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Livro - Manual de Observação Psicomotora

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VÍTOR DA FONSECA 
MANUAL 
DE OBSERVAÇÃO 
PSICOMOTORA 
Significação Psiconeurológica 
dos Factores Psicomotores 
VÍTOR DA FONSECA 
MANUAL 
DE OBSERVAÇÃO 
PSICOMOTORA 
Significação Psiconeurológica 
dos Factores Psicomotores 
Neste livro abrimos um novo paradigma, 
mais clínico que teórico, com a abordagem 
psiconeurológica da Observação Psicomotora 
na Criança, com base na apresentação 
da Bateria Psicomotora (BPM), instrumento 
original de observação psicoeducacional 
cuja construção só foi possível ao longo 
de vinte anos de convivência dinâmica 
com inúmeros casos clínicos. 
O observador não se limita a uma atitude 
reservada, fria e neutra com o observado. 
Na observação psicomotora, o observador 
envolve-se numa mediatização intensa, 
criativa e mesmo lúdica, encorajando 
e reforçando a criança a evidenciar 
o seu potencial como processo e não 
como produto de comportamento. 
A BPM não procura medir o produto motor, 
mas sim a qualidade dos processos psíquicos 
que estão na origem da sua integração, 
programação, elaboração e regulação. 
EDITORIAL NOTÍCIAS 
L DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA VITOR DA FONSECA 
I S B N 972-46 .-0572-8 
© Vítor da Fonseca 
Capa: Jorge Machado Dias 
Direitos reservados 
por Editorial Notícias 
N O B A R - Grupo Editorial, Lda. 
Cruz da Carreira, 4-B - 1100 L I S B O A 
Edição n.° 17 118-0492 
Depósito legal n.° 54 384/92 
Fotocomposição e fotolitos: 
Multitipo - Artes Gráficas, Lda. 
Impressão e acabamento: 
Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda. 
I 
VÍTOR DA FONSECA 
MANUAL 
DE 
OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Significação Psiconeurológica 
dos Factores Psicomotores 
EDITORIAL NOTÍCI 
BIBLIOTECA MUNICIPAL 
O D E M I R A 
Obras publicadas nesta colecção: 
1 — VOCABULÁRIO TÉCNICO E CRÍTICO 
DA PEDAGOGIA E DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO 
J. Leif 
2 — CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DA GÉNESE 
DA PSICOMOTRICIDADE (4.» edição) 
Vítor da Fonseca 
3 — O QUOCIENTE I N T E L E C T U A L 
Michel Tort 
4 — A E S C O L A , UMA MÁQUINA D E V O R A N T E 
Pierre Joncour 
5 — DIÁRIO DE UM PROFESSOR (2.' edição) 
Albino Bernardini 
6 — PSICOLOGIA E PEDAGOGIA 
Alberto L . Merani 
7 — NATUREZA HUMANA E EDUCAÇÃO 
Alberto L. Merani 
8 — INSUCESSO E DESINTERESSE NA E S C O L A PRIMÁRIA 
Liliane Lurçat 
9 — AS CRIANÇAS, O S E X O E NÓS 
Pierre Hanry 
10 — O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA 
A. A. Liublinskaia 
11 — EDUCAÇÃO E S P E C I A L 
PROGRAMA DE ESTIMULAÇÃO P R E C O C E 
Vítor da Fonseca 
12 — DESENVOLVIMENTO HUMANO 
DA FILOGÉNESE À ONTOGÉNESE DA MOTRICIDADE 
Vítor da Fonseca 
13 — E S C O L A , E S C O L A , QUEM ÉS TU? (4." edição) 
Vítor da Fonseca e Nelson Mendes 
14 — UMA INTRODUÇÃO ÀS DIFICULDADES 
D E APRENDIZAGEM 
Vítor da Fonseca 
15 — O ENSINO POR COMPUTADOR 
Alex Mucchielli 
16 — TEORIA DO JOGO 
António Cabral 
17 — QUANDO OS PAIS SE SEPARAM 
Françoise Dolto 
18 — MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
SIGNIFICAÇÃO PSICONEUROLÓGICA 
DOS FACTORES PSICOMOTORES 
Vítor da Fonseca 
INTRODUÇÃO 
A apresentação deste livro como que encerra um ciclo da nossa 
actividade clínico-terapêutica e científico-pedagógica dedicada à Psi-
comotricidade, desde os lançamentos, também nesta mesma colecção, 
das obras: 
— Contributo para o Estudo da Génese da Psicomotricidade (obra 
de introdução); 
— Escola, Escola, quem Es tu? — Perspectivas Psicomotoras do 
Desenvolvimento Humano (obra dedicada às diferentes escolas 
de desenvolvimento psicomotor); 
— Desenvolvimento Humano: da Filogénese à Ontogénese da 
Motricidade (obra centrada nos seus fundamentos antropológi-
cos, psiconeurológicos e psicobiológicos), 
até ao presente trabalho, procurámos essencialmente construir um dado 
corpo teórico e abordar a sua problemática, as suas hipóteses, os seus 
axiomas e princípios num ângulo transdisciplinar integrado, visando 
uma busca sistemática sobre o papel da motricidade no desenvolvi-
mento psicológico e no processo de aprendizagem, quer em crianças 
«normais», quer em crianças com deficiências ou dificuldades. 
Neste livro abrimos um novo paradigma, mais clínico que teórico, 
com a abordagem psiconeurológica da observação psicomotora na 
criança, com base na apresentação da bateria psicomotora (BPM), ins-
trumento original de observação psicoeducacional cuja construção só 
foi possível ao longo de vinte anos de convivência dinâmica com inú-
meros casos clínicos. 
A BPM não é mais do que um conjunto de situações ou tarefas 
que procuram analisar dinamicamente o perfil psicomotor da criança 
(perfil intra-individual), procurando cobrir a sua integração psiconeu-
rológica, em concordância privilegiada com a organização funcional 
5 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
do cérebro proposta pelo grande psiconeurólogo A. R. Luria, para além 
de equacionar a relação de tal perfil, com o seu potencial dinâmico e 
a sua propensibilidade de aprendizagem. 
A BPM consiste numa série de simples tarefas distribuídas por sete 
factores psicomotores: tonicidade (T), equilibração (E), lateralização 
(L), noção do corpo (NC), estruturação espácio-temporal (EET), pra-
xia global (PG) e praxia fina (PF), que serão apresentados em termos 
protocolares e explorados, ao longo do livro, na sua significação psi-
coneurológica. 
Não se trata de um exame neurológico clássico, que como se sabe 
foi desenvolvido em adultos com desordens neurológicas óbvias, e 
como tal não pode ser um instrumento adequado para avaliar a inte-
gridade psiconeurológica de uma criança em desenvolvimento (Bax 
1970), nem se trata de uma avaliação psicométrica tradicional, pois o 
seu objectivo não é reduzir o potencial humano a uma escala numérica. 
A observação psicomotora, em certa medida, quebra regras das 
observações neurológicas e psicológicas clássicas, uma vez que se cen-
tra numa interacção intencional e recíproca entre o observador (media-
tizador) e o observado (criança), aqui entendido como um ser humano 
único, holístico, sistémico e evolutivo, capaz de modificabilidade e de 
adaptabilidade. 
A BPM não procura atingir um valor numérico ou um quociente 
psicomotor imutável ou infalível; pelo contrário, procura avaliar dina-
micamente o potencial humano de aprendizagem que cada criança 
transporta consigo como sua característica intrínseca. Não se trata de 
uma avaliação convencional, mas sim dinâmica, visando a possibili-
dade de modificar a capacidade psicomotora manifestada e evidenciada 
pela criança. 
O observador não se limita a uma atitude reservada, fria e neutra 
com o observado. Na observação psicomotora, o observador envolve-
-se numa mediatização intensa, criativa e mesmo lúdica, encorajando 
e reforçando a criança a evidenciar o seu potencial como processo e 
não como produto de comportamento. A BPM não procura medir o 
produto motor, mas sim a qualidade dos processos psíquicos que estão 
na origem da sua integração, programação, elaboração e regulação. 
Não é, portanto, surpreendente que o diagnóstico psicomotor da 
criança seja muitas vezes considerado como pouco rigoroso ou mesmo 
não fidedigno. 
A necessidade da observação psicomotora parece justificar-se 
porque: 
1) existe uma grande abundância de trabalhos de investigação que 
relacionam a integridade psicomotora com a aprendizagem efi-
ciente; 
6 
INTRODUÇÃO 
2) se reconhece a existência de dificuldades de aprendizagem e de 
perturbações de comportamento em crianças que não podem ser 
categorizadas como deficientes (paradigma da criança em risco, 
da criança paranormal ou parapatológica e da criança com dis-
funções neurológicas mínimas — soft neurological signs de Tou-
wen e Prechtl 1970); 
3) a prevenção, a compensação, a reeducação e a terapia de dis-
funções psicomotoras podem impedir que um problema ligeiro 
se transforme num problema mais sério. 
A BPM não passa, portanto, de um instrumento de identificação 
(screening tool) da integridade psicomotora e psiconeurológica da crian-
ça, pois ela não fornece informação neurológica e patológica muito 
detalhada. Por isso, não deve ser utilizada para diagnosticar déficesneurológicos nem diagnosticar disfunções ou lesões cerebrais. 
A observação psicomotora não substitui, consequentemente, os exa-
mes neurológicos ou psicológicos estandartizados efectuados por espe-
cialistas bem treinados. Todavia, qualquer pessoa com algum síndroma 
orgânico cerebral (apraxias, agnosias, ataxias, assinergias, assomatogno-
sias, etc.) não poderá realizar ou realizará de forma imperfeita e impre-
cisa as tarefas componentes da BPM, uma vez que as hiper ou hipo-
tonias, as paratonias, as adiadiococinesias, as sincinesias, as desordens 
vestibulares, posturais e de equilibração, as confusões de lateralização 
e direccionalidade, as assomatognósias, as dismetrias, as dissincronias, 
as dispraxias e as perturbações da sensibilidade e da motricidade são 
sintomas patológicos que se podem manifestar em qualquer idade. 
Quando é administrada cuidadosamente, a BPM tem demonstrado 
a sua utilidade e a sua implicação educacional, como evocam as apli-
cações já efectuadas por vários especialistas envolvidos nas nossas 
acções de divulgação e sensibilização, tais como psiquiatras, psicólo-
gos, terapeutas e reeducadores de psicomotricidade, professores do en-
sino especial, professores de educação física, enfermeiros de reabilita-
ção, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, etc. 
É óbvio que a BPM requer ainda muitos afinamentos, pois o seu 
suporte clínico-científico, embora apresentando limitações, é promissor, 
necessitando de mais esforços investigativos para demonstrar a sua 
inquestionável utilidade, uma vez que, como modelo original de obser-
vação dinâmica, procura continuamente aperfeiçoar-se em prol da opti-
mização do potencial de aprendizagem da criança. 
A nossa experiência clínica e reeducativa ao longo de duas déca-
das, onde observámos cerca de 3000 casos, levou-nos a adquirir uma 
rica e variada actividade de diagnóstico e prescrição com crianças e 
jovens em vários centros de observação, consultórios e clínicas. Dos 
fundamentos e dos processos de observação que fomos capazes de con-
7 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
cretizar damos conta neste modesto manual de observação psicomo-
tora. 
A aproximação, agora esboçada, entre a psicomotricidade e a psi-
coneurologia justifica-se, na nossa óptica, por dois motivos. O primeiro, 
por ser uma tentativa para aprofundar o estudo científico da Psicomo-
tricidade como ramo de conhecimento. O segundo, por tentar introdu-
zir uma ciência que estuda as relações entre o comportamento humano 
e as funções do seu sistema nervoso — a psiconeurologia —, ramo 
de conhecimento fundamental para o desenvolvimento não só da psi-
comotricidade, como da aprendizagem e da educação. 
Dizemos psiconeurologia e não neuropsicologia porque o primeiro 
termo designa uma área de estudo que respeita às desordens de com-
portamento associadas com disfunções cerebrais nos seres humanos, 
termo distinto do segundo, que respeita as relações entre o comporta-
mento e o sistema nervoso em organismos normais, usualmente asso-
ciado a modelos experimentais em animais. Psiconeurologia (e/ou signi-
ficação psiconeurológica) compreende, portanto, o estudo das 
disfunções de comportamento e de aprendizagem que têm uma base 
neurológica, i . e., desordens, dificuldades ou desvios de comportamento 
que encerram um problema de aprendizagem (ex.: disgnosia, dispraxia, 
dislexia, etc.) e não um problema de incapacidade de aprendizagem 
(ex.: agnósia, afasia, apraxia, alexia, etc). 
Postos estes pressupostos, que consideramos relevantes, o manual 
que agora apresentamos aborda, no primeiro capítulo, breves revisões 
históricas da psicomotricidade e da psiconeurologia, com alguns com-
plementos filogenéticos e ontogenéticos da motricidade e da matura-
ção do sistema nervoso. 
O segundo capítulo analisa alguns modelos da relação cérebro com-
portamento e apresenta o modelo de A. R. Luria sobre a organização 
funcional do cérebro humano. 
O terceiro capítulo apresenta os fundamentos psiconeurológicos da 
bateria psicomotora que integra a apresentação, o protocolo de obser-
vação, a cotação e a significação psiconeurológica dos sete factores: 
tonicidade e equilibração ( l . a unidade funcional luriana); lateraliza-
ção, noção do corpo e estruturação espácio-temporal (2/ unidade fun-
cional luriana); praxia global e praxia fina (3." unidade funcional 
luriana). 
No quarto capítulo, são levantadas algumas sínteses entre a psico-
motricidade e a psiconeurologia, com a revisão dos paradigmas e sub-
paradigmas filogenéticos e ontogenéticos, culminando com a apresen-
tação do Sistema Psicomotor Humano (SPMH) e das suas propriedades 
sistémicas. 
O quinto capítulo, termina com algumas implicações da observação 
na reeducação e reabilitação psicomotora de crianças com dificuldades 
8 
INTRODUÇÃO 
de aprendizagem e de comportamento, com a introdução de estratégias 
de interacção e de intervenção. 
Para a concretização deste manual de observação vários agradeci-
mentos teremos de realçar. De entre eles queremos destacar os inco-
mensuráveis apoios de Melo Barreiros, Vítor Soares e Clementina Di-
nis. Neste âmbito não podemos esquecer o encorajamento de Baptista 
Lopes e de Virgínia Caldeira, que muito nos ajudaram a materializar 
este trabalho. Não podemos também esquecer todos os colegas e alu-
nos do Departamento de Educação Especial e Reabilitação da Facul-
dade de Motricidade Humana, que nos têm dado o reforço necessário 
para prosseguir nesta actividade de produção teórico-prática. 
Um especial e final agradecimento cabe aqui a todas as crianças e 
jovens que observámos no nosso percurso clínico, uma vez que elas 
nos têm ensinado muito através dos seus comportamentos e interac-
ções. As crianças e os jovens são o recurso mais precioso de uma 
sociedade. Por esse facto histórico-social, nenhuma parte dos seus po-
tenciais humanos deve ser desperdiçada ou minimizada. 
No fundo, a observação psicomotora que tentamos aqui perspecti-
var procura deslumbrar para cada caso, algumas vias para a modifica-
bilidade máxima da sua disponibilidade psicomotora. 
Nova Oeiras, Setembro de 1990 
VÍTOR DA FONSECA 
9 
CAPÍTULO I 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
BREVE REVISÃO HISTÓRICA DA PSICOMOTRICIDADE 
Abordar numa breve revisão histórica a origem e a evolução do 
conceito da psicomotricidade é, de alguma forma, estudar a significa-
ção do corpo ao longo da civilização humana. 
Da civilização oriental à civilização ocidental, e dentro desta, desde 
a civilização grega, passando pela Idade Média, até aos nossos dias, a 
significação do corpo sofreu inúmeras transformações. Desde Aristóte-
les, passando pelo cristianismo, o corpo é, de certo modo, negligenci-
ado em função do espírito. Descartes, e toda a influência do seu pen-
samento na evolução científica levou a considerar o corpo como objecto 
e fragmento do espaço visível separado do «sujeito conhecedor». 
Só em pleno século X I X o corpo começa a ser estudado, em pri-
meiro lugar, por neurologistas, por necessidade de compreensão das 
estruturas cerebrais, e posteriormente por psiquiatras, para clarificação 
de factores patológicos. 
Krishaber, Von Monakow, Bonnier, Mayer Gross, Weir-Mitchell, 
Wernicke, Foerster, Peisse, Head, Liepmann, H. Jackson, Gertsmann, 
Babinski, Lhermitte, Lunn, Meerovitch, Schilder, Nielsen, etc, e tan-
tos outros, são alguns dos pioneiros no campo neurológico, psiquiá-
trico e neuropsiquiátrico a conferirem ao corpo significações psicoló-
gicas superiores, quer no âmbito do estudo das assomatognosias, quer 
ainda das anosognosias, apraxias ideatórias, ideomotoras, construtivas, 
apractognosias, etc. 
No campo patológico, parece dever-se a Dupré 1909, o termo 
«psicomotricidade», quando introduz os primeiros estudos sobre a debi-
lidade motora nos débeis mentais {La debilite motrice dans ces rap-
ports avec la debilite mentale e pathologie de V imagination et de 
1' emotivité). 
Henri Wallon é, provavelmente, o grande pioneiro da psicomotrici-
dade, vista como campo científico. Em1925, ao publicar UEnfant Tur-
bulent, e em 1934, Les Origines du Caracter Chez VEnfant, Wallon 
13 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
inicia uma das obras mais relevantes no campo do desenvolvimento 
psicológico da criança. 
Médico, psicólogo e pedagogo, impulsiona as primeiras tentativas 
de estudo da reeducação psicomotora, de onde sobressai Guilmain, que 
em 1935 publica uma obra clássica de grande impacte: Fonctions 
Psychomotrices et Troubles du Comportement. 
A sua concepção de testes, os tipos de acção reeducativa e as pri-
meiras orientações metodológicas sobre reeducação psicomotora nas-
cem de um efeito estimulador da grande obra de Wallon. 
Guilmain definiu da seguinte forma os objectivos da reeducação psi-
comotora: «Seguindo em todas as crianças a organização das funções 
do sistema nervoso à medida que se opera a maturação, podemos rea-
bilitar as manifestações próprias das suas funções em causa.» 
O papel da função tónica (sobre a qual repousam as atitudes e os 
alicerces da vida mental) e da emoção (como meio de acção sobre o 
e pelo outro) nos progressos da actividade de relação, são encarados, 
de acordo com Wallon, como processos básicos da intervenção psico-
motora. A importância da actividade postural e da actividade sensó-
rio-motora com pontos de partida da actividade intelectual são emi-
nentemente defendidos na perspectiva do desenvolvimento da criança 
com os célebres estádios wallonianos: impulsivo, tónico-emocional, 
sensorio-motor, projectivo e personalístico. Os estudos clínicos sobre 
os síndromas psicomotores: infantilismo motor, assinergia, extrapirami-
dal inferior, extrapiramidal médio, extrapiramidal superior, cerebeloso, 
hipertonia, automatismo emotivo-motor e de insuficiência frontal, são 
outro avanço significativo no estudo das relações entre a psicomotri-
cidade, a inteligência, a afectividade e a sociabilidade, como sublinha 
parte da obra de Ajuriaguerra. 
A obra de Wallon continuou durante décadas a influenciar a in-
vestigação sobre crianças instáveis, impulsivas, emotivas, obsessivas, 
apáticas, delinquentes, etc. A influência da sua obra alastrou a vá-
rios campos de formação, quer psiquiátrica, quer psicológica e peda-
gógica. Correntes médico-pedagógicas (Descoeudres) e de educação 
física (Demeny, Hébert, Dalcroze, etc.) são igualmente influenciadas 
pelo pensamento original de Wallon, sendo o principal responsável 
pelo nascimento do movimento de reeducação psicomotora, superior-
mente conduzido, anos mais tarde, pela mão de Ajuriaguerra e Sou-
biran. 
Independentemente de Wallon ter defendido, de acordo como o 
conhecimento neurológico da época, uma perspectiva localizacionista 
(Ajuriaguerra 1974), os seus trabalhos são comparados aos de Hom-
burger e Gourevitch, ao mesmo tempo que tendem a perspectivar, so-
bretudo, uma nova visão da psicologia da criança (Do Acto ao Pen-
samento). 
14 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
Para Wallon 1925, o movimento é a única expressão e o primeiro 
instrumento do psiquismo. O alcance desta dimensão do movimento e 
00 corpo da criança permite a este célebre autor francês apresentar uma 
QOItcepção original da evolução mental. Wallon advoga em 1929 que 
0 desenvolvimento psicológico da criança é o resultado da oposição e 
substituição de actividades que se precedem umas às outras. Esta con-
u-pção hierárquica e dialéctica é amplamente defendida por muitos au-
tores actuais em vários quadrantes do mundo (Ausubel 1970, Bruner 
1970, Zaporozhets e Elkonin 1971, Erickson 1963, etc). 
Wallon, ao longo da sua obra, esforçou-se por demonstrar a acção 
recíproca entre funções mentais e funções motoras («habilidade ma-
nual»), tentando argumentar que a vida mental não resulta de relações 
unívocas ou de determinismos mecanicistas. Quando muito, para Wal-
lon, a vida mental está sujeita, sim, mas ao determinismo dialéctico 
de ambas as funções. 
Nos anos 60, a Universidade da Salpêtrière confere o certificado de 
capacidade em reeducação da psicomotricidade (Fevereiro de 1963), de 
novo debaixo da acção científica de Wallon, que cria a importante 
revista psicológica Enfance, onde faz publicar obras de grande relevo 
científico (Kinesthésie e Image Visuelle du Corps Propre, Espace Pos-
tural e Espace Environnant, etc). 
Citando os neurologistas Rybot, Bonnier, Pick, Head, Schilder, etc, 
Wallon, através do conceito do esquema corporal, introduz, provavel-
mente, dados neurológicos nas suas concepções psicológicas, motivo 
esse que o distingue de outro grande vulto da psicologia, Piaget, que 
muito influenciou também a teoria e prática da psicomotricidade (Fon-
seca 1978). 
Wallon refere-se ao esquema corporal não como uma unidade bio-
lógica ou psíquica, mas como uma construção, elemento de base para 
o desenvolvimento da personalidade da criança. 
De novo a influência directa ou indirecta deste autor se faz sentir; 
daí resultam, na década de 70, os trabalhos na esfera da educação de 
Picq e Vayer, le Boulch, Lapierre e Aucouturier, Defontaine, etc. 
Paralelamente, estimula os trabalhos psicológicos da escola de Zazzo 
(Laboratório de Psicologia da Criança), principalmente sobre as pes-
quisas da imagem especular. Os seus conceitos são reexaminados por 
Ajuriaguerra, Stambak, N. Galifret-Granjon e Bergés no Hospital Henri-
Rousselle, aí tendo marcado influência na formação de terapeutas, para 
além de ter tido implicações extraordinárias noutras áreas, nomeada-
mente na da pedopsiquiatria (Bergeron, Heuyer, Koupernik, etc.) e na 
da psicologia do desenvolvimento (Malrieu, Lurçat, Lezine, Tran-
-Thong, etc). 
Depois de sair do Hospital Henri-Rousselle, Ajuriaguerra, ao diri-
gir a clínica de Bel-Aire em Genebra, continua a ser o líder da escola 
15 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
francófona de psicomotricidade. Aí desenvolve intensa actividade cien-
tífica, prosseguindo e continuando a obra de Wallon. Ao publicar tra-
balhos sobre o tónus e ao desenvolver métodos de relaxação, para além 
de se tornar um notável psiquiatra infantil de renome mundial, Ajuria-
guerra vai consolidando os princípios e as bases da psicomotricidade. 
Com Hécaen publica obras de grande profundidade científica (Mécon-
naissances e Hallucinations Corporelles e Le Córtex Cerebral), que 
ajudam a aclarar o conceito de psicomotricidade. 
No campo educacional, Le Boulch (psicocinética) e Ramain (edu-
cação das atitudes) divulgam as obras de Wallon e Ajuriaguerra. No 
campo terapêutico, Soubiran e Mazo desenvolvem pesquisas em muitos 
domínios lançados por aqueles pioneiros. A Sociedade Francesa de 
Educação e Reeducação Psicomotora, criada em 1968 por Vayer, 
Lapierre e Aucouturier, transform os conceitos de «ginástica correctiva» 
e influencia a maioria das escolas francesas, belgas, suíças e italianas. 
Na mesma época surgem os métodos de Borel-Maisonny e o «Bon 
Départ», que igualmente sofrem a sua evolução. 
Wallon, como pai das «técnicas do corpo» (Carnus 1981), continua 
a influenciar o pensamento psicológico da década de 70. Os estudos 
da comunicação afectiva, da sociabilização, das emoções, etc, estão 
dentro das linhas por si traçadas. Wallon é, de facto, a pedra angular 
do edifício da psicomotricidade, onde não se pode negligenciar obvia-
mente o papel das obras de Piaget, Freud e de Ajuriaguerra. 
A fecundidade do pensamento de Wallon continua em permanente 
actualização, uma vez que perspectiva o estudo da criança na sua tota-
lidade e renuncia às abordagens unidimensionais ou sectoriais. 
A psicomotricidade, à luz de Wallon e de Ajuriaguerra, concebe os 
determinantes biológicos e culturais do desenvolvimento da criança 
como dialécticos e não como redutíveis uns aos outros. Daí a sua 
importância para elaborar uma teoria psicológica que estabeleça rela-
ções entre o comportamento e o desenvolvimento da criança e a matu-
ração do seu sistema nervoso, pois só nessa medida se podem cons-
truir estratégias educativas, terapêuticas e reabilitativas adequadas às 
suas necessidades específicas. 
O conceito de psicomotricidadeganhou assim uma expressão sig-
nificativa, uma vez que traduz a solidariedade profunda e original entre 
a actividade psíquica e a actividade motora. O movimento é equacio-
nado como parte integrante do comportamento. A psicomotricidade é 
hoje concebida como a integração superior da motricidade, produto de 
uma relação inteligível entre a criança e o meio e instrumento privi-
legiado através do qual a consciência se forma e se materializa. 
Paralelamente, os autores americanos, partindo de concepções per-
ceptivo-motoras baseadas em acções experimentais, colocaram o de-
senvolvimento da percepção e do movimento em termos de interde-
16 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
pendência e não de mútua exclusão. Strauss, Werner, Hebb e Gesell, 
posteriormente Bruner e Piaget, influenciam tais correntes de pensa-
mento, onde sobressaem os trabalhos de Kephart, Barsch, Frostig, Get-
man, Cruickshank, Doman e Delacato, e fundamentalmente de Cratty 
e Ayres, trabalhos muito pouco conhecidos pelos continuadores de Wal-
lon e Ajuriaguerra. 
Noutra direcção, e lamentavelmente pouco referidos nos trabalhos 
quer de autores americanos, quer de autores europeus, surgem os es-
tudos dos autores soviéticos, de onde teremos de destacar, na área da 
psiconeurologia do movimento, os nomes de Ozeretsky (divulgado 
muito antes por Guilmain), Vygotsky, Bernstein, Zaporozhets, Elkonin, 
Galperin e Luria. 
Cabe aos autores soviéticos a introdução em psicologia do conceito 
de que a origem de todo o movimento e de toda a acção voluntária 
não se faz dentro do organismo, mas sim, a partir da história social 
do homem. O movimento assim encarado depende, primeiro, da fun-
ção de comunicação, e mais tarde do analisador verbal, ou seja, das 
sínteses aferentes. 
Com base nestes novos dados, a psicomotricidade tende actualmente 
a ser reconceptualizada, não só pela «intrusão» de factores antropoló-
gicos, filogenéticos, ontogenéticos paralinguísticos, como essencial-
mente cibernéticos e psiconeurológicos. E na integração transdiscipli-
nar destas áreas do saber que provavelmente se colocará no futuro a 
evolução e actualização do conceito de psicomotricidade e é de alguma 
forma dentro desta óptica que iremos desenvolver a nossa pesquisa. 
17 
BREVE REVISÃO HISTÓRICA DA PSICONEUROLOGIA 
A história da psiconeurologia remonta aos primórdios da civiliza-
ção. 
Aristóteles julgou que a mente pensante não tinha nenhuma relação 
com o corpo ou com os sentidos, e por esse facto não poderia ser des-
truída. 
No século V a. C , Hipócrates afirma que o cérebro era o órgão do 
intelecto e o coração o órgão dos sentidos. Herófilo, no século III a. C , 
estuda o cérebro e defende-o como o lugar da inteligência, tendo pen-
sado que o ventrículo médio era responsável pela faculdade da cogni-
ção e o ventrículo posterior pela memória (Heilman e Valenstein, 1979). 
Craniotomias são realizadas pelos Incas 3000 anos a. C , provavel-
mente com a finalidade da libertação de demónios e não especifica-
mente como tratamento de doenças mentais. 
Galeno, no século II a. C , pensou que as actividades de cérebro 
eram realizadas mais pela substância do cérebro do que pelos ventrí-
culos. Só com Vesalius, no século X V I , esta afirmação foi confirmada, 
independentemente deste mesmo anatomista considerar que os cérebros 
do homem, dos mamíferos e dos pássaros eram similares e apenas 
variavam no tamanho. Leonardo da Vinci defendeu também a teoria 
ventricular. 
Mais tarde, a tentativa de localizar a alma (psyke) radicada na cul-
tura grega interessou inúmeros pensadores durante muitos anos, até que 
Descartes, no século X V I I , a localizou na glândula pineal. A sua posi-
ção central em relação aos ventrículos levou-o a pensar que tudo ema-
nava dela. 
Gall, nos finais do século xvm, introduz a frenologia, ciência que 
visava localizar as várias faculdades humanas em vários centros do 
cérebro. Com o seu discípulo Spurzheim publica um volume sobre a 
anatomia e a fisiologia do sistema nervoso, tendo defendido que a 
mente era dependente da estrutura do cérebro e que o córtex cerebral 
19 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
era o órgão da mente. Para Gall, a linguagem estava localizada nos 
lobos anteriores do cérebro, para além de ter localizado várias facul-
dades no cérebro (instinto de propagação, agressividade, memória ver-
bal, amor da glória, talento poético, etc). Ao contrário de Descartes, 
Gall concebia o cérebro em estruturas que apresentaram um desenvol-
vimento sucessivo. Propôs que as forças vitais se concentravam no 
tronco cerebral e que as capacidades intelectuais se encontravam situa-
das em várias partes dos dois hemisférios. No seu modelo estrutural 
(three story house), Gall colocou no nível inferior os instintos, no ní-
vel médio as propensibilidades animais e no nível superior a razão. 
Para este autor, a medida do crânio era também uma condição funda-
mental para deduzir as características morais e intelectuais da pessoa, 
por pensar que a forma do crânio era modificada pelo cérebro colo-
cado no seu interior. Independentemente das suas concepções originais 
terem tido grande popularidade, o tempo veio a provar a sua inconsis-
tência. Combatido pela Igreja, detestado por Napoleão I (Changeux 
1983), o seu ensino todavia, foi o fundamento da moderna psiconeu-
rologia (Heilman e Valenstein 1979). 
Bouillaud, discípulo de Gall, comparou-o a Copérnico, Galileu e 
Newton, tendo-o considerado como um dos «grandes messias da ciên-
cia». Ao contrário do seu mestre, reuniu muitos casos autopsiados, 
assegurando que a perda da linguagem estava relacionada com lesões 
dos lobos frontais anteriores. O seu genro Aurburtin, que continuou os 
seus estudos sobre a «sede da faculdade da linguagem», proferiu em 
1861 uma célebre conferência na Sociedade Parisiense de Antropolo-
gia, a que, por sinal, assistiu Broca, onde afirmou: «quando um dos 
doentes afásicos morrer e eu não encontrar qualquer lesão nos lobos 
frontais, eu renunciarei às minhas ideias.» Por coincidência, passado 
algum tempo Broca recebe um doente hemiplégico direito com conco-
mitante perda da fala e da escrita. Dois dias depois o paciente morre, 
tendo Broca convidado Aurburtin para a autópsia, onde efectivamente 
se confirmou a lesão — é o caso Leborgne, que se tornou histórico 
nos estudos de afasia. 
Broca denominou por afemia o defeito de linguagem resultante da 
lesão do lobo frontal e situou-o exactamente na terceira circunvolução 
frontal. O seu segundo caso famoso (caso Lelong), após autópsia, con-
firma uma velha hemorragia na segunda e terceira circunvolução fron-
tal. Trousseau contrapôs ao termo «afemia» o termo «afasia», termo 
este discutidíssimo na altura por Broca, mas posteriormente adoptado. 
O centro motor da fala (área 44 de Brodmann) passa a ser, desde en-
tão, designado por área de Broca. 
Broca é também responsável por localizar as lesões que interferem 
com a capacidade da fala no hemisfério esquerdo. Dax (pai), porém, 
ignorado durante algum tempo, confirmou trinta anos antes as mesmas 
20 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
lesões no hemisfério esquerdo. Entra-se no advento das cartas e dos 
mapas cerebrais, o localizacionismo foi então levado ao extremo. 
Wernicke (1848-1904) surge entretanto, sugerindo uma nova con-
cepção do cérebro, tendo-o dividido em duas partes; uma anterior, 
motora, e outra posterior, sensorial, clarificando, em certa medida, as 
duas componentes da linguagem, a receptiva e a expressiva. Para 
Wernicke, a afasia de Broca (afemia) era uma perda da imagem mo-
tora das palavras, defendendo a ideia que o córtex motor continha 
conceitos de movimentos, perspectiva original que se enquadra per-
feitamente na psicomotricidade. O mesmo autor define quatro tipos 
de afasia: motora, de condução, sensorial e total. Um modelo de lin-
guagem é sugerido, modelo esse que encontra confirmação em auto-
res mais recentes como Penfield e Geschwind, mesmo que tivesse 
sido criticado por Head. Wernicke notou que as lesões da região tem-poral posterior superior, causavam afasia, preferencialmente ao nível 
da compreensão. O mesmo autor situou no centro auditivo as ima-
gens sonoras, enquanto a área de Broca continha imagens para o mo-
vimento, defendendo ainda que entre ambas existiam comissuras que 
as ligavam. 
Na mesma linha localizacionista surgem ainda, Henschen, que se 
torna original com os estudos das projecções da retina e da actividade 
do hemisfério não dominante, embora assumindo uma visão estrita-
mente localizacionista nas «desordens sensórias da fala», e Liepmann, 
que publica em 1900 um trabalho sobre apraxia, naturalmente de 
grande importância para os estudos da psicomotricidade. Este autor che-
gou a defender a separação dos actos motores aprendidos dos proces-
sos psicológicos que os iniciam, factor esse ainda hoje de grande im-
portância quando o quadro afásico se complica com a presença de 
apraxias. 
As críticas ao localizacionismo, entretanto, começam a desenvolver-
-se. Head (1861-1940) critica severamente a opção de centros (Broca, 
Wernicke, Lichthein, Exner, etc), a que se seguem P. Marie, H. Jack-
son, Kussmaul, Déjérine, Von Monakow, Pick, Freud e outros. 
P. Marie (1853-1940), depois de se licenciar em Advocacia torna-
se médico, assumindo posições iconoclásticas, como, por exemplo, ter 
afirmado que a terceira circunvolução frontal esquerda não tinha um 
papel especial na afasia. 
H. Jackson (1835-1911), considerado o pai da neurologia inglesa, 
independentemente de ter sido esquecido durante muito tempo, publica 
extensos trabalhos, sendo famoso pelos seus conceitos de assimetria 
funcional e de hierarquia representacional dos fenómenos psíquicos, 
de extremo interesse para a compreensão da integração de aquisições 
psicomotoras sobre aquisições sensorio-motoras mais simples. Os seus 
estudos sobre impercepção, linguagem proposicional e não proposicio-
21 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
nal, linguagem emocional e intelectual, linguagem interior e organiza-
ção hierárquica funcional do cérebro são ainda reconhecidos como im-
portantes para o estudo da neurolinguística e da psiconeurologia do 
desenvolvimento. 
Kussmaul (1822-1902), conhecido por introduzir as noções origi-
nais de cegueira e surdez para as palavras, é ao mesmo tempo defen-
sor de uma posição antilocalizacionista da linguagem, não esquecendo 
a sua contribuição sobre as desordens da linguagem escrita. Déjérine, 
Von Monakow (1853-1930) e Pick (1850-1924) distinguem-se pelos 
seus trabalhos no âmbito da somatognosia e da linguagem e Freud 
(1856-1939) sugere concepções sobre a afasia de condução, ainda hoje 
reconhecidas. 
As relações cérebro-comportamento, entretanto, perderam a popu-
laridade, as teorias psicodinâmicas, o gestaltismo e o behaviorismo 
estagnaram, de certa forma, o estudo do cérebro. As influências so-
ciais, políticas e filosóficas fizeram-se sentir. Kant, por um lado, defen-
dendo o inatismo, e Locke, por outro, advogando a filosofia da tábua 
rasa, introduziram um certo interregno no âmbito das relações cérebro-
-comportamento. Durante esse período alguns nomes, entretanto, sur-
gem: Goldstein (1879-1965), que se distingue na sua perspectiva ho-
lística do sistema nervoso, e Kleisst, que desenvolve interessantes 
estudos no âmbito das afasias e das apraxias. Ambos são dos últimos 
intervenientes na discussão que marcou nos fins do século X I X e prin-
cípios do século X X os estudos da psiconeurologia. Com reconheci-
mento internacional surge também a leucotomia pré-frontal de Egas 
Moniz, que abriu perspectivas novas ao conhecimento da função cere-
bral. 
A época dos modernos investigadores surge com neurologistas, psi-
cólogos, patologistas, linguistas, psiconeurólogos, etc. Neles cabem 
R. Brain, Critchley, Penfield, Geschwind, Luria, Eisenson, Schuell, 
Wepman, Benton, Damásio, Benson, Denckla, Ajuriaguerra, Hécaen, 
Trevarthen, Pribram, Kinsbourne, Ojeman, Chalfant, Sperry, Eccles, 
Gaddes, Galaburda, Myklebust e muitos outros, a que faremos referên-
cia ao longo do trabalho, especialmente nas relações entre psiconeuro-
logia e psicomotricidade. 
O futuro da psiconeurologia é deveras promissor: novas técnicas 
(audição dicótica, visão bilateral, fluxo sanguíneo, etc), novos estudos 
anatómicos com conexões mais bem desenhadas, novos avanços na 
neuroquímica e neurofarmacologia, lobectomias e calosotomias, estu-
dos electrofisiológicos, experimentação animal, estudos de casos, tomo-
grafia axial computorizada, ressonância magnética nuclear, etc, irão 
certamente influenciar o diagnóstico e o tratamento de muitos pacien-
tes, uma vez que as relações cérebro-comportamento se vão desven-
dando à luz dos dados da investigação. 
22 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
A nossa visão, bem mais modesta, está em transferir e adaptar os 
conhecimentos da psiconeurologia para a educação e para a reabilita-
ção de crianças com necessidades especiais, pois com o conhecimento 
das relações cérebro-comportamento estaremos, certamente, mais perto 
da optimização e maximização dos seus potenciais de aprendizagem, 
e é dentro dessa dimensão que procuraremos com a presente pesquisa 
uma aproximação entre a psiconeurologia e a psicomotricidade. 
23 
ALGUNS ASPECTOS FILOGENÉTICOS 
Ao abordarmos alguns aspectos filogenéticos da evolução do cére-
bro queremos apenas situar, de forma esquemática e introdutória, algu-
mas relações entre a evolução e a maturação do sistema nervoso e a 
significação de alguns dos principais vectores da sua filogénese. 
A evolução tem sido encarada nomalmente como mudança, como 
adaptabilidade; mas então por que é que algumas estruturas no cére-
bro humano não evoluíram ou, se se modificaram estrutural e funcio-
nalmente, foi muito pouco? 
Por que razão algumas estruturas do sistema nervoso (SN) dos ver-
tebrados mudaram pouco? Por que razão outras estruturas tiveram um 
salto quântico? O que é que isto significa? 
Será que a observação de simples vertebrados nos permite olhar 
para o cérebro humano e perceber a sua origem e a sua evolução? 
Estudando o SN de várias espécies, as suas funções e comportamen-
tos, podemos compreender e apreciar as suas limitações e capacidades 
e por essa via analisar as suas semelhanças e desemelhanças adaptati-
vas em comparação com a espécie humana. 
Numa primeira análise, podemos adiantar que as semelhanças são 
muito maiores que as diferenças. A neurologia comparativa, a homo-
logia e a histoquímica revelam-nos a flexibilidade da organização cere-
bral que foi necessária para a evolução, revelam-nos como cada ver-
tebrado possui as características neuroanatómicas expressas na sua 
relação com o envolvimento e na sua capacidade de utilização dos 
recursos ecológicos. 
Pensa-se muitas vezes que a inteligência superior da nossa espécie 
é sinónimo de superioridade «as vantagens evolutivas de sermos estú-
pidos», como disse Robin 1973, mas verificamos e constatamos que a 
Natureza, nalgumas circunstâncias, optou por uma pequena massa cere-
bral em vez de uma muito grande. A tartaruga, por exemplo, requer 
muito menos energia que o ser humano e é capaz de funcionar com 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
tensões de oxigénio no sangue iguais a zero, satisfazendo as suas neces-
sidades adaptativas por meio de glicólise anaeróbica. Ela tem sobre-
vivido há mais de 200 milhões de anos conforme dados recolhidos de 
fósseis. Não se pode dizer que ela tem sido mal sucedida em termos 
adaptativos. Se o fornecimento do oxigénio rarear na atmosfera, a tar-
taruga, com o seu pequeno cérebro, com o seu lento funcionamento, 
provavelmente sobreviverá mais tempo do que nós. 
Efectivamente, a linha de evolução que leva ao Homo Sapiens não 
pode ser considerada a melhor de todas. Como os dinossauros, o 
Homem tem a alternativa da sua potencial extinção. 
Tem sido o estudo comparativo das estruturas esqueléticas das espé-
cies fósseis e das espécies vivas aquele que tem fornecido inferências 
para a compreensão do desenvolvimento filogenético progressivo. Por 
condiçõesóbvias, o cérebro tem sido menos estudado, só recentemente 
tem sido abordado no sentido de poder confirmar a sequência da evo-
lução, não só pela complexidade do órgão que é, mesmo nas espécies 
mais simples, mas porque o cérebro é também o órgão que apresenta 
maior divergência e variação estrutural. Como órgão, o cérebro não 
tem paralelo com qualquer outro sistema orgânico. E o órgão mais 
organizado do organismo, e provavelmente do cosmos: trata-se do sis-
tema físico mais complexo até hoje conhecido. 
Muitas discussões se têm tido e se irão ter sobre as relações filo-
genéticas das várias espécies de vertebrados. Muito menos concordân-
cia se verifica na grande questão da origem dos vertebrados a partir 
de um invertebrado ancestral. Trata-se de um enigma que se coloca 
atrás de outro, que é a origem da vida. Hipóteses há que vão desde o 
puro idealismo às inferências mais ou menos plausíveis. Uma coisa é 
certa: nenhuma teoria até hoje conseguiu explicar todas as caracterís-
ticas da evolução. 
Na evolução, temos de reconhecer a grande versatilidade do cére-
bro em se adaptar a novas necessidades, alterando e modificando a 
função de sistemas antigos, desenvolvendo e transformando sistemas 
novos. 
Na evolução, novos sistemas e novos níveis de complexidade são su-
perimpostos sobre unidades funcionais pela progressiva organização e in-
tegração de tais unidades num só e único sistema. Os que foram totali-
dades a um certo nível tornaram-se partes de uma totalidade superior. 
Ao longo da evolução damos conta que cada nível de organização 
possui propriedades únicas de estruturação e de comportamento, que 
por sua vez são dependentes das próprias propriedades dos elementos 
constituintes, elementos esses que só aparecem na evolução quando 
combinados em novos sistemas. 
O conhecimento dos processos e dos vectores de desenvolvimento 
dos níveis inferiores, como a medula e o tronco cerebral, podem ser 
26 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
de uma importância significativa para o melhor conhecimento dos 
níveis superiores, como o córtex; daí, em certa medida, o interesse de 
uma abordagem filogenética. 
As novas relações organizacionais e as novas relações recíprocas 
das unidades elementares entre si e com todo o sistema vão-se tradu-
zir em processos evolutivos novos (Novikoff 1945). A evolução enca-
rada nesta perspectiva é sinónimo da edificação de novos sistemas com 
novas propriedades, propriedades tais que não se podem conceber como 
acrescentadas ou adicionadas do exterior, mas sim como resultantes de 
novos sistemas internos de organização. 
O aparecimento do sistema piramidal, por exemplo, não pode ser 
encarado como um sistema exteriormente, ou miraculosamente, intro-
duzido no cérebro dos mamíferos superiores. O sistema piramidal, 
como novo sistema, trouxe novas propriedades e novas funções à mo-
tricidade, transformando-a em termos organizacionais tais que no 
Homo Sapiens causaram a maior mudança do planeta Terra em ape-
nas 10 000 anos, quando a existência de seres vivos é reconhecida há 
cerca de 3 biliões de anos. Por que é que, em tão pouco tempo, os 
seres humanos causaram tanta transformação no nosso planeta em com-
paração com outros seres vivos? 
Esta impressionante dominância está inexoravelmente relacionada 
com o desenvolvimento do cérebro, desde um cérebro diminuto de ani-
mais simples a um órgão complexo de cerca de 1350 g no homem. 
Esta capacidade de transformar o transformável é, de certa maneira, a 
característica de uma nova organização do cérebro, isto é, a sua trans-
formabilidade e a sua modificabilidade, novas funções que atingiram 
uma especificidade única na nossa espécie. 
Só se reconhecem os grandes traços da evolução, os pormenores 
estão longe de ser conhecidos, e de certa forma mudam à medida que 
novas informações se vão obtendo e descobrindo. 
A exacta sucessão de acontecimentos evolutivos é impossível de 
reconstituir, porque os dados são incompletos e porque continuam sujei-
tos a várias interpretações. 
Haverão novas descobertas e essas necessariamente que levarão a 
outras interpretações, interpretações que não se afastarão muito daquilo 
que hoje se equaciona em termos de evolução. 
Tradicionalmente, o tamanho do cérebro tem sido encarado como 
uma medida aproximada de inteligência, indicador esse que tem sido 
adaptado em termos de comparação homóloga anátomo-funcional com 
outras espécies. Evidentemente que o tamanho do cérebro em si não 
explica o que é a inteligência, isto é, a capacidade de transformabili-
dade e de modificabilidade a que atrás nos referimos, caso contrário, 
outras espécies (ex.: elefante, baleia-azul, etc.) exerceriam o domínio 
adaptativo no nosso planeta. 
27 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Desde ter sido considerado o órgão da alma até ser considerado o 
órgão da civilização (Vygotsky 1960 e Luria 1980), o cérebro, como 
órgão mais organizado da evolução, apresenta outros factores funcio-
nais para além do seu tamanho, dos quais se destacam fundamental-
mente os seguintes: 
— Complexidade dos circuitos internos; 
— Conexões sinápticas; 
— Organização das regiões corticais e subcorticais. 
O tamanho do cérebro está naturalmente relacionado com o tama-
nho do corpo, uma vez que os órgãos adicionais e os grupos mus-
culares requerem mais mecanismos de controlo. Mas o que é impor-
tante reconhecer é a capacidade do cérebro se transformar numa 
unidade diferenciada e numa unidade funcional mais organizada e com-
plexa. Não basta, pois, encarar o binómio tamanho do cérebro-tama-
nho do corpo, é necessário colocar outros problemas (Sarnat e Netsky 
1981). 
Os cérebros pequenos, como nos vertebrados inferiores, são moles 
e tubulares; nos vertebrados superiores, eles adquirem muitas circun-
voluções. O cérebro toraa-se esférico e alarga-se para alojar o cere-
belo, centro de estratégias motoras, ao mesmo tempo que o progna-
tismo se reduz relativamente ao cérebro (Fonseca 1982). 
Segundo Jerison 1973, o cérebro no homem alargou-se dois terços 
mais do que o corpo. Como é que o cérebro do homem atingiu tal ta-
manho e como é que o ser humano, ao contrário de outras espécies, 
conseguiu atingir a capacidade de modificar a Natureza. 
O cérebro largo do homem desenvolveu-se pela cooperação de 
muitos factores, para além do tamanho do corpo. 
De um lado, a evolução biológica, dependente dos genes, e por con-
seguinte inata, de onde emergem as características do tamanho do 
corpo, dos órgãos sensoriais, do desenvolvimento muscular, das liber-
tações esqueléticas, etc. 
Do outro, a evolução cultural, dependente do envolvimento, de onde 
emergem a postura bípede, a manipulação tecnológica, a caça, a lin-
guagem e a organização social, que traduzem os comportamentos a 
aprender, onde, de facto, a motricidade e a psicomotricidade assumem 
funções verdadeiramente transcendentes (Fonseca 1982). 
As interacções sistémicas, as novas propriedades, funções e orga-
nizações decorrentes destes factores permitiram novas capacidades de 
informação, formação e transformação, de onde emerge a Antropogé-
nese. 
Agricultura, domesticação de animais, armazenamento de água e 
comida, transporte e vestuário, habitação domínio do fogo, arte, nor-
28 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
mas e regras, protecção e mediatização das gerações mais novas pelas 
mais velhas, etc, tornam o cérebro um órgão propenso à construção 
de novos sistemas funcionais cada vez mais estruturados e hierarqui-
zados. A síntese biocultural e biossocial traduziu-se num órgão versá-
til e plástico, capaz de controlar e transformar a Natureza pelo traba-
lho e de inventar o símbolo, factor esse que o conduziu a capacidades 
de comunicação e de aprendizagens verdadeiramente ímpares ao longo 
da evolução. 
O cérebro alarga-se para poder reagir às mudanças sensoriais, o seu 
crescimento depende da complexidade da integração sensorial, a que 
paralelamente se ajusta uma concomitante complexidade da elaboração 
e regulação motora. Quer a componente sensorial, quer a componentemotora, ambas exercem pressão em termos evolutivos para um cére-
bro maior. 
A evolução progressiva dos mamíferos, como os vertebrados mais 
bem sucedidos na Terra, nos quais se inclui o homem, está natural-
mente ligada à inteligência, ao desenvolvimento de novas capacidades 
sensoriais e motoras e, evidentemente, aos produtos da sua actividade 
cerebral. 
Por que é que o cérebro do homem como vertebrado dominante se 
desenvolveu e alargou tanto? Por que é que o cérebro humano se de-
senvolveu tal como é? 
As respostas são difíceis, complexas e certamente que envolvem 
muitas interacções entre o organismo e o envolvimento, interacções 
essas que terão de ser primeiramente enquadradas em termos filogené-
ticos. 
A perspectiva filogenética do ser humano coloca, segundo Milner 
1976, três tipos de comportamento: 
— Comportamentos não aprendidos, ditos inatos, que repartimos 
com os mamíferos inferiores. Neles se integram as funções fisio-
lógicas básicas: respirar, sugar, mastigar, deglutir, digerir, tossir, 
sentir fome e sede, urinar, defecar, tensão sexual, cólera, dor, 
raiva, medo, saborear, ouvir, tocar, vocalizar, distinguir gradua-
ções de luz, orientar, explorar, etc; 
— Comportamentos aprendidos, que também repartimos com outros 
mamíferos, nomeadamente os primatas. Neles se integram a 
forma como vemos (ou percepcionamos) o mundo físico à nossa 
volta, reconhecimento básico das significações do que se vê, 
ouve, cheira, toca, saboreia, etc; 
— Comportamentos aprendidos que não repartimos com mais 
nenhuma outra forma de vida. Neles se integram as praxias, o 
trabalho, a linguagem falada e escrita, a autoconsciência, o auto-
julgamento, o pensamento abstracto, os valores, a ética, etc 
29 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Esta perspectiva filogenética de Milner conjuga-se perfeitamente 
com a perspectiva dos três cérebros de McLean 1970 (reptiliano, pa-
leomamífero e neomamífero), bem como com as perspectivas de desen-
volvimento psicológico de Wallon 1973 (dados interoceptivos, proprio-
ceptivos e exteroceptivos). De notar, todavia, que estes comportamentos 
surgem antes, no e depois do nascimento, isto é, subentendem um 
desenvolvimento intra-uterino e outro extra-uterino, ou seja, logo que 
determinado número de cuidados sócio-afectivos e condições envolvi-
mentais seja fornecido. 
De acordo com esta perspectiva, de grande relevância para o nosso 
estudo, as aprendizagens e as funções psíquicas superiores são modi-
ficações secundárias dos mecanismos inatos. Tinbergen 1951, dentro 
da mesma visão, afirmou: «Os estudos dos processos humanos supe-
riores terão que ser inexoravelmente precedidos pelo estudo dos ali-
cerces inatos do comportamento». 
O aspecto de aprendermos comportamentos que não repartimos com 
mais nenhuma espécie é o ponto de partida para compreendermos o 
desenvolvimento da criança, mas para o atingirmos necessitamos de 
perspectivar os padrões de desenvolvimento e a organização funcional 
do cérebro. 
O desenvolvimento neurológico coloca em questão o problema da 
ontogénese e da filogénese. A ontogénese recapitula, revela ou con-
verte a filogénese? Até que ponto a filogénese neurológica servirá de 
algo? Haverá uma lei de antecipação do desenvolvimento neurológico? 
O que é que traduz a significativa diferença entre o sistema nervoso 
do recém-nascido e do adulto? O que é que se passa entre a imaturi-
dade e a maturidade neurológica? O que se passa entre os dois even-
tos evolutivos esclarece-nos sobre o problema? 
Para se responder a estas questões é óbvio que o estudo da herança 
psiconeurológica da nossa espécie é fundamental. Os estudos tradicio-
nais do desenvolvimento psicológico da criança não têm equacionado 
devidamente a importância da filogénese neurológica, uma vez que 
descrevem e interpretam funções psicológicas das crianças sem muitas 
vezes arriscarem alicerces e substractos neurológicos. 
Para se compreender o desenvolvimento psiconeurológico da crian-
ça parece-nos essencial o estudo da herança estrutural e funcional dos 
estádios evolutivos prévios, na medida em que a herança psiconeuro-
lógica humana é expressa em forma, funcionamento e desenvolvimento. 
Para se compreender o processo evolutivo das estruturas primitivas 
do sistema nervoso humano, que consubstancia a herança psiconeuro-
lógica, temos efectivamente de recorrer a vários axiomas filogenéticos. 
Apenas dentro de uma perspectiva esquemática e introdutória, ire-
mos apresentar alguns axiomas filogenéticos que julgamos fundamen-
tais para a compreensão do desenvolvimento psiconeurológico e psi-
30 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
comotor da criança. Deles, certamente, emergem inúmeros dados que 
ajudarão a compreender o objectivo do presente trabalho e os resulta-
dos obtidos no respectivo ensaio experimental: 
1. ° Espinal medula — o ser humano reparte com os pré-verte-
brados a estrutura básica da espinal medula; 
2. ° Condução do impulso nervoso — todas as formas caracterís-
ticas de condução no neurónio e concomitantes propriedades 
do impulso nervoso estão presentes desde os pré-vertebrados 
ao ser humano (Bishop 1956): 
3. " Processos de condução — subsiste uma retenção filogenética 
das redes corticais e das estruturas dos neurónios especializa-
dos, que obviamente determinam várias funções (hipótese de 
Herrick 1956). Tais estruturas caracterizam processos de con-
dução lenta, que explicam um funcionamento eléctrico difuso, 
graduado e por campos de força, bem como por processos de 
condução rápida, que explicam vias de especialização, parci-
almente padronizadas e preferencialmente localizadas, que 
equivalem a funções analíticas (sensoriais, correlecionais e 
motoras). Complementaridade dos dois sistemas: sintético-in-
tegrativo e analítico-selectivo, que são componentes dos sis-
temas de acção dos animais desde o mais elementar ao mais 
complexo; 
4. ° Dualidade visceral-somática — a dualidade visceral-somática 
da estrutura neuronal subsiste em todos os cordatos (Romer 
1958); 
5. ° Tendências filogenéticas — as tendências filogenéticas suben-
tendem diferencição estrutural crescente das partes, especiali-
zação de funções, independência das partes do todo e níveis 
de organização crescente; 
6. ° Encefalização estrutural e funcional — cada nova estrutura 
decorre de uma transferência de funções das estruturas ante-
riores (proto-estruturas e paleoestruturas). Daqui decorre o 
princípio da encefalização, que se subdivide em dois outros 
princípios: 
1) Princípio da duplicação sucessiva de centros inferiores; 
2) Princípio da dominância hierarquizada; 
7. " Reduplicação — cada nova estrutura cefálica é adicionada às 
estruturas filogeneticamente mais antigas, originando uma or-
ganização segmentar tipológica. Centros primários reduplica-
dos em secundários. Desde a medula que os centros motores 
são reduplicados no tronco cerebral, no cerebelo, nos gânglios 
31 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
da base, etc. Princípio de associação das áreas associativas, 
que em si reflecte a diferenciação filogenética; 
Dominância funcional — à medida que as novas estruturas 
são adicionadas à extremidade cefálica, elas assumem progres-
sivamente uma dominância hierarquizada e funcional: paleo 
sobre proto; arqui sobre paleo; neo sobre arqui); 
Avanço do córtex associativo — as novas áreas tendem a ser 
mais vulneráveis às influências externas. O telencéfalo atinge 
o maior avanço, enquanto o mesencéfalo apresenta o inverso. 
Salto quântico do neocórtex (Eiseley 1955): secção pré-fron-
tal; área associativa; camada supragranular (estratificação e 
complexidade celular): 
Córtex Córtex 
Animal sensorial 
Percentagem 
associativo 
Percentagem 
sensorial 
Percentagem 
associativo 
Percentagem 
90% 10% 
Carnívoro 70% 30% 
Primata 40% 60% 
15 % 85% 
Reversibilidade na proporção dos sistemas cerebrais intrínse-
cos e extrínsecos; 
10.° Mudanças funcionais acompanharam a encefalização: 
1) Sistemas viscerais e olfactivo antecedem os outros siste-
mas. A pelee a proprioceptividade seguem-se e depois os 
receptores à distância e o sentido quinestésico. Os siste-
mas táctilo-quinestésicos, auditivos e visuais assumem 
cada vez mais importância nos mamíferos (sistemogénese 
— Annokine, 1972); 
2) Precisão do movimento, em paralelo com uma exacta 
recepção e localização sensorial. Cada animal tem a motri-
cidade que a sua organização cerebral e sensorial lhe 
faculta. No ser humano, a motricidade decorre da adapta-
ção arborial dos hominídeos ancestrais de onde emergem 
as seguintes características antropomórficas: desenvolvi-
mento dos membros como órgãos de preensão; desenvol-
vimento dos membros anteriores como órgãos de explora-
ção e de manipulação; desenvolvimento dos sistemas 
herbívoro e carnívoro de digestão e consequente estrutura 
craniodental; redução do sentido olfactivo; desenvolvi-
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
mento da actividade visual; mudanças no esqueleto pós-
craniano; desenvolvimento do cérebro pela aprendizagem, 
linguagem e fabricação de instrumentos (Fonseca 1982); 
3) Emancipação dos estímulos químicos (hormonais) e dos 
estímulos do envolvimento que dominam o comporta-
mento. Mais interacção com o meio, maior activação bio-
química e maior desenvolvimento dos sentidos de orien-
tação espácio-temporal; 
4) Os factores inatos diminuíram relativamente à experiência 
individual e à aprendizagem. Da evolução biológica à evo-
lução cultural; 
11. ° Período de dependência — a imaturidade e a dependência dos 
mais velhos aumenta significativamente na escala filogenética 
e dá um grande salto dos primatas inferiores ao homem. Im-
portância da componente social (Vigotsky 1968); 
12. ° Aumento da capacidade adaptativa — a capacidade de adap-
tação a uma variada quantidade de situações externas aumenta 
na escala filogenética, sendo acompanhada de um repertório 
mais diferenciado de respostas adaptativas. Variedade, com-
plexidade, flexibilidade e modificabilidade. Nível de controlo 
individual (Nissen 1951); 
13. ° Atraso da resposta — a elaboração da resposta é cada vez 
mais complexa na escala filogenética, daí a evolução das con-
dutas «metassensoriais» e «metamotoras». O produto final 
leva mais tempo a ser processado, implicando uma duração 
e um tratamento do estímulo externo; daí o acesso ao pensa-
mento simbólico e à generalização, à discriminação sensorial, 
à transformação do envolvimento, à expansão espacial e tem-
poral da acção, à capacidade comparativa, à complexidade 
perceptiva, etc; 
14. ° Complexidade — a complexidade do que pode ser aprendido, 
o potencial de treinabilidade e de modificabilidade e a capa-
cidade para formar hábitos complexos, todos evoluem na es-
cala filogenética; 
15. ° Necessidades — o número de necessidades, a sua variedade 
e diferenciação, aumenta na escala filogenética. Necessidades 
psicogenéticas: curiosidade, exploração, jogo, antecipação, 
previsão, orientação para fins remotos. Necessidades éticas, 
altruístas e estéticas aumentam na escala, sendo as duas últi-
mas exclusivas do homem; 
16. ° A incidência de conflitos, frustrações e culpabilidades aumen-
tam extraordinariamente no homem, bem como a vulnerabi-
lidade dos comportamentos superiores; 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Exclusivos do ser humano 
17. ° A herança hereditária do ser humano inclui estruturas neuro-
lógicas únicas, aparentemente superimpostas sobre as estrutu-
ras básicas dos mamíferos; 
18. ° No ser humano, é só depois do nascimento que tais centros 
neuronais, que medeiam os comportamentos humanos exclusi-
vos, começam a funcionar. A herança genética está presente 
apenas como potencial no momento do nascimento. Desenvol-
vimento num envolvimento estável e fisiologicamente regulá-
vel e, posteriormente, num meio social complexo, progressiva-
mente mais variável. Oportunidades de experiência mediatizada. 
19. ° Autoconsciencialização — capacidade para ser um objecto 
dentro do campo perceptivo do próprio indivíduo. Auto-refe-
rência (somatognosia); 
20. ° Produção de um mundo sócio-cultural. Noção de «envolvi-
mento invisível» («segundo envolvimento»). Envolvimento 
complexo da aprendizagem. Comunicação interpessoal. Neces-
sidade gregária. Relação mãe-filho. Conforto táctil. Emoção. 
Imitação. Linguagem falada. Escrita. Civilização. 
A grande inovação da herança psiconeurológica humana está talvez 
neste último axioma, pois muito do comportamento humano é influen-
ciado por este novo envolvimento criado pela civilização e pela histó-
ria social. Entre o homem e o animal há certamente homologias, essen-
cialmente as de carácter biológico; porém, no campo social e cultural 
as diferenças são incomparáveis. Devido ao novo envolvimento criado 
pela acção consciente do ser humano, a criança ascende à sua auto-
-consciencialização (somatognosia), e daí à simbolização, mergulhando 
num envolvimento emocional, moral e semiótico cada vez mais com-
plexo. A mediatização na aprendizagem passa a ser uma condição de 
sobrevivência a que nenhuma nova geração pode escapar. 
O envolvimento complexo de aprendizagens, a riqueza da comuni-
cação interpessoal, as necessidades gregárias, o imprinting social, a vin-
culação interactiva mãe-filho (por redução do número de descendentes 
por nascimento), o conforto táctil, a estabilidade emocional, o diálogo 
tónico e a segurança gravitacional, que estão na base de um processo 
único de comunicação, emprestam ao ser humano uma grande dife-
rença em termos de herança psiconeurológica, quer filogeneticamente, 
quer ontogeneticamente. 
O estudo do comportamento humano e, por conseguinte, do desen-
volvimento psiconeurológico exigem cada vez mais a integração de 
dados evolutivos filogenéticos, pois dessa forma a evolução ontogené-
tica resulta mais integrada e coerente. 
34 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
Filogénese estrutural do neocórtex mamífero 
índices Tendências Mamíferos Primatas 
filogenéticos gerais inferiores Mamíferos HOMEM 
Tamanho dos Quanto mais Rato: propor- Cão: propor- Macaco: 11 %. 
quatro lóbulos elevado for o ç ã o da área ç ã o da área Chimpanzé: 17%. 
(T-O-P-F). animal, maior p r é - f r o n t a l p r é - f r o n t a l 
é o neocórtex 34%. 7%. HOMEM: 29% 
frontal e pré- (3/4 lob. frontais). 
-frontal. 
(3/4 lob. frontais). 
Áreas associati-
vas acusam o 
maior tamanho. 
N ú m e r o de Aumento pro- Rato albino: Gato: Trinta e HOMEM: 
áreas celulares gressivo até à treze áreas ne- seis áreas neo- Cinquenta e duas áreas 
distintas. escala dos ma- ocorticais. corticais. neocorticais. 
míferos. 
Localização e Idem. Rato: maior Macaco: reduz grau de 
especialização grau de sobre- sobreposição. 
das f u n ç õ e s p o s i ç ã o nas HOMEM: a destruição 
sensoriais e duas áreas so- de áreas corticais não 
motoras. mato-senso-
riais (menor 
diferenciação 
cortical). 
permite sobreposição 
(maior d i ferenc iação 
cortical). 
Proporção de Idem. Roedores: Gatos: 70% Macacos: 40% sensó-
córtex associa- 90 % sensório- s e n s ó r i o - m o - rio-motor. 
tivo. -motor. tor. 60% associativo. 
10% associa- 30% associa- HOMEM: 15% sensó-
tivo. tivo. rio-motor. 
85% associativo. 
Número de ca-
madas neocor-
ticais (densi-
dade). 
Densidade au-
menta e tam-
bém as cama-
das. Compôs, 
celular com-
plexifica-se na 
escala. 
Camada supra-
granular, so-
brepõe-se ao 
arquicórtex. O 
córtex meso e 
paleo também. 
Maior densi-
dade supragra-
nular. Camada 
subgranular 
mantém-se. 
No HOMEM as três ca-
madas superiores das 
seis do neocórtex dife-
renciam-se. Aumento da 
densidade da camada 
quatro. 
Padrão de fis- Quanto mais Todos os ma- Girus fusiformes emer-
suração. elevado na es- míferos pos- gem no lobo occipital. 
cala maior é o suem pelo Aumento dos sulcos 2.° 
número de Fis- menos três fis- e 3.°, devido ao aumento 
suras corticais. suras. das áreas associativas. 
N ú m e r o de Aumento à 
áreas não mie- medida que se 
l inizadas no ascende na es-
nascimento. cala. 
No homem, nenhuma 
área cortical se encontra 
mielinizada no nasci-
mento. 
35 
ALGUNS ASPECTOSONTOGENÉTICOS 
Segundo Schneirla 1957, as tendências filogenéticas do desenvolvi-
mento confirmam-se, não são uma utopia. 
«O desenvolvimento do comportamento em qualquer nível filoge-
nético não é apenas um retraçar dos estádios e dos níveis das formas 
ancestrais sucessivas, mas sim uma nova totalidade, que tende a um 
novo padrão distinto.» 
Como afirma Prechtl 1981, o desenvolvimento ontogénico não é 
apenas a recapitulação da filogénese (Haeckel 1866), é muito mais do 
que uma recapitulação, trata-se de uma nova combinação e de uma 
nova totalidade. Os resíduos filogenéticos, para usar um termo do 
mesmo autor, são estruturas de transição (transient structures) que es-
tão presentes durante períodos particulares da ontogénese, para equi-
par o sistema nervoso com certas propriedades que lhe permitem satis-
fazer determinadas exigências do desenvolvimento. 
De alguma forma os axiomas filogenéticos traduzem-se na ontogé-
nese neurológica pré-natal, como asseguram Arey 1954, Carmichael 
1951 e Zubek e Solberg 1954, todos eles assumindo que os centros do 
neuroeixo têm uma perspectiva horizontal (de cada centro) e vertical 
(dos vários centros) do seu desenvolvimento. 
Segundo aqueles autores, a ontogénese do neuroeixo segue aproxi-
madamente a seguinte evolução: 
— Às 5 semanas formam-se os gânglios espinais, surge a flexura 
da protuberância (ponte) e emergem os nervos espinais; 
— As 6 semanas aparecem os elementos que constituem o arco re-
flexo, ao mesmo tempo que o hipotálamo se evidencia no dien-
céfalo e os dois hemisférios se começam a diferenciar; 
— Às 7 semanas os reflexos espinais estão aptos a funcionar, alguns 
dias depois surge o tálamo, o hipocampo e os gânglios da 
base; 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
— Às 10 semanas a espinal medula termina a sua estrutura interna 
com a manifestação dos primeiros movimentos fetais, quando 
simultaneamente surge a diferenciação do neocórtex; 
— Às 14 semanas aparecem as vias sensoriais intersegmentares do 
cerebelo; 
— Aos 4 meses a função motora surge, ao mesmo tempo que o 
arquicerebelo e os tubérculos quadrigémeos; neste momento os 
receptores protoquinéticos (básicos de todos os pré-vertebrados 
e vertebrados inferiores) estão em funcionamento, daí emergindo 
a motricidade fetal. Surge também o mesencéfalo e as primeiras 
camadas neocorticais, com demarcação da fissura central, dife-
renciando os territórios frontais dos parietais; 
— Aos 5 meses a mielinização das vias espinais dorsais começa a 
desenrolar-se simultaneamente com a via piramidal a partir do 
córtex, seguindo a lei céfalo-caudal; 
— Aos 6 meses os nervos cranianos começam a sua mielinização, 
ao mesmo tempo que se opera o completamento das comissuras 
hemisféricas; 
— Aos 7 meses a mielinização espinocerebelosa e mesencefalicota-
lâmica e a configuração do cerebelo, assim como o aparecimento 
das fissuras e convoluções neocorticais, começam a estabelecer-
-se. Neste momento, o choro é possível e imensos padrões re-
flexos podem ser evocados, como se verifica nos próprios pre-
maturos. 
25 DIAS 35 DIAS 40 DIAS 50 DIAS irjO D I A S . 1 
Ontogénese embrionária e fetal do sistema nervoso 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
Neurogénese embriológica 
sequência do desenvolvimento do sistema nervoso central 
(E. Milner 1983) 
2 0 d i a s 4 5 6 7 8 9 10 1 1 1 2 13 14 15 16 17 18 19 2 0 21 2 2 23 2 4 25 2 6 2 7 28 2 9 3 O 3 1 3 2 - 1 • . u t J íj 11 L6 11 jl) jl i l 
Su lcos 2." e 3." 
A p . cunvoluções 
Todas as camadas (1 -6 ) evidentes 
Maturação das camadas externas 
Maturação das camadas internas 
C re sc . v ias piramidais (mov. voluntário) 
Demarcação do occipital e do temporal 
Camada 1; demarcação do parietal do frontal 
Conexões neocórtex - hipocampo 
Apar. neocórtex área parietal 
- 1 • . u t J íj 11 L6 11 jl) jl i l 
Su lcos 2." e 3." 
A p . cunvoluções 
Todas as camadas (1 -6 ) evidentes 
Maturação das camadas externas 
Maturação das camadas internas 
C re sc . v ias piramidais (mov. voluntário) 
Demarcação do occipital e do temporal 
Camada 1; demarcação do parietal do frontal 
Conexões neocórtex - hipocampo 
Apar. neocórtex área parietal 
Neocórtex 
- 1 • . u t J íj 11 L6 11 jl) jl i l 
Su lcos 2." e 3." 
A p . cunvoluções 
Todas as camadas (1 -6 ) evidentes 
Maturação das camadas externas 
Maturação das camadas internas 
C re sc . v ias piramidais (mov. voluntário) 
Demarcação do occipital e do temporal 
Camada 1; demarcação do parietal do frontal 
Conexões neocórtex - hipocampo 
Apar. neocórtex área parietal 
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Su lcos 2." e 3." 
A p . cunvoluções 
Todas as camadas (1 -6 ) evidentes 
Maturação das camadas externas 
Maturação das camadas internas 
C re sc . v ias piramidais (mov. voluntário) 
Demarcação do occipital e do temporal 
Camada 1; demarcação do parietal do frontal 
Conexões neocórtex - hipocampo 
Apar. neocórtex área parietal 
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Su lcos 2." e 3." 
A p . cunvoluções 
Todas as camadas (1 -6 ) evidentes 
Maturação das camadas externas 
Maturação das camadas internas 
C re sc . v ias piramidais (mov. voluntário) 
Demarcação do occipital e do temporal 
Camada 1; demarcação do parietal do frontal 
Conexões neocórtex - hipocampo 
Apar. neocórtex área parietal 
Arquicórtex 
PÉ.. , i * 
Complet . todas comiss . hemisféricas 
Apar. da comissura do hipocampo 
Apar. da comissura anterior 
Lobo límbico evidente 
Corpos estriados evidentes; hipocampo também evidente 
Hemisférios cerebrais tornam-se bojudos 
uang l ios 
da base 
Complet . todas comiss . hemisféricas 
Apar. da comissura do hipocampo 
Apar. da comissura anterior 
Lobo límbico evidente 
Corpos estriados evidentes; hipocampo também evidente 
Hemisférios cerebrais tornam-se bojudos 
4. ' flexura emerge aos 35 dias 
Centros Tálamo evidente 
Evidência do hipotálamo diencefáli-
Tálamo evidente 
Evidência do hipotálamo 
cos 2: f lexura aparece aos 2 0 dias 
Mesencéfalo 
Tubérculos quadrigémeos aparecem Tubérculos quadrigémeos aparecem 
Ponte e 
» a r Q L - | A « . . . . Configuração do cerebelo 
raeminencia do arquicerebelo 
i.' f lexura aparece aos 32 dias 
cerebelo 
« . . . . Configuração do cerebelo 
raeminencia do arquicerebelo 
i.' f lexura aparece aos 32 dias 
« . . . . Configuração do cerebelo 
raeminencia do arquicerebelo 
i.' f lexura aparece aos 32 dias 
1'ICUUId 
alongada 1." f lexura aparece aos 20 dias 
Mie l in . talam.-medular 
Mie l in . nervos cranianos 
MlPlini7 V19C f i n r c o i r íc \ 
Medu la i^iKiuuí, vido uorbais (S.J 
Mie l inz . vias cerebelo-pônticas 
Mielinização das vias ventrais (m.) 
Esp ina l 
Apar. de vias sensoriais longas 
Desenvo lv imento das estruturas internas 
Estrutura interna completa; movimentos localizados 
Ref lexos espinais 
A r c o reflexo; gânglios simpáticos 
V i a s sensoriais emergem 
Formação gânglios espinais -L 
Apar. de vias sensoriais longas 
Desenvo lv imento das estruturas internas 
Estrutura interna completa; movimentos localizados 
Ref lexos espinais 
A r c o reflexo; gânglios simpáticos 
V i a s sensoriais emergem 
Formação gânglios espinais 
2 0 d i a s 4 5 6 7 8 9 10 1 1 1 2 13 14 15 16 17 18 19 2 0 21 2 2 23 24 25 2 6 27 28 2 9 3 0 31 32 
s e m a n a s 
' 2 3 * » 6 7 , 
m e s e s 
39 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Esta embriogénese, paralela com os axiomas filogenéticos e supe-
riormente governada pelo plano mestre do ADN, retrata de alguma 
forma os padrões do desenvolvimento ontongenético intra-uterino, que 
em si demonstram a continuação das tendências filogenéticas já abor-
dadas, que consubstanciam os princípios organizacionais filogenéticos 
(Milner 1976). 
Dentro dos padrões de desenvolvimento ontogenético pré-natal, 
devemos destacar, em termos esquemáticos, os seguintes: 
1) A emergência embriológica é paralela à emergência filogenética. 
Os centros inferiores diferenciam-se antes dos superiores; aqui a 
ontogénese recapitula a filogénese neurológica; 
2) A maturação do neuroeixo é vertical,de baixo para cima, da 
cauda para a cabeça; 
3) O crescimento estrutural prefigura o padrão do funcionamento 
espontâneo do sistema nervoso, quer em termos pré-natais, quer 
pós-natais; 
4) A medula desenvolve-se funcionalmente numa direcção céfalo-
-caudal, padrão esse também seguido pelo desenvolvimento da 
motricidade e evidentemente dependente da mielinização; para-
lelamente, os motoneurónios medulares tornam—se funcionais an-
tes dos neurónios sensoriais (padrão de crescimento em duali-
dade, denominado pela controvérsia Coghil-Windle); 
5) A organização do sistema nervoso é hierárquica com uma sequên-
cia de aparecimento irreversível, traduzindo o desenvolvimento an-
tecipado dos níveis inferiores em relação aos superiores; 
6) A hierarquia estrutural está intimamente relacionada com a 
organização funcional e a maturação do sistema nervoso, confir-
mando o princípio de H. Jackson da «redução contínua da suces-
são de estruturas nervosas a estruturas coexistentes - «continuous 
reduction of sucessions to coexistences». 
7) O funcionamento coerente do sistema nervoso central é o pro-
duto final da incorporação progressiva de padrões funcionais or-
ganizados, que se desenvolvem numa sequência ontogénica hie-
rárquica e vertical; a evolução ontogénica pressupõe a transição 
dos centros proto e arquicorticais para os centros paleo e neo-
corticais; os círculos coordenados entre o prosencéfalo e o rom-
bencéfalo não estão ainda estabelecidos, especialmente os que 
compreendem as seguintes funções: integração, reforço, inibição, 
controlo, estabilização, etc; a intervenção dos centros superiores 
intratelecefálicos, talâmicos, hipotalâmicos, arquicorticais dos 
gânglios da base e do neocórtex estão inconclusos à nascença, é 
necessário que subsequentemente surja o padrão ontogenético 
seguinte; 
40 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
8) No nascimento, a herança mamífera do desenvolvimento humano, 
com as suas estruturas neurológicas únicas, está presente apenas 
como potencial, sendo aqui que entra em jogo o factor extrafi-
logenético, um novo princípio exclusivo da espécie humana e que 
influencia certamente os seguintes padrões neurogenéticos, isto 
é, a dimensão biossocial que caracteriza o desenvolvimento psi-
coneurológico da criança. 
A evolução do cérebro, consequentemente, integra uma organização 
funcional de padrões filogenéticos e ontogenéticos (Fonseca 1982 e 
1985) que parte do mais organizado (medula) para o menos organizado 
(córtex) dos centros inferiores para os centros superiores, do mais sim-
ples ao mais complexo, do mais automático para o mais voluntário. 
Para se atingir a maturidade, ou seja, os centros menos organiza-
dos mas mais complexos e voluntários, é necessário que surjam novos 
padrões ontogenéticos, dependentes, obviamente, dos padrões filogené-
ticos herdados. 
O sistema nervoso está efectivamente organizado num complexo 
modelo de reduplicação dos centros inferiores, com os centros supe-
riores funcionalmente dominantes sobre aqueles, como confirmam 
Weiss, Tinbergen, Fulton e Himwich, focados por Milner 1979. 
As unidades filogenéticas e ontogenéticas mais antigas são também 
as que ocupam os níveis mais baixos da hierarquia funcional. Em cada 
nível estão reduplicadas e representadas sucessivamente, obedecendo a 
uma verticalização estrutural. Tal arranjo anatómico, do inferior ao 
superior, permite uma perfeita coordenação funcional, que está na base 
do aparecimento de novos sistemas funcionais. Este padrão traduz a 
hierarquia da experiência humana (Fonseca 1984) e a evolução das 
competências da criança, desde as mais simples às mais complexas. 
A complexidade do desenvolvimento psiconeurológico da criança, pro-
vavelmente, só pode ser equacionada nesta perspectiva hierarquizada 
da ontogénese da aprendizagem, que em certa medida parece traduzir 
uma espiral evolutiva. 
H. Jackson em 1822 afirmou: «Quanto mais alto é o centro, mais 
numerosos, diferenciados, complexos e especiais movimentos ele repre-
senta, e quanto maior a região que ele representa, mais justifica a evo-
lução. Os centros superiores representam os movimentos mais inume-
ráveis, complexos e especiais de todo o organismo, ao mesmo tempo 
que cada unidade deles representa o organismo total de uma forma 
diferente.» 
Desta forma, os arranjos dos centros superiores inibem, controlam 
e organizam os centros inferiores, e como consequência, quando o 
superior está disfuncional, eleva a sua actividade, como se verifica em 
muitas situações patológicas. 
41 
MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA 
Os centros inferiores, todavia, fazem parte da coordenação composta 
que traduz qualquer movimento voluntário, como iremos ver quando abor-
darmos a organização funcional do cérebro e os factores psicomotores. 
As suas funções estão posteriormente representadas noutros centros 
motores médios, onde se representam consequentemente as coordena-
ções simples. Os centros médios, por sua vez, re-representam os cen-
tros inferiores, onde já se estabelecem coordenações compostas. 
A soma destas representações é já uma dupla e indirecta representa-
ção da totalidade do organismo. Por último, os centros superiores, são 
re-re-representações, pois representam triplamente os outros centros, 
realizando por esse processo de transferência funcional, as coordena-
ções complexas. 
Em cada centro surge, portanto, um aumento de complexidade de 
representação das partes componentes, daí o aumento da especialidade 
da representação, como focou Jackson 1822. 
O desenvolvimento psiconeurológico e psicomotor à luz de Jack-
son esclarece-nos, em certa medida, as perspectivas de Wallon, Piaget 
e Luria. A evolução e a dissolução parecem aqui em contraste dialéc-
tico, pois por meio deste padrão filogenético-ontogenético percebemos 
a evolução da criança do reflexo à reflexão, do acto ao pensamento e 
do gesto à palavra, como por meio dele percebemos o reflexo das di-
ficuldades ou incapacidades de aprendizagem. 
A ontogénese psiconeurológica e psicomotora parece traduzir várias 
metamorfoses, que vão desde as representações às re-representações, 
até culminarem nas re-re-representações. Dos movimentos reflexos (re-
presentações) aos hábitos motores (re-representações) e destes às aqui-
sições motoras voluntárias, isto é, às praxias (re-re-re-representações). 
Da mesma forma, a evolução da linguagem, segundo Slobin 1971, 
e Myklebust 1974, 1975 e 1977, parte da linguagem gestual (represen-
tações) à linguagem falada (re-representações) e atinge a linguagem 
escrita (re-re-representações). 
Patten 1953, na mesma linha ontogenética de Tinbergen 1951, pos-
tula o sistema somático-motor humano no sistema hierárquico dos me-
canismos inatos de libertação (innate releasing mechanisms) (v. pág. 43). 
Todas as vias ontogenéticas de interconexão no sistema nervoso 
humano parecem confirmar o padrão filogenético hierarquizado redu-
plicativo, daí que não se possa conceber hoje o desenvolvimento da 
criança sem o seu contributo. 
Da mesma forma, a ontogénese parece ilustrar uma filogénese ina-
cabada e constantemente renovada. A revelação da filogénese no 
decurso da ontogénese obedece, porém, a uma organização funcional 
do cérebro, organização essa que decorre verticalmente, desde as estru-
turas neurológicas mais simples às estruturas mais complexas, seguindo 
irreversivelmente a sua hierarquização estrutural herdada. 
42 
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 
NÍVEL C E N T R O S S U P E R I O R E S 
FUNÇÃO E 
C O M P O R T A M E N T O 
Arco 6 Neocórtex Controlo voluntário e regulado. 
Arco 5 Gânglios basais e tálamo Controlo automático associativo. 
Arco 4 Cerebelo e mesencéfalo Controlo sinergético. 
Controlo óculomotor automático. 
Arco 3 Cerebelo, bulbo e medula Controlo do equilíbrio. 
Arco 2 V á r i o s segmentos espinais 
actuando em coordenação 
Reflexos intersegmentares. 
Arco 1 Só um segmento espinal Reflexo intra-segmentar. 
43 
CAPÍTULO II 
MODELO DE ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL 
DO CÉREBRO HUMANO SEGUNDO LURIA 
RELAÇÕES

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