais profundos recessos de seu ser havia um medo visceral de repressão física brutal. Eu havia conhe cido outras pessoas como ele e me pareceu que o medo latente ficou para Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce Clarice Realce 44 O CÉREBRO EXECUTIVO sica não menciona o regente, assim como não há menção de um diretor no teatro grego. Nos primórdios dos conflitos armados havia uma coli são de duas hordas, onde cada homem lutava sua própria luta; o general apareceu milênios depois. E é bastante recente na história da guerra o fato de que o comandante militar supremo não mais inspira as tropas com sua coragem pessoal no Jront, mas dirige a batalha desde a reta guarda 1. A função de liderança adquire um status distinto e torna-se única ape nas quando o tamanho e a complexidade da organização (ou do orga nismo) atravessam determinado limiar. Quando a função da liderança se cristaliza em um papel especializado, a sabedoria da liderança consiste em manter um equilíbrio delicado e dinâmico entre a autonomia das partes do organismo e o controle sobre elas. Um líder criterioso sabe quando intervir e impor sua vontade, e quando retroceder e deixar que seus subor dinados tomem suas próprias iniciativas. O papel do líder é indefinível, mas decisivo. Um pequeno lapso do líder, e ocorre um desastre: uma orquestra desafina, a tomada de decisão corporativa é interrompida, e um grande exército vacila. De fato, alguns historiadores atribuem a derrota decisiva do grande exército de Napoleão em Waterloo à liderança debilitada do imperador,devido ao agravamento doloroso de uma doença crônica2 . O papel do líder é decisivo, mas indefinível. Eu me perguntava, quando garoto, qual seria a necessidade daquele homem engraçado no pódio, que acenava com as mãos,já que ele não fazia nenhuma contribui ção audível à música criada à minha frente. E me lembro do filho de três anos de meu amigo descrevendo o emprego do pai: "Sentado no escritório e apontando o lápis" (seu pai era o diretor de um grande departamento em uma universidade importante). Da mesma forma, os primeiros textos de neurologia continham des criçôes elaboradas das funções desempenhadas pelas outras partes do cérebro, mas os lobos frontais recebiam apenas uma nota de rodapé. Ficava implícito que os lobos frontais existiam principalmente para pro pósitos ornamentais. Levou muitos anos para que os neurocientistas começassem a avaliar a importância dos lobos frontais para a cognição. Mas quando isto finalmente ocorreu, surgiu um quadro de especial com plexidade e refinamento. Isto é o que examinaremos a seguir. O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais ... 45 O Lobo Executivo O cérebro humano é o sistema natural mais complexo no universo conhe cido; sua complexidade equipara-se (ou talvez seja superior) à com plexidade das estruturas sociais e econômicas mais intricadas. É a nova fronteira da ciência. A década de 1990 foi declarada a década do cérebro pelo Instituto Nacional de Saúde. Assim como a primeira metade do século XX foi a idade da física, e a segunda metade foi a idade da biologia, o início do século XXI é a idade da ciência mente-cérebro. Como uma grande corporação, uma grande orquestra, ou um grande exército, o cérebro consiste em componentes distintos que desempenham diferentes funções. E assim como estas inúmeras organizações humanas, o cérebro tem seus DEs, seu regente, seu general: os lobos frontais. Para sermos precisos, este papel é conferido a apenas uma parte dos lobos fron tais, o córtex pré-frontal. Entretanto, é comum usar o modo de expressão abreviado, "lobos frontais". Assim como os louvados papéis de liderança na sociedade humana, os lobos frontais apareceram tardiamente. Na evolução, seu desenvolvimento começou a acelerar-se apenas com os grandes macacos. Na condição de sede da intencionalidade, previsão e planejamento, os lobos frontais são, entre todos os componentes do cérebro humano, os mais especificamente "humanos". Em 1928, o neurologista Tilney sugeriu que toda a evolução humana deveria ser considerada a "idade do lobo frontal"3. As funções dos lobos centrais, assim como as de um DE, resistem a uma definição apropriada. Eles não são dotados de nenhuma função única, de pronta classificação. Um paciente com uma doença nos lobos frontais mantém a capacidade de mover-se, de usar a linguagem, de reco nhecer objetos, e até mesmo de memorizar informações. Contudo, como um exército sem líder, a cognição desintegra-se. e finalmente entra em colapso com a perda dos lobos frontais. Em minha língua russa nativa, há uma expressão: "bez tsarya v golovye", "uma cabeça sem o czar dentro". Esta expressão poderia ter sido inventada para descrever os efeitos ele uma lesão dos lobos frontais no comportamento. Como se a associação à realeza não fosse suficiente, os lobos frontais foram envolvidos também em uma aura divina. Em seu notável ensaio cultural e neuropsicológico, Julian Jaynes antecipa a idéia de que os comandos executivos gerados internamente eram erroneamente tomados pelo homem primitivo como vozes de deuses originadas externamente4. Fica implícito, assim, que o advento das funções executivas nos primeiros 46 O CÉREBRO EXECUTIVO estágios da civilização humana pode ter influenciado a formação ou o desenvolvimento elas crenças religiosas. Os historiadores da arte notaram um detalhe curioso em A oi ação de Adão, o grande afresco de Michelângelo no teto da Capela Sistina. O man to de Deus tem a forma precisa do contorno do cérebro, seus pés pousam no tronco cerebral e sua cabeça está emoldurada pelo lobo frontal. O dedo de Deus, apontado para Adão, e tornando-o humano, projeta-se do córtex pré-frontal. Nas palavras de Julius Meier-Graefe: "Há mais gênio no dedo de Deus chamando Adão para a vida do que no conjunto da obra de qual quer precursor de Michelângelo. "5 Ninguém sabe se a alegoria foi planeja da por Michelângelo, ou se a semelhança é mera coincidência (é provável que seja a segunda alternativa). Mas é difícil imaginar um símbolo mais poderoso do profundo efeito humanizador dos lobos frontais. Os lobos frontais são verdadeiramente "o órgão da civilização". Como os lobos frontais não estão ligados a nenhuma função única e facilmente definida, as primeiras teorias da organização cerebral nega ram-lhe qualquer papel importante. De fato, os lobos frontais eram conhecidos como "os lobos silenciosos". Nas últimas décadas, entretanto, os lobos frontais tornaram-se o foco de intensas investigações científicas. Contudo, nosso esforço de compreensão das funções dos lobos frontais, e particularmente do córtex pré-frontal, ainda prossegue, e, por falta de conceitos mais precisos, com freqüência resvalamos em metáforas poéti cas. O córtex pré-frontal desempenha um papel fundamental na formação de metas e objetivos; a seguir, no planejamento de estratégias de ação necessárias para a consecução destes objetivos. Ele seleciona as habilida des cognitivas requeridas para a implementação dos planos, coordena estas habilidades e as aplica em uma ordem correta. Finalmente, o córtex pré-frontal é responsável pela avaliação do sucesso ou do fracasso de nos sas ações em relação aos nossos objetivos. A cognição humana é progressiva, mais favorável à ação do que à rea ção. É movida por objetivos, planos, aspirações, ambições e sonhos, e tudo isto pertence ao futuro e não ao passado. Os poderes cognitivos dependem dos lobos frontais e evoluem com eles. Em um sentido mais amplo, os lobos frontais são o mecanismo do organismo de liberar-se do passado e projetar-se no futuro. Os lobos frontais munem o organismo da capacidade de criar modelos neurais das coisas como um pré-requisito para fazer as coisas acontecerem, modelos de algo que ainda não existe mas que queremos trazer à existência. O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais ... 47 Para evocar uma representação interna do futuro, o cérebro precisa ter a capacidade de tomar certos elementos de experiências anteriores e configurá-los novamente de um modo que, em sua totalidade, não corres ponda a nenhuma experiência passada real. Para que este desempenho tenha sucesso, o organismo deve ir além da mera capacidade deformar representações internas, os modelos do mundo exterior. Ele deve adquirir a capacidade de manipular e transformar estes modelos. Como disse um amigo meu, um matemático talentoso, o organismo deve ir além da capa cidade de ver o mundo por meio de representações mentais; ele deve adquirir a capacidade de trabalhar com representações mentais. Podemos dizer que uma das características distintivas fundamentais da cognição humana, a fabricação sistemática de ferramentas, depende desta capaci dade, já que uma ferramenta não existe de uma forma pronta no ambiente natural e tem de ser evocada para ser fabricada. Para dar um passo além, o desenvolvimento de todo o mecanismo neural capaz de criar e manter imagens do futuro, os lobos frontais, pode ser visto como um pré-requi sito necessário para a fabricação de ferramentas e, desta maneira, para o avanço do homem e da civilização humana, tal como é geralmente defi nida. Além disso, o poder generativo da linguagem de criar novos construc tos pode depender dessa capacidade também. A capacidade de manipular e recombinar representações internas criticamente depende do córtex pré-frontal, e a emergência desta capacidade corresponde (ou corre para lelamente) à evolução dos lobos frontais. Se houver algo chamado de "ins tintode linguagem"6, ele pode ser relacionado ao aparecimento, tardio na evolução, das propriedades funcionais dos lobos frontais. Portanto, o desenvolvimento mais ou menos contemporâneo das funções executivas e da linguagem foi, em termos de adaptação, alta mente acidental. A linguagem ofereceu o meio para a construção de modelos e as funções executivas, o meio de manipulá-los e executar ope rações nos modelos. Para usar a linguagem da biologia, o advento dos lobos frontais foi necessário para fazer uso da capacidade generativa ine rente na linguagem. Para os defensores de descontinuidades drásticas como um fator fundamental na evolução, a confluência entre o desenvol vimento da linguagem e as funções executivas pode ter sido a força defini tiva por trás do salto quântico que foi o advento do homem. De todos os processos mentais, a formação de objetivos é a atividade mais centrada no agente. A formação de objetivos refere-se a "eu preciso" e não a "isto é". Então, a emergência da capacidade de formular objetivos 48 O CÉREBRO EXECUTIVO deve ter sido vinculada, ele modo inexorável, à emergência ela representa ção mental elo "eu". Não deve causar surpresa o fato de que o apareci mento da autoconsciência esteja também ligado, de maneira intrincada, à evolução dos lobos frontais. Todas essas funções podem ser consideradas metacognitivas, mais do que cognitivas, já que não se referem a nenhuma habilidade mental espe cífica, mas oferece uma organização abrangente para todas elas. Por esta razão, alguns autores referem-se às funções elos lobos frontais como "fun ções executivas", em analogia ao DE da corporação. Considero a analogia com o regente ele orquestra ainda mais reveladora. Mas para apreciar ple namente as funções e as responsabilidades do regente precisamos, antes de mais nada, aprender mais sobre a orquestra. Referências e Notas 1. Sobre a transformação da liderança militar através da história, ver J. Keegan, Tlie Mash of Co11111ia11d (Nova Iorque: Penguin, 1989). 2. A doença crônica de Napoleão não tinha relação direta com seu cérebro. Muito diferente disso, ela acarretava hemorróidas extremamente inflamadas. Sobre este assunto, ver A. Neumayr, Diclalors in lhe Mirrar of Medicine: Napo leon, Hitler, Stalin. Tra11s. D.]. Parenl (Bloomi11gton, Illinois: Medi-Ed Press, 1995). 3. F. Tilney, T/1e Brain: From Ape to Ma11 (Nova Iorque: Hoeber, 1928). 4. j. Jaynes, Tlie Origi11 of Consciousness in lhe Brealldow11 of the Bicmneral Mind (Nova Iorque: Houghton Mifílin Company, 1990). 5. Citado em W.E. Wallace, Michela11gelo: Tlie Complete Sculpture, Pai11li11g, Arcliitecture (Southport, Connecticut: Hugh Lauter Levin Associates, 1998). 6. S. Pinker, Tlie Language l11sli11ct (Nova Iorque: Harper Perennial Library, 1995). 4 Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha A Visão Microscópica O cérebro consiste em centenas de bilhões de células (neurônios e células gliais), interligadas de modo intrincado por prolongamentos (dendrites e axônios). Existem diversos tipos de neurônios e células gliais. Alguns dos prolongamentos entre os neurônios são locais, propagando-se dentro ele suas imediações. Mas outros são longos, interligando estruturas neurais distantes. Essas longas ramificações são revestidas por um tecido adiposo branco, a mielina, que facilita a passagem elos sinais elétricos gerados dentro dos neurônios (potenciais de ação). Os neurônios e as conexões locais cur tas formam, conjuntamente, a massa cinzenta, e os longos prolongamen tos mielinizaclos compõem a massa branca. Cada neurônio é interligado com uma miríade de outros neurônios, resultando em padrões intrinca dos de interações. Deste modo, é construída uma rede de complexidade surpreendente a partir de elementos relativamente simples. O princípio que fundamenta a realização de grande complexidade por meio de permutações múltiplas ele elementos simples parece ser uni versal e é implementado na natureza (e na cultura) ele inúmeras maneiras. Consideremos, por exemplo, a linguagem, onde milhares ele palavras, sentenças e narrativas são construídas a partir ele algumas dúzias de letras; ou consideremos o código genético, onde um número virtualmente infi- 50 O CÉREBRO EXECUTIVO nito de variantes pode ser atingido por meio da combinação de um número finito de genes. Embora o sinal gerado dentro de um neurônio seja elétrico, a comuni cação entre os neurônios acontece quimicamente. Os múltiplos sistemas bioquímicos do cérebro estão interligados e entrelaçados com a complexi dade estrutural descrita acima. As substãncias bioquímicas, chamadas de neurotransmissores e 11euro111oduladores, permitem a comunicação entre os neurônios. Um sinal elétrico (potencial de ação) é gerado dentro do corpo do neurônio e viaja ao longo do axônio até alcançar o terminal, o ponto de contato com um dendrito, um prolongamento ou caminho que leva a outro neurônio. No ponto de contato há uma brecha, chamada de sinapse. A chegada do potencial de ação libera pequenas quantidades de substãn cias químicas (neurotransmissores), que viajam para o outro lado da sinapse, como jangadas que cruzam um rio, e se ligam aos receptores, moléculas altamente especializadas que estão do outro lado da brecha. Quando isto é realizado, os neurotransmissores são destruídos na sinapse com a ajuda de enzimas especializadas. Entrementes, a ativação de recep tores pós-sinápticos resulta em outro evento elétrico, um potencial pós-si náptico. Diversos potenciais pós-sinápticos ocorrendo juntos resultam em outro potencial de ação, e o processo é repetido milhares e milhares de vezes tanto em caminhos paralelos como nos seqüenciais. Isto permite informações em código de assombrosa complexidade. Estamos constantemente aprendendo sobre novos tipos de neuro transmissores. Até esta data, várias dúzias deles foram descobertas: gluta mato, ácido gama-aminobutírico (GABA), serotonina, acetilcolina, norepi nefrina e dopamina, para mencionar alguns. Alguns neurotransmissores, como o glutamato ou o GABA, são encontrados virtualmente em todos os lugares do cérebro. Outros neurotransmissores, como a dopamina, estão restritos a certas partes elo cérebro. Cada neurotransmissor pode vincu lar-se a diversos tipos de receptor, alguns dos quais são ubíquos e outros específicos de uma região. Podemos considerar o cérebro como o acoplamento de duas organi zações altamente complexas, a estrutural e a química. Este acoplamento leva a um aumento exponencial na complexidade total do sistema. Esta, por sua vez, é aumentada pelos circuitos ubíquos de retroalimentação, em que a atividade da fonte ele sinais é modificada por seu alvo, tanto local como global, tanto estrutural como bioquímico. Como conseqüência, o cérebro pode produzir um arranjo virtualmente infinito de padrões de ati vação diferentes, correspondendo aos estados virtualmente infinitos do ► Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 51 mundo exterior. O neurônio representa uma unidade microscópica do cérebro, e o padrão de conectividade entre os neurônios representa a organização microscópica do cérebro. uando o organismo é exposto a um novo padrão de sinais do mundo exterior, a força dos contatos sinápticos (a facilidade da passagem de sinais entre neurônios) e propriedades locais bioquímicas e elétricas gra dualmente mudam as constelações distribuídas de modo complexo. Isto representa a aprendizagem, tal como a entendemos hoje1 • A Visão Macroscópica Os neurônios estão agrupados em estruturas coesivas, micleos e regiões. Cada estrutura consiste em milhões de neurônios. Os núcleos e as regiões representam as unidades macroscópicas do cérebro, e o padrão ele conec tividade entre eles representa a organização macroscópica elo cérebro. O cérebro é um sistema altamente interconectado, e a arquitetura das principais conexões entre seus núcleos e regiões oferece uma vista pano râmicaútil do sistema inteiro. Para propósitos heurísticos, vou recorrer à metáfora de uma árvore. Uma árvore tem tronco e ramos ou galhos. Estes se dividem em ramos menores. Na extremidade destes encontra-se a fruta. Em certo sentido, o cérebro é organizado de um modo semelhante. Podemos pensar no cére bro como "uma árvore de estimulação e ativação". Seu tronco é responsável pela estimulação fisiológica geral e ativação necessárias para o funciona mento das várias estruturas cerebrais, as frutas. Este é o pivô anatômico do cérebro, o tronco cerebral. Uma grande lesão séria no cérebro desorga niza a consciência e pode levar ao coma. Encontram-se numerosos núcleos dentro do compacto tronco cere bral, que dão origem a um intrincado sistema de caminhos. Em muitos casos, os núcleos e suas projeções são específicos em termos bioquímicos, ligados a um neurotransmissor em particular; em outros casos, eles são complexos em termos bioquímicos, envolvendo inúmeros neurotrans missores. Estes são os galhos e ramos da "árvore de estimulação". Cada ramo contém projeções para uma parte distinta do cérebro, garantindo sua ativação. Há algumas décadas, era comum a referência ao conjunto desses ramos como o sistema de ativação reticular ascendente (ARAS)2. Hoje aumenta a possibilidade ele identificação de seus distintos compo nentes neuroanatômicos e bioquímicos e o estudo destes componentes 52 O CÉREBRO EXECUTIVO separadamente. Uma lesão causada a qualquer ramo determinado não irá desorganizar a consciência em um sentido global, mas irá interferir em funções cerebrais específicas. Cada ramo da árvore de estimulação proje ta-se em componentes distintos do cérebro, cada um com seus próprios conjuntos de funções. Existem diversas estruturas subcorticais no cérebro. Na evolução, as estruturas subcorticais desenvolveram-se antes do córtex e durante mi lhões de anos elas guiaram os comportamentos complexos de vários organismos. Nos répteis contemporâneos, e até mesmo nos pássaros, o neocórtex é representado apenas de forma mínima3. Em um cérebro acor tical, antigo em termos filogenéticos, dois conjuntos de estruturas po diam ser identificados: o tálamo e os gânglios basais. Nos primórdios da evolução, o sistema nervoso central dividia-se em duas metades laterais. Portanto, cada uma das estruturas cerebrais descritas aqui consiste em um par de metades iguais: direita e esquerda. Apesar de uma certa sobreposição funcional, o tálamo e os gânglios basais eram dotados de funções nitidamente diferentes. No cérebro antigo, pré-cortical, a principal função do tálamo era receber e processar informações do mundo exterior, e os gânglios basais eram responsáveis pelo comportamento motor e a ação. Desta forma, a distinção entre per cepção e ação parece ter sido fundamental na arquitetura cerebral desde o início. A árvore de estimulação divide-se em dois ramos principais, um que se projeta separadamente no mecanismo subcortical da percepção (o ramo dorsal) e o outro no da ação (o ramo ventral). Embora seja tratado, geralmente, como uma estrutura única, o tá lamo é, de fato, uma coleção de muitos núcleos. Alguns deles são respon sáveis pelo processamento de tipos distintos de informação sensorial: visual, auditiva, tátil, e assim por diante. Outros núcleos talâmicos são responsáveis pela integração de vários tipos de informação sensorial. No tálamo, está presente uma hierarquia complexa de integração da entrada de dados. O núcleo talâmico dorsomedial está no ápice desta hierarquia e está intimamente interligado com o córtex pré-frontal. Outros núcleos talâmicos, encontrados em torno da linha mediana, não são específicos, responsáveis por várias formas de ativação4 . Existe uma estrutura estreitamente ligada ao tálamo, chamada de hipotála,po. Enquanto o tálamo controla o mundo exterior, o hipotálamo controla os estados internos do organismo e ajuda a mantê-los dentro de parâmetros homeostáticos e adaptativos. O hipotálamo é também uma coleção de núcleos distintos, cada qual relacionado a um aspecto distinto ,... Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 53 da homeostase: consumo de alimentos, consumo de líquidos, tempera tura do corpo, e assim por diante.Juntos, o tálamo e o hipotálamo consti tuem o diencéfalo5 . Os gânglios basais incluem os núcleos caudados, o putame e o globus pallidus. No cérebro pré-cortical, estas estruturas eram fundamentais para a iniciação de ações e controle sobre os movimentos. No cérebro evoluído do mamífero, os gânglios basais estão sob um controle particularmente estreito dos lobos frontais, e trabalham em colaboração com eles. De fato, a colaboração é tão estreita que minha tendência é considerar os núcleos caudados como parte dos "lobos frontais maiores". Uma estrutura chamada de amígdala é também considerada como um dos gânglios basais, mas ela serve a uma função um tanto diferente. As amígdalas regulam as interações do organismo com o mundo externo, que são críticas à sobrevivência do indivíduo e da espécie: as decisões de ata car ou de fugir, de copular ou não, ele ingerir ou não. Elas oferecem uma avaliação rápida, pré-cognitiva e emocional da situação em termos de seu valor de sobrevivência6 . O cerebelo é uma grande estrutura anexada à parte posterior (ou, como diria um neuroanatomista, ao aspecto dorsal) do tronco cerebral. Sua anatomia corresponde, em miniatura, à anatomia do cérebro inteiro: um pivô chamado vermis, e dois hemisférios cerebelares. O cerebelo é importante nos movimentos, particularmente na coordenação de movi mentos finos com informações sensoriais. Mas estudos recentes também mostraram que o cerebelo está estreitamente ligado ao córtex frontal e participa de planejamentos complexos7 . O córtex começou a emergir relativamente tarde na evolução do cérebro: primeiro o arquicórtex, depois o paleocórtex8 . Eles incluem o hipocampo e o córtex cingulado. O hipocampo, o "cavalo-marinho", é composto de duas estruturas longas abraçando o interior elos lobos tem porais (ou, como diria um neuroanatomista, em seus aspectos medianos.) O hipocampo desempenha um papel crítico na memória. Alguns cientistas acreditam que ele é dedicado especificamente à aprendizagem espacial9 . Creio ser esta uma visão estreita sugerida por experimentos animais, em que a aprendizagem espacial é o único paradigma possível para estudar a memória. Nos seres humanos, o hipocampo também está relacionado com outras formas de memória, como a memória verballO _ O córtex cingulado abraça a superfície interna dos hemisférios, des cansando sobre o corpo caloso. Sua função não é inteiramente clara, mas está relacionado com as emoções. Juntamente com a amígdala e o hipo- 54 O CÉREBRO EXECUTIVO campo, 0 córtex cingulado compõe o assim chamado sistema límbico11 , um constructo um tanto antiquado que implica uma unidade funcional entre estas estruturas, cujo valor heurístico tem sido cada vez mais con testado. O córtex cingulado anterior, supostamente relacionado com a incerteza, está estreitamente ligado ao córtex pré-frontal 12. Em certo sen tido, é também parte dos lobos frontais maiores. Finalmente, o neocórtex chegou em cena13 , um fino manto estreita mente ligado ao cérebro e enrugado em circunvoluções características de nozes. O manto cortical tem sua própria organização intrincada. Consiste em seis camadas, cada qual caracterizada por sua própria composição neuronal. Certas partes do neocórtex estão organizadas em "colunas" verticais que penetram as camadas e representam unidades funcionais distintas. A chegada do neocórtex mudou radicalmente o modo como a informação é processada e dotou o cérebro de muito maior complexidade e poder de cálculo. A divisão em dois sistemas laterais iguais continua com o córtex, dando surgimento a dois hemisférios cerebrais. A distinção entre os sistemas de "percepção" e "ação" é também retida em nível neo cortical: a parte posterior (traseira)do córtex é dedicada à percepção e a anterior (fronteira) é dedicada à ação. Mas, apesar destas divisões, o neo córtex é muito mais densamente interligado que seus predecessores sub corticais. Conforme veremos posteriormente, esta pode ter sido sua rai s011 d'être adaptativa. A chegada do neocórtex mudou radicalmente o "equilíbrio de poder" dentro do cérebro. As antigas estruturas subcorticais, que costumavam desempenhar certas funções independentemenLe, agora encontram-se subordinadas ao neocórtex e assumem funções de apoio à beira do novo nível de organização neural. Para um cientista que tenta entender estas funções, isto apresenta uma fonte de confusão: a função destas estruturas subcorticais, antes do advento do córtex, provavelmente não permanece a mesma hoje, no cérebro plenamente cortical. E, portanto, paradoxal mente, nossa compreensão das funções corticais é, em muitos aspectos, mais precisa do que nossa compreensão das funções do tálamo ou dos gânglios basais, apesar do fato de ser o córtex, em certo sentido, mais "avançado". O neocórtex consiste em regiões distintas, chamadas de regiões citoar quitetônicas, cada qual caracterizada por seu próprio tipo de composição neurÓnal e padrões de conectividade local. O neocórtex desempenha diversas funções; contudo, não há nenhuma relação simples entre suas diferentes funções e as regiões citoarquitetônicas. O neocórtex consiste Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 55 em quatro lobos principais, cada qual ligado a seu próprio tipo de infor- ] mação. O lobo occipital lida com as informações visuais, o lobo temporal lida com sons, o lobo parietal lida com sensações tá Leis e o lobo Jro11tal lida com movimentos. Ocorreram duas mudanças fundamentais em um estágio muito tardio da evolução cortical: o surgimento da linguagem e uma rápida ascensão das funções executivas. Como veremos, a linguagem adquire seu lugar no neocórtex, anexando-se a várias áreas corticais de modo muilo dissemi nado. E as funções executivas aparecem na condição de posLo de coman do do cérebro, na porção frontal do lobo frontal, o córtex pré-Jro11tal. Os lobos frontais passam por uma expansão explosiva no último estágio da evolução. Segundo Korbinian Brodmann 14, o córtex pré-frontal (ou seus análo gos) é responsável por 29% do córtex total nos seres humanos, 17% no chimpanzé, 11,5% no gibão e no macaco, 8,5% no lêmure, 7% no cachor ro e 3 ,5% no gato (Fig. 4 .1). Há diversas maneiras de descrever o córtex pré-frontal em relação a outras áreas corticais. Um dos métodos é baseado nos chamados "mapas citoarquitetônicos", mapas do córtex compostos de regiões cerebrais numeradas, morfologicamente distintas (Fig. 4.2). Estas regiões corticais são chamadas de "áreas de Brodmann", nome rece bido por causa do autor do mapa citoarquitetônico mais comumente 0,3 Proporção do córtex frontal a total 0,2 0,1 Lêmure Gibão Chimpanzé Seres humanos Fig. 4.1 - Proporção do lobo frontal em relação ao cérebro total em diferentes espé cies de símios e primatas. 56 ·� '" u J� " li IU " O CÉREBRO EXECUTIVO .lJ o 14 JI < J , 1.1 JI IY 'º JO u 17 IM JU 1/ '" Fig. 4.2 - Mapa cortical com regiões citoarquitelônicas de Brodmann. (Adaptada de Roberts, Leigh e Weinberger [ 1993]. Reproduzida com pennissão.) Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 57 usado 15. Segundo esta definição, o córtex pré-frontal consiste nas áreas de Brodmann 8, 9, 10, 11, 12, 13, 44, 45, 46 e 47. 16 O córtex pré-frontal é caracterizado pela predominãncia das chamadas células neurais granula res encontradas principalmente na IV camada 17. Um método alternativo, mas aproximadamente equivalente ele des crever o córtex pré-frontal, é por meio ele suas projeções subcorticais. Uma estrutura subcortical específica é comumente usada para este pro pósito: o núcleo talâinico dorsomedial, que é, em certo sentido, o ponto ele convergência, o ápice ela integração ocorrendo dentro elo núcleo talã mico específico. O córtex pré-frontal é, então, definido como a área que recebe projeções do núcleo Lalâmico dorsomeclial. O córtex pré-frontal é, às vezes, descrito também através de seus caminhos bioquímicos. Segundo esta definição, o córtex pré-frontal é definido como a área que recebe projeções do sistema de dopamina mesocortical. Os diversos métodos ele delinear o córtex pré-frontal descrevem territórios aproxi madamente idênticos. Isto é mostrado na Fig. 4.3. Em um curioso paralelo entre a evolução do cérebro e a evolução da ciência do cérebro (iremos voltar ao tema algumas vezes), o interesse no córtex pré-frontal também chegou tardiamente. Mas, gradualmente, co- Fig. 4.3 - O córtex pré-frontal. 58 O CÉREBRO EXECUTIVO meçou a revelar seus segredos a grandes cientistas e clínicos, como Hugh lings Jackson 18 e Alexandr Luria 19 , e nas últimas décadas a pesquisadores como Antonio Damásio20,Joaquin Fuster21, Patrícia Goldman-Rakic 22 e Donald Stuss e Frank Benson23. O Posto de Comando e suas Conexões Um bom posto de comando é aquele que mantém boas linhas de comuni cação com as unidades de combate. Fiel às suas funções "executivas", o córtex pré-frontal é provavelmente a parte mais bem conectada do cére bro. O córtex pré-frontal está diretamente interligado a cada unidade fun cional distinta do cérebroH_ Está conectado com o córtex de associação posterior, a mais alta estação de integração perceptual, e também com o córtex pré-motor, dos gânglios basais e o cerebelo, todos envolvidos em vários aspectos do controle motor e movimentos. O córtex pré-frontal está conectado com o núcleo talâmico dorsomedial, a principal estação de integração neural com o tálamo; com o hipocampo e estruturas relaciona das, de importância decisiva para a memória; e com o córtex cingulado, dado como fundamental para as emoções e para a capacidade de lidar com a incerteza. Além disto, este posto de comando conecta-se com as amíg dalas, que regulam as relações mais básicas entre os membros individuais da espécie, e com o hipotálamo, responsável pelo controle sobre as fun- . ções homeostáticas vitais. Finalmente, mas igualmente importante, ele está conectado com os núcleos do tronco cerebral responsáveis pela ativa ção e estimulação. De todas as estruturas do cérebro, apenas o córtex pré-frontal está embutido em uma rede tão rica de caminhos neurais. Esta conectividade única torna os lobos frontais especialmente adequados para a coordena ção e para a integração do trabalho de todas as outras estruturas cerebrais - o regente da orquestra. Como veremos mais tarde, esta extrema conec tividade também coloca os lobos frontais em um risco particular para doenças. Como em organizações políticas, econômicas e militares, o líder é, em última instância, responsável pelos erros dos subordinados. Veremos posteriormente que o córtex pré-frontal, único entre as estruturas cerebrais, parece conter o mapa do córtex inteiro, e quem fez esta afirmação em primeiro lugar foi Hughlings Jackson25, no final do século XIX. Esta propriedade do córtex pré-frontal pode ser o pré-requi sito crucial da consciência, a "percepção interna" .Já que qualquer aspecto Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 59 de nosso mundo mental pode, em princípio, ser o foco de nossa consciên cia, é lógico supor que uma área de convergência de todos os seus substra tos neurais deva existir. Isto leva à proposição provocante de que a evolu ção da consciência, a expressão mais elevada do cérebro desenvolvido, corresponde à evolução do córtex pré-frontal. De fato, alguns experimen tos mostraram que o conceito ele "eu", considerado um atributo funda mental da mente consciente, aparece apenas nos grandes macacos. E é apenas nos grandes macacos que o córtex pré-frontal adquire uma posi ção importante no cérebro. Referências e Notas 1. Para um exame mais completo, ver A. Parent, Carprnler's Hw11a11 Neuroa11a to111y, 9ª ed. (Baltimore: Williams& Wilkins, 1995). (Edição revisada ele M.B. Carpenter eJ. Satin, H1111ia11 Neuroa11ato111y, 8" ed, 1983.) 2. H. W. Magoun, "The ascending reticular activating system." Res P11bl Assoe Nerv Me11t Dis, nº 30 (1952). 3. Uma resenha completa sobre este tópico pode ser encontrada em D. Oakley e H. Plotkin, eds., Brni11, Be/,avior anel Evol11tio11 (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1979). 4. Novamente, para uma resenha mais completa, ver A. Parent, Carpenter's H11111a11 Ne11roc111ato111y, 9ª ecl. (Baltimore: Williams & Wilkins, 1995). 5. Ibicl . 6. J. leDoux, Tlie E111otio11al Brnin: Tlie Mysterious U11clerpi1111i11gs of Emotional Life (Nova Iorque: Touchstone Books, 1998). 7. J. Grafman, l. litvan, S. Massaquoi, M. Stewart, A. Sirigu e M. Halleu, "Cog nitive planning deficit in patienls with cerebellar atrophy ", Ne11rology 42, nº 8 (1992): 1.493-1.496; H. C. leiner, A. L. leiner e R. S. Dow, "Reapprai sing the cerebellum: what does the hindbrain contribute to the forebrain?" Behav Neurosci 103, nº 5 (1989): 998-1.008. 8. Em D. Oakley e I -1. Plotkin, ecls., Brni11, Beliavior a11cl Evolutia11 (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1979). 9. B. L. McNaughton e R. G.M. Morris, "Hippocampal synaptic enhancement and infonnation storage", Tre11cls Neurosci 10 (1987): 408-415; B. L. McNaugh Lon, "Associative pattern competition in hippocampal circuits: new evidence and new queslions", Brni11 Res Rev 16 (1991): 202-204. 10. B. Milner, "Cues to the cerebral organization of memo1y", em Cerebral Corre lates of Co11scio11s Experie11ce, ecl. P. Buser e A. Rougeul-Buser (Amsterdã: Elsevier, 1978), 139-153. 11. Em C.H. Hockman, ed., Li111bic System Meclia11isms anel A11ta11omic Fu11ctio11 (Springfield, Illinois: Charles C. Thomas, 1972). 60 O CÉREBRO EXECUTIVO 12. C. S. Carter, M. M. Botvinick eJ. D. Cohen, "The contribution of the anterior cingulate cortex to executive processes in cognition". Rev Neurosci 10, nº 1 (1999): 49-57. 13. Em D. Oakley e H. Plotkin, eds., Brain, Behavior a11d Evolutio11 (Cambridge, UI<: Cambridge University Press, 1979). 14. K Brodmann, Vergleicliende Lolrnlisationslelire der Grossliinrincle in ihren Prinzipien dargestell l auf G runcl des Zel lenbaues. (Leipzig: Barth, 1909) Citado emJ. M. Fuster, Tlie Prefronlal Corlex: Analomy, Physiology and Neuropsycho logy of tlie Frontal Lobe, 3" ed. (Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997). 15. G.W. Roberts, P.N. Leigh, D.R. Weinberger, Neuropsychiatric Disorclers (Londres: Wolfe, 1993). 16. j.M. Fuster, Tlie Prefronlal Corlex: Analomy, Pshysiology and Neuropsycho logy of lhe Frontal Lobe, 3" ed. (Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997). 17. Em A. W. Campbell, Hislological Studies 011 lhe Localization of Cerebral Func tion ( Cambridge: Cambridge University Press, 1905). Citado emJ. M. Fuster, Tlie Prefronlal Corlex: A11alo111y, Phisiology anel Neuropsyclwlogy of the Frontal Lobe, 3" ed. (Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997). 18. J. H. Jackson, "Evolution and dissolution of the nervous system", Croonian Leclllre. Selected Papers, 2 (1884). 19. A. R. Luria, Higher Cortical Functions in Man (Nova Iorque: Basic Books, 1966). 20. A. Damásio, "The frontal lobes", em Clinicai Neuropsychology, ed. K Heil man e E. Valenstein (Nova Iorque: Oxford University Press, 1993), 360-412. 21. J. M. Fuster, Tlie Prefrontal Corlex: Analomy, Phisiology and Neuropsychology of the Frontal Lobe, 3" ed. (Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997). 22. P. S. Goldman-Rakic, "Circuilly of prima te prefrontal cortex and regulation of behavior by representational memory", em Handbooli of Physiology: Ner vous System, Higher FuncLions of lhe Brain, Parte 1, ed. F. Plum (Bethesda, Maryland: American Physiological Association, 1987), 3 73-417. 23. D.T. Stuss e D.F. Benson, Tlie Frontal Lobes (Nova Iorque: Raven Press, 1986). 24. W. J. Nauta, "Neural Associations of the frontal cortex", Acta Neurobiol Exp, 32, nº 2 (1972): 125-140. 25. J. H. Jackson, "Evolution anel dissolution of the nervous system". Croonian Leclure, Seleclecl Papers, 2 (1884). ,.. 5 A Fileira Frontal da Orquestra: o Córtex Sons e Músicos Para dar valor ao papel do regente, devemos reconhecer a complexidade da orquestra. A orquestra do cérebro consiste em uma grande coleção de músicos: os talentos, aptidões e conhecimento que compõem o nosso mundo mental. E o neocórtex, sem dúvida, contém os músicos mais competentes da orquestra cerebral. É de longa data a curiosidade dos cientistas acerca da complexidade e da diversidade funcional do cérebro, especialmente da sua parte mais avançada, o córtex. Quase todos nós já vimos, em livros da faculdade ou prateleiras de sebos, mapas frenológicos antigos. Atualmente são desaprovados e considerados como charlatanismo. Não obstante, eles reíletem o conhecimento mais atualizado acerca da organização cerebral existente em torno do início do século XIX, quando o pai da frenologia, Franz Joseph Gall, publicou sua obra iníluente1 . Os frenologistas relacionavam as saliências que viam na superfície do crânio a aptidões mentais individuais e a traços de personalidade. A partir dessas relações, eles construíram mapas elaborados, atribuindo atributos mentais específicos a partes específicas do cérebro. Do ponto de vista da ciência contemporânea, os mapas frenológicos representaram um falso começo. Assim como acontece com a alquimia em relação à química, podemos dizer que a frenologia pertence mais pro- 62 O CÉREBRO EXECUTIVO priamente à pré-história da neurociência do que aos primórdios de sua história. Contudo, foi a primeira vez que o córtex foi considerado como um conjunto ele partes distintas, uma orquestra e não um simples instru mento, e houve uma tentativa ele identificar os músicos. E o falso início representado pela frenologia ressaltou um problema fundamental ine rente a todos os campos ele investigação, que é o ela relação entre a lingua gem descritiva cio senso comum e a linguagem científica da análise. Todos nós temos o comando ele certas habilidades cognitivas (ler, escrever, contar), características ele personalidade (coragem, sabedoria, temeridade) e atitudes (afeição, desprezo, hesitação). À primeira vista, o significado destas palavras parece evidente, e era presumível que a cada uma destas propriedades ela mente coubesse uma localização distinta no cérebro. Esta era a crença dominante há somente um século e meio con- forme ilustra o mapa frenológico na Fig. 5.1. Faculdades mentais idealistas Qualidades mentais superiores Confiança Curiosidade Perfeccionismo, refinamento Esperança Presente Consciência Futuro Justiça Ambição Independência Agressividade Lealdade Devoção Causalidade Auto-estima Ambição Prudência Modéstia Reserva Reticência Polidez Prudência Faculdades criativas Sagacidade Destreza Atração pela comida Instintos adquiridos Tenacidade Cautela Frugalidade Sentimentos protetores Sentimentos superiores Auto-estima Medo Instintos · domésticos Sentimentos paternos/matemos Amor às crianças Amor aos animais Fig. 5.1- Mapa freno lógico no espírito de Gall (De Higher Cortical F1111ctio11s in Ma 11, 2ª ed., por A. R. Luria. Copyright 1979, por Consultants Bureau Enterprises, Jnc., and Basic Books, lnc. Reimpressa com a permissão de Basic Books, membro de Perseus Books, L.L.C.) A Fileira Frontal da Orquestra: o Córtex 63 Os cientistas, desde então, sabem que a maneira como a linguagem humana usada no cotidiano classifica as características mentais e os comportamentos não corresponde exatamente ao modo como eles são representados no cérebro. Hoje ainda pensamos que o córtex consiste em muitas partes que exercem diferentes funções. Não obstante, a linguagem científica que usamos para descrever essas funções distintas mudou substancialmente. É só comparar os dois mapas nas Figs. 5.1 e 5.2. O pri meiro mapa cerebral foi desenhado por Gall, no início elo século XIX. O segundo mapa cerebral foi desenhado pelofamoso neurologista Kleist, no início elo século XX2 . Embora obviamente não seja atual, o segundo mapa está muito mais próximo cios princípios da organização neural tal como os entendemos hoje. Fig. 5.2 - Localização cortical das funções, segundo Kleist. (De Higher Cortical Fu11clio11s i11 Ma11, 2ª ecl., por A.R. Luria. Copyright 1979, por Consultants Bureau Enterprises, Inc., e Basic Books, lnc. Reimpressa com a permissão de Basic Books, membro de Perseus Books, L.L.C.) 64 O CÉREBRO EXECUTIVO A mudança no modo como compreendemos o cérebro está refletida nesses dois mapas. A diferença entre eles representa mais do que um acréscimo de conhecimento. Ela representa uma mudança paradigmática, que levou aproximadamente um século para se completar. Em todos os campos de conhecimento, existe uma diferença profunda entre o modo como a linguagem elo senso comum e a linguagem científica são usadas para descrever sua esfera de ação. A linguagem cotidiana descreve o mundo em termos de mesas, cadeiras, pedras, rios, flores e árvores. Os primeiros sistemas de crença, os antigos precursores da ciência, tentavam explicar o mundo postulando uma deidade separada para cada um desses objetos do cotidiano. Em contraposição, a linguagem científica descreve o mundo em ter mos ele unidades que não se evidenciam necessariamente pela simples observação. A linguagem da física descreve o mundo em tennos de átomos e partículas subatômicas; a linguagem científica da química, em tern1os mo leculares. A ciência do cérebro atualmente está na mesma situação da química inorgânica nos dias de Mendeleev, descobrindo seus princípios organizadores e elaborando a adequada linguagem científica. O campo está em constante mudança. A transição do mapa de Gall para o mapa de Kleist reflete este processo. As características frenológicas, como ganân cia, veneração ou auto-esLima, podem fazer um sentido imediato ao senso comum, mas não correspondem a estruturas distintas do cérebro. Mas quais são as características que correspondem? Imagine que está ouvindo uma música complexa, produzida por um arranjo intrincado de instrumentos musicais desconhecidos e que você não vê; ao mesmo tempo você tenta distinguir os instrumentos, sua quantidade e como cada um contribui à totalidade da experiência acústica. Ouvirá sons melódicos altos e baixos, suaves e agudos; mas de que fonna estas descrições do senso comum correspondem à composição real da orquestra? Este é o desafio que gerações de neurocientistas tiveram de enfrentar com ferra mentas limitadas e imprecisas - um pouco como os notórios cegos brâmanes que se esforçavam para discernir a natureza do elefante. A ver dadeira "orquestra" da cognição é geralmente difícil de ser compreendida em termos do senso comum. Com efeito, o que o "reconhecimento tátil" no mapa ele Kleist, por exemplo, tem a ver com nossos sentimentos, pen samentos e ações cotidianos? Supondo que exista uma relação entre estrutura e função, nossa busca é de alguma forma auxiliada por traços distintos da morfologia cerebral. O córtex consiste em dois hemisférios, e cada hemisfério consiste em qua- ,... A Fileira Frontal da Orquestra: o Córtex 65 tro lobos: occipital, parietal, temporal e frontal. Tradicionalmente, o lobo occipital tem sido relacionado à informação visual, o lobo temporal à informação auditiva e o lobo parietal à informação tátil. O hemisfério esquerdo tem sido relacionado à linguagem, e o direito, ao processamento espacial. Nas últimas décadas, entretanto, muitas dessas crenças arraiga das têm sido contestadas por novas descobertas e teorias. Novidades, Rotinas e Hemisférios Cerebrais Há muitos anos se sabe que um hemisfério (na maioria dos casos, o es0 querelo) está mais intimamente relacionado à linguagem do que o outro. Paul Pierre Broca3 e Carl Wernicke4 demonstraram, na segunda metade do século XIX, que lesões isoladas do hemisfério esquerdo interferiam seriamente com a linguagem. As afasias (distúrbios da linguagem) geral mente são seqüelas de lesões no hemisfério esquerdo, mas o mesmo não ocorre com o hemisfério direito. Não estamos discutindo sobre os fatos básicos que vinculam a lingua gem ao hemisfério esquerdo. Entretanto, surge uma questão: a íntima associação com a linguagem é o atributo central do hemisfério esquerdo ou é um caso especial, uma conseqüência de um princípio mais funda mental de organização do cérebro? As tentativas de caracterizar a função de um hemisfério através da linguagem e do outro através do processamen to espacial levam a uma conclusão incerta. Já que a linguagem, pelo menos em sua definição mais limitada, é um atributo unicamente huma no, qualquer dicotomia baseada na linguagem é aplicável apenas a seres humanos. Isto significa que não existe especialização hemisférica nos ani mais? A escassez de trabalhos sobre a especialização hemisférica em espé cies não-humanas sugere que esta ainda é a hipótese predominante entre os neurocientistas. Contudo, a hipótese da singularidade humana relativa à especializa ção hemisférica opõe-se à intuição, já que geralmente esperamos pelo menos algum grau de continuidade evolutiva nos traços distintivos. Embora existam, sem dúvida, muitos exemplos de descontinuidade evo lutiva, a hipótese de trabalho em qualquer investigação científica deveria ser a de continuidade. Quem chamou minha atenção para isto há mqitos anos foi meu próprio pai, engenheiro por profissão, sem formação em psi cologia (e, portanto, livre de suas idéias preconcebidas), mas dono de grande cultura geral, uma mente lógica rigorosa e senso comum.
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