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1 Referência: aula da prof. Rievani Damião • Sinonímia: abortamento habitual (AH), de repetição ou recorrente. • Conceito: interrupção espontânea ou induzida da gestação com concepto pesando menos que 500g ou com menos de 20 semanas de gestação. Incidência O abortamento é a complicação mais frequente da gestação. • 20% das gestações clínicas: significa que tem algum sinal clínico, seja a partir de sintomas clínicos, seja por USG. • 50% das gestações subclínicas: apenas exame bioquímico, como o β-HCG. • 1 a 4 mulheres terá pelo menos um abortamento. Desses abortamentos, 88% acontecem no primeiro trimestre de gestação. Na medida que a gestação prossegue, menor é a chance de perda do feto. Conceito O abortamento habitual é a perda espontânea e sucessiva de três ou mais conceptos em gestações clinicamente reconhecidas, seja por exame ecográfico ou histopatológico. Nesse conceito, estão excluídos, por exemplo, os abortamentos esporádicos. É por isso que o exame bioquímico não está incluído como um exame que reconhece o abortamento habitual, uma vez que pode ser apenas abortamento esporádico. Além disso, também se exclui a prenhez ectópica e a gestação molar, que dão β- HCG positivo, mas não fazem parte do contexto específico do abortamento habitual. As mulheres, após um aborto, entram em um estresse psíquico muito forte. Se, numa próxima gestação, ela intercorre novamente com uma perda, a terceira será ainda mais drástica. Portanto, na prática, já se considera iniciar a investigação a partir da segunda perda. A Sociedade Americana de Reprodução Humana tem mudado o conceito, em termos de investigação clínica, a partir de duas perdas, exatamente para diminuir a sequela psíquica na mulher. • Incidência do abortamento habitual: 0,5 a 2% dos casais em idade fértil. Etiologia Na maioria das vezes (50-55%), não se encontra a causa. Quando se encontra uma causa, a mais importante é a causa fetal, que seriam as alterações genéticas/ cromossômicas. • Fatores fetais: genética; consistem nas causas mais importantes, tanto no aborto esporádico, como no habitual. • Fatores maternos: menos comuns. o Fatores imunológicos: trombofilias são mais importantes. o Fatores anatômicos: incompetência istmo-cervical. o Fatores endócrinos o Fatores infecciosos • Fatores ambientais e estilo de vida: obesidade, tabagismo, drogas, álcool. Embora não se encontre uma etiologia na maioria dos casos, o prognóstico geralmente é favorável, à medida que a paciente continua tentando engravidar. 1. Fatores genéticos • 29 a 60% dos AH são de causas genéticas. • 5% dos casais com AH: alterações cromossômicas parentais. • Translocações recíprocas / robertsonianas balanceadas • Essas alterações são transmitidas ao gameta de forma não balanceada, causando a morte do embrião. Pode acontecer por inversões cromossômicas, mas as causas mais comuns são as translocações balanceadas. O produto do abortamento de repetição, a partir do segundo evento, deve ser encaminhado para estudo citogenético do cariótipo. Na prática, o que se faz é começar a partir da segunda perda, mesmo que o conceito só considere a partir de três. Os casais com AH também devem ser encaminhados para estudo citogenético e aconselhamento genético. A orientação para o casal é seguir tentando, pois, a taxa de sucesso é de 75%, a despeito ou não do encontro das alterações genéticas. 2 Uma alternativa terapêutica é fertilização in vitro (FIV) com diagnóstico pré-implantação do embrião (PGD), e doação de gametas. O pai e a mãe do feto têm uma alteração cromossômica não balanceada, e por isso são normais, mas transferem a translocação para o embrião. Esse embrião não tem prognóstico e vai entrar em óbito. Se um deles tem alteração cromossômica (geralmente é a mulher que tem), através da FIV, são produzidos embriões em laboratório. Tal produção permite biópsia desse embrião. A partir dela, estuda o cromossomo. Havendo alteração, não transfere o embrião para o útero da mulher; se normal, transfere apenas os normais. Se a mulher não produzir embriões normais, orienta-se a doação de óvulo com o sêmen do parceiro, caso ele não tenha translocação também. 2. Fatores anatômicos O ducto mulleriano produz o útero e parte da vagina da mulher. No embrião, são dois ductos, e eles irão se fundir para formar o útero. Portanto, esse órgão apresenta duas partes fundidas, sendo que, depois, a parte interna fundida será reabsorvida, formando uma cavidade. Quando há alguma alteração da reabsorção do septo dessa parte interna da fusão do ducto de Müller, vai dar origem às malformações mullerianas. Podemos ter útero septado, bicorno, didelfo, unicorno etc. Desses, o mais importante em relação ao mau prognóstico para o abortamento habitual é o útero septado, os demais se relacionam com prematuridade extrema. • Associado às alterações mullerianas: útero septado, bicorno, didelfo, unicorno. • Mioma submucoso, pólipos endometriais, sinéquias intraútero: todos vão funcionar como um corpo estranho, como se fosse um DIU, impedindo implantação do embrião. • Incompetência cervical: pode ser isolada ou associada às alterações mullerianas. O útero tem a parte do colo uterino, que é o pescoço responsável pela sustentação do útero, como se fosse um pilar. Quando esse colo do útero possui alteração em sua estrutura anatômica (colágeno, fibras, interstício), ele não é capaz de sustentar o peso da gestação. Esse colo, à medida que a gestação progride, vai encurtando e dilatando, acontecendo progressão da perda, porque o conteúdo da gestação começa a desabar, através do colo, o que leva à perda inexorável da gestação. Essa incompetência pode vir associada às alterações mullerianas – ducto bicorno, didelfo, unicorno etc. → História clínica, USG, HSG, histeroscopia e RNM • USG 2D/3D Acima, corte coronal de um útero normal, onde a parte branca é a cavidade e a parte externa são os contornos uterinos. Tem dois cornos, por onde se implantam as tubas uterinas, e abaixo fica o colo. O diagnóstico mais importante para as malformações uterinas é a USG 3D. Quando se vai investigar infertilidade, entra com histerosalpingografia associada com USG 3D. Acima, temos: (a) útero bicorno, (b) útero septado, em que o septo impede implantação da gestação, pois as cavidades uterinas são reduzidas. Já no bicorno, a cavidade é mais ampla, o que permite que o embrião se implante, (c) útero arcoado – não tem associação com o bicorno, e (d) útero com septo parcial. • Histerossalpingografia Consiste na radiografia contrastada do útero. Usa contraste iodado para estudar apenas a cavidade uterina. Estuda o formato da cavidade, as tubas e a sua permeabilidade. 3 Na malformação mulleriana, vê-se dois cornos bem separados com as tubas em cada um dos seus cornos. Na rotina comum, esse exame não é pedido, pede apenas se houver suspeita de malformação uterina. Em geral, o que se solicita é a USG tridimensional. Em paciente com útero septado, quando se retira o septo por histeroscopia (metroplastia), o prognóstico de gestação se torna bem alto. Já as outras malformações uterinas não apresentam relação com aborto habitual, mas sim com perdas avançadas – prematuridade extrema. • Histeroscopia: queda de 88% para 8,9% na taxa de abortamento após metroplastia histeroscópica. Acima, septo intraútero, que obstrui a cavidade uterina. Abaixo, pólipo do útero e a cavidade que fica após a sua retirada, respectivamente. 2.1 Incompetência cervical: dos fatores anatômicos, é o mais importante encontrado. Consiste na inabilidade do colo uterino em manter-se fechado e reter o concepto, no segundo trimestre da gestação, na ausência de contrações uterinas ou sinais e sintomas de trabalho de parto. O diagnósticose baseia em uma perda tardia, geralmente no começo do segundo trimestre, acima de 12 semanas, perda sem dores, sem contração uterina, sem sinais de trabalho de parto. Nos casos clássicos, o feto é vivo e, ainda, empelicado com membranas amnióticas e sem histórias prévias de hemorragias. É uma perda silenciosa. • Incidência varia de 0,1 a 1,8% • 20 a 25% dos AH tardios • Pode ser estrutural ou funcional • Pode ser adquirida: traumas obstétricos, dilatação e curetagem uterinas, CAF, histeroscopias • Pode ser congênita: doença do colágeno, malformação mullerianas (25%). As alterações mullerianas vem tanto com alterações renais quanto do útero e da vagina. No útero, vem a incompetência cervical em torno de 25%. Diagnóstico • Perda fetal de repetição de segundo trimestre (12 a 20 semanas) • Partos prematuros extremos (21 a 32 semanas): se a mulher teve a perda, por exemplo, com 26 semanas, na próxima gestação, o colo fica mais dilatado e ela vai perdendo mais precocemente. • Quadro clínico clássico: dilatação cervical indolor sem contrações uterinas, com protrusão de bolsa, nascendo feto vivo, morfologicamente normal que obitua poucas horas após, por imaturidade. • Exame ginecológico: dilatação do colo uterino no toque vaginal e protrusão das membranas em IG < 24 semanas. Exames complementares • Antes da gestação o Passagem da vela de Hegar 8: é uma vela de 8 mm. Quando a mulher está fora da gestação, o colo uterino deve ser fibroelástico. No exame ginecológico, ela tem uma perda e, quando volta para exame de rotina, o colo uterino fica aberto, dando passagem a uma vela de 8 mm. o Histerossalpingografia: dilatação cervical acima de 10 mm a nível do orifício interno. Esses exames não apresentam boa sensibilidade e especificidade. Pode estar tudo normal, mas a mulher ter incompetência cervical. Na maioria das vezes, só faz diagnóstico pela história clínica de perdas. • Durante a gestação o Acompanhamento ultrassonográfico a partir de 16 a 24 semanas a cada 2 semanas. 4 Vai mensurando o colo uterino semanalmente. Se ele, que deve medir acima de 2,5 cm, for < 2,5 cm e estiver reduzindo, indica tratamento. Tratamento • Cerclagem cervical eletiva: indicada entre 12 e 16 semanas, antecedentes de uma ou mais perdas no segundo trimestre, sem contrações ou descolamento de placenta. • Cerclagem cervical terapêutica: antecedente suspeito, com história de parto prematuro < 34 semanas e USG com colo inferior a 25 mm antes de 24 semanas. A cerclagem uterina deve ser bem indicada, porque o prognóstico desse procedimento pode piorar o intercurso da gestação. Às vezes é melhor indicar progesterona, mesmo que o colo seja curto. • Cerclagem cervical emergencial: dilatação do colo assintomática, com protrusão das membranas ovulares até 24 semanas de gestação. Faz quando a mulher já chega com protusão de bolsa na maternidade; tem grande chance de não dar certo. • Cerclagem abdominal: indicada entre 11 e 13 semanas, nos casos de duas falhas anteriores de cerclagem cervical ou em caso de amputação do colo. A cerclagem é um pontinho no colo do útero, se não der certo, faz por via abdominal. MacDonalds modificada por Pontes São pontos em bolsa no colo do útero, fugindo dos vasos das 3 horas e às 9 horas (imaginando que o colo do útero é um relógio). Dá um ponto a 1 cm do orifício interno e outro embaixo dele. Faz com fita cardíaca ou prolene 00. 3. Fatores imunológicos As mais importantes são as trombofilias adquiridas e hereditárias. As trombofilias são as doenças que favorecem a formação de trombos, que podem ocorrer na placenta. Isso leva à isquemia de vasos e insuficiência placentária importante, com uma baixa de oxigênio gravíssima para o feto, que termina morrendo. A Síndrome dos Anticorpos Antifosfolípides (SAF) é uma das causas mais importantes do AH: 15%. Acredita- se que os anticorpos causem trombose nos vasos placentários, inibam a proliferação dos trofoblastos e causem processos inflamatórios locais. O diagnóstico envolve a presença de um critério clínico e um critério laboratorial. Tendo dois fatores clínicos ou dois laboratoriais, o diagnóstico está dado. Outras trombofilias são as hereditárias, que são mais raras, em que a pesquisa é recomendada quando há história prévia de trombose ou abortamento do segundo trimestre. • Fator V de Leiden • Mutação da protrombina • Hiper-hemocisteína • Deficiência de antitrombina, proteína C e proteína S Tratamento • Enoxaparina 40 mg/dia, subcutânea dose única + AAS 100 mg/dia. Faz isso durante o diagnóstico da gestação até o parto. Suspende o AAS com 36 semanas. Se a doença for apenas por trombofilia hereditária, usa só enoxaparina. 4. Fatores endócrinos • Insuficiência lútea: diagnóstico mais difícil, mas não se fala muito de abortamento habitual relacionado com isso. Alguns trabalhos mostram bom prognóstico quando faz suplementação de progesterona na segunda fase do ciclo e durante a gestação até a 12ª semana. • Hipotireoidismo • DM descompensado: pode já tratar na pesquisa do abortamento e antes da próxima gestação, assim como o hipotireoidismo. 5 • Hiperprolactinemia: leva à alteração da foliculogênese. • SOP: é também uma situação que leva à insuficiência lútea, podendo estar envolvida com perdas recorrentes. Quando se trata com progesterona, a gestação pode ir para adiante. Todas essas causas têm sido relacionadas à abortamento, porém em alguns estudos recentes não apresentaram risco significativo com AH. Pacientes com AH devem ser investigadas no período progestacional, e caso necessário, o tratamento deve ser instituído antes da próxima gestação. Insuficiência lútea • Diagnóstico: difícil na prática clínica. • Suporte da fase lútea com progesterona – efeito benéfico • Suporte da fase lútea: diminuição da taxa de abortamento • Tratamento: progesterona natural 200 mg vaginal no diagnóstico da gestação até 12 semanas. 5. Fatores infecciosos A pesquisa de toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, sífilis e herpes geralmente é desnecessária de forma pré-gestacional. Contudo, sabemos que essas infecções se associam a abortamentos esporádicos, mas não de repetição. As infecções ginecológicas, como vaginose bacteriana, clamídia, gonorreia e tricomoníase estão associadas a perdas tardias por prematuridade. Então, o tratamento dessa condição prévia ou durante a gestação reduz bastante a taxa de perdas. Sempre investigar em mulheres com perda do segundo trimestre e prematuridade. 6. Fatores ambientais • Cigarros (10-20/dia) • Álcool (duas ou mais doses / semanas) • Obesidade (IMC > 30) Mulheres devem ser encorajadas a cessarem o tabagismo e o consumo de álcool, bem como a reduzir seu peso corpóreo antes da nova tentativa de gestação.
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