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Eloiza da Silva Gomes de Oliveira [...] Do mesmo modo que um pintor que desenha uma paisagem, de baixo observa o contorno das montanhas e de tudo o que está no alto, enquanto do alto observa tudo o que está embaixo; da mesma forma, para conhecer bem a natureza do povo, é necessário ser príncipe, para conhecer a natureza do príncipe, é necessário pertencer ao povo. Maquiavel O tema desta aula é muito significativo para a formação de gestores escolares. Trata-se da liderança, termo muito comum no cotidiano do tra- balho desse profissional. Vamos, portanto, conceituar liderança e poder social, destacando a importância destes para a Gestão Escolar, e conhecer algumas teorias que definem e estudam a liderança. Essa citação, considerada clássica para os estudos sobre liderança, foi retirada da obra O Príncipe. Escrito em 1513, compõe-se de uma série de escritos para um jovem príncipe – Lourenço de Médicis – ensinando-o a manter o poder e o controle sobre o seu estado. O autor conjuga conse- lhos sobre como agir com sutileza, dureza, astúcia e até crueldade, defi- nindo variadas nuances da liderança. Se afirmarmos que o gestor escolar exerce uma liderança, certamente estaremos sendo repetitivos. Quando nos debruçamos sobre o assunto, no entanto, ele se apresenta mais complexo e atraente para o nosso estudo. O termo liderança é utilizado, normalmente, com três significados diferentes: a) Atributo de uma posição – trata-se da liderança hierárquica em que, dependendo da posição que o indivíduo ocupa na escala hie- rárquica, tem maior ou menor “dose” ou quantidade de liderança. Assim, o fato de ser “diretor” dá ao educador o direito de exercer uma determinada forma de poder ou liderança sobre o grupo que transita na escola. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 112 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada b) Conjunto de características de uma pessoa – refere-se às características de personalidade que tornam uma pessoa mais apta a exercer a liderança. Algumas delas, comumente detectadas, são fluência, simpatia, assertivi- dade, senso de justiça, equilíbrio emocional, entre outras. c) Categoria de conduta – consiste em um conjunto de fatores, específicos para a situação em que a liderança é exercida. Esse conjunto de caracte- rísticas pode ser desenvolvido por meio de treinamentos (é comum ouvir- mos falar em “treinamentos para a formação de líderes”). Nunca foram tão importantes os chamados “atributos de liderança” como no momento em que vivemos, em um ambiente em acelerada mudança. Esse con- junto é muitas vezes chamado de “poder de influência”. Segundo Katz e Kahn (1976, p. 343), a definição de liderança é geralmente relacionada ao exercício de influência ou poder social. Os autores afirmam: “con- sideramos a essência da liderança organizacional como o incremento influencial além e acima do cumprimento mecânico das diretivas rotineiras da organização. Tal incremento influencial decorre do fato de que os seres humanos, ao invés de computadores, é que se acham em posições de autoridade e poder”. A influência é uma força psicológica, uma decorrência da interação entre pes- soas, em que uma age de maneira a modificar o comportamento das outras, de maneira intencional. Ela envolve três conceitos correlatos: Controle � – se uma pessoa possui controle sobre outra, a influência é sufi- cientemente forte para que o ciclo de mudança de comportamento seja completado, vencendo resistências ou influências em sentido diferente. Poder � – é a capacidade potencial para o exercício da influência, em sentido mais geral, não dizendo respeito a atos pontuais, como no caso do controle. Autoridade � – trata-se de poder legítimo, poder que uma pessoa tem em virtude do seu papel, da sua posição hierárquica; é o poder legal e social- mente aceito. Voltando à questão da influência, podemos afirmar que existem quatro tipos de poderes sociais que um líder pode exercer sobre o grupo e vamos exemplifi- cá-los em relação à atuação do gestor escolar. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 113 Tipo de poder social Caracterização Exemplo De recompensa e coação É a capacidade de reforçar po- sitivamente ou punir os mem- bro do grupo, de acordo com a desabilidade ou não do com- portamento que apresentem. Este poder social é muito co- mum em instituições em que predomina a liderança autori- tária, e em que o gestor é tido como alguém acima dos de- mais membros do grupo. Legítimo É aquele que emana de valo- res internalizados pelo grupo (aceitação da hierarquia e da liderança por ela determinada, por exemplo). Bastante validado em grupos mais conservadores, ou onde a eleição do diretor da escola é realizada e bem aceita. De referência Vem da identificação de mem- bros do grupo com o líder, da interação entre pessoas. Acontece quando a liderança está vinculada a um comple- xo de relações interpessoais (grupo informal da organiza- ção). É a situação do diretor “gostado” pela comunidade escolar, que se identifica po- sitivamente com ele. De especialista ou de compe- tência Fundamentado na percepção que o grupo tem, em relação ao conhecimento, à compe- tência e à perícia do líder. Marcante nas situações em que o gestor é reconhecido, pelo grupo, como um educa- dor experiente e competente, uma referência nessa área de conhecimento. Essas modalidades de poder social não ocorrem isoladamente, de forma al- ternativa, mas podem coexistir em um mesmo gestor escolar. Ele pode acumu- lar – o que é bastante desejável – o poder que lhe é outorgado pela hierarquia, com o que é referendado pelo afeto e com o da sua reconhecida competência profissional, por exemplo. Já podemos conceituar líder, portanto, como aquele que dirige, influencia, coordena, desperta a motivação de um grupo, contando com a participação es- pontânea do mesmo. Também já sabemos que o chefe – muitas vezes nomeado e imposto – não é obrigatoriamente um líder. Segundo Williams (1972, p. 93): Evidentemente, a liderança é baseada na autoridade, porém não são necessariamente a autoridade de status e aquela do cargo que possibilitam a um homem realmente liderar. É possível respeitar um título e, ao mesmo tempo, desprezar seu titular, ainda que faça tudo o que ele nos ordenar. Vejamos, agora, quatro formulações importantes sobre liderança e autorida- de, feita por psicanalistas. 114 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada O primeiro deles é Erich Fromm, que considera a existência de duas mo- dalidades de autoridade: a racional ou estimulante e a irracional ou inibidora. O que as distingue claramente são os métodos e objetivos. Na autoridade racional os interesses entre as pessoas que se relacionam são os mesmos, enquanto nas relações de autoridade inibidora os interesses são contrários, antagônicos. Na autoridade racional, a superioridade serve como auxílio à pessoa sujeita a essa autoridade. Na autoridade inibidora, a superioridade de um é condicionada à inferioridade do outro, não existindo objetivos iguais, nem direções convergentes. Na relação interpessoal também há diversidade: na autoridade racio- nal ela está baseada no aprendizado superior, em busca de uma igualdade futura, na inexistência de parâmetros diferenciados. Na autoridade inibidora, a distância entre quem comanda e quem é comandado vai aumentando ao longo da sua duração. Na autoridade racional, o que se tem de primordial é a identificação com o outro, a essência da relação se baseia no amor, gratidão e admiração. O ser humano busca o outro como seu referencial, seja ele em algum perfil ou no seu todo. Na autoridade inibidora a essência dos sentimentos desencadeados é a de hostilidade e ressentimento. O liderado percebe os seus interesses como anta- gônicos aos do líder. A análise psicológica de Erich Fromm supera a dimensão individual, cons- truindo uma “teia” histórica e social, contextualizada e crítica. Articulando a teoria de Fromm com a gestão, pode-se dizer que o conheci-mento e o exercício da autoridade racional ou estimulante exercidas pelo gestor escolar produzirá um ambiente institucional mais harmonioso e democrático, com pessoas trabalhando mais satisfeitas e envolvidas com a tarefa. Ao contrá- rio, se o gestor exercer uma autoridade inibidora sobre professores, funcionários, alunos e a comunidade externa à escola, sua atitude fará com que a instituição funcione de maneira rígida, hierarquizada e pouco criativa, com os limites fun- dados sobre o medo e o poder da retaliação. Fromm não foi o único psicanalista preocupado com liderança. Freud, Bion e Pichon-Rivière também desenvolveram estudos sobre o assunto. Freud, em seu importante trabalho de 1921, Psicologia das Massas e Análise do Ego, descreveu o processamento de três tipos de formação de lideranças: em turbas primitivas, na igreja e no exército. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 115 Se pensarmos nessa classificação projetada na escola, veremos que a lideran- ça formada nas turbas primitivas a ela não se aplica [à escola], por tratar-se de uma instituição formal e organizada por regras. A liderança religiosa é eminentemente carismática e vinculada a princípios de crença e adesão, excluindo a racionalidade e a crítica. A aplicação de uma liderança “militar” à escola produz forte autoritarismo e centralização, levando a instituição ao enquadramento de padrões extrema- mente conservadores. Freud evidenciou a possibilidade de um sujeito vir a perder a sua identidade individual, sempre que estiver absorvido por uma massa, perdendo os referen- ciais de seus princípios e valores habituais para seguir aqueles ditados pela lide- rança, de características carismáticas. Na igreja temos uma liderança que se processa por meio do fenômeno in- trojetivo, ou seja, todos os fiéis incorporam a figura de um mesmo líder abstra- to, formando-se uma identificação generalizada. Isso mantém a unificação de todos os fiéis. Quanto ao exército, Freud mostrou que a liderança se processa por meio da projeção, na pessoa do comandante, das aspirações e ideais dos comandados. Outro psicanalista é o inglês Bion, que afirma que todo o grupo tem necessi- dade implícita de uma liderança, que emerge do grupo. Ele descreve três tipos de inconsciente grupal: de dependência � , em que o grupo se reúne à espera de ser sustentado por um líder, de quem depende para a sua alimentação material, espiritual e proteção (neste caso, o líder tem natureza carismática); de luta e fuga � , em que o grupo está reunido para lutar contra algo ou dele fugir (líder terá características caudilhescas); de acasalamento � (pairing), em que existe no grupo uma espécie de “es- perança”, de que acontecimentos futuros (casamento, nascimento de fi- lhos, chegada de novos membros) salvarão a todos das suas dificuldades e incapacidades. A aplicação dos princípios da liderança formulados por Bion à Gestão Escolar pode ser exemplificada por três situações, cada uma correspondente a um tipo de inconsciente grupal: 116 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada de dependência – a comunidade interna da escola percebe o diretor eleito � como possuidor de grande carisma e dele espera mudanças positivas e quase instantâneas das situações negativas que a escola enfrenta; de luta e fuga – a escola, imersa em uma comunidade conflagrada e confli- � tuosa deseja que o líder, quase como um “salvador”, pacifique os conflitos e traga paz ao entorno da escola; de acasalamento – diante da perspectiva de uma eleição para diretor, a co- � munidade escolar atribui a esse fato e à direção eleita a responsabilidade por sanar todas as dificuldades e fatores negativos enfrentados. O quarto autor da psicanálise é o argentino Pichon-Rivière, criador do con- ceito de “grupos operativos”. Ele fala de quatro tipos de liderança: autocrática, democrática, laissez-faire, demagógica. Autocrática � , habitualmente exercida por pessoas de características ob- sessivo-narcisistas e própria de grupos compostos por pessoas inseguras, que não sabem usar de modo pleno a sua liberdade. Democrática � , que implica uma hierarquia, com a definição de papéis e funções, em reconhecimento dos limites e das limitações de cada um. Laissez-faire � , que nos remete a um estado de negligência, sendo o seu maior risco a falta de um limite para as angústias, dúvidas e inseguranças, acarretando o risco de desagregação do próprio grupo. Demagógica � , em que o líder tem uma caracterização do tipo “falso self”, e a sua ideologia é construída mais sobre frases retóricas e promessas de impacto do que de ações reais. Isso provoca decepções e desânimo por parte dos liderados. Podemos aplicar os tipos de liderança descritos por Pichon-Rivière a situações de liderança do gestor escolar, como vemos nas situações descritas abaixo. Liderança autocrática – aplicada de forma rígida e conservadora, o líder � centraliza as ações e decisões, aplicando sanções e distribuindo prêmios de acordo com a própria vontade. Liderança democrática – aplicada de forma flexível, o líder escuta as co- � munidades interna e externa à escola, delegando responsabilidades e to- mando decisões de forma colegiada. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 117 Liderança � laissez-faire – aplicada de forma pouco consistente, o líder é pouco percebido e participa pouco dos momentos importantes da escola, delegando a outros as decisões mais complexas. Liderança demagógica – aplicada de forma a tentar satisfazer a todos, de- � senvolvendo ações que buscam sempre angariar simpatia, principalmen- te dos grupos mais fortes da escola. É necessário relembrar que a liderança não é patrimônio de uma única pessoa, ou está situada em um único escalão institucional. É interessante apresentar uma adaptação do quadro mostrado por Katz e Kahn (1976, p. 354). Nele os autores mostram os tipos de liderança, de acordo com o escalão hierárquico em que se situam, e as capacidades ou competências necessárias ao exercício da mesma. Tipos e processos de liderança Nível organizacio- nal apropriado Capacidades e perícias Cognitivas Afetivas Originação: mudança, criação e eliminação de estruturas, formula- ção de políticas. Escalões da cúpula da instituição. Perspectivas de sistema. Carisma. Interpolação: suple- mentação e prolonga- mento da estrutura. Níveis intermediários da hierarquia. Perspectivas de sub- sistema (orientação de duas vias, entre o nível superior da hierar- quia). Perícia de relações humanas. Administração: uso da estrutura existente. Níveis mais baixos. Conhecimento técnico e compreensão de sistema de regras. Interesse pela igualdade no uso de recompensas e sanções. Isso nos leva a aprofundar as funções do líder, e vamos buscar a mais completa abordagem desse ponto, feita por Krech e Crutchfield (1961). Esses autores falam de 13 funções da liderança, que achamos importante destacar: Coordenar as atividades � do grupo, atuando de forma centralizadora. Planejar � buscando, individual e coletivamente, as melhores formas de al- cance dos objetivos do grupo. Definir políticas � , sempre que possível de forma participativa com o grupo. Atuar como especialista � , utilizando conhecimentos específicos da sua função. 118 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada Representar externamente o grupo � , tornando-o “visível” e comunican- do-se com outros grupos. Controlar as relações internas � , com a finalidade de promover um clima grupal propiciador à consecução dos objetivos do grupo. Distribuir recompensas e sanções � , considerando-se que elas são de di- versas naturezas, materiais e não materiais. Servir como exemplo do grupo � , já que ele é tomado como modelo pelos seus membros. Simbolizar o grupo � , representando-o e conservando-lhe a unidade. Substituir certas responsabilidades individuais � , que lhe são investidas pelo grupo. Definir a ideologia grupal � , constituindo-se em fonte de valores, crenças e normas.Substituir a figura paterna � , centrando em si identificações, transferên- cias dos membros do grupo. Constituir-se em “bode expiatório” ( � scapegoat), pois o grupo canaliza para ele, além dos sentimentos positivos, desilusões e frustrações. Embora seja muito complicado afirmar que há “tipos de liderança”, existe um estudo clássico, realizado por White e Lippitt (1960), sobre o que chamaram de “atmosferas sociais”. O quadro a seguir, adaptado por Aguiar (1989, p. 202), ilustra bem essas três atmosferas ou climas de liderança. Autoritária Democrática Laissez-Faire A fixação das diretrizes cabe unicamente ao líder. Todas as diretrizes são objeto de debate e decisão do grupo, estimulado e assistido pelo líder. Liberdade completa para as decisões grupais ou individu- ais com participação mínima do líder. As técnicas e as providências para o serviço são determina- das pela autoridade, uma por vez, de maneira que em gran- de parte as medidas por vir são sempre imprevisíveis. A atividade ganha novas perspectivas durante o perí- odo de debates. Esboçam-se providências gerais para atin- gir o alvo do grupo e, quando há necessidade de aconselha- mento técnico, o líder sugere duas ou mais alternativas para o grupo escolher. A única participação do líder do debate sobre o trabalho é apresentar ao grupo mate- riais variados e deixar claro que poderá fornecer informa- ções, quando solicitadas. (W H IT E, R al ph ; L IP PI TT , R on al d. A ut oc ra cy a nd D em o- cr ac y. H ar pe r & R ow , P ub lis he rs , I nc or po ra te d, 1 96 0, p. 2 6- 27 . A da pt ad o. ) Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 119 Autoritária Democrática Laissez-Faire Habitualmente, o líder deter- mina qual é a tarefa a ser exe- cutada por cada membro, e o companheiro que lhe cabe. Os membros têm a liberdade de trabalhar com quem quiser e a divisão das tarefas é deixa- da ao grupo. Absoluta falta de participação do líder. O líder inclina-se a ser “pes- soal” nos elogios e críticas ao trabalho de cada membro; ele só não fica fora da participa- ção ativa do grupo quando faz demonstrações. O líder é “objetivo” e limita-se aos “fatos” em suas críticas e elogios; procura ser um mem- bro normal do grupo, em es- pírito, sem encarregar-se de muito serviço. Comentários espontâneos e irregulares do líder sobre as atividades dos membros, a não ser quando perguntado, e nenhuma tentativa de avaliar ou regular o curso dos aconte- cimentos. Ainda no bojo da discussão sobre a não existência de tipos puros de liderança, vamos apresentar um quadro, elaborado por Tannenbaum, Weschler e Massarik (1970, p. 94), que mostra a existência de um continuum do comportamento do líder, e que ele pode situar-se em diversos pontos da escala, inclusive de acordo com a situação defrontada. Uso de autoridade pelo líder Área de liberdade dos subordinados 1 2 3 4 5 6 7 1. O líder toma as decisões e apenas as anuncia ao grupo. 2. O líder “vende” a decisão, convencendo o grupo a aceitá-la. 3. O líder apresenta as suas ideias e solicita que o grupo apresente perguntas. 4. O líder apresenta ao grupo um ensaio de deliberação, sujeito a modifica- ções. 5. O líder apresenta o problema a ser resolvido ao grupo, obtendo suges- tões, e então decide. 6. O líder define os limites de cada problema e pede ao grupo que tome a decisão. 7. O líder permite e solicita ao grupo que trabalhem, todas as etapas da solu- ção dos problemas, atuando como mais um membro do mesmo. 120 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada Sabe-se que não existem os tão conhecidos “líderes naturais”, aqueles que “nasceram com um dom especial”, e têm absoluto domínio sobre os grupos de que fazem parte. Isso combina melhor com os “heróis”, ou com líderes eminen- temente carismáticos. Atualmente trabalhamos com o conceito de liderança situacional, que pode ser ocupada por variados membros do grupo, dependendo da situação a ser en- frentada. Trata-se, então, de um conjunto de líderes, com uma visão de alcance dos objetivos, de realização do que é melhor para o seu grupo. Eles exercem, de forma rotativa, o papel de coach, mentor, treinador e quaisquer outros que o líder possa assumir. É também uma falácia a afirmação de que pessoas bastante aprimoradas em sua competência dispensam lideranças. Isso é falso, todos nós necessitamos, em situações diversas, de diferentes tipos de lideranças. Daniel Goleman, autor do best-seller Inteligência Emocional, em 1996, afirma, em obra mais recente que: “Na situação de coaching executivo, líderes podem falar sobre assuntos apaixonantes ou penosos – e realmente aprofundar-se em questões críticas para si mesmos, para suas equipes e para a organização”. (GO- LEMAN, 2002, p. 36) E prossegue, mais adiante, falando do perfil do líder que desenvolveu a sua inteligência emocional: Líderes precisam equilibrar aprendizagem – que por definição significa tornar-se vulnerável – com o gerenciamento da própria imagem enquanto líder. Uma boa forma de fazer isso é trabalhar com um coach executivo, um relacionamento onde é seguro debater, explorar, buscar novas soluções e onde líderes têm a oportunidade de falar mais livremente do que jamais fizeram com qualquer pessoa, sobre seus sonhos, seus desafios, seus negócios (GOLEMAN et al., 2002, p. 50). Finalizando, vale a pena ler o que dizem Micklethwait e Wooldridge (1998, p. 140), sobre a gestão das organizações de aprendizagem: No entanto, os problemas dos chefes com as organizações voltadas para o aprendizado não são apenas problemas do ego. Trazer à tona o que os outros têm de melhor (principalmente quando se trata de milhares de pessoas) é mais difícil do que apenas absorver informações e dar comandos. É extremamente difícil definir uma estrutura que estimule a geração de ideias entre as pessoas e ao mesmo tempo dê à organização um propósito comum. Toda a conversa atual sobre a importância de atuar como instrutor, e não como um general, tende a fazer vista grossa para as dificuldades de atuar como instrutor. “Gerenciar é como segurar um pombo nas mãos” argumentou Tommy Lasorda, dos Los Angeles Dogers. “Se o apertamos com muita força, o matamos. Se abrirmos demais a mão, ele foge.” Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 121 Texto complementar Motivação: confiança e domínio. Menos autoajuda, mais conhecimento (MORENO , 2009) Uma das principais dúvidas dos gestores é em relação à motivação do corpo docente. O objetivo deste artigo é esclarecer como se dá o proces- so de motivação e como acontece a automotivação. Depois de lê-lo, você poderá trabalhar as ideias com sua equipe (sem esquecer que servem para você também). Motivo + ação A partir dos anos 1940, pelo menos as mentes mais perceptivas, tanto no mundo acadêmico como no organizacional, abandonam a concepção in- gênua da vida e do trabalho (incentivos econômicos ou extraeconômicos). Para elas, torna-se evidente que, do ponto de vista prático, é preciso apro- fundar os motivos que levam o homem a trabalhar, isto é, as necessidades que busca satisfazer por meio do trabalho. Conhecendo a motivação, você compreende melhor as relações entre as pessoas. Mas o que é motivação, de que estamos falando? Motivo é aquilo que move a pessoa para alcançar seus objetivos. Esse impulso à ação é pro- vocado por um estímulo externo que vem do ambiente ou por um estímulo que vem de dentro da pessoa. A motivação é um processo. Como ocorre? Vamos entender melhor como acontece o processo motivacional. 1. A pessoa percebe uma carência ou tem uma necessidade. 2. Essa necessidade gera uma tensão ou motivo. 3. Em seguida, esse motivo leva a pessoa à ação e à busca da satisfação de sua necessidade. 122 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada 4. Satisfação da necessidade. 5. Equilíbrio interno. O primeiro passo para a motivação é o autoconhecimento. Para isso, você precisa encontrar as respostas das perguntasque seguem: O que mais lhe motiva? � O que mais o desmotiva interna e externamente? � O que você tem feito para mudar? � Quando foi a última vez que você fez exatamente aquilo que gostaria � de fazer e no momento que desejava? Quantas vezes na última semana você dedicou um momento para � pensar em você mesmo? Que fatores da sua vida você gostaria de ampliar ou mesmo incorporar? � Você já analisou se o que está fazendo atualmente é realmente o que � gostaria de fazer? Você já pensou quais os fatores da sua vida que gostaria de reduzir ou � extinguir? Então, baseado nas suas respostas, a que conclusão chegou? Você en- � controu o seu motivo para a ação entusiástica? As três dimensões do conhecimento O conhecimento é único, mas pode-se falar com toda propriedade que apresenta três aspectos ou dimensões. Em suas aplicações, recebem os nomes de especulativo, operativo e afetivo, e determina a capacidade de ação e reação da pessoa frente aos estímulos de todo tipo que lhe chegam. Essas três dimensões do conhecimento têm sua correspondente aplica- ção no impulso que se manifesta em nossa vida psíquica e que muitos deno- minam simplesmente “motivação”. É ela que move o ser humano a agir para satisfazer suas necessidades de todo o tipo. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 123 1. O especulativo é o que permite à pessoa conhecer os resultados que uma ação provoca (saber que um remédio produzirá certos efeitos no organismo). 2. O operativo determina a capacidade de um sujeito para realizar uma ação determinada (saber o que fazer para conseguir e tomar o remédio). 3. O afetivo determina a capacidade da pessoa para avaliar os resultados da ação, isto é, para saber como vai ser afetada pelos resultados (saber como se sentirá com o efeito do remédio). Motivação sentida – é o impulso que sentimos e que depende do co- nhecimento; este determina os resultados esperados e o atrativo desses re- sultados para a pessoa. Motivação potencial – corresponde ao impulso que sentiríamos se o nosso conhecimento fosse perfeito, isto é, se conhecessem antecipadamen- te todos os resultados que a ação terá. Motivação atual – é a força que nos faz escolher uma ação concreta com base no valor de seus resultados – um valor que o conhecimento especu- lativo capta – embora esse valor não seja atraente devido às limitações do conhecimento afetivo. Tipos de necessidades do ser humano Uma pessoa deve prestar atenção aos três tipos de necessidades inerentes a todo ser humano, no momento de decidir o tipo de trabalho que vai desen- volver em sua carreira profissional. Não há dúvida de que não pode esque- cer a parte econômica, a remuneração, mas em sua decisão final deve contar, também, com a satisfação pessoal que lhe causará o trabalho a desempenhar e, ainda mais, suas repercussões em outras pessoas próximas ou distantes. Somente por meio de um perfeito equilíbrio entre essas três realidades é que podem ser alcançados resultados ótimos quanto à satisfação e, por conse- guinte, quanto ao rendimento do trabalho e à produtividade social positiva. Mas nem sempre a pessoa pode satisfazer todas as suas necessidades. E sabe o que pode acontecer? Essa necessidade pode ser frustrada ou até compensada, quer dizer, pode não causar satisfação e ser transferida para outro objeto, pessoa ou situação. 124 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada E por que ocorre essa frustração? Ocorre por causa da impossibilidade, mesmo que momentânea, de satisfazer a necessidade. Essa frustração se manifesta de duas formas: a primeira é mental, através da agressividade, descontentamento, tensão emocional, indiferença. A se- gunda é fisiológica, afetando o organismo como, por exemplo, insônia, pro- blemas digestivos, cardíacos e outros. Em outras situações, a necessidade não é satisfeita, nem frustrada. Então o que acontece? A substituição pela satisfação de outra necessidade diminui a frustração de uma necessidade que não pode ser satisfeita. É importante saber que a motivação é cíclica. Sabe o que significa? Quando uma necessidade é atendida e satisfeita, um processo de motivação termina. Mas será que acaba? De maneira alguma. O indivíduo identifica uma nova necessidade e imediatamente um novo processo de motivação se inicia. Numa organização, o que motiva as pessoas no trabalho? condições de trabalho adequadas; � desafios; � novas oportunidades; � orgulho do próprio trabalho; � reconhecimento; � ser ouvido; � ser tratado como pessoa/respeitado como profissional; � ser tratado de modo justo; � sensação de ser útil; � ser aceito como é. � Automotivação Mihaly Csikszentmihalyi é um psicólogo americano, autor de uma im- portante teoria sobre motivação, mais especificamente automotivação. Sua obra vem servindo de referência aos mais importantes pesquisadores nas Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 125 áreas de educação e lazer. Sua teoria foi publicada em 1975 e é chamada por ele próprio de Flow. Flow significa fluir. Essa teoria procura desvendar os aspectos essenciais da automotivação. Segundo o autor, jogadores – como os jogadores de xadrez – costumam viver experiências notáveis de automotivação, quando dedicam boa parcela de suas vidas ao jogo, muito embora saibam que ra- ríssimas vezes alguém consegue viver disso ou mesmo ser reconhecido por essa capacidade. A mesma experiência é também vivida por esportistas e artistas. Os primeiros chegam a saltar de paraquedas, praticar enduros na selva, ralis no deserto e escalar montanhas sem equipamento pelo simples prazer que essas ações lhes dão. Os outros devotam largas parcelas de seus dias sobre uma tela, contem- plando-a, pincelando-a, desenvolvendo técnicas ou então se debruçam sobre uma pedra, buscando uma forma escondida, talhando e talhando... Todas essas pessoas vivem uma experiência de automotivação intensa, tão intensa que algumas chegam a comprometer a própria subsistência e até mesmo a existência, quando se arriscam em extremo em suas atividades. Segundo Csikszentmihalyi, “quando uma pessoa age porque seu comporta- mento é motivado pelo prazer que ela encontra nesse comportamento em si, ela aumenta sua autoconfiança, contentamento, e sentimento de solida- riedade com os outros; se o comportamento é motivado por pressões ou recompensas externas, ela pode experimentar insegurança, frustração, e um certo senso de alienação.” Numa época em que a Psicologia está desenvolvendo meios para contro- lar o comportamento mediante implantes eletrônicos, drogas, programas de modificação comportamental, e todo um armamento composto de técnicas invasivas, é vital que se preserve o entendimento da dimensão ativa e cria- tiva desse comportamento automotivado. Foi identificado, através de pes- quisas, um padrão de características vividas e relatadas por todas as pessoas absorvidas em suas atividades. Dessa forma, fluir significa: Oportunidade para a ação. � Atenção centrada em um campo limitado de estímulos. � Sentimento de competência e de controle. � 126 Princípios e Métodos de Gestão Escolar Integrada Objetivo e � feedback claro e imediato. Fusão de ação e consciência: transcendência das fronteiras do ego. � Esclarecidos alguns aspectos da motivação, pensamos em algumas al- ternativas para o profissional da educação desenvolver a autoconfiança e o autodomínio, assim como manter-se motivado, apesar dos reveses da vida e das cobranças institucionais. Tenha consciência da importância da profissão que você escolheu. � Adquira, aperfeiçoe ou desenvolva suas competências, praticando-as � diariamente. Tenha fé em sua competência no trabalho, agindo de forma a eviden- � ciá-la e desenvolvê-la. Conheça, pesquise bem o que vai ensinar, o tema que vai trabalhar. � Fale com firmeza e convicção sobre o assunto. � Encare com serenidade, mas com profissionalismo também, os ques- � tionamentos dos alunos, por mais complexos ou ingênuos que pos- sam parecer. Todosnós temos impaciências e desconfortos. Tenha e manifeste um espírito compreensivo e seja tolerante com as � fraquezas, incertezas e dúvidas dos alunos. Mantenha sempre o domínio emocional para poder manter o domínio � da situação. O professor que se irrita fácil e frequentemente com os alunos perde em conceito. Pode perder alunos e o emprego. Seja realista com uma dose de otimismo e veja sempre o lado bom � do aprendizado das coisas, situações e pessoas. O otimista acredita. O pessimista reclama. O realista age. Organize sua vida particular de modo a evitar conflitos afetivos. Se casa- � do, faça com que o cônjuge compreenda o valor de sua profissão e car- reira e colabore para sua disposição mental e energia. Se solteiro, consi- ga a mesma compreensão das pessoas com quem convive e interage. De qualquer forma, tenha uma vida metódica e não pratique excessos � que debilitem o físico e o mental, drenando energia. Liderança, recursos humanos e Gestão Escolar 127 Aprendizagens possíveis Motivação é um processo interno de cada indivíduo. Apesar de não termos o poder de motivar outras pessoas, visto que motivação é interna e pessoal, temos o poder de estimular as pessoas com quem convivemos e de ajudá-las a descobrir as próprias necessidades. Conseguimos isso com um elogio, uma conversa, uma palavra, uma aula bem planejada e realizada. Dica de estudo Indicamos a leitura de um ótimo livro: Liderança em Gestão Escolar. A autora é Heloísa Lück e a obra faz parte da série Cadernos de Gestão, publicada pela Editora Vozes. A autora propõe aos gestores escolares que deem sua atenção ao exercício da liderança efetiva em sua própria atuação profissional e na dos membros da comunidade escolar e que promovam em suas escolas a criação de uma cultura escolar orientada para o compartilhamento da mesma (dentro da visão de liderança situacional). O livro propõe que a liderança do gestor escolar seja marcada pelo comprometimento conjunto com os objetivos educacionais, pelo espírito de equipe e pela proatividade. Atividades 1. Observe estes três perfis de líderes, tomando como exemplo o treinador de fute- bol, em um momento em que o jogo se apresenta muito difícil para o seu time. Transfira essa situação para a situação da gestão da escola, comente cada atua- ção e aponte qual dos três será mais bem-sucedido, justificando a resposta. 1.o treinador – chama os jogadores, eles largam a bola e vão até a lateral do campo, para falar com o treinador. Enquanto isso, o time adversário marca o gol. 2.o treinador – já ouviu falar que é importante focar a atenção no cliente. As- sim, quando chama os jogadores para informar a mudança de tática, permite que eles primeiro acabem a jogada e, então, larguem o jogo e se dirijam até a beirada do campo, para falar com o treinador.
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