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Ana Clara Guimarães de Souza | @acerolaenrola Puericultura, prematuridade e triagem neonatal ∙ Definição: Puericultura consiste na consulta médica periódica de uma criança em que devem estar presentes orientações educativas, ações de promoção à saúde, ações relacionadas à prevenção de doenças e observação dos riscos e vulnerabilidades sob os quais está submetida a criança em questão. Dessa forma, a puericultura não se restringe somente a uma mera consulta médica analítica e informativa, mas visa a um pensamento e um planejamento conjuntos, entre médico e família, com o intuito de promover saúde e acompanhar o desenvolvimento da criança. ∙ Riscos: diferentes grupos populacionais nos quais as crianças estão inseridas apresentam diferentes riscos de danos à saúde, devido a características individuais, exposições específicas a fatores ambientais e circunstâncias sociais. ∙ Vulnerabilidades: crianças possuem características e comportamentos (como baixo peso ao nascer, obesidade, deficiências imunológicas), uma dinâmica familiar e o modo com que a criança se expressa (agressividade, agitação, timidez), os ambientes de interação social (escola, espaços de lazer) e as oportunidades que tem de acessar os serviços de saúde. Todos esses aspectos, como peças de mosaico, determinarão se a criança será mais ou menos suscetível a agravos. Avaliação de imunizações, nutrição e estado de desenvolvimento continuam sendo elementos essenciais da consulta de puericultura para supervisão de saúde da criança, mas as mudanças na saúde da população conduziram à adição de outros componentes ao conteúdo do encontro de puericultura atual. Os cuidados preventivos para crianças e jovens é um componente das atividades contemporâneas da reforma de saúde; esta abordagem oferece grande oportunidade para a redução de custos de saúde. ∙ Frequência de consultas: a puericultura deve planejar suas ações com base nas características específicas da criança, tomando como base cada faixa etária e as respectivas demandas envolvidas no processo de crescimento e desenvolvimento correspondente. Nos primeiros 2 anos de vida, as consultas são mais frequentes, devido ao fato de o crescimento e o desenvolvimento infantis serem mais intensos e acelerados. Por isso, é recomendado que, no primeiro ano de vida, sejam realizadas 7 consultas de rotina no mínimo (no 1º, 2º, 4º, 6º, 9º e 12º mês). A primeira consulta de uma criança deve ser realizada ainda na sua 1ª semana de vida. No segundo ano de vida, deve-se ter um mínimo de 2 consultas de rotina, no 18º mês (1 ano e 6 meses) e no 24º mês (ao completar 2 anos). Essa organização da frequência de consultas adotada pelo Ministério da Saúde oportuniza a verificação do cartão de vacinas da criança em momentos importantes: ao nascimento, com 1, 2, 3, 4, 5, 6, 12 e 15 meses. A partir dos dois anos de idade, as consultas podem se tornar anuais. A família deve procurar uma equipe de saúde conforme surgimento de outras demandas, problemas ou dúvidas. ∙ O nascimento de uma criança marca uma importante mudança na vida de uma família. Por isso, o profissional de saúde responsável pelo atendimento deve atentar-se às dúvidas, inquietações e inseguranças relativas ao cuidado com o bebê; ∙ O atendimento integral à saúde do bebê é fundamental; ∙ Anamnese deve ser completa, incluindo também os antecedentes pessoais da criança (com informações desde sua concepção, com ênfase nos antecedentes patológicos e alimentares, questionando aspectos relacionados à gestação, ao nascimento e ao período neonatal). Além disso, o desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) da criança deve ser avaliado pelo profissional de saúde, por meio de relato da família quanto ao surgimento de habilidades motoras, aquisição de linguagem gestual e falada, controle esfincteriano e desenvolvimento socioafetivo da criança com os membros da família e amigos. As vacinas tomadas devem ser analisadas e quaisquer efeitos adversos registrados. Ademais, a história de formação da família, o relacionamento dos pais e a aceitação da criança neste processo são aspectos imprescindíveis a serem discutidos na consulta. A habitação da família é um ponto importante para a compreensão do profissional acerca das condições de vida e de saúde da criança (e também esclarece sobre fatores de risco para doenças respiratórias, infecto- parasitárias, dermatológicas, entre outras). Os hábitos atuais da criança devem ser perguntados, abarcando os alimentares, intestinais, urinários, de sono, higiene corporal e bucal, lazer e atividade física. Neste ponto, é relevante questionar quanto tempo a criança fica exposta a telas de telefone, tablets, televisão e similares. ∙ Exame físico: deve-se explicar para a criança e para os pais o que será realizado. Nem sempre a sequência crânio-caudal será a melhor estratégia. Os exames da orofaringe e da otoscopia devem ser realizados ao final (causam maior desconforto). Procedimentos importantes: dados antropométricos, rastreamento para displasia evolutiva do quadril, ausculta cardíaca, avaliação da visão e da audição, aferição da pressão arterial e rastreamento para criptroquirdia. ∙ Peso: o peso da criança deve ser analisado em relação ao peso ideal ao nascer (baixo peso ao nascer: < 2.500g; macrossomia: > 4.000g), sendo considerado normal uma perda de até 10% ao nascer e recuperação até o 15º dia de vida; ∙ Face: pesquisar assimetria, malformação, deformidade ou aparência sindrômica; ∙ Pele: observar a presença de edema (se for generalizado: pense em doença hemolítica perinatal, iatrogenia por uso de coloides ou cristaloides em excesso, insuficiência cardíaca, sepse; se for localizado: sugere trauma de parto); palidez (sangramento, anemia, vasoconstrição periférica ou sinal de arlequim – palidez em um hemicorpo e eritema do lado oposto, por alteração vasomotora e sem repercussão clínica); cianose (se for generalizada: pense em doenças cardiorrespiratórias graves; se for localizada nas extremidades ou na região perioral, pense em hipotermia); icterícia atentar-se caso a icterícia tenha se iniciado nas primeiras 24 horas ou depois do 7º dia de vida, caso tenha > 1 semana no RN a termo, > 2 semanas no prematuro e se a tonalidade for amarela com matiz intenso ou se espalha pelo corpo, atingindo pernas e braços. Pesquise a possível presença de assaduras, pústulas (impetigo) e bolhas palmo-plantares (sífilis). Esclareça a família quanto à benignidade do eritema tóxico; ∙ Crânio: realizar exame das fontanelas. A fontanela anterior mede de 1-4 cm, tem forma de losango, fecha-se do 9º ao 18º mês e não deve estar fechada no momento do nascimento. A fontanela posterior é triangular, mede cerca de 0,5 cm e fecha- se até o segundo mês. Não devem estar túrgidas, abauladas ou deprimidas; Em caso de presença de bossa serossanguínea, ela desaparece espontaneamente; ∙ Olhos: em caso de secreção purulenta, é importante fazer coleta do material com swab e enviar para análise bacteriológica (importante descartar infecção por gonococo, clamídia e herpes vírus). Após a coleta, deve-se iniciar imediatamente tratamento com colírio de tobramicina ou ofloxacina e, após o resultado da análise, deve-se tratar de acordo com o agente etiológico. Estrabismo e nistagmo lateral são normais nos RN, pois a visão binocular só fica bem desenvolvida entre 3-7 meses; ∙ Tórax: importante observar presença de assimetrias que possam sugerir malformações cardíacas, pulmonares ou ósseas. Observar se há sinais de sofrimento respiratório (tiragem intercostal, estridor, retração xifoidiana, batimento de asa de nariz). Verificar os pulsos, frequência cardíaca (FC) e se há presença de sopros cardíacos; ∙ Abdome: como nesta fase a respiração é basicamente abdominal, deve-se realizar a contagem dos movimentos respiratórios abdominais que variamde 40-60 mrm. Observar se há presença de hérnia inguinal, a qual exige cirurgia imediata devido ao risco de estrangulamento/encarceramento e, em caso de hérnia umbilical deve-se aguardar sua regressão espontânea até os 12 meses; ∙ Avaliação neurológica: observe os reflexos de sucção, preensão palmo- plantar e Moro que são atividades próprias do recém-nascido a termo, sadio. A postura de flexão generalizada e a lateralização da cabeça costumam permanecer até o final do primeiro mês. Cabe ressaltar que o tônus normal é de semi-flexão generalizada. A avaliação do crescimento e do desenvolvimento dependem do acompanhamento sistemático dos dados antropométricos obtidos, permitindo que as condições de saúde e a nutrição da criança sejam monitoradas. O peso, o comprimento/altura, o índice de massa corpórea (IMC), o perímetro cefálico, o perímetro torácico (até os 3 anos de idade) e a circunferência abdominal da criança devem ser mensurados. As informações do peso, altura, IMC e perímetro cefálico devem ser transpostas para as curvas disponíveis na Caderneta de Saúde da Criança e as informações devem ser compartilhadas com os pais. Os gráficos presentes na caderneta são baseados em recomendações da OMS para crianças de quaisquer países ou etnias. No entanto, a identificação e o diagnóstico de desvios no crescimento da criança devem ser analisados sob aspectos socioculturais correspondentes. Os parâmetros disponíveis na caderneta para avaliação do crescimento utilizam os seguintes gráficos: perímetro cefálico (até os 2 anos), peso x idade (0 até 10 anos), comprimento/altura x idade (0 até 10 anos) e IMC x idade (0 até 10 anos). As curvas possuem diversos pontos de corte classificados em escores z que indicam unidades do desvio-padrão do valor da mediana (escore z 0 ou linha verde), um ponto que não esteja entre as linhas vermelhas (escore z ≤ +2 e ≥ -2) indica um problema de crescimento, logo, uma criança que está crescendo adequadamente tem pontos do gráfico paralelo à linha verde (acima ou abaixo dela). ∙ A aferição do peso e do comprimento/altura é realizada por métodos diferentes a depender das características. A balança pediátrica pode ser utilizada em crianças de até 25 kg ou 2 anos, ou até a criança poder ficar em pé. A medida do comprimento é realizada com régua antropométrica com haste fixa na cabeça e haste móvel nos pés. Em crianças a partir dos dois anos, é possível medir a altura no estadiômetro (criança fica em pé com cabeça retificada). ∙ O IMC é um bom marcador de adiposidade e sobrepeso. Quando o IMC da criança está entre os escores z ≥ -2 e +1, fala-se que a mesma está com IMC adequado; ∙ O perímetro cefálico (PC) deve ser medido em todas as consultas até os 2 anos de vida. A circunferência da cabeça deve ser medida com uma fita métrica maleável envolvendo os maiores diâmetros frontoccipital na testa no sulco supra orbital e na porção mais proeminente do occipital. ∙ Rastreamento para displasia evolutiva de quadril: outro ponto importante na avaliação do exame físico na Puericultura é o rastreamento para displasia do quadril, que auxilia no diagnóstico precoce (antes dos 3-6 meses) e, com isso, na escolha de tratamentos menos invasivos e com menores riscos de complicações. Os principais fatores de risco para displasia do desenvolvimento do quadril são: sexo feminino, história familiar de displasia congênita do quadril e parto com apresentação pélvica; ∙ Ausculta cardíaca: ∙ Aferição da pressão arterial: o Ministério da Saúde recomenda que a PA seja aferida em crianças primeiramente aos 3 anos de idade e posteriormente aos 6 anos. O manguito apropriado deve ter largura correspondente a 40% da circunferência do braço (no ponto médio entre o acrômio e olécrano). A PA normal é inferior ao percentil 90, pré-hipertensão entre percentil 90-95 e hipertensão é definida por valores superiores ao percentil 95. ∙ A triagem neonatal no Brasil faz parte do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que visa a identificação de distúrbios em recém-nascidos em tempo hábil para uma intervenção adequada. Objetiva-se o tratamento e a garantia de um acompanhamento dos pacientes com diagnósticos positivos, de modo a reduzir a morbimortalidade e a aumentar a qualidade de vida dos indivíduos; ∙ Consiste no rastreamento de recém- nascidos (entre 0 e 28 dias de vida); ∙ Composta por alguns testes. O mais conhecido deles é o teste do pezinho, responsável pela identificação de diversas doenças metabólicas, genéticas, endócrinas e enzimáticas. Além dele, há o teste do coraçãozinho, o teste do reflexo vermelho, a triagem auditiva e a avaliação do frênulo lingual. ∙ Também denominado “triagem neonatal biológica”; ∙ Responsável pela pesquisa de 6 doenças: Fenilcetonúrina, Hipotireoidismo Congênito, Doença Falciforme e outras hemoglobinopatias, Fibrose Cística, Hiperplasia Adrenall Congênita e Deficiência de Biotinidase; ∙ Coleta: o profissional deve estar usando luvas de procedimento e deve realizar a assepsia do calcanhar do bebê com algodão ou gaze umedecidos com álcool a 70%. Deve colocar o pé do bebê abaixo do nível do coração, para que haja maior circulação de sangue. A punção deve ser feita com lancetas apropriadas (autorretráteis para evitar acidentes), estéreis, descartáveis e com profundidade e largura determinadas. O local de punção deve ser em uma das laterais da região plantar do calcanhar, na qual há menor possibilidade de atingir o osso. A primeira gota deve ser limpa. As demais precisam preencher todo o circulo demarcado. ∙ Deve ser realizado entre o 3° e o 5º dias de vida do bebê; ∙ Fenilcetonúria: consiste em um erro inato do metabolismo, com padrão de herança autossômica recessiva, caracterizado por um defeito na enzima Fenilalanina Hidroxilase. Esse defeito leva ao acúmulo do aminoácido Fenilalanina (FAL). Sem o diagnóstico e tratamento antes dos 3 meses de vida, a doença se caracteriza clinicamente por atraso global do desenvolvimento neopsicomotor, deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões e odor característico na urina. O diagnóstico é feito pela dosagem quantitativa da Fenilalanina da amostra sanguínea (valor superior a 10 mg/dL em pelo menos 2 amostras distintas). O aumento da FAL só é detectado se a criança tiver ingerido quantidade suficiente de proteína: por isso, a coleta só pode ser feita após 48 horas do nascimento. O tratamento consiste em uma dieta com baixo teor de FAL por toda a vida, permitindo o crescimento e desenvolvimento normal do indivíduo. O bebê deve ser acompanhado clínica e laboratorialmente de forma frequente até o primeiro ano de vida, para controle dos exames. ∙ Hipotireoidismo congênito: doença considerada como uma emergência pediátrica, causada pela incapacidade da tireoide em produzir suficientemente os hormônios, resultando em redução geral do metabolismo. A doença pode ser primária (na qual a forma mais comum é a disgenesia tireoidiana); secundária, com deficiência de TSH hipofisário; terciária, com deficiência do TRH hipotalâmico; e por resistência periférica à ação dos hormônios tireoidianos. As manifestações clínicas incluem hipotonia, dificuldades respiratórias, cianose, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, sonolência excessiva, choro rouco, mixedema, déficit de crescimento e outros. As crianças que têm o diagnóstico precoce geralmente não apresentam os sintomas, desde que a reposição hormonal seja iniciada. Após o resultado inicial positivo, deve-se dosar o T4 (total e livre) e TSH de sangue venoso para confirmação do diagnóstico. O tratamento é baseado na reposição hormonal, promovendo a normalização do estado metabólico. O acompanhamento deve ser feito com dosagem hormonal, além das avaliações de crescimento e desenvolvimento físico e neuropsicomotor,para ajustes das doses. ∙ Doença falciforme e hemoglobinopatias: a doença falciforme tem herança genética autossômica recessiva, causada por um defeito na estrutura da cadeia beta da hemoglobina. Isso leva as hemácias assumirem formas falcêmicas (de lua minguante). A hemoglobina predominante em um homem adulto normal é a A (Hb A); nos recém-nascidos, há predominância da Hemoglobina F (Hb FA). Por outro lado, as hemoglobinas variantes mais frequentes são a S e a C. Sendo assim, quando o indivíduo adulto é heterozigoto, ou seja, Hb AS, é dito como portador do “traço falciforme”; se é homozigoto (Hb SS), possui a doença. Nos recém-nascidos, é possível identificar os heterozigotos como Hb FAZ (portadores de traço falciforme) e os homozigotos (doentes), como Hb FS. As manifestações clínicas do paciente homozigoto são: anemia hemolítica; crises vaso-oclusivas; crises de dor; insuficiência renal progressiva; acidente vascular cerebral; maior susceptibilidade a infecções; e sequestro esplênico. O diagnóstico precoce permite a implantação de cuidados preventivos e orientação aos pais sobre o recém- nascido. O tratamento deve ser iniciado antes dos 4 meses de vida e as medidas preconizadas são: antibioticoterapia profilática, suplementação com ácido fólico e seguimento clínico especializado. ∙ Fibrose cística: também chamada de mucoviscidose, é uma doença hereditária grave, de herança autossômica recessiva, que afeta predominantemente os pulmões e o pâncreas. Envolve um processo obstrutivo causado pelo aumento da viscosidade do muco e tem mortalidade elevada, com os sintomas aparecendo nos primeiros anos de vida. Dentre as manifestações, pode-se ter: proliferação bacteriana pela obstrução das vias aéreas, levando a infecções crônicas (por pseudomonas e estafilococos), lesão pulmonar e insuficiência respiratória; e no pâncreas, obstrução dos ductos pela secreção espessa, levando à uma perda de enzimas digestivas e má nutrição, com esteatorreia e dificuldade de ganho de peso. O diagnóstico presuntivo é feito pelos níveis da tripsina imunorreativa (IRT); já a confirmação dos casos suspeitos é feito com a dosagem de cloreto no suor. O tratamento consiste no acompanhamento regular, suporte dietético, utilização de enzimas pancreáticas, suplementação de vitaminas A, D, E, K e fisioterapia respiratória. ∙ Hiperplasia adrenal congênita: engloba um conjunto de síndromes autossômicas recessivas, que se caracterizam por diferentes deficiências enzimáticas na síntese dos esteroides adrenais. A deficiência mais comum é da 21- hidroxilase (95% dos casos), envolvida na síntese do cortisol e da aldosterona. As manifestações clínicas da deficiência de 21-hidroxilase podem ser divididas em três formas: forma clássica perdedora de sal, que ocorre em 70-75% dos casos, com virilização da genitália externa (excesso de androgênios) e crise adrenal (depleção de volume, hipotensão, hiponatremia, hipercalemia); forma clássica não perdedora de sal, em que há também virilização da genitália externa, porém não há manifestação da deficiência mineralocorticoide, sendo identifica dos muitas vezes em idade tardia; e a forma não clássica, que pode ser diagnosticada até na vida adulta pelo hiperandrogenismo ou até não apresentar manifestações. O diagnóstico presuntivo na triagem neonatal é feito pela quantificação da 17-hidroxi-progesterona (17-OHP), seguido de testes confirmatórios. O tratamento para pacientes do sexo feminino com hiperandrogenismo inclui reposição hormonal com baixas doses de glicocorticoides; os pacientes assintomáticos (com a forma não clássica) não precisam de tratamento. ∙ Deficiência de biotinidase: doença metabólica hereditária com herança autossômica recessiva, na qual há um defeito no metabolismo da biotina. Manifesta-se clinicamente a partir da 7ª semana de vida, com distúrbios neurológicos e cutâneos (crises epilépticas, hipotonia, microcefalia, atraso no desenvolvimento, dermatite eczematoide). Os pacientes com resultados alterados na triagem são submetidos posteriormente à confirmação, através do teste quantitativo da atividade da biotinidase. O tratamento medicamentoso é simples e de baixo custo, consistindo no uso de biotina em doses diárias. ∙ Definição: a terminologia recém-nascido (RN) pré-termo, antes denominado prematuro, é utilizada para todo RN com menos de 37 semanas de idade gestacional ao nascer e não leva em consideração o peso de nascimento; ∙ Pré-termo tardios: aqueles com idade gestacional entre 34 semanas e 36 semanas e 6 dias; ∙ Pré-termo extremos: com idade gestacional inferior a 28 semanas; ∙ O crescimento fetal restrito refere-se aos RN que não atingiram, na vida intrauterina, todo seu potencial de crescimento; ∙ Baixo peso: < 2500 gramas; ∙ Muito baixo peso: < 1500 gramas; ∙ Extremo baixo peso: < 1000 gramas; ∙ Adequado para idade gestacional (AIG): quando o peso se encontra entre os percentis 10 e 90 das curvas de crescimento intrauterino; ∙ Pequeno para a idade gestacional (PIG): quando o peso está abaixo do percentil 10 para a referida idade gestacional; ∙ Grande para a idade gestacional (GIG): quando o peso está acima do percentil 90 para a idade gestacional em questão; ∙ Grande parte da atenção da medicina perinatal está voltada para o segmento que envolve os cuidados com os RN pré-termo e aqueles com crescimento fetal restrito. Isso se deve ao fato de serem grupos considerados de alto risco ao nascer; ∙ Regulação térmica: o recém-nascido, assim como o adulto, é capaz de controlar a sua temperatura corporal, sendo homeotérmico. No entanto, os RN, sobretudo os pré-termo e os com crescimento fetal restrito, apresentam maiores dificuldades nesse controle. Isso acontece devido à relação menor entre a massa e a superfície corporal, aumentando a sua perda de calor, à menor quantidade de gordura marrom, a grande responsável por geração de calor no RN, à maior permeabilidade epidérmica, e, finalmente, ao manuseio excessivo a que muitas vezes estão submetidos, favorecendo maior perda de água corporal e, consequentemente, de calor. Por isso, RN pré-termo estão mais sujeitos a quadros de hipotermia e hipertermia. Homeostase metabólica ∙ Glicose: em condições fisiológicas normais, a glicose é o principal substrato para o cérebro do RN. As concentrações de glicose plasmática do feto encontram-se em relação linear com a concentração plasmática materna. Contudo, com o clampeamento do cordão umbilical, cessa esse fornecimento. Os RN a termo e muitos prematuros normais conseguem manter inicialmente um nível glicêmico de normalidade a partir da quebra de suas reservas de glicogênio. No entanto, diversos RN prematuros, notadamente os de baixo peso ao nascer, devido a várias condições adversas (menor reserva de glicogênio, maior propensão a asfixia, distúrbios respiratórios rios, infecções), e naqueles com retardo de crescimento também a policitemia, há acentuada chance de desenvolverem hipoglicemia. Em virtude de nem sempre a hipoglicemia se manifestar com sinais clínicos (tremores, letargia) e principalmente porque em muitos casos a presença de alguns desses sinais (convulsão, apneia) estarem já associados ao maior risco de dano cerebral, a aferição rotineira dos níveis glicêmicos deve ser feita de forma sistemática nos RN de risco já a partir das primeiras horas de vida. Medidas para a prevenção da hipoglicemia são feitas com a introdução precoce do leite materno e/ou leite humano pasteurizado de banco; ∙ Cálcio: o cálcio é um íon importante na homeostase metabólica, atuando em vários processos do metabolismo e da estabilidade da membrana celular, na contração muscular e na condução do potencial de ação entre feixes nervosos. Hormônios como o paratormônio, a calcitonina, a vitamina D e o íon magnésio têm relação direta no controle da sua homeostase. O cálcioé transferido da mãe para o feto por transporte ativo, principalmente durante o terceiro trimestre da gestação. Considera-se hipocalcemia quando o nível de cálcio sérico total está abaixo de 8 mg/dL (2 mmol/L) ou o de cálcio ionizável, abaixo de 4,4 mg/dL. Alguns autores aceitam os valores mínimos para o RN pré-termo como 7 mg/dL de cálcio total.1 Entre os fatores responsáveis pela hipocalcemia neonatal nos RN pré-termo e com crescimento fetal restrito, destacam- -se a interrupção precoce do fornecimento de cálcio pelo cordão umbilical, a asfixia neonatal e a hipercalcitoninemia. A hipocalcemia pode, muitas vezes, ser assintomática. As manifestações clínicas mais frequentes são tremores, irritabilidade muscular, convulsões generalizadas ou eventualmente focais. As hipocalcemias de difícil correção podem estar associadas a hipomagnesemia; ∙ Magnésio: considera-se hipomagnesemia valores séricos < 1,6 mg/dL. Como a hipomagnesemia reduz a secreção e a ação do paratormônio, os quadros de hipomagnesemia são frequentemente acompanhados por hipocalcemia; ∙ Fósforo: suas funções metabólicas apresentam influência marcante no metabolismo energético, na composição das membranas celulares, na estrutura dos nucleotídeos e na mineralização óssea; ∙ Doença metabólica óssea: RN prematuros têm risco aumentado para desenvolverem doença óssea secundária ao reduzido conteúdo mineral, também denominado de raquitismo da prematuridade. A incidência é inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso ao nascer; ∙ Água corporal e sódio: no período fetal, praticamente 90% do peso corporal é constituído por água e esse valor decresce para 80% nos prematuros e aproximadamente 75% nos RN a termo. No RN pré-termo, há uma perda considerável de água por via transepidérmica, sendo maior quanto menores forem o peso e a idade gestacionais. O RN pré-termo apresenta natriurese elevada, decorrente da menor reabsorção tubular de sódio, quando comparado com RN a termo; ∙ Sistema respiratório: o sistema respiratório é o sítio das principais causas de morbimortalidade neonatal. Dessa forma, cinco sinais são importantes na avaliação de um padrão respiratório adequado para o RN, sendo a frequência respiratória, as retrações da caixa torácica, os batimentos das asas do nariz, os gemidos respiratórios e a cianose; ∙ Retardo de absorção de líquido alveolar: o retardo de absorção do líquido alveolar pode acontecer também em pré-termo, principalmente os considerados tardios, e merece diagnóstico diferencial com a síndrome do desconforto respiratório (SDR); ∙ Síndrome do desconforto respiratório: a SDR do RN pré-termo, antes referida como doença de membranas hialinas, é a forma clássica dominante de dificuldade respiratória entre os RN pré-termo, sendo importante causa de morbimortalidade. A sua fisiopatologia está relacionada à deficiência de surfactante intralveolar, o que leva ao colabamento dessas estruturas, alterando a relação ventilação-perfusão e provocando hipoxemia; ∙ Apneia da prematuridade: uma interrupção da entrada do fluxo de ar nas vias aéreas superiores, por um período de 15 a 20 segundos, quer isso aconteça por uma pausa dos movimentos respiratórios ou não; ∙ Aspectos nutricionais: após o nascimento, deve ser propiciado ao RN pré-termo condições nutricionais para não interromper o crescimento que ocorria intraútero e para prevenir o catabolismo proteico. Faz-se necessária instalação precoce de soluções de glicose com aminoácidos específicos para prematuros e eletrólitos. A oferta gradual de soluções lipídicas, também adequadas, deve ser proporcionada, assim como a de vitaminas e oligoelementos. A dieta enteral deve ser prontamente instituída, privilegiando-se o uso do leite da própria mãe.
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