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O CÉREBRO EXECUTIVO

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Sumário 
Prefácio 11 
Agradecimentos 19 
1. Introdução 21 
Referências e Notas 27 
2. Um Fim e um Começo: uma Dedicação · 29
Nota 42
3. O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais
em um Relance 43 
As Muitas Faces da Liderança 43 
O Lobo Executivo 45 
Referências e Notas 48 
4. Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 49 
A Visão Microscópica 49 
A Visão Macroscópica 51 
O Posto de Comando e suas Conexões 58 
Referências e Notas 59 
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Realce
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22 O CÉREBRO EXECUTIVO 
intacta. T udo isso muda quando a moléstia ataca os lobos frontais. O que é 
perdido então não é mais um atributo de sua mente. É a sua mente, seu 
cerne, seu eu. Os lobos frontais são as mais unicamente humanas de todas 
as estruturas do cérebro e desempenham um papel crítico no sucesso ou 
fracasso de qualquer empenho humano. 
O "erro de Descartes", para tomar de empréstimo a elegante expres­
são de Antonio Damásio 1 , consistia em acreditar que a mente tem uma 
vida própria, independente do corpo. Hoje uma sociedade culta não acre­
dita mais no dualismo cartesiano entre corpo e mente, mas nós abandona­
mos os vestígios do antigo equívoco em estágios. Hoje, poucas pessoas 
instruídas, não importa o quanto não informadas em neuro biologia, duvi­
dam que linguagem, movimento, percepção, memória, tudo isto de 
alguma forma resida no cérebro. Todavia, ambição, impulso, previsão, 
insight - esses atributos que definem a personalidade e essência da pes­
soa -são hoje vistos por muitos como, digamos, "extracranianos", como 
se fossem atributos de nossas roupas e não de nossa biologia. Estas quali­
dades humanas evasivas são também controladas pelo cérebro e, particu­
larmente, pelos lobos frontais. O córtex pré-frontal é o foco da pesquisa 
neurocientífica hoje, embora seja amplamente desconhecido dos não­
cientistas. 
Os lobos frontais desempenham as funções mais avançadas e comple­
xas de todo o cérebro, as assim chamadas funções executivas. Eles estão 
vinculados à intencionalidade, propósito e tomada de decisões comple­
xas. Eles alcançam desenvolvimento significativo apenas em humanos; 
pode-se dizer que eles nos tornam humanos. Toda a evolução humana foi 
denominada "a era dos lobos frontais". Meu professor Alexandr Luria 
chamava os lobos frontais "o órgão da civilização". 
Este livro é sobre liderança. Os lobos frontais são para o cérebro 
o que um maestro é para uma orquestra, um general para um exército, o
diretor-executivo para uma corporação. Eles coordenam e orientam ou­
tras estruturas neurais em ação combinada. Os lobos frontais são o posto
de comando do cérebro. Nós examinaremos como o papel de liderança
evoluiu em várias facetas da sociedade humana - e no cérebro.
Este livro é sobre motivação, impulso e visão. Motivação, impulso, 
previsão e visão clara das metas de uma pessoa são centrais para o sucesso 
em qualquer percurso da vida. Você descobrirá como todos esses pré-re­
quisitos do sucesso são controlados pelos lobos frontais. Este livro vai 
também lhe contar sobre como mesmo danos sutis nos lobos frontais pro­
duzem apatia, inércia e indiferença. 
----
Introdução 23 
Este livro é sobre autoconsciência e consciência de outros. Nossa 
capacidade de realizar nossas metas depende de nossa capacidade de ava­
liar criticamente nossas próprias ações e as ações dos que nos rodeiam. 
Esta capacidade repousa sobre os lobos frontais. Lesões nos lobos frontais 
produzem cegueira debilitante no julgamento. 
Este livro é sobre talento e sucesso. Nós reconhecemos imediata­
mente talento literário, talento musical, talento atlético. Mas numa socie­
dade complexa como a nossa, um talento diferente vem ao primeiro 
plano, o talento de liderança. De todas as formas de talento, a capacidade 
de liderar, de compelir outros seres humanos a lhe seguirem, é a mais mis­
teriosa e a mais profunda. Na história humana, o talento de liderança tem 
tido o maior impacto sobre o destino de outros e sobre o sucesso pessoal. 
Este livro realça uma íntima relação entre liderança e os lobos frontais. Por 
certo, o inverso disto é que uma função fraca do lobo frontal é especial­
mente devastadora para um indivíduo. Portanto, este livro é também 
sobre fracasso. 
Este livro é sobre criatividade. Inteligência e criatividade são insepa­
ráveis, embora não sejam a mesma coisa. Cada um de nós conheceu pes­
soas que são brilhantes, inteligentes, atentas - e estéreis. A criatividade 
requer a capacidade de aceitar novidade. Nós examinaremos o papel crí­
tico dos lobos frontais na relação com novidade. 
Este livro é sobre homens e mulheres. Os neurocientistas estão ape­
nas agora começando a estudar o que as pessoas comuns sempre assumi­
ram, que homens e mulheres são diferentes. Homens e mulheres abordam 
as coisas de modos diferentes, eles têm estilos cognitivos diferentes. Exa­
minaremos como essas diferenças em estilos cognitivos refletem as dife­
renças de gênero nos lobos frontais. 
Este é um livro sobre sociedade e história. Todos os sistemas comple­
xos têm certas características em comum, e, ao aprendermos sobre um 
desses sistemas, aprendemos sobre os outros. Vamos examinar analogias 
entre a evolução do cérebro e o desenvolvimento de estruturas sociais 
complexas e derivaremos certas lições sobre nossa própria sociedade. 
Este livro é sobre maturidade social e responsabilidade social. Os 
lobos frontais nos definem como seres sociais. É mais do que coincidência 
que a maturação biológica dos lobos frontais ocorra na época que tem sido 
codificada virtualmente em todas as culturas desenvolvidas como o início 
da idade adulta. Mas desenvolvimento fraco ou lesões nos lobos frontais 
podem produzir comportamento desprovido de restrições sociais e senso 
Clarice
Realce
24 O CÉREBRO EXECUTIVO 
de responsabilidade. Vamos discutir como a disfunção do lobo frontal 
pode contribuir para o comportamento criminoso. 
Este livro é sobre desenvolvimento cognitivo e aprendizado. Os lobos 
frontais são críticos para todo processo bem-sucedido de aprendizagem, 
para motivação e atenção. Hoje estamos cada vez mais conscientes de dis­
túrbios sutis que afetam crianças e adultos - distúrbio de déficit de aten­
ção (DDA) e distúrbio de hiperatividade de déficit de atenção (DHDA)2. 
Este livro descreve como DDA e DHDA são causados por disfunções sutis 
dos lobos frontais e as trilhas que os conectam a outras partes do cérebro. 
Este livro é sobre envelhecimento. Conforme envelhecemos, preocu­
pamo-nos cada vez mais com nossa argúcia mental. À medida que aumenta 
a preocupação popular com o declínio cognitivo, todos falam sobre perda 
de memória e ninguém fala da perda de funções executivas. Este livro lhe 
mostra o quanto vulnerável os lobos frontais são ao mal de Alzheimer e a 
outras demências. 
Este livro é sobre moléstia neurológica e psiquiátrica. Os lobos fron­
tais são excepcionalmente frágeis. Estudos recentes mostraram que a dis­
função do lobo frontal está no cerne de distúrbios devastadores, tais como 
a esquizofrenia eo trauma da cabeça. Os lobos frontais estão também 
envolvidos na síndrome de Tourette e no distúrbio obsessivo-compulsivo. 
Este livro é sobre o reforço de suas funções cognitivas e a proteção de 
sua mente contra o declínio. A neurociência contemporânea está apenas 
agora começando a tratar dessas questões. Algumas das idéias e aborda­
gens mais recentes são revistas aqui. 
Sobretudo, este livro é sobre o cérebro, o órgão misterioso que é parte 
de nós, que nos faz o que somos, que nos dota de nossos poderes e nos faz 
vergar com nossas fraquezas, o microcosmo, a última fronteira. Ao escre­
ver este livro, não procurei ser imparcialmente enciclopédico. Pretendi, 
pelo contrário, apresentar um ponto de vista pessoal, original e por vezes 
provocante de tópicos de neuropsicologia e neurociência cognitiva. Em­
bora muitos desses pontos tenham já sido publicados em revistas científi­
cas, eles não representam necessariamente a opinião predominante no 
campo, e muitos deles permanecem claramente partidários, controversos, 
de minha lavra. 
Finalmente, este livro é sobre pessoas: sobre meus pacientes, meus 
amigos e meus professores, que de várias maneiras e de ambos os lados da 
Cortina de Ferro ajudaram a moldar meus interesses e minha carreira, tor­
nando assim este livro possível. Este livro é dedicado a Alexandr Romano­
vich Luria, o grande neuropsicólogo, cujo legado informou e moldou o 
Introdução 25 
campo como o de mais ninguém. Como me referi a ele alhures, ele foi, em 
épocas diversas, "meu professor, meu mentor, meu amigo e meu tirano"3. 
Nosso relacionamento foi próximo e complexo. No Capítulo 2, forneço 
um relato bastante pessoal de um dos maiores psicólogos de nossa época e 
do contexto extraordinariamente difícil no qual ele trabalhou. 
Um socialite amigo meu observou, sucintamente e direto ao ponto: 
"O cérebro é o máximo!" Entre todos os modismos intelectuais, quase in­
telectuais e pseudo-intelectuais hoje em dia, o interesse popular no cére­
bro reina supremo. Ele é compartilhado por um público geral esclarecido, 
movido por autêntica curiosidade sobre a "última fronteira da ciência"; 
por pais ansiosos pelo sucesso de seus filhos e temerosos com a perspec­
tiva de fracasso; e por insaciáveis baby boomers (N. dos T.: geração nascida 
após a Segunda Guerra Mundial), decididos a permanecer no assento do 
motorista para sempre, mas aproximando-se da idade em que o declínio 
mental debilitante torna-se uma possibilidade estatística. Para ir ao 
encontro desse interesse sem paralelos, grande quantidade de livros 
populares foi escrita sobre memória, linguagem, atenção, emoção, hemis­
férios cerebrais e temas relacionados. Incrivelmente, porém, uma parte do 
cérebro foi completamente ignorada neste gênero: os lobos frontais. Este 
livro foi escrito para preencher esta lacuna. 
O público instruído está ficando desiludido com a feliz ilusão car­
tesiana de que o corpo é frágil, mas a mente é para sempre. Conforme vive­
mos mais tempo, somos mais bem instruídos, e vamos em frente pelo 
nosso cérebro em vez dos músculos, ficamos crescentemente interessados 
em nossas mentes e preocupados em perdê-las. 
A preocupação de nossa sociedade autocentrada com doenças criou 
um complexo emaranhado de realidade, neurose e culpa com tonalidades 
de Juízo Final. Nunca muito longe do centro de nossa consciência coletiva, 
essa preocupação geralmente enfoca uma doença que abrange todos os nos­
sos temores, tornando-se assim, nas palavras de Susan Sontag4, uma metá­
fora. Foi o câncer, depois a síndrome de imunodeficiência adquirida (aids). 
Confonne o valor de choque e novidade da metáfora do dia diminuem gra­
dualmente e uma familiaridade alimenta uma sensação (mágica) de segu­
rança, um novo foco emerge. Durante a década de 1990, declarada pelos 
National lnstitutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde) como sendo 
"a década do cérebro", a demência tornou-se, apropriadamente, o novo 
foco. À medida que com a idade a demência atinge uma proporção signifi­
cativa da população, a preocupação é basicamente racional, mas, como a 
maioria dos modismos, assume tonalidades neuróticas. 
26 O CÉREBRO EXECUTIVO 
Como convém a um movimento, a preocupação com a demência adquiriu sua 
própria metáfora, uma metáfora dentro de uma metáfora, por assim dizer. O nome desta 
metáfora é "memória". Na sociedade de in­formação dominada por baby boomers 
envelhecendo, há uma crescente preocupação em prevenir declínio cognitivo e reforçar o 
bem-estar cogni­tivo. Clínicas de memória e suplementos fortificantes da memória prolife­
ram. Revistas importantes estão repletas de artigos sobre memória. "Me­mória" tornou-se 
o nome do código para a emergente tendência da boa forma mental e da emergente 
preocupação com a perda da mente com a demência. 
Mas a cognição consiste em muitos elementos, sendo a memória ape­nas um deles. A 
memória é um dos muitos aspectos da mente centrais à nossa existência. O declínio da 
memória é apenas uma das muitas manei­ras pelas quais a mente pode ser perdida, assim 
como o mal de Alzheimer é apenas uma das diversas demências ainda incuráveis e a AIDS é 
apenas uma das diversas doenças infecciosas letais ainda incuráveis. Embora 
indubitavelmente frágil, a memória não é de modo algum o único, e possi­velmente nem 
mesmo o mais vulnerável aspecto da mente, e a perda de memória não é, de forma 
alguma, a única maneira pela qual a mente pode ser perdida. As pessoas freqüentemente 
se queixam de deterioração da "memória" por falta de um termo melhor ou mais preciso, 
quando o que afeta, na verdade, é o declínio de um aspecto da cognição inteiramente 
diferente. 
Como este livro vai mostrar, nenhuma outra perda cognitiva se apro­xima da perda 
das funções executivas em grau de devastação que ela pro­voca na mente e no self de uma 
pessoa. Conforme aprendemos mais sobre moléstias do cérebro, descobrimos que os lobos 
frontais são particular­mente afetados na demência, na esquizofrenia, na lesão 
traumática na cabeça, no distúrbio de déficit de atenção e em uma hoste de outros dis­
túrbios. As funções executivas são afetadas em demências com freqüência e cedo. 
Quaisquer esforços futuros para reforçar a longevidade cognitiva por meio de 
farmacologia "cognotrópica" revigorante da mente, exercício cognitivo ou qualquer 
outro meio terão de enfocar as funções executivas dos lobos frontais. Este livro passa 
em revisão os métodos científicos emergentes projetados para proteger e fortalecer a 
mente em geral e as funções executivas dos lobos frontais em particular. 
Finalmente, iremos traçar amplas analogias entre o desenvolvimento 
do cérebro e o desenvolvimento de outros sistemas complexos, como dis-
Introdução 27 
positivos computacionais digitais, e a sociedade. Essas analogias estão 
baseadas na suposição de que todos os sistemas complexos têm certas 
características fundamentais em comum e a compreensão de um sistema 
complexo nos ajuda a compreender os outros. 
Acredito que idéias são mais bem entendidas quando são considera­
das no contexto em que emergem. Deste modo, entrelaçadas com a dis­
cussão de vários tópicos de neurociência cognitiva estão vinhetas pessoais 
sobre meus professores, sobre meus amigos, sobre eu mesmo e sobre os 
tempos em que vivemos. 
Referências e Notas 
1. A. Damásio, Descartes' Errar: Emotion, Reason and the Hwnan Brain (Nova
Iorque: Putnam Publishing Group, 1994).
2. R. A. Barkley, ADHD and the Nature of Self-Control (Nova Iorque: Guilford
Press, 1997).
3. E. Goldberg, "Tribute to Alexandr Romanovich Luria", em Contemporary
Neuropsychology and the Legacy of Luria, ed. E. Goldberg (Hillsdale, Nova
Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1990), 1-9.
4. S. Sontag, Illness as Metaphor andAIDS and Its Metaphors (Nova Iorque: Dou­
bleday Books, 1990).
2 
Um Fim e 
um Começo: 
uma Dedicação 
Aflições triviais à parte, vivemos num mundo clemente, onde a margem 
de erro é geralmente bem generosa. Sempre suspeitei que,mesmo nos 
mais altos postos de poder, a tomada de decisões é um processo um tanto 
desleixado. De vez em quando, surgem situações na vida de um ser 
humano, e de uma sociedade, que não permitem margem de erro. Essas 
situações críticas sobrecarregam as capacidades do executivo que toma as 
decisões ao seu extremo. Aos 53 anos de idade, posso pensar em apenas 
uma situação dessas em minha vida. Para mim, na época já um estudioso 
das funções executivas, a experiência teve o duplo significado de um 
drama pessoal e de um estudo prático do funcionamento dos lobos fron­
tais - os meus próprios. 
Meu mentor, Alexandr Romanovich Luria, e eu estávamos imersos 
numa conversa que haviamos tido uma dúzia de vezes. Estávamos passean­
do, tendo saído do apartamento de Luria em Moscou, seguindo a rua 
Frunze na direção da Antiga Arbat1. Caminhávamos com cuidado, porque 
Luria quebrara sua perna e mancava, o que desacelerava seu passo geral­
mente rápido. Era uma tarde no começo da primavera, Moscou estava 
degelando após um frígido inverno, e a praça estava ficando movimen­
tada. Mas Luria estava com uma postura tão professoral com seu casaco da 
Marinha de casimira e gola de astracã que chegava quase até o chão e o 
chapéu combinando, que a multidão dava passagem. 
Clarice
Realce
30 O CÉREBRO EXECUTIVO 
O ano era 1972. O país havia vivido através dos anos assassinos de 
Stalin, através da guerra, através de mais anos assassinos de Stalin, e atra­
vés do degelo abortado de Krushchev. As pessoas já não eram executadas 
por dissidência, elas eram meramente encarceradas. O estado de espírito 
público predominante já não era de terror e calafrio nos ossos, mas depri­
mido, resignado, desesperançado, estagnado e indiferente, uma espécie 
de estupor social. Meu mentor tinha setenta anos de idade, e eu 25. Eu 
estava me aproximando do fim de minha aspirantura, um curso de 
pós-graduação geralmente levando a uma posição na faculdade. Estáva­
mos falando sobre meu futuro. 
Como em muitas ocasiões antes, Alexandr Romanovich estava me 
dizendo que era tempo de eu ingressar no partido - o partido, o Partido 
Comunista da União Soviética. Ele próprio um membro do partido, Luria 
ofereceu-se para nomear-me e arranjar uma segunda nomeação com Ale­
xey Nikolayevich Leontyev, também um ilustre psicólogo e nosso deão na 
Universidade de Moscou, com quem eu estava geralmente em termos cor­
diais. Ser membro do partido era o primeiro degrau da elite soviética, um 
passo obrigatório para qualquer aspiração séria na vida. Entendia-se que 
ser membro do partido era um sine qua non para qualquer progresso na 
carreira na União Soviética. 
Entendia-se também que minha nomeação para membro do partido 
era um gesto muito generoso de Luria e Leontyev. Eu era um judeu da 
Letônia, que era vista como uma província indigna de confiança, e eu 
tinha antecedentes "burgueses". Meu pai passara cinco anos no Gulag 
como um "inimigo do povo". Eu não aderira exatamente ao ideal soviético. 
Votando para mim, Luria e Leontyev, as duas principais figuras da psicolo­
gia soviética, corriam o risco de irritar a organização do partido da univer­
sidade por empurrar "um outro judeu" para o estrato rarefeito da elite aca­
dêmica soviética. Mas eles estavam dispostos a fazê-lo, o que significava 
que eles queriam que eu ficasse na Universidade de Moscou como mem­
bro da faculdade em início de carreira. Ambos haviam me protegido em 
várias situações antes, e estavam preparados para apoiar-me novamente. 
Repetidas vezes, contudo, eu disse a Alexandr Romanovich que eu 
não iria ingressar no partido. Por uma dúzia de ocasiões nos últimos pou­
cos anos, sempre que Luria trazia de volta o assunto eu o descartava, 
transformando-o numa piada, dizendo que eu era demasiado jovem, 
demasiado imaturo, que não·estava pronto ainda. Eu não queria um cho­
que aberto e Luria não me forçava. Mas dessa vez ele estava falando com 
Um Fim e um Começo: uma Dedicação 31 
finalidade. E dessa vez eu disse que não ia ingressar no partido porque não 
queria. 
Poderia ser dito que Alexandr Romanovich Luria era o psicólogo 
soviético mais importante de sua época. Sua multifacetada carreira incluía 
empreendimentos transculturais e estudos de desenvolvimento, princi­
palmente em colaboração com seu mentor, Lev Semyonovich Vygotsky, 
um dos maiores psicólogos do século XX. Mas foi sua contribuição à 
neuropsicologia que lhe granjeou verdadeira aclamação internacional. 
Universalmente considerado como o pai fundador da neuropsicologia, ele 
estudava a base neutra da linguagem, da memória e, é claro, das funções 
exclusivas. Entre seus contemporâneos, ninguém contribuiu para a com­
preensão dq complexo relacionamento entre o cérebro e cognição do que 
Luria, e ele era reverenciado dos dois lados do Atlântico (Fig. 2.1). 
Nascido em 1902, na família de um prneminente médico judeu, ele 
viveu em meio ao fermento cultural do início do século, os anos voláteis 
da Revolução Russa, a guerra civil, os expurgos de Stalin, a Segunda 
Guerra Mundial, uma segunda rodada de expurgos de Stalin e, finalmen­
te, um relativo degelo. Ele testemunhou os nomes de seus dois amigos 
mais próximos e mentores, Lev Vygotsky e Nicholai Bernstein, enodoa­
rem e a obra de suas vidas ser banida da existência pelo Estado. Em vários 
pontos de sua vida ele esteve à beira de ser encarcerado no Gulag de Stalin, 
mas, ao contrário de muitos outros intelectuais soviéticos, nunca foi real­
mente aprisionado . Sua carreira era uma mistura peculiar de uma odisséia 
intelectual guiada por um autêntico desdobramento natural de inquirição 
científica e de uma corrida pela sobrevivência no campo minado da ideo­
logia soviética. 
Tendo vindo da extremidade mais ocidental do Império Soviético, da 
cidade báltica de Riga, cresci num ambiente "europeu". Diferentemente 
das famílias de meus amigos de Moscou, a geração de meus pais não cres­
cera sob os soviéticos. Eu tinha um certo senso de cultura "européia" e 
identidade "européia." Entre meus professores na Universidade de Mos­
cou, Luria era um dos muito poucos "europeus" reconhecíveis, e esta foi 
uma das coisas que me levou a ele. Ele era um homem do mundo, poli­
glota e de muitos talentos, completamente à vontade com a civilização 
ocidental. 
Mas ele era também um homem soviético, acostumado a fazer com­
promissos para sobreviver. Suspeito que nos mais profundos recessos de 
seu ser havia um medo visceral de repressão física brutal. Eu havia conhe­
cido outras pessoas como ele e me pareceu que o medo latente ficou para 
Clarice
Realce
Clarice
Realce
Clarice
Realce
Clarice
Realce
Clarice
Realce
Clarice
Realce
44 O CÉREBRO EXECUTIVO 
sica não menciona o regente, assim como não há menção de um diretor 
no teatro grego. Nos primórdios dos conflitos armados havia uma coli­
são de duas hordas, onde cada homem lutava sua própria luta; o general 
apareceu milênios depois. E é bastante recente na história da guerra o 
fato de que o comandante militar supremo não mais inspira as tropas 
com sua coragem pessoal no Jront, mas dirige a batalha desde a reta­
guarda 1. 
A função de liderança adquire um status distinto e torna-se única ape­
nas quando o tamanho e a complexidade da organização (ou do orga­
nismo) atravessam determinado limiar. Quando a função da liderança se 
cristaliza em um papel especializado, a sabedoria da liderança consiste em 
manter um equilíbrio delicado e dinâmico entre a autonomia das partes 
do organismo e o controle sobre elas. Um líder criterioso sabe quando 
intervir e impor sua vontade, e quando retroceder e deixar que seus subor­
dinados tomem suas próprias iniciativas. 
O papel do líder é indefinível, mas decisivo. Um pequeno lapso do 
líder, e ocorre um desastre: uma orquestra desafina, a tomada de decisão 
corporativa é interrompida, e um grande exército vacila. De fato, alguns 
historiadores atribuem a derrota decisiva do grande exército de Napoleão 
em Waterloo à liderança debilitada do imperador,devido ao agravamento 
doloroso de uma doença crônica2 . 
O papel do líder é decisivo, mas indefinível. Eu me perguntava, 
quando garoto, qual seria a necessidade daquele homem engraçado no 
pódio, que acenava com as mãos,já que ele não fazia nenhuma contribui­
ção audível à música criada à minha frente. E me lembro do filho de três 
anos de meu amigo descrevendo o emprego do pai: "Sentado no escritório 
e apontando o lápis" (seu pai era o diretor de um grande departamento em 
uma universidade importante). 
Da mesma forma, os primeiros textos de neurologia continham des­
criçôes elaboradas das funções desempenhadas pelas outras partes do 
cérebro, mas os lobos frontais recebiam apenas uma nota de rodapé. 
Ficava implícito que os lobos frontais existiam principalmente para pro­
pósitos ornamentais. Levou muitos anos para que os neurocientistas 
começassem a avaliar a importância dos lobos frontais para a cognição. 
Mas quando isto finalmente ocorreu, surgiu um quadro de especial com­
plexidade e refinamento. Isto é o que examinaremos a seguir. 
O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais ... 45 
O Lobo Executivo 
O cérebro humano é o sistema natural mais complexo no universo conhe­
cido; sua complexidade equipara-se (ou talvez seja superior) à com­
plexidade das estruturas sociais e econômicas mais intricadas. É a nova 
fronteira da ciência. A década de 1990 foi declarada a década do cérebro 
pelo Instituto Nacional de Saúde. Assim como a primeira metade do 
século XX foi a idade da física, e a segunda metade foi a idade da biologia, 
o início do século XXI é a idade da ciência mente-cérebro.
Como uma grande corporação, uma grande orquestra, ou um grande 
exército, o cérebro consiste em componentes distintos que desempenham 
diferentes funções. E assim como estas inúmeras organizações humanas, 
o cérebro tem seus DEs, seu regente, seu general: os lobos frontais. Para
sermos precisos, este papel é conferido a apenas uma parte dos lobos fron­
tais, o córtex pré-frontal. Entretanto, é comum usar o modo de expressão
abreviado, "lobos frontais".
Assim como os louvados papéis de liderança na sociedade humana, os 
lobos frontais apareceram tardiamente. Na evolução, seu desenvolvimento 
começou a acelerar-se apenas com os grandes macacos. Na condição de 
sede da intencionalidade, previsão e planejamento, os lobos frontais são, 
entre todos os componentes do cérebro humano, os mais especificamente 
"humanos". Em 1928, o neurologista Tilney sugeriu que toda a evolução 
humana deveria ser considerada a "idade do lobo frontal"3. 
As funções dos lobos centrais, assim como as de um DE, resistem a 
uma definição apropriada. Eles não são dotados de nenhuma função 
única, de pronta classificação. Um paciente com uma doença nos lobos 
frontais mantém a capacidade de mover-se, de usar a linguagem, de reco­
nhecer objetos, e até mesmo de memorizar informações. Contudo, como 
um exército sem líder, a cognição desintegra-se. e finalmente entra em 
colapso com a perda dos lobos frontais. Em minha língua russa nativa, há 
uma expressão: "bez tsarya v golovye", "uma cabeça sem o czar dentro". 
Esta expressão poderia ter sido inventada para descrever os efeitos ele uma 
lesão dos lobos frontais no comportamento. 
Como se a associação à realeza não fosse suficiente, os lobos frontais 
foram envolvidos também em uma aura divina. Em seu notável ensaio 
cultural e neuropsicológico, Julian Jaynes antecipa a idéia de que os 
comandos executivos gerados internamente eram erroneamente tomados 
pelo homem primitivo como vozes de deuses originadas externamente4. 
Fica implícito, assim, que o advento das funções executivas nos primeiros 
46 O CÉREBRO EXECUTIVO 
estágios da civilização humana pode ter influenciado a formação ou o 
desenvolvimento elas crenças religiosas. 
Os historiadores da arte notaram um detalhe curioso em A oi ação de 
Adão, o grande afresco de Michelângelo no teto da Capela Sistina. O man­
to de Deus tem a forma precisa do contorno do cérebro, seus pés pousam 
no tronco cerebral e sua cabeça está emoldurada pelo lobo frontal. O dedo 
de Deus, apontado para Adão, e tornando-o humano, projeta-se do córtex 
pré-frontal. Nas palavras de Julius Meier-Graefe: "Há mais gênio no dedo 
de Deus chamando Adão para a vida do que no conjunto da obra de qual­
quer precursor de Michelângelo. "5 Ninguém sabe se a alegoria foi planeja­
da por Michelângelo, ou se a semelhança é mera coincidência (é provável 
que seja a segunda alternativa). Mas é difícil imaginar um símbolo mais 
poderoso do profundo efeito humanizador dos lobos frontais. Os lobos 
frontais são verdadeiramente "o órgão da civilização". 
Como os lobos frontais não estão ligados a nenhuma função única e 
facilmente definida, as primeiras teorias da organização cerebral nega­
ram-lhe qualquer papel importante. De fato, os lobos frontais eram 
conhecidos como "os lobos silenciosos". Nas últimas décadas, entretanto, 
os lobos frontais tornaram-se o foco de intensas investigações científicas. 
Contudo, nosso esforço de compreensão das funções dos lobos frontais, e 
particularmente do córtex pré-frontal, ainda prossegue, e, por falta de 
conceitos mais precisos, com freqüência resvalamos em metáforas poéti­
cas. O córtex pré-frontal desempenha um papel fundamental na formação 
de metas e objetivos; a seguir, no planejamento de estratégias de ação 
necessárias para a consecução destes objetivos. Ele seleciona as habilida­
des cognitivas requeridas para a implementação dos planos, coordena 
estas habilidades e as aplica em uma ordem correta. Finalmente, o córtex 
pré-frontal é responsável pela avaliação do sucesso ou do fracasso de nos­
sas ações em relação aos nossos objetivos. 
A cognição humana é progressiva, mais favorável à ação do que à rea­
ção. É movida por objetivos, planos, aspirações, ambições e sonhos, e 
tudo isto pertence ao futuro e não ao passado. Os poderes cognitivos 
dependem dos lobos frontais e evoluem com eles. Em um sentido mais 
amplo, os lobos frontais são o mecanismo do organismo de liberar-se do 
passado e projetar-se no futuro. Os lobos frontais munem o organismo da 
capacidade de criar modelos neurais das coisas como um pré-requisito 
para fazer as coisas acontecerem, modelos de algo que ainda não existe 
mas que queremos trazer à existência. 
O Diretor-Executivo do Cérebro: os Lobos Frontais ... 47 
Para evocar uma representação interna do futuro, o cérebro precisa 
ter a capacidade de tomar certos elementos de experiências anteriores e 
configurá-los novamente de um modo que, em sua totalidade, não corres­
ponda a nenhuma experiência passada real. Para que este desempenho 
tenha sucesso, o organismo deve ir além da mera capacidade deformar 
representações internas, os modelos do mundo exterior. Ele deve adquirir 
a capacidade de manipular e transformar estes modelos. Como disse um 
amigo meu, um matemático talentoso, o organismo deve ir além da capa­
cidade de ver o mundo por meio de representações mentais; ele deve 
adquirir a capacidade de trabalhar com representações mentais. Podemos 
dizer que uma das características distintivas fundamentais da cognição 
humana, a fabricação sistemática de ferramentas, depende desta capaci­
dade, já que uma ferramenta não existe de uma forma pronta no ambiente 
natural e tem de ser evocada para ser fabricada. Para dar um passo além, o 
desenvolvimento de todo o mecanismo neural capaz de criar e manter 
imagens do futuro, os lobos frontais, pode ser visto como um pré-requi­
sito necessário para a fabricação de ferramentas e, desta maneira, para o 
avanço do homem e da civilização humana, tal como é geralmente defi­
nida. 
Além disso, o poder generativo da linguagem de criar novos construc­
tos pode depender dessa capacidade também. A capacidade de manipular 
e recombinar representações internas criticamente depende do córtex 
pré-frontal, e a emergência desta capacidade corresponde (ou corre para­
lelamente) à evolução dos lobos frontais. Se houver algo chamado de "ins­
tintode linguagem"6, ele pode ser relacionado ao aparecimento, tardio na 
evolução, das propriedades funcionais dos lobos frontais. 
Portanto, o desenvolvimento mais ou menos contemporâneo das 
funções executivas e da linguagem foi, em termos de adaptação, alta­
mente acidental. A linguagem ofereceu o meio para a construção de 
modelos e as funções executivas, o meio de manipulá-los e executar ope­
rações nos modelos. Para usar a linguagem da biologia, o advento dos 
lobos frontais foi necessário para fazer uso da capacidade generativa ine­
rente na linguagem. Para os defensores de descontinuidades drásticas 
como um fator fundamental na evolução, a confluência entre o desenvol­
vimento da linguagem e as funções executivas pode ter sido a força defini­
tiva por trás do salto quântico que foi o advento do homem. 
De todos os processos mentais, a formação de objetivos é a atividade 
mais centrada no agente. A formação de objetivos refere-se a "eu preciso" 
e não a "isto é". Então, a emergência da capacidade de formular objetivos 
48 O CÉREBRO EXECUTIVO 
deve ter sido vinculada, ele modo inexorável, à emergência ela representa­
ção mental elo "eu". Não deve causar surpresa o fato de que o apareci­
mento da autoconsciência esteja também ligado, de maneira intrincada, à 
evolução dos lobos frontais. 
Todas essas funções podem ser consideradas metacognitivas, mais do 
que cognitivas, já que não se referem a nenhuma habilidade mental espe­
cífica, mas oferece uma organização abrangente para todas elas. Por esta 
razão, alguns autores referem-se às funções elos lobos frontais como "fun­
ções executivas", em analogia ao DE da corporação. Considero a analogia 
com o regente ele orquestra ainda mais reveladora. Mas para apreciar ple­
namente as funções e as responsabilidades do regente precisamos, antes 
de mais nada, aprender mais sobre a orquestra. 
Referências e Notas 
1. Sobre a transformação da liderança militar através da história, ver J. Keegan,
Tlie Mash of Co11111ia11d (Nova Iorque: Penguin, 1989).
2. A doença crônica de Napoleão não tinha relação direta com seu cérebro.
Muito diferente disso, ela acarretava hemorróidas extremamente inflamadas.
Sobre este assunto, ver A. Neumayr, Diclalors in lhe Mirrar of Medicine: Napo­
leon, Hitler, Stalin. Tra11s. D.]. Parenl (Bloomi11gton, Illinois: Medi-Ed Press,
1995).
3. F. Tilney, T/1e Brain: From Ape to Ma11 (Nova Iorque: Hoeber, 1928).
4. j. Jaynes, Tlie Origi11 of Consciousness in lhe Brealldow11 of the Bicmneral Mind
(Nova Iorque: Houghton Mifílin Company, 1990).
5. Citado em W.E. Wallace, Michela11gelo: Tlie Complete Sculpture, Pai11li11g,
Arcliitecture (Southport, Connecticut: Hugh Lauter Levin Associates, 1998).
6. S. Pinker, Tlie Language l11sli11ct (Nova Iorque: Harper Perennial Library,
1995).
4 
Arquitetura do 
Cérebro: 
uma Cartilha 
A Visão Microscópica 
O cérebro consiste em centenas de bilhões de células (neurônios e células 
gliais), interligadas de modo intrincado por prolongamentos (dendrites e 
axônios). Existem diversos tipos de neurônios e células gliais. Alguns dos 
prolongamentos entre os neurônios são locais, propagando-se dentro ele 
suas imediações. Mas outros são longos, interligando estruturas neurais 
distantes. Essas longas ramificações são revestidas por um tecido adiposo 
branco, a mielina, que facilita a passagem elos sinais elétricos gerados dentro 
dos neurônios (potenciais de ação). Os neurônios e as conexões locais cur­
tas formam, conjuntamente, a massa cinzenta, e os longos prolongamen­
tos mielinizaclos compõem a massa branca. Cada neurônio é interligado 
com uma miríade de outros neurônios, resultando em padrões intrinca­
dos de interações. Deste modo, é construída uma rede de complexidade 
surpreendente a partir de elementos relativamente simples. 
O princípio que fundamenta a realização de grande complexidade 
por meio de permutações múltiplas ele elementos simples parece ser uni­
versal e é implementado na natureza (e na cultura) ele inúmeras maneiras. 
Consideremos, por exemplo, a linguagem, onde milhares ele palavras, 
sentenças e narrativas são construídas a partir ele algumas dúzias de letras; 
ou consideremos o código genético, onde um número virtualmente infi-
50 O CÉREBRO EXECUTIVO 
nito de variantes pode ser atingido por meio da combinação de um 
número finito de genes. 
Embora o sinal gerado dentro de um neurônio seja elétrico, a comuni­
cação entre os neurônios acontece quimicamente. Os múltiplos sistemas 
bioquímicos do cérebro estão interligados e entrelaçados com a complexi­
dade estrutural descrita acima. As substãncias bioquímicas, chamadas de 
neurotransmissores e 11euro111oduladores, permitem a comunicação entre os 
neurônios. Um sinal elétrico (potencial de ação) é gerado dentro do corpo 
do neurônio e viaja ao longo do axônio até alcançar o terminal, o ponto de 
contato com um dendrito, um prolongamento ou caminho que leva a 
outro neurônio. No ponto de contato há uma brecha, chamada de sinapse. 
A chegada do potencial de ação libera pequenas quantidades de substãn­
cias químicas (neurotransmissores), que viajam para o outro lado da 
sinapse, como jangadas que cruzam um rio, e se ligam aos receptores, 
moléculas altamente especializadas que estão do outro lado da brecha. 
Quando isto é realizado, os neurotransmissores são destruídos na sinapse 
com a ajuda de enzimas especializadas. Entrementes, a ativação de recep­
tores pós-sinápticos resulta em outro evento elétrico, um potencial pós-si­
náptico. Diversos potenciais pós-sinápticos ocorrendo juntos resultam em 
outro potencial de ação, e o processo é repetido milhares e milhares de 
vezes tanto em caminhos paralelos como nos seqüenciais. Isto permite 
informações em código de assombrosa complexidade. 
Estamos constantemente aprendendo sobre novos tipos de neuro­
transmissores. Até esta data, várias dúzias deles foram descobertas: gluta­
mato, ácido gama-aminobutírico (GABA), serotonina, acetilcolina, norepi­
nefrina e dopamina, para mencionar alguns. Alguns neurotransmissores, 
como o glutamato ou o GABA, são encontrados virtualmente em todos os 
lugares do cérebro. Outros neurotransmissores, como a dopamina, estão 
restritos a certas partes elo cérebro. Cada neurotransmissor pode vincu­
lar-se a diversos tipos de receptor, alguns dos quais são ubíquos e outros 
específicos de uma região. 
Podemos considerar o cérebro como o acoplamento de duas organi­
zações altamente complexas, a estrutural e a química. Este acoplamento 
leva a um aumento exponencial na complexidade total do sistema. Esta, 
por sua vez, é aumentada pelos circuitos ubíquos de retroalimentação, em 
que a atividade da fonte ele sinais é modificada por seu alvo, tanto local 
como global, tanto estrutural como bioquímico. Como conseqüência, o 
cérebro pode produzir um arranjo virtualmente infinito de padrões de ati­
vação diferentes, correspondendo aos estados virtualmente infinitos do 
► 
Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 51 
mundo exterior. O neurônio representa uma unidade microscópica do 
cérebro, e o padrão de conectividade entre os neurônios representa a 
organização microscópica do cérebro. 
uando o organismo é exposto a um novo padrão de sinais do mundo 
exterior, a força dos contatos sinápticos (a facilidade da passagem de 
sinais entre neurônios) e propriedades locais bioquímicas e elétricas gra­
dualmente mudam as constelações distribuídas de modo complexo. Isto 
representa a aprendizagem, tal como a entendemos hoje1 • 
A Visão Macroscópica 
Os neurônios estão agrupados em estruturas coesivas, micleos e regiões. 
Cada estrutura consiste em milhões de neurônios. Os núcleos e as regiões 
representam as unidades macroscópicas do cérebro, e o padrão ele conec­
tividade entre eles representa a organização macroscópica elo cérebro. 
O cérebro é um sistema altamente interconectado, e a arquitetura das 
principais conexões entre seus núcleos e regiões oferece uma vista pano­
râmicaútil do sistema inteiro. 
Para propósitos heurísticos, vou recorrer à metáfora de uma árvore. 
Uma árvore tem tronco e ramos ou galhos. Estes se dividem em ramos 
menores. Na extremidade destes encontra-se a fruta. Em certo sentido, o 
cérebro é organizado de um modo semelhante. Podemos pensar no cére­
bro como "uma árvore de estimulação e ativação". Seu tronco é responsável 
pela estimulação fisiológica geral e ativação necessárias para o funciona­
mento das várias estruturas cerebrais, as frutas. Este é o pivô anatômico 
do cérebro, o tronco cerebral. Uma grande lesão séria no cérebro desorga­
niza a consciência e pode levar ao coma. 
Encontram-se numerosos núcleos dentro do compacto tronco cere­
bral, que dão origem a um intrincado sistema de caminhos. Em muitos 
casos, os núcleos e suas projeções são específicos em termos bioquímicos, 
ligados a um neurotransmissor em particular; em outros casos, eles são 
complexos em termos bioquímicos, envolvendo inúmeros neurotrans­
missores. Estes são os galhos e ramos da "árvore de estimulação". Cada 
ramo contém projeções para uma parte distinta do cérebro, garantindo 
sua ativação. Há algumas décadas, era comum a referência ao conjunto 
desses ramos como o sistema de ativação reticular ascendente (ARAS)2. 
Hoje aumenta a possibilidade ele identificação de seus distintos compo­
nentes neuroanatômicos e bioquímicos e o estudo destes componentes 
52 O CÉREBRO EXECUTIVO 
separadamente. Uma lesão causada a qualquer ramo determinado não irá 
desorganizar a consciência em um sentido global, mas irá interferir em 
funções cerebrais específicas. Cada ramo da árvore de estimulação proje­
ta-se em componentes distintos do cérebro, cada um com seus próprios 
conjuntos de funções. 
Existem diversas estruturas subcorticais no cérebro. Na evolução, as 
estruturas subcorticais desenvolveram-se antes do córtex e durante mi­
lhões de anos elas guiaram os comportamentos complexos de vários 
organismos. Nos répteis contemporâneos, e até mesmo nos pássaros, o 
neocórtex é representado apenas de forma mínima3. Em um cérebro acor­
tical, antigo em termos filogenéticos, dois conjuntos de estruturas po­
diam ser identificados: o tálamo e os gânglios basais. Nos primórdios da 
evolução, o sistema nervoso central dividia-se em duas metades laterais. 
Portanto, cada uma das estruturas cerebrais descritas aqui consiste em um 
par de metades iguais: direita e esquerda. 
Apesar de uma certa sobreposição funcional, o tálamo e os gânglios 
basais eram dotados de funções nitidamente diferentes. No cérebro 
antigo, pré-cortical, a principal função do tálamo era receber e processar 
informações do mundo exterior, e os gânglios basais eram responsáveis 
pelo comportamento motor e a ação. Desta forma, a distinção entre per­
cepção e ação parece ter sido fundamental na arquitetura cerebral desde o 
início. A árvore de estimulação divide-se em dois ramos principais, um 
que se projeta separadamente no mecanismo subcortical da percepção (o 
ramo dorsal) e o outro no da ação (o ramo ventral). 
Embora seja tratado, geralmente, como uma estrutura única, o tá­
lamo é, de fato, uma coleção de muitos núcleos. Alguns deles são respon­
sáveis pelo processamento de tipos distintos de informação sensorial: 
visual, auditiva, tátil, e assim por diante. Outros núcleos talâmicos são 
responsáveis pela integração de vários tipos de informação sensorial. No 
tálamo, está presente uma hierarquia complexa de integração da entrada 
de dados. O núcleo talâmico dorsomedial está no ápice desta hierarquia e 
está intimamente interligado com o córtex pré-frontal. Outros núcleos 
talâmicos, encontrados em torno da linha mediana, não são específicos, 
responsáveis por várias formas de ativação4 . 
Existe uma estrutura estreitamente ligada ao tálamo, chamada de 
hipotála,po. Enquanto o tálamo controla o mundo exterior, o hipotálamo 
controla os estados internos do organismo e ajuda a mantê-los dentro de 
parâmetros homeostáticos e adaptativos. O hipotálamo é também uma 
coleção de núcleos distintos, cada qual relacionado a um aspecto distinto 
,... 
Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 53 
da homeostase: consumo de alimentos, consumo de líquidos, tempera­
tura do corpo, e assim por diante.Juntos, o tálamo e o hipotálamo consti­
tuem o diencéfalo5 . 
Os gânglios basais incluem os núcleos caudados, o putame e o globus 
pallidus. No cérebro pré-cortical, estas estruturas eram fundamentais para 
a iniciação de ações e controle sobre os movimentos. No cérebro evoluído 
do mamífero, os gânglios basais estão sob um controle particularmente 
estreito dos lobos frontais, e trabalham em colaboração com eles. De fato, 
a colaboração é tão estreita que minha tendência é considerar os núcleos 
caudados como parte dos "lobos frontais maiores". 
Uma estrutura chamada de amígdala é também considerada como um 
dos gânglios basais, mas ela serve a uma função um tanto diferente. As 
amígdalas regulam as interações do organismo com o mundo externo, que 
são críticas à sobrevivência do indivíduo e da espécie: as decisões de ata­
car ou de fugir, de copular ou não, ele ingerir ou não. Elas oferecem uma 
avaliação rápida, pré-cognitiva e emocional da situação em termos de seu 
valor de sobrevivência6 . 
O cerebelo é uma grande estrutura anexada à parte posterior (ou, 
como diria um neuroanatomista, ao aspecto dorsal) do tronco cerebral. 
Sua anatomia corresponde, em miniatura, à anatomia do cérebro inteiro: 
um pivô chamado vermis, e dois hemisférios cerebelares. O cerebelo é 
importante nos movimentos, particularmente na coordenação de movi­
mentos finos com informações sensoriais. Mas estudos recentes também 
mostraram que o cerebelo está estreitamente ligado ao córtex frontal e 
participa de planejamentos complexos7 . 
O córtex começou a emergir relativamente tarde na evolução do 
cérebro: primeiro o arquicórtex, depois o paleocórtex8 . Eles incluem o 
hipocampo e o córtex cingulado. O hipocampo, o "cavalo-marinho", é 
composto de duas estruturas longas abraçando o interior elos lobos tem­
porais (ou, como diria um neuroanatomista, em seus aspectos medianos.) 
O hipocampo desempenha um papel crítico na memória. Alguns cientistas 
acreditam que ele é dedicado especificamente à aprendizagem espacial9 . 
Creio ser esta uma visão estreita sugerida por experimentos animais, em 
que a aprendizagem espacial é o único paradigma possível para estudar a 
memória. Nos seres humanos, o hipocampo também está relacionado com 
outras formas de memória, como a memória verballO _ 
O córtex cingulado abraça a superfície interna dos hemisférios, des­
cansando sobre o corpo caloso. Sua função não é inteiramente clara, mas 
está relacionado com as emoções. Juntamente com a amígdala e o hipo-
54 
O CÉREBRO EXECUTIVO 
campo, 0 córtex cingulado compõe o assim chamado sistema límbico11 , 
um constructo um tanto antiquado que implica uma unidade funcional 
entre estas estruturas, cujo valor heurístico tem sido cada vez mais con­
testado. O córtex cingulado anterior, supostamente relacionado com a 
incerteza, está estreitamente ligado ao córtex pré-frontal 12. Em certo sen­
tido, é também parte dos lobos frontais maiores. 
Finalmente, o neocórtex chegou em cena13 , um fino manto estreita­
mente ligado ao cérebro e enrugado em circunvoluções características de 
nozes. O manto cortical tem sua própria organização intrincada. Consiste 
em seis camadas, cada qual caracterizada por sua própria composição 
neuronal. Certas partes do neocórtex estão organizadas em "colunas" 
verticais que penetram as camadas e representam unidades funcionais 
distintas. A chegada do neocórtex mudou radicalmente o modo como a 
informação é processada e dotou o cérebro de muito maior complexidade 
e poder de cálculo. A divisão em dois sistemas laterais iguais continua 
com o córtex, dando surgimento a dois hemisférios cerebrais. A distinção 
entre os sistemas de "percepção" e "ação" é também retida em nível neo­
cortical: a parte posterior (traseira)do córtex é dedicada à percepção e a 
anterior (fronteira) é dedicada à ação. Mas, apesar destas divisões, o neo­
córtex é muito mais densamente interligado que seus predecessores sub­
corticais. Conforme veremos posteriormente, esta pode ter sido sua rai­
s011 d'être adaptativa. 
A chegada do neocórtex mudou radicalmente o "equilíbrio de poder" 
dentro do cérebro. As antigas estruturas subcorticais, que costumavam 
desempenhar certas funções independentemenLe, agora encontram-se 
subordinadas ao neocórtex e assumem funções de apoio à beira do novo 
nível de organização neural. Para um cientista que tenta entender estas 
funções, isto apresenta uma fonte de confusão: a função destas estruturas 
subcorticais, antes do advento do córtex, provavelmente não permanece a 
mesma hoje, no cérebro plenamente cortical. E, portanto, paradoxal­
mente, nossa compreensão das funções corticais é, em muitos aspectos, 
mais precisa do que nossa compreensão das funções do tálamo ou dos 
gânglios basais, apesar do fato de ser o córtex, em certo sentido, mais 
"avançado". 
O neocórtex consiste em regiões distintas, chamadas de regiões citoar­
quitetônicas, cada qual caracterizada por seu próprio tipo de composição 
neurÓnal e padrões de conectividade local. O neocórtex desempenha 
diversas funções; contudo, não há nenhuma relação simples entre suas 
diferentes funções e as regiões citoarquitetônicas. O neocórtex consiste 
Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 55 
em quatro lobos principais, cada qual ligado a seu próprio tipo de infor-
] 
mação. O lobo occipital lida com as informações visuais, o lobo temporal 
lida com sons, o lobo parietal lida com sensações tá Leis e o lobo Jro11tal lida 
com movimentos. 
Ocorreram duas mudanças fundamentais em um estágio muito tardio 
da evolução cortical: o surgimento da linguagem e uma rápida ascensão 
das funções executivas. Como veremos, a linguagem adquire seu lugar no 
neocórtex, anexando-se a várias áreas corticais de modo muilo dissemi­
nado. E as funções executivas aparecem na condição de posLo de coman­
do do cérebro, na porção frontal do lobo frontal, o córtex pré-Jro11tal. 
Os lobos frontais passam por uma expansão explosiva no último estágio 
da evolução. 
Segundo Korbinian Brodmann 14, o córtex pré-frontal (ou seus análo­
gos) é responsável por 29% do córtex total nos seres humanos, 17% no 
chimpanzé, 11,5% no gibão e no macaco, 8,5% no lêmure, 7% no cachor­
ro e 3 ,5% no gato (Fig. 4 .1). Há diversas maneiras de descrever o córtex 
pré-frontal em relação a outras áreas corticais. Um dos métodos é baseado 
nos chamados "mapas citoarquitetônicos", mapas do córtex compostos 
de regiões cerebrais numeradas, morfologicamente distintas (Fig. 4.2). 
Estas regiões corticais são chamadas de "áreas de Brodmann", nome rece­
bido por causa do autor do mapa citoarquitetônico mais comumente 
0,3 
Proporção do córtex 
frontal a total 0,2 
0,1 
Lêmure Gibão Chimpanzé Seres humanos 
Fig. 4.1 - Proporção do lobo frontal em relação ao cérebro total em diferentes espé­
cies de símios e primatas. 
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O CÉREBRO EXECUTIVO 
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'" 
Fig. 4.2 - Mapa cortical com regiões citoarquitelônicas de Brodmann. (Adaptada de 
Roberts, Leigh e Weinberger [ 1993]. Reproduzida com pennissão.) 
Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 57 
usado 15. Segundo esta definição, o córtex pré-frontal consiste nas áreas de
Brodmann 8, 9, 10, 11, 12, 13, 44, 45, 46 e 47. 16 O córtex pré-frontal é 
caracterizado pela predominãncia das chamadas células neurais granula­
res encontradas principalmente na IV camada 17. 
Um método alternativo, mas aproximadamente equivalente ele des­
crever o córtex pré-frontal, é por meio ele suas projeções subcorticais. 
Uma estrutura subcortical específica é comumente usada para este pro­
pósito: o núcleo talâinico dorsomedial, que é, em certo sentido, o ponto ele 
convergência, o ápice ela integração ocorrendo dentro elo núcleo talã­
mico específico. O córtex pré-frontal é, então, definido como a área que 
recebe projeções do núcleo Lalâmico dorsomeclial. O córtex pré-frontal 
é, às vezes, descrito também através de seus caminhos bioquímicos. 
Segundo esta definição, o córtex pré-frontal é definido como a área que 
recebe projeções do sistema de dopamina mesocortical. Os diversos 
métodos ele delinear o córtex pré-frontal descrevem territórios aproxi­
madamente idênticos. Isto é mostrado na Fig. 4.3. 
Em um curioso paralelo entre a evolução do cérebro e a evolução da 
ciência do cérebro (iremos voltar ao tema algumas vezes), o interesse no 
córtex pré-frontal também chegou tardiamente. Mas, gradualmente, co-
Fig. 4.3 - O córtex pré-frontal. 
58 O CÉREBRO EXECUTIVO 
meçou a revelar seus segredos a grandes cientistas e clínicos, como Hugh­
lings Jackson 18 e Alexandr Luria 19 , e nas últimas décadas a pesquisadores 
como Antonio Damásio20,Joaquin Fuster21, Patrícia Goldman-Rakic 22 e 
Donald Stuss e Frank Benson23. 
O Posto de Comando e suas Conexões 
Um bom posto de comando é aquele que mantém boas linhas de comuni­
cação com as unidades de combate. Fiel às suas funções "executivas", o 
córtex pré-frontal é provavelmente a parte mais bem conectada do cére­
bro. O córtex pré-frontal está diretamente interligado a cada unidade fun­
cional distinta do cérebroH_ Está conectado com o córtex de associação 
posterior, a mais alta estação de integração perceptual, e também com o 
córtex pré-motor, dos gânglios basais e o cerebelo, todos envolvidos em 
vários aspectos do controle motor e movimentos. O córtex pré-frontal 
está conectado com o núcleo talâmico dorsomedial, a principal estação de 
integração neural com o tálamo; com o hipocampo e estruturas relaciona­
das, de importância decisiva para a memória; e com o córtex cingulado, 
dado como fundamental para as emoções e para a capacidade de lidar com 
a incerteza. Além disto, este posto de comando conecta-se com as amíg­
dalas, que regulam as relações mais básicas entre os membros individuais 
da espécie, e com o hipotálamo, responsável pelo controle sobre as fun-
. ções homeostáticas vitais. Finalmente, mas igualmente importante, ele 
está conectado com os núcleos do tronco cerebral responsáveis pela ativa­
ção e estimulação. 
De todas as estruturas do cérebro, apenas o córtex pré-frontal está 
embutido em uma rede tão rica de caminhos neurais. Esta conectividade 
única torna os lobos frontais especialmente adequados para a coordena­
ção e para a integração do trabalho de todas as outras estruturas cerebrais 
- o regente da orquestra. Como veremos mais tarde, esta extrema conec­
tividade também coloca os lobos frontais em um risco particular para
doenças. Como em organizações políticas, econômicas e militares, o líder
é, em última instância, responsável pelos erros dos subordinados.
Veremos posteriormente que o córtex pré-frontal, único entre as 
estruturas cerebrais, parece conter o mapa do córtex inteiro, e quem fez 
esta afirmação em primeiro lugar foi Hughlings Jackson25, no final do 
século XIX. Esta propriedade do córtex pré-frontal pode ser o pré-requi­
sito crucial da consciência, a "percepção interna" .Já que qualquer aspecto 
Arquitetura do Cérebro: uma Cartilha 59 
de nosso mundo mental pode, em princípio, ser o foco de nossa consciên­
cia, é lógico supor que uma área de convergência de todos os seus substra­
tos neurais deva existir. Isto leva à proposição provocante de que a evolu­
ção da consciência, a expressão mais elevada do cérebro desenvolvido, 
corresponde à evolução do córtex pré-frontal. De fato, alguns experimen­
tos mostraram que o conceito ele "eu", considerado um atributo funda­
mental da mente consciente, aparece apenas nos grandes macacos. E é 
apenas nos grandes macacos que o córtex pré-frontal adquire uma posi­
ção importante no cérebro. 
Referências e Notas 
1. Para um exame mais completo, ver A. Parent, Carprnler's Hw11a11 Neuroa11a­
to111y, 9ª ed. (Baltimore: Williams& Wilkins, 1995). (Edição revisada ele M.B.
Carpenter eJ. Satin, H1111ia11 Neuroa11ato111y, 8" ed, 1983.)
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3. Uma resenha completa sobre este tópico pode ser encontrada em D. Oakley e
H. Plotkin, eds., Brni11, Be/,avior anel Evol11tio11 (Cambridge, UK: Cambridge
University Press, 1979).
4. Novamente, para uma resenha mais completa, ver A. Parent, Carpenter's
H11111a11 Ne11roc111ato111y, 9ª ecl. (Baltimore: Williams & Wilkins, 1995).
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Tlie Prefronlal Corlex: A11alo111y, Phisiology anel Neuropsyclwlogy of the Frontal
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21. J. M. Fuster, Tlie Prefrontal Corlex: Analomy, Phisiology and Neuropsychology
of the Frontal Lobe, 3" ed. (Filadélfia: Lippincott-Raven, 1997).
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24. W. J. Nauta, "Neural Associations of the frontal cortex", Acta Neurobiol Exp,
32, nº 2 (1972): 125-140.
25. J. H. Jackson, "Evolution anel dissolution of the nervous system". Croonian
Leclure, Seleclecl Papers, 2 (1884).
,.. 
5 
A Fileira Frontal 
da Orquestra: 
o Córtex
Sons e Músicos 
Para dar valor ao papel do regente, devemos reconhecer a complexidade da 
orquestra. A orquestra do cérebro consiste em uma grande coleção de músicos: os 
talentos, aptidões e conhecimento que compõem o nosso mundo mental. E o 
neocórtex, sem dúvida, contém os músicos mais com­petentes da orquestra 
cerebral. 
É de longa data a curiosidade dos cientistas acerca da complexidade e da 
diversidade funcional do cérebro, especialmente da sua parte mais avançada, o 
córtex. Quase todos nós já vimos, em livros da faculdade ou prateleiras de sebos, 
mapas frenológicos antigos. Atualmente são desa­provados e considerados como 
charlatanismo. Não obstante, eles reíle­tem o conhecimento mais atualizado 
acerca da organização cerebral exis­tente em torno do início do século XIX, 
quando o pai da frenologia, Franz Joseph Gall, publicou sua obra iníluente1 . Os 
frenologistas relacionavam as saliências que viam na superfície do crânio a 
aptidões mentais indivi­duais e a traços de personalidade. A partir dessas relações, 
eles construí­ram mapas elaborados, atribuindo atributos mentais específicos a 
partes específicas do cérebro. 
Do ponto de vista da ciência contemporânea, os mapas frenológicos 
representaram um falso começo. Assim como acontece com a alquimia em 
relação à química, podemos dizer que a frenologia pertence mais pro-
62 O CÉREBRO EXECUTIVO 
priamente à pré-história da neurociência do que aos primórdios de sua 
história. Contudo, foi a primeira vez que o córtex foi considerado como 
um conjunto ele partes distintas, uma orquestra e não um simples instru­
mento, e houve uma tentativa ele identificar os músicos. E o falso início 
representado pela frenologia ressaltou um problema fundamental ine­
rente a todos os campos ele investigação, que é o ela relação entre a lingua­
gem descritiva cio senso comum e a linguagem científica da análise. 
Todos nós temos o comando ele certas habilidades cognitivas (ler, 
escrever, contar), características ele personalidade (coragem, sabedoria, 
temeridade) e atitudes (afeição, desprezo, hesitação). À primeira vista, o 
significado destas palavras parece evidente, e era presumível que a cada 
uma destas propriedades ela mente coubesse uma localização distinta no 
cérebro. Esta era a crença dominante há somente um século e meio con-
forme ilustra o mapa frenológico na Fig. 5.1. 
Faculdades mentais idealistas 
Qualidades mentais superiores 
Confiança 
Curiosidade 
Perfeccionismo, refinamento Esperança 
Presente Consciência 
Futuro Justiça Ambição 
Independência 
Agressividade 
Lealdade 
Devoção 
Causalidade 
Auto-estima 
Ambição 
Prudência 
Modéstia 
Reserva 
Reticência 
Polidez 
Prudência 
Faculdades criativas 
Sagacidade 
Destreza 
Atração pela comida 
Instintos adquiridos 
Tenacidade 
Cautela 
Frugalidade 
Sentimentos 
protetores 
Sentimentos superiores 
Auto-estima 
Medo 
Instintos 
· domésticos 
Sentimentos paternos/matemos 
Amor às crianças 
Amor aos animais 
Fig. 5.1- Mapa freno lógico no espírito de Gall (De Higher Cortical F1111ctio11s in Ma 11, 
2ª ed., por A. R. Luria. Copyright 1979, por Consultants Bureau Enterprises, Jnc., and 
Basic Books, lnc. Reimpressa com a permissão de Basic Books, membro de Perseus 
Books, L.L.C.) 
A Fileira Frontal da Orquestra: o Córtex 63 
Os cientistas, desde então, sabem que a maneira como a linguagem 
humana usada no cotidiano classifica as características mentais e os 
comportamentos não corresponde exatamente ao modo como eles são 
representados no cérebro. Hoje ainda pensamos que o córtex consiste em 
muitas partes que exercem diferentes funções. Não obstante, a linguagem 
científica que usamos para descrever essas funções distintas mudou 
substancialmente. É só comparar os dois mapas nas Figs. 5.1 e 5.2. O pri­
meiro mapa cerebral foi desenhado por Gall, no início elo século XIX. 
O segundo mapa cerebral foi desenhado pelofamoso neurologista Kleist, 
no início elo século XX2 . Embora obviamente não seja atual, o segundo 
mapa está muito mais próximo cios princípios da organização neural tal 
como os entendemos hoje. 
Fig. 5.2 - Localização cortical das funções, segundo Kleist. (De Higher Cortical 
Fu11clio11s i11 Ma11, 2ª ecl., por A.R. Luria. Copyright 1979, por Consultants Bureau 
Enterprises, Inc., e Basic Books, lnc. Reimpressa com a permissão de Basic Books, 
membro de Perseus Books, L.L.C.) 
64 O CÉREBRO EXECUTIVO 
A mudança no modo como compreendemos o cérebro está refletida 
nesses dois mapas. A diferença entre eles representa mais do que um 
acréscimo de conhecimento. Ela representa uma mudança paradigmática, 
que levou aproximadamente um século para se completar. Em todos os 
campos de conhecimento, existe uma diferença profunda entre o modo 
como a linguagem elo senso comum e a linguagem científica são usadas 
para descrever sua esfera de ação. A linguagem cotidiana descreve o 
mundo em termos de mesas, cadeiras, pedras, rios, flores e árvores. Os 
primeiros sistemas de crença, os antigos precursores da ciência, tentavam 
explicar o mundo postulando uma deidade separada para cada um desses 
objetos do cotidiano. 
Em contraposição, a linguagem científica descreve o mundo em ter­
mos ele unidades que não se evidenciam necessariamente pela simples 
observação. A linguagem da física descreve o mundo em tennos de átomos 
e partículas subatômicas; a linguagem científica da química, em tern1os mo­
leculares. A ciência do cérebro atualmente está na mesma situação da 
química inorgânica nos dias de Mendeleev, descobrindo seus princípios 
organizadores e elaborando a adequada linguagem científica. O campo 
está em constante mudança. A transição do mapa de Gall para o mapa de 
Kleist reflete este processo. As características frenológicas, como ganân­
cia, veneração ou auto-esLima, podem fazer um sentido imediato ao senso 
comum, mas não correspondem a estruturas distintas do cérebro. 
Mas quais são as características que correspondem? Imagine que está 
ouvindo uma música complexa, produzida por um arranjo intrincado de 
instrumentos musicais desconhecidos e que você não vê; ao mesmo 
tempo você tenta distinguir os instrumentos, sua quantidade e como cada 
um contribui à totalidade da experiência acústica. Ouvirá sons melódicos 
altos e baixos, suaves e agudos; mas de que fonna estas descrições do 
senso comum correspondem à composição real da orquestra? Este é o 
desafio que gerações de neurocientistas tiveram de enfrentar com ferra­
mentas limitadas e imprecisas - um pouco como os notórios cegos 
brâmanes que se esforçavam para discernir a natureza do elefante. A ver­
dadeira "orquestra" da cognição é geralmente difícil de ser compreendida 
em termos do senso comum. Com efeito, o que o "reconhecimento tátil" 
no mapa ele Kleist, por exemplo, tem a ver com nossos sentimentos, pen­
samentos e ações cotidianos? 
Supondo que exista uma relação entre estrutura e função, nossa busca 
é de alguma forma auxiliada por traços distintos da morfologia cerebral. 
O córtex consiste em dois hemisférios, e cada hemisfério consiste em qua-
,... 
A Fileira Frontal da Orquestra: o Córtex 65 
tro lobos: occipital, parietal, temporal e frontal. Tradicionalmente, o lobo 
occipital tem sido relacionado à informação visual, o lobo temporal à 
informação auditiva e o lobo parietal à informação tátil. O hemisfério 
esquerdo tem sido relacionado à linguagem, e o direito, ao processamento 
espacial. Nas últimas décadas, entretanto, muitas dessas crenças arraiga­
das têm sido contestadas por novas descobertas e teorias. 
Novidades, Rotinas e Hemisférios Cerebrais 
Há muitos anos se sabe que um hemisfério (na maioria dos casos, o es0 
querelo) está mais intimamente relacionado à linguagem do que o outro. 
Paul Pierre Broca3 e Carl Wernicke4 demonstraram, na segunda metade 
do século XIX, que lesões isoladas do hemisfério esquerdo interferiam 
seriamente com a linguagem. As afasias (distúrbios da linguagem) geral­
mente são seqüelas de lesões no hemisfério esquerdo, mas o mesmo não 
ocorre com o hemisfério direito. 
Não estamos discutindo sobre os fatos básicos que vinculam a lingua­
gem ao hemisfério esquerdo. Entretanto, surge uma questão: a íntima 
associação com a linguagem é o atributo central do hemisfério esquerdo 
ou é um caso especial, uma conseqüência de um princípio mais funda­
mental de organização do cérebro? As tentativas de caracterizar a função 
de um hemisfério através da linguagem e do outro através do processamen­
to espacial levam a uma conclusão incerta. Já que a linguagem, pelo 
menos em sua definição mais limitada, é um atributo unicamente huma­
no, qualquer dicotomia baseada na linguagem é aplicável apenas a seres 
humanos. Isto significa que não existe especialização hemisférica nos ani­
mais? A escassez de trabalhos sobre a especialização hemisférica em espé­
cies não-humanas sugere que esta ainda é a hipótese predominante entre 
os neurocientistas. 
Contudo, a hipótese da singularidade humana relativa à especializa­
ção hemisférica opõe-se à intuição, já que geralmente esperamos pelo 
menos algum grau de continuidade evolutiva nos traços distintivos. 
Embora existam, sem dúvida, muitos exemplos de descontinuidade evo­
lutiva, a hipótese de trabalho em qualquer investigação científica deveria 
ser a de continuidade. Quem chamou minha atenção para isto há mqitos 
anos foi meu próprio pai, engenheiro por profissão, sem formação em psi­
cologia (e, portanto, livre de suas idéias preconcebidas), mas dono de 
grande cultura geral, uma mente lógica rigorosa e senso comum.

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