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História e Princípios da Gastronomia Professor Esp. Cláudio da Silva Júnior Professora Me. Flávia Helena Franco de Moura Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação à Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt 2021 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2021 Os autores Copyright C Edição 2021 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permi- tidoo download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Cândido Bertier Fortes, 2178, Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rodovia BR - 376, KM 102, nº 1000 - Chácara Jaraguá , Paranavaí, PR (44) 3045-9898 www.unifatecie.edu.br/site As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites Google, Pinterest, Dreamstime, Wikipédia,Shutterstock Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP S586h Silva Junior, Claudio da História e princípios da gastronomia / Claudio da Silva Junior, Flávia Helena Franco de Moura. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 213 p. : il. Color. 1. Hábitos alimentares - História. 2. Gastronomia. 3. Culinária. 4. Alimentos. I. Moura, Flávia Helena Franco de. II. Centro Universitário UniFatecie. III. Núcleo de Educação a Distância. IV. Título. CDD : 23 ed. 641.09 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 AUTORES Professor Esp. Cláudio da Silva Júnior ● Mestrando em Agroecologia (UEM) ● MBA em Gestão Empresarial (UniFatecie) ● Especialização em Didática e Tecnologia do Ensino Básico e Superior (UniFatecie) ● MBA em Gestão e Estratégia de Pessoas (UniFatecie). ● Especialista em Gastronomia e Cozinha Autoral pela PUCRS (Pontifícia Univer- sidade Católica do Rio Grande do Sul). ● Gastrónomo (Curso Superior em Tecnologia em Gastronomia) (UniCesumar). ● Docente do Curso Técnico de Gastronomia e Alta Cozinha – IGA (Instituto Gas- tronômico das Américas). ● Professor Formador EAD – UniFatecie. ● Docente do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia – UniFatecie. ● Coordenador do Curso Superior em Tecnologia em Gastronomia (nas modalida- des: Presencial, Híbrido e EAD) – UniFatecie. ● Coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Hotelaria – UniFatecie ● Coordenador do Eixo de Hospitalidade, Turismo e Lazer – UniFatecie No mercado desde 2010, traz consigo uma longa bagagem e diversas parcerias de sucesso, nos mais diversos segmentos. Chef de Cozinha, Personal Chef, Consultor A&B, Pesquisador, ministra vários cursos compartilhando sobre valorização da produção local, KM 0, produtos orgânicos em feiras gastronômicas e cursos de Pós-graduação pelo Brasil. Estuda a ligação da cozinha empírica com a cozinha técnica, e resgata a culinária do seu estado Paraná, mostrando ingredientes de origem, assim como seus preparos. Conside- rado um cozinheiro regional urbano, traz aquela cozinha de conforto demonstrada através de técnicas da alta gastronomia. Um defensor ao usar 100% dos alimentos que trabalha, usa-se a expressão “De cabo a rabo” – ao usar o alimento por completo. Sua influência é a mistura étnica ocorrida na região Sul que resultou em uma culi- nária completamente diferente do resto do país, e ainda, conta com a presença da culinária indígena, sobretudo, as técnicas, raízes e grãos. Inovar. Essa é a palavra que caminha junto com Chef Cláudio Jr., trazer as caracte- rísticas do interior do estado do Paraná, para o mundo. Mostrar que sua culinária e cultura andam de mãos dadas. LINK CURRICULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/1305124107737825 http://lattes.cnpq.br/1305124107737825 Professor Me. Flavia Helena Franco de Moura ● Mestre em Ciência, Tecnologia e Segurança Alimentar (UniCesumar). ● MBA em Gastronomia (UniCesumar) ● Tecnóloga em Gastronomia (UniCesumar) ● Farmaceutica-bioquímica (UEM) ● Docente de Gastronomia - UniCesumar. ● Docente de Gastronomia - UniFatecie ● Docente de Farmácia - UniFatecie ● Professora conteudista de Pós Graduação EAD - VG Educacional Ampla experiência como docente em diversas áreas da gastronomia, produtora de conteúdos para pós graduação EAD, com diversas pesquisas na área de segurança alimentar e saúde. LINK CURRICULO LATTES: http://lattes.cnpq.br/4202699722257454 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Prezado(a) aluno(a), Iniciaremos nossos estudos diferenciando gastronomia e culi- nária, esclarecendo mitos e verdades, continuaremos os estudos tratando de uma temática bastante muito importante para o futuro profissional em gastronomia: o ato de receber e a ligação da hospitalidade com a gastronomia. Veremos, a seguir, que se faz indispensável um profundo conhecimento de um setor extremamente subjetivo, dinâmico e que exige de quem nele atua conhecimentos e competências que transcendem um bom tempero ou uma boa execução de técnicas de cozinha. Conhecer as pessoas que fizeram e fazem parte do contexto histórico da gastronomia. O profissional de cozinha, terá um perfil que irá mesclar o cozinheiro, o artista, o gestor e, sobretudo, um apaixonado pelo ofício de cozinhar e a importância de compreender as divisões dentro da cozinha até chegar no topo de sua formação, ou seja, ser um “Chef”. Dentro desse contexto, iremos estudar também as tendências e o mercado da gastronomia, além do perfil ético desse profissional que atualmente vem sendo tratado pela mídia com muito glamour e, na maioria das vezes, de uma forma deturpada e fora da realidade que encontramos nas cozinhas profissionais. Veremos a quais habilidades e competências, aprimoramento e ferramentas esse profissional precisará se atentar para que possa lograr um caminho de sucesso e realização na profissão. Aproveito para reforçar o convite a você, para junto comigo percorrer esta jornada de conhecimento e multiplicar os conhecimentos sobre tantos assuntos abordados em nosso material. Espero contribuir para seu crescimento pessoal e profissional. Muito obrigado e bom estudo! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 O Início da História da Alimentação UNIDADE II ................................................................................................... 43 Alimentação da Idade Média aos Dias Atuais UNIDADE III .................................................................................................. 98 Da Mandioca à Feijoada UNIDADE IV ................................................................................................ 140 A Geografia dos Sabores 3 Plano de Estudo: ● Pré-História; ● Mundo Antigo; ● China Japão e Índia; ● Civilizações Americanas. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar a alimentação e cultura o proto-homem na pré-história;● Compreender o mundo antigo; ● Compreender a influência asiática na alimentação ocidental; ● Estabelecer a importância das primeiras civilizações americanas ] no contexto da alimentação do mundo. UNIDADE I O Início da História da Alimentação Professor Esp. Cláudio da Silva Junior Professora Me. Flávia Helena Franco de Moura 4UNIDADE I O Início da História da Alimentação INTRODUÇÃO A alimentação é um fator primordial na rotina diária da humanidade, não somente por ser necessidade básica, e através da evolução histórica da alimentação percebe-se que gastronomia e hábitos são aspectos importantes que nos auxiliam a refletir sobre os méritos da culinária e sua evolução ao longo do tempo. Analisando que a difusão do uso de diferentes tipos de alimentos entre os continen- tes se deve muito ao comércio e à introdução de plantas e animais domésticos em novas áreas, e como durante os séculos XV e XVI, Portugal, Espanha e Veneza competiram no financiamento de viagens marítimas visando descobrir centros produtores de especiarias e apoderar-se deles, conclui-se que essas viagens foram de grande importância para a descoberta de novos alimentos e especiarias, além de expressar o domínio econômico dos países que a realizavam. Durante a história, o poder econômico e o monopólio do comércio passaram por vários povos e nessas conquistas e descobertas houve um intercâmbio de cultura, hábitos, culinária e conhecimentos. Movidos por costumes e hábitos tão variados, os diferentes povos primitivos previam estoques de comidas e bebidas para as estações climáticas mais rigorosas, engendrando hábitos alimentares bem diferentes dos de hoje. Já havia prazer em comer, mas esse ato também fazia parte da religiosidade dos povos, expressando uma saudação à natureza, para mantê-la produtiva, ou aos deuses, para que mantivessem a abundância. Nesta unidade faremos um passeio a partir da Pré-história quando o homem desco- briu que poderia dominar o fogo, passando pela antiguidade grega, romana e egípcia, que muito contribuíram para o desenvolvimento da alimentação humana. Faremos um pit stop na Ásia, onde a China foi dominante por muitos séculos, influenciando fortemente os povos vizinhos, além de desenvolver um potente comércio com o Ocidente. Depois, faremos uma viagem pelas Américas, conhecendo a origem e os hábitos culturais e alimentares dos povos da Mesoamérica, Andes e América do Sul, que foram os responsáveis pelos alimentos até então desconhecidos como o tomate e a batata terem invadido a Europa após o período das grandes navegações. Convido você para iniciarmos essa viagem num mundo de cores, aromas, sabores e cheio de histórias fantásticas. Bons Estudos!! 5UNIDADE I O Início da História da Alimentação 1. ALIMENTAÇÃO NA PRÉ-HISTÓRIA Comida congelada, suco de caixinha, pipoca de micro-ondas, sopa instantânea, nuggets, enlatados….produtos alimentícios como esses, ícones da vida moderna e que enchem nossos carrinhos de supermercados, não fazem jus ao caminho percorrido por nossos antepassados ao longo da história para manter a barriga cheia, o corpo nutrido e a saúde em dia. A alimentação sempre foi uma ação fisiológica essencial aos animais, e quando o homem aprendeu a cozinhar os alimentos, surgiu uma grande diferença entre ele e os outros animais. Desde que o início da vida na Terra o alimento se fez presente na vida dos seres humanos, fato que não se difere dos demais seres que nascem, crescem, se repro- duzem e por último morrem, sendo que durante esse período necessitam de alguma fonte de energia para se manterem vivos, e essa energia é obtida através do alimento adequado. É o caso de todos os animais: desde o homem até as plantas, os fungos, as algas, os protozoários e até mesmo as bactérias. Cada ser vivo se alimenta diante da sua necessidade de transformação, sendo que os homens se alimentam basicamente de outros animais e de vegetais que têm ao alcance e que possam ser consumidos. O ser humano, como o animal mais desenvolvido, também mostrou esse diferencial por meio da sua alimentação. De acordo com Franco (2010, p. 17): Quando o homem aprendeu a cozinhar os alimentos, surgiu uma profunda diferença entre ele e os demais animais. Cozinhando, descobriu que podia restaurar o calor natural da caça, acrescentar-lhe sabores e deixá-la mais digerível. Verificou também que as temperaturas elevadas liberam sabores e odores, ao contrário do frio, que os sintetiza ou anula. Percebeu ainda que a cocção retardava a decomposição dos alimentos, prolongando o tempo em que podiam ser consumidos. Identificava, assim, a primeira técnica de conservação. 6UNIDADE I O Início da História da Alimentação 1.1 A Descoberta do fogo Segundo Franco (2010), nossos ancestrais, antes mesmo de descobrir o fogo, já utilizavam as fontes termais e os gêiseres, abundantes na Grande Falha Tectônica da África, como fonte de calor para cozer suas presas. Entretanto, a capacidade de gerar e controlar o fogo foi um importante salto cultural para o proto-home. A primeira energia natural utilizada pelo homem de forma intencional foi o fogo. Quando um raio, que anunciava uma tempestade, incendiava uma árvore, o homem pré- -histórico não conseguia ainda ter controle sobre ele. Se o fogo adquirido a partir desse episódio se apagasse, era necessário aguardar por outros incêndios para que se pudesse obter fogo novamente. Mas este fogo já o ajudou bastante a cozinhar seu alimento, a ilu- minar algum lugar na hora desejada, em seu aquecimento e também para se proteger de animais que não se aproximavam do fogo. Entre 1,8 milhões e 300 mil anos atrás, o Homo Erectus, um ser com o raciocínio mais evoluído, descobriu que se fizesse fricção entre duas pedras, esfregando uma na outra, ele conseguia produzir uma faísca, que se colocada em algum lugar de fácil combustão, pegaria fogo normalmente. Assim ele não precisava mais esperar que o raio caísse em alguma árvore para obter fogo (MUSITANO, 2019). O fogo se tornou um elemento sagrado, provavelmente, a primeira divindade. Aliás, são raras as religiões que não utilizam ou utilizaram o fogo em seus rituais, desde o zoroas- trismo até o cristianismo, onde o fogo é sinônimo de salvação e vida eterna (FRANCO, 2010). FIGURA 1: DOMÍNIO DO FOGO Fonte: disponível em: https://nelson-banza.blogspot.com/ acesso em: 26 jul. 2021 7UNIDADE I O Início da História da Alimentação Há cerca de 500 mil anos, bastante anterior à agricultura, o fogo foi fator relevante para a modificação definitiva do ser humano, introduzindo-o a práticas que se associam à criação das cozinhas e receitas. Foi também elemento essencial para a agregação social levando o homem à comensalidade através do cozimento da carne, que era consumida crua até então, assim como estabelecendo uma função social para o alimento através de sua preparação em fogueiras coletivas, favorecendo o consumo em comum. O desenvolvimento da preferência pelo cozido, dessa maneira, foi responsável pela significativa mudança do regime alimentar humano (Flandrin & Montanari, 1998). Até hoje o fogo é sinônimo de hospitalidade e faz parte dos nossos rituais à mesa, exercendo fascínio sobre a humanidade. Segundo Franco (2010) o início da era culinária está associado à invenção dos utensílios de pedra e de barro, que proporcionaram diferentes processos de cozimento e permitiram uma maior variedade na dieta humana, assim como a cocção em água fervente sobre o fogo. No entanto, apesar da descoberta, por vários séculos os grupos ainda preferiam realizar os cozimentos de forma direta, isto é, através de placas aquecidas ou abafadas em uma cova com pedras esquentadas, assado sobre a fogueira, etc. Simultaneamente, foram renovadas e melhoradas estruturas de combustão mais complexas, tais quais fornalhas suspensas e fornos em câmaras fechadas (semelhante aos fornos atuais de pães). 1.2 Períodos Paleolítico e Neolítico Desde a pré-história o ser humano é onívoro,sendo inclinado a comer animais e vegetais de acordo com as épocas e regiões em que viviam. No entanto, essa a caracte- rística já existia em primatas. A dieta essencial para fornecimento de calorias necessárias aos homens primitivos era constituída por frutas, folhas ou grãos durante milhões de anos. A pesca e a carne também foram elementos importantes de sua alimentação, esta última sofrendo significativo aumento através da ampliação e especialização a partir do período paleolítico (aproximadamente 2.500.000 – 10.000 a. C.), havendo a caçada de animais de grande porte (mamutes, manadas de renas, cavalos, bisões, auroques) através da utilização de instrumentos, tais como lanças e venábulos de madeira e pedra lascada e armadilhas naturais, atividade que requeria esforço coletivo, motivando a sociabilidade. As caças de grandes manadas demandavam ainda maior integração social, pois somente era possível na junção de vários grupos familiares, o que ocorria periodicamen- te, necessitando de mecanismos de informação e organização para abranger um maior número de indivíduos além do grupo doméstico, assim como exigia técnicas complexas de conservação e fases prévias de preparação, para armadilhas e utensílios, rendendo estoques de longa duração, reduzindo os ciclos de mobilidade. 8UNIDADE I O Início da História da Alimentação No paleolítico superior estruturou-se uma organização sócio-econômica, que reunia várias famílias, para tocar rebanhos inteiros de grandes animais em direção a armadilhas. Isso necessariamente implicava uma partilha da carne entre as famílias que tinham contribuído para a caça, tarefa, sem dúvida, co- letiva; em alguns momentos ao menos, depois da caça, por exemplo, é pro- vável que grandes festas reunissem essas famílias para consumirem juntas uma parte da caça abatida. (FLANDRIN & MONTANARI, 1998, p. 34) Seguendo Perlès (1998), uma maior estruturação e organização nas caçadas já havia sido necessária há cerca de quatro milhões de anos, na passagem para um clima mais seco que acarretou a diminuição das florestas e ampliação das savanas abertas na África Oriental, privando variados recursos vegetais. Na adaptação ao maior consumo de carne crua foi necessária a melhora das estratégias de caça, levando ao desenvolvimento da comunicação, das faculdades intelectuais, da divisão das atividades por sexo e das técnicas de cooperação. A caça, desse modo, originou os primeiros vestígios da organização social e familiar. Franco (2010) afirma que com a evolução da caça desde o período Paleolítico, o ho- mem pôde sobreviver às épocas glaciais. Assim, o homem deixou de ser um simples coletor e passou a usufruir da carne das caças para se alimentar, e das peles, para proteção contra o frio. O resfriamento do clima ocorrida entre 12.000 e 9.000 a.C. influenciou o ser humano a voltar-se para a caça de animais menores, existentes na fauna recente (cervos, lebres, pássaros, javalis), assim como a dedicar-se mais à pesca e à coleta de cereais e frutas. O homem ampliou sua atividade de caçador ao iniciar o cultivo da terra, há cerca de dez mil anos atrás, quando ele deixou de consumir parte dos grãos colhidos e os enterrou, descobrindo que os mesmos germinavam e se multiplicavam. Na mesma época, começou a domesticar alguns dos animais que antes caçava (FRANCO, 2010). Com o surgimento da agricultura e da criação de animais, a organização da socie- dade humana primitiva foi modificada, pois ao se obter certa garantia contra os fenômenos naturais, especialmente climáticos, foi possível a agregação da população e o aumento demográfico, pois seria mais favorável fixar-se em um território, abandonando o comporta- mento nômade, que visava obtenção de alimento. Outro fator relevante para a socialização humana é que, ao fixar-se em um território, o homem se deparou com a variedade de alimentos locais, podendo exercer melhor as vontades que nos períodos anteriores de instabilidades geográficas e climáticas. Desse modo, na revolução neolítica (até 4.000 a. C.) a caça foi reduzida em prol da criação de animais e do desenvolvimento da agricultura. Assim, a humanidade deixou de ser um elemento mais ou menos inofensivo da cadeia ecológica, na medida que evoluiu do simples ritmo biológico para o ritmo econômico (FRANCO, 2010). 9UNIDADE I O Início da História da Alimentação Assim, foi possível iniciar uma maior diversificação de alimentos, influenciando es- colhas e orientando estratégias econômicas. É provável que desde essa época as preferên- cias culturais tenham se manifestado e passado de geração em geração. Dessa maneira, é possível concluir que desde a pré-história a alimentação já não é um fator exclusivamente biológico, que responde às necessidades nutricionais, tornando-se, progressivamente, uma expressão de opções e valores culturais e sociais, associando-se, também, a relações de poder, como mencionado no relato abaixo: É significativa a importância progressiva que a caça volta a ter no final do neolítico, na Europa: ela visa, principalmente, uma espécie muito valorizada no plano simbólico – o cervo – e coincide com os primeiros indícios de desi- gualdades sociais e da emergência das elites. Ora, a não domesticação do cervo constitui uma verdadeira opção sócio-cultural, e sua transplantação, em estado selvagem, para fora de seus territórios de origem, confirma a im- portância ideológica do “mundo selvagem’’. (PERLÈS, 1998, p. 52) No período Neolítico apareceram as primeiras ferramentas cortantes, que contribuí- ram com na fabricação de utensílios de cerâmica, o que acabou por estabelecer as primeiras aldeias, e o aumento gradual da produtividade agrícola, permitindo que se armazenasse uma parte das colheitas e que um grande número de pessoas pudesse se dedicar a outras atividades. Esse tempo livre propiciou um rudimentar desenvolvimento de tecnologias e outros aspectos da cultura, como o apego a um determinado território. (FRANCO, 2010). O clima ameno e as condições propícias para o cultivo da terra, ao longo do Crescen- te Fertil, região que hoje compreende o Irã, Iraque, Turquia, Síria, Líbano, Israel e Jordânia, permitiram a produção de alimentos em quantidade bem maior do que necessitavam para consumir, dando origem às primeiras aldeias, entre 7000-6000 a.C. As cidades, entretanto, só apareceram por volta de 3500 a.C., onde o escambo começou a ser gradativamente substituído por relações comerciais mais complexas (FRANCO, 2010). Na região da Mesopotâmia Meridional as mais antigas receitas de cozimento em argila foram encontradas talhadas em argila, datadas de aproximadamente 1500 a.C. e segundo o arqueólogo francês J. Bottero, revelam o quanto a região do Fertil Crescente se tornou rica e organizada, atraindo e influenciando as populações vizinhas, até se converter em uma civilização brilhante (FRANCO, 2010). Por volta de 800 a.C. a produção agrícola permitiu um substancial crescimento demográfico que pode se dedicar a atividades não relacionadas com a produção de alimen- tos, como artesãos, guerreiros, sacerdotes e comerciantes, com grandes consequências econômicas, culturais e políticas, favorecendo o aparecimento de aglomerados humanos cada vez mais densos (FRANCO, 2010). 10UNIDADE I O Início da História da Alimentação Ainda segundo Franco (2010) é impossível precisar quando o alimento se transfor- mou em prazer à mesa, mas provavelmente a refeição começou a existir quando o homem desenvolveu a capacidade de matar grandes presas; já que a preparação e a partilha das carnes exigiam a reunião do grupo e da família. Como ainda não conheciam métodos de conservação, eram obrigados a consumir a presa rapidamente, dividindo-a com outros caçadores e família, e esperando, evidentemente, reciprocidade. Assim, teria nascido a hospitalidade à mesa, ou a “ritualização da repartição dos alimentos”. Franco (2010) descreve claramente, a fome é a carênciabiológica de alimento que se manifesta em ciclos regulares; já o apetite é fundamentalmente um estado mental, uma sensação que tem muito mais de psicológico do que de fisiológico. Devido a essa necessidade de se alimentar, os grupos formados por nossos ances- trais se uniram com a finalidade de conseguir alimento de modo mais eficaz, desta forma deu-se origem a um sistema complexo de sinais que mais tarde tornou-se a linguagem vocal (FRANCO, 2010). Concluímos então que nossos antepassados nos deixaram por meio do alimento mais do que somente técnicas de preparação e utensílios, pois também foram precursores de meios de comunicação como a língua escrita e falada. Nesse período, após a “invenção” do ritual básico da refeição, iniciaram-se os festins, realizados para ganhar a proteção e o favor dos deuses, além da busca de prazer e divertimento Freedman (2009) afirma que os povos pré-históricos possuíam apetite para alimen- tos que atualmente não comeríamos, a dieta dos nossos antepassados era composta por alimentos semi-apodrecidos e provavelmente apreciavam o sabor desses alimentos que hoje consideraríamos estragados. Com o passar do tempo, foi surgindo a preferência por certos alimentos, despertan- do o prazer de comer. Muitas vezes essa preferência estava ligada aos costumes de cada civilização e até mesmo aos rituais que eram praticados, uma questão sociocultural, além de fatores territoriais e climáticos. 11UNIDADE I O Início da História da Alimentação 2. IDADE ANTIGA A Idade Antiga foi a era da história que se estendeu desde a invenção da escrita – 4000 a.C. a 3500 a.C. até a queda do Império Romano do Ocidente, por volta de 476 d.C., quando teve início a Idade Média no século V. Esta época foi marcada pelo surgimento da escrita, assim como pelo convívio social de modo a gerar crescentes civilizações, já bastante vinculadas às cidades, onde o campo é um anexo estrutural da polis para provimento de alimentos. Nesse processo, o ser huma- no interessa-se por demonstrar o comportamento civil, oposto a barbárie, utilizando-se de várias práticas, sendo a forma de se alimentar essencial para a determinação deste modelo de vida civilizado, pautadas em três aspectos fundamentais: a comensalidade, a cozinha e a dietética e os tipos de alimentos consumidos. Definitivamente o homem come não somente pela fome, mas sobretudo para trans- formar este momento em uma oportunidade de sociabilidade, criando um conteúdo social de enorme poder de comunicação. Diferencia-se, assim, dos já existentes momentos de comensalidade primitivos através das definições claras de regras e normas de etiqueta, objetivas à coesão da comunidade. As “boas maneiras no banquete” servem, na sociedade grega, para distinguir os homens civilizados – os citadinos – dos selvagens que não as praticam e dos semi-selvagens que as praticam apenas ocasionalmente. Como quer que seja, a comensalidade é percebida como um elemento “fundador” da ci- vilização humana em seu processo de criação. (FLANDRIN & MONTANARI, 1998, p. 109). 12UNIDADE I O Início da História da Alimentação Se desde a pré-história já era possível evidenciar a comensalidade, assim como sua utilização para fins rituais, contratuais e comemorativos, na Idade Antiga, diante das primeiras civilizações essas festividades alimentares ganham uma faceta definida: o banquete. Os acordos, são comemorados e concretizados através da refeição em comum, já que a partilha da bebida e comida simboliza o compartilhamento em âmbitos negociados, principalmente em relação aos direitos de propriedades e casamentos, selando contratos e criando laços sociais. Seguindo essa lógica, a recusa do compartilhamento de alimentos é tomada como hostil, assim como a aceitação é considerada uma espécie de fraternidade. Portanto, nessas ocasiões, a partilha do alimento significa mais do que a comida em si, pois representa uma expressão de cumplicidade e solidariedade essencial à comunidade (JOANNÈS, 1998). Os banquetes também sustentam as crenças rituais de um povo, havendo oferen- das alimentares em nome dos deuses e ocorriam em templos mantidos por sacerdotes ou sacerdotisas, que frequentemente seguiam dietas específicas motivadas pela ideia de moralidade e pureza representadas em tais alimentos, segundo lógicas inerentes à religião. A exemplo, o consumo da carne antes do período de cristianização, tanto na Grécia quanto em Roma, só poderia ser feito, mesmo por animais de criação, após o sacrifício ritual aos deuses (DUPONT, 1998). Havia também os banquetes reais, com a celebração de grandes acontecimentos pela nobreza, onde o governante sustenta e recompensa aqueles que trabalharam em seu nome, nas ações militares e atividades de prestígio, como também recebe representantes de soberanos estrangeiros. Esses banquetes eram uma demonstração de suas riquezas, hospitalidade e poder, onde os convidados recebiam alimentos correspondentes ao seu estatuto, estabelecendo-se uma hierarquia social e espacial. Tal atividade, dessa maneira, beneficia nas relações com seu povo e civilizações exteriores. Reunindo os deuses, a corte real ou particulares, os comensais, sentados no chão ou em cadeiras, são, geralmente, separados em grupos distintos, o que revela a hierarquia onipresente, e a comida e a bebida circulam entre eles, originando uma troca de cortesias. (JOANNÈS, 1998, p. 66). Os banquetes denotavam a hierarquia, através tanto dos lugares ocupados à mesa, quanto pela qualidade dos alimentos consumidos. É bastante comum na literatura satírica evidenciar o fato de alimentos caros não serem servidos aos convidados de baixo status, assim como também não eram direcionados a posições privilegiadas e não eram servidos dos melhores vinhos (CORBIER, 1998). Para a execução dos suntuosos banquetes, desde a Idade Antiga já é possível visualizar a criação de uma categoria de empregados voltados especificamente para ali- 13UNIDADE I O Início da História da Alimentação mentação, especializados na preparação de comidas como cervejas, pães, queijos, pas- téis, etc. Eram designados para o trabalho real e religioso, oferecendo serviços à nobreza e aos templos, sendo os primeiros traços oficiais de profissões, sendo inclusive nomeados (padeiros, cervejeiros, açougueiros, etc). Esses profissionais eram de extrema importância para os valores de civilização do mundo antigo, pois a civilidade distinguia-se da selvageria à medida que o homem era capaz de produzir seus próprios alimentos através do processo de domesticação e da superação da natureza, valorizando imensamente alimentos como o pão e o vinho. Desta maneira, a alimentação do mundo antigo foi caracterizada pela própria produção alimentar, com a vivência próxima à produção, concentrando nos centros urbanos a classe política, econômica e administrativa. A diversificação alimentar, também era atributo do estatuto do homem civil, isto é, quanto mais tipos de alimento disponíveis para escolha de consumo, mais “humano” era (FLANDRIN & MONTANARI, 1998). Além dos banquetes domésticos, religiosos e reais, começaram a buscar companhia externa para beber e comer, surgindo as “tabernas” que eram frequentadas popularmente por habitantes locais e viajantes, sendo consideradas os primeiros e mais antigos vestígios dos restaurantes futuros, mantendo, no entanto, um valor altamente doméstico ao serem frequentemente gerenciadas por mulheres, as taberneiras, para o público predominante- mente masculino. Os grandes banquetes surgiram na Idade Antiga no Egito, na Grécia e em Roma. Nesse mesmo período, no Vale do Nilo, foram criados os primeiros pães com processo de fermentação da massa. Na Grécia surgem as primeiras obras literárias destacando experiências e descobertas culinárias. Em Roma surgiam os melhores cozinheiros, princi- palmente depois do intercâmbio cultural com os gregos ao final da Guerra Púnica (264-241 a. C.),em que os romanos conquistaram a Sicília. 2.1 Egípicios A comensalidade no plano doméstico cotidiano evoluiu nos hábitos e maneiras de se portar à mesa. Os egípcios faziam ao menos três refeições ao dia (desjejum, almoço e jantar), comendo com os dedos (ou seja, sem talheres). Durante o Alto Império (1580 A.C. – 715 A.C.), as classes superiores passaram a sentar-se sobre esteiras ou almofadas diante de uma mesa baixa, posteriormente, no entanto, surgiu a preferência pelas mesas altas, sentando-se em cadeiras, sendo servidos por criados, que também eram responsáveis pela lavagem das mãos através do derramamento de água no final da refeição (Bresciani, 1998). 14UNIDADE I O Início da História da Alimentação Entre as classes altas, todas as casas possuíam no pátio interno um forno em terracota. A cocção geralmente era feita sobre escalfadores baixos instalados sob esteiras nos fundos da casa. Residências maiores comportavam um cômodo inteiro dedicado ao preparo do alimento, possuindo a mesma finalidade que as cozinhas atuais. [...] ela possuía um canûn, três fornos com um plano para apoiar as panelas e um lugar para a ânfora de água – um orifício escavado no solo de pedra, com um canal de escoamento. Os vasos de cerâmica colocados no solo, com o gargalo muito próximo da terra, permitiam conservar legumes, cereais, especiarias e condimentos. (BRESCIANI, 1998, p. 77) Além dos egípcios, diversas civilizações antigas pareciam possuir uma cozinha nas casas tanto populares quanto da nobreza, com variação nos utensílios de cada um, baseados em suas dietéticas específicas, assim como nos ingredientes e alimentos valori- zados, tanto de modo generalizado quanto para ocasiões determinadas. Os romanos, por exemplo, possuíam suas próprias cozinhas domésticas, mas nem sempre tinham fogões, e as refeições eram frequentemente preparadas em braseiros móveis, instalados perto de ja- nelas. Outra característica comum no universo romano era a generalização de cozinheiros, até mesmo para as classes populares, devido ao fato de serem uma sociedade fortemente escravagista (CORBIER, 1998). Os egípcios eram privilegiados por terem o Nilo a sua disposição. De lá vinha a maioria da alimentação e os principais recursos para isso. As inúmeras fazendas às mar- gens do rio proporcionavam ao povo uma comida rica e bem variada. O trigo era plantado em grande quantidade e era o ingrediente base do principal alimento egípcio: o pão. No antigo Egito este pão pagava os salários dos camponeses que ganhavam três pães e dois jarros de cerveja por dia de trabalho. FIGURA 2: TRABALHADORES FAZENDO PÃO NO EGITO ANTIGO Fonte: disponível em: http://multiploscaminhos.blogspot.com/. Acesso em: 26. 2021 http://multiploscaminhos.blogspot.com/ 15UNIDADE I O Início da História da Alimentação O pão e a cerveja constituíam elementos básicos da alimentação egípcia. Para fazer o pão, a dona-de-casa ia buscar trigo no celeiro e moía-o entre duas pedras para o transformar em farinha. Era um trabalho muito duro. De- pois, misturava farinha com água e fazia pães de muitos formatos e tama- nhos. Algumas vezes, adicionava-lhes um tempero, como o alho. Se a dona- -de-casa desejava fazer cerveja, cozia os seus pães muito levemente. Depois esmigalhava-os, misturava-os com água e deixava fermentar a mistura que se transformava em cerveja. A mistura tinha de ser coada, antes de poder ser bebida.” (MILLARD, 1975, p. 16 e 17). As vinhas eram organizadas para crescerem sobre suportes de madeira que facili- tavam a sua colheita, da mesma maneira que ocorre ainda hoje. Quando as uvas estavam prontas para a colheita, eram recolhidas e colocadas em um recipiente, geralmente feito de pedra, onde se pisava sobre elas para obter o caldo, que escorria para um reservatório secundário. Os trabalhadores recolhiam o suco obtido e o colocavam em potes para o processo de fermentação. Além da cerveja e do vinho, os egípcios tomavam leite e água. Os egípcios fabricavam queijos, criavam gado, carneiros e cabras. Os vegetais também tinham um papel importante, e as pessoas costumavam consumir alface, pepino e feijão. O açúcar era obtido do mel e servia para adoçar alguns alimentos e bebidas. Por acreditarem que depois da morte iriam ter as mesmas necessidades da vida, depositavam comida nas tumbas a fim de garantir o sustento eterno. Uma vez cortada as espigas, elas eram recolhidas em cestos que, transporta- dos a pé ou no lombo de asnos, eram levados a eiras. A debulha era feita com bois, ovelhas ou cabras que pisoteavam as espigas, esmigalhando-as. As cascas eram trabalhosamente separadas por meio de ventilação ou peneira- ção. Os grãos eram depositados em celeiros. Há representações frequentes de cenas onde parreiras são regadas, e seus cachos colhidos e pisados […] Rótulos hieráticos em jarras de vinho, encontrado nas escavações permitiram que conhecêssemos nomes de muitos vinhedos[…]. (BAINES; MALIK, 2008, p.191) Como o Nilo transbordava de peixes, os egípcios consumiam-nos em uma grande quantidade, frescos, secos ou salgados. A população de classe baixa às vezes pagava por algumas espécies de aves e gado. Devido ao seu alto valor, a carne era mais comum nas mesas dos ricos. A classe baixa geralmente só comia carne durante alguma festa (MILLARD, 1975). Os óleos e gorduras utilizados para preparar a carne eram extraídos de cabras, raízes, plantas e sementes, e utilizados para fritar ou cozinhar alimentos como legumes e carnes. As pessoas mais pobres cozinhavam no chão de suas casas (MALIK, 2008). 16UNIDADE I O Início da História da Alimentação 2.2 Gregos Conta a tradição que Cécrope, foi o fundador de Atenas e o iniciador dos gregos na agricultura, levando do Egito a oliveira e a arte de preparar azeite. A Grécia clássica teve inúmeros escritores que se dedicaram à gastronomia, entre eles, o poeta e viajante Archestratus, contemporâneo de Aristóteles (384-322 a.C.) que escreveu Hedypatheia, também chamado de gastronomia, pela junção das palavras gaster (estômago) e nomo (lei), onde descreveu de maneira metódica suas experiências e desco- bertas culinárias (FRANCO, 2010). A vida era amena para os aristocratas e difícil para os camponeses e escravos, que se alimentavam principalmente de maza, um tipo de mingau feito de cevada. A geografia da Grécia, repleta de regiões rochosas e montanhosas influenciou muito os hábitos alimentares dos gregos. As oliveiras e as parreiras se adaptaram perfeita- mente ao solo pobre e difícil para a agricultura, produzindo excelentes azeitonas e uvas, dando origem à cultura dos vinhos e do azeite. A topografia grega, também contribuiu para a adaptação de ovinos e caprinos. Criavam também cavalos e bois, mas somente os ricos podiam cultivar as oliveiras porque a espera era de 15 anos para sua primeira colheita das azeitonas, e cerca de 40 anos para atingir o auge da sua produção (FRANCO, 2010). Além das uvas e azeitonas, cultivavam cevada e trigo; entretanto, por conta das técnicas agrícolas rudimentares, não produziam o suficiente para o sustento de toda a população. Entretanto, o vinho, o azeite e a lã, além das cerâmicas, esculturas e jóias per- mitiram uma atividade comercial intensa em todo o Mediterrâneo, garantindo o suprimento de cereais, queijo, carne de porco, vidro, tapetes, perfumes e marfim (FRANCO, 2010). De acordo com a Ilíada e da Odisséia, na Grécia antiga as escravas moíam os grãos e preparavam a comida. Além disso, mesmo os anfitriões mais ricos preparavam a própria refeição com ajuda dos convidados. Só mais tarde apareceram os mageiros (padeiros), que com o tempo, passaram a cozinhar, assumindo a posição de chef de cozinha. No século V a.C., a maioria deles eram escravos, mas com o crescimento do apreço pela boa mesa, acabaram ganhando importância e ascendência sobre os demais escravos da casa (FRANCO, 2010). Com os gregos, o pão passou a ser acrescido de ervas, sementes aromáticas como o cominho,sementes de papoula, erva-doce, coentro, anis, passas, alecrim, alcaparras, sálvia, alho e cebola; além de óleos vegetais e frutas. Com isso, os padeiros gregos torna- ram-se tão famosos que, mais tarde, durante o Império Romano, a maior parte dos padeiros de Roma, seriam gregos. A confeitaria grega se assemelhava ao que encontramos hoje na 17UNIDADE I O Início da História da Alimentação África do Norte e nos países balcânicos, à base de trigo, mel, azeite e aromatizantes como pinhões, nozes, tâmara, amêndoas e sementes de papoula (FRANCO, 2009). Segundo Franco (2010), faziam três refeições ao dia: akratismon (desjejum), ariston (refeição do meio dia) e deipnon (refeição do fim do dia). Os utensílios primitivos de cozinha foram sendo aperfeiçoados, com a troca da cerâmica por bonze ou metais preciosos e incluíam caçarolas, caldeirões, vasilha para transportar e guardar água,a amphora para guardar os víveres e diversos outros utensílios com tamanhos e utilidades variadas. Os banquetes traziam mesas fartas e perduravam em média quatro dias. Franco (2010, p. 44) afirma que “em Atenas, as mulheres e as crianças comiam em sala separada”, na sua maioria essas reuniões eram exclusivamente para homens, em que tratavam de as- suntos como política, militarismo e vida social. Os alimentos servidos nos banquetes seguiam ritual que se modificava segundo a região em que eram oferecidos e os banquetes ainda podiam ser complementados por apresentações de dança, música e recitação de poesias. Os principais pratos servidos eram à base de ingredientes como: gados, carneiros, cabras e porcos; frangos, patos, gansos, galinhas d’angola e pavões; pássaros silvestres como codornas, perdizes, gralhas, avestruzes, flamingos, garças e papagaios; peixes, rãs, mexilhões, ouriços e ostras; frutas como cereja, abricó, limão, tâmaras e melão; derivados do leite; centeio, arroz, aveia e trigo; leguminosas; mel; azeitonas e azeite; pinhões, amên- doas e sementes de papoula. Como bebidas eram servidos vinho, água e algumas vezes leite (LEAL, 1998, p. 26). Segundo Franco (2010), quase sempre se adicionava água ao vinho para evitar a embriaguez , exceto na akrastismon (primeira refeição), que deriva do adjetivo akratos, que significa sem mistura ou puro. Apenas a colher era utilizada para levar os alimentos à boca, por esse motivo as carnes eram comidas em pequenos pedaços com o auxílio dos dedos, para limpar as mãos e a boca os convidados traziam consigo o próprio guardanapo. Os convidados eram pon- tuais e não aguardavam quem se atrasasse. Durante o banquete, a posição adotada era a reclinada, vestiam trajes próprios para a ocasião, chamados de synthesis, ainda colocavam guirlandas de flores ou folhas sobre a cabeça, por crer que resguardavam a mente do consumo excessivo de álcool (FRANCO, 2006). 18UNIDADE I O Início da História da Alimentação FIGURA 3: BANQUETE NA GRÉCIA ANTIGA Fonte: disponível em: https://historiaprimeiroanoblasallesp.wordpress.com/2016/04/27/ a-gastronomia-na-grecia/ Acesso em: 08 ago 2021. Os gregos nunca foram tão imaginativos como os romanos em termos de gastrono- mia, e a cozinha grega jamais atingiu o nível das outras artes. 2.3 Romanos Os primeiros habitantes de roma se dedicavam à atividade pastoril. Como Roma ficava a aproximadamente 30 quilômetros das salinas que forneciam sal para a alimentação dos rebanhos, tornou-se um ponto de comércio, para troca de sal por outros países ao longo do rio Tibre. Os utensílios domésticos dos romanos eram feitos em argila local, e muito mais simples que os utilizados pelos gregos, entretanto, o saleiro costumava ser de prata, pois um pouco de sal, sempre era oferecido aos deuses domésticos como oferenda antes das refeições. As guerras entre os romanos e os gregos contribuíram para o desenvolvimento da gastronomia romana, que passou a evoluir após a primeira Guerra Púnica (264 - 241 a.C.). Após as conquistas romanas, pintores, escultores, arquitetos e cozinheiros gregos foram para Roma, onde encontraram uma atitude favorável à assimilação do refinamento de todas as artes cultivadas pela civilização helênica. E essa influência perdurou até o século I. Contudo, a criação de uma cozinha romana rica e variada, só foi possível pelos imensos recursos do Império. Com os banquetes cada vez mais frequentes, os cozinheiros que os organizavam se tornaram figuras importantes nas casas patrícias, com salários elevados; e ter um cozi- nheiro em casa, era um símbolo de ascensão social (FRANCO, 2010). https://historiaprimeiroanoblasallesp.wordpress.com/2016/04/27/a-gastronomia-na-grecia/ https://historiaprimeiroanoblasallesp.wordpress.com/2016/04/27/a-gastronomia-na-grecia/ 19UNIDADE I O Início da História da Alimentação Os grandes banquetes eram compostos por três etapas. • Gustatio, que atualmente equivale às nossas entradas ou antepastos. • Mensae primae, que atualmente equivale aos nossos pratos principais. • Mensae secundae, que atualmente equivale às nossas sobremesas Para o satirista, Décimo Júnio Juvenal, apesar de o Império Romano ter suplantado em muito a gastronomia grega, seus hábitos à mesa eram muito semelhantes. O luxo da mesa, as extravagâncias e a quebra da etiqueta somente era permitido aos ricos, aos pobres não cabia imitar a mesma gula que aqueles, pois ao invés de serem respeitados eram sinônimos de sarcasmo e ironia. Para os ricos o gosto dos alimentos não era o mesmo se não tivesse o tom do requinte, a prataria, a mesa e a decoração deveriam ornamentar a mesa que deveria estar associada ao prazer do cardápio nos jantares (SÁTIRA XI, v 171 - 183). Apesar de o Império Romano ter ultrapassado os gregos em matéria de culinária, muitos dos hábitos à mesa continuaram semelhantes. O triclínio era a sala importante de uma casa romana, decorada com muito cuidado com mosaicos e afrescos nas paredes - era o espaço reservado para os banquetes, com três leitos dispostos à volta de uma mesa, e em cada leito cabiam três pessoas. Apesar de ser uma sala para homens, ocasionalmente as mulheres eram admitidas, pois apesar de excluídas da vida pública, às mães eram atribuídas prerrogativas religiosas dentro da família e por vezes, exerciam grande poder e influência na carreira política de seus maridos e filhos (FRANCO, 2010). O convite do patrono para que o cliente sentasse a sua mesa nem sempre se dava por consideração, mas apenas para compor o triclínio. O cliente sentava-se longe do patrono, no terceiro colchão, isto é, estavam juntos por estarem debaixo do mesmo teto, mas distante do alcance e dos olhares do seu senhor. Dessa forma, para os romanos o jantar era um ritual, que durava até a madrugada. No decorrer dos banquetes era comum ter danças e canções para o entretenimento dos convidados. Na casa dos mais ricos era comum ter mais de um triclinium, na qual poderia escolher o lugar para se jantar (GRAÇA, 2000). A precedência na colocação dos convidados no triclínio seguia regras rigorosas. Muito semelhantes às que seguimos ainda hoje - o anfitrião reclinava-se no leito central, o lectus medius e, à sua direita, o convidado de honra; à sua esquerda, o convidado com segundo grau de importância, com os demais convidados distribuídos no leito da direita - lectus sumus, e no da esquerda - lectus imus. Usavam apenas a colher, assim, as carnes eram servidas em pequenos pedaços e levadas à boca com os dedos, sendo que cada convidado trazia seu próprio guardanapo (FRANCO, 2010). Paul Veyne cita ainda que nas refeições mais comuns, nas casas mais simples, a mãe ficava de pé e servia o pai à mesa. A carne era fervida antes de cozinhar ou assar, 20UNIDADE I O Início da História da Alimentação tanto que perdia o sangue e adoçava, pois os sabores favoritos eram agridoce. Para beber, podia-se escolher entre um vinho com gosto de marsala e um resinado. A melhor parte do jantar, a mais longa, é aquela em que se bebe,durante a primeira metade do jantar nada se fazia senão comer sem beber, na segunda parte, bebia sem comer, este ritual constituía o banquete propriamente dito, a comissatio. Segundo Alfoldy (1989), o de. Vestir e alimentar-se bem eram prioridades de todos, apesar de serem fatores fundamentais, muitos romanos não desfrutavam dessas necessi- dades básicas. A aparência era o cartão de visita de muitos dos patrícios e dos que haviam adquirido a ascensão social, fato raro no mundo antigo. Esta aparência era demonstrada e mantida através de vários meios, como a prática de oferecer banquetes e festas com a participação popular. Marcus Gavius Apicius, contemporâneo do imperador Tibério (42 a.C – 37 d.C) foi um excêntrico gourmet que circulou em casas e salões dos poderosos de seu tempo. Era um cozinheiro talentoso e exigente, buscava a perfeição na execução de suas funções e deixou um manual de cozinha receitas que foram usadas nas grandes cozinhas patrícias e imperiais. O livro de Apício traz uma compilação de como preparar estes pratos, com alimentos salgados, doces e outros com molhos. Com isso, nas propriedades dos senhores eram criados peixes, lebres, corças e javalis para serem servidos nos festins. FIGURA 4: PRINCIPAL LIVRO ROMANO DE COZINHA Fonte: disponível em: https://stravaganzastravaganza.blogspot.com/2019/02/de-re- coquinaria-como-parte-de-una.html. Acesso em: 09 ago. 2021. https://stravaganzastravaganza.blogspot.com/2019/02/de-re-coquinaria-como-parte-de-una.html https://stravaganzastravaganza.blogspot.com/2019/02/de-re-coquinaria-como-parte-de-una.html 21UNIDADE I O Início da História da Alimentação Segundo Franco (2010), O principal livro romano de cozinha é “De re conquinaria”. Suas primeiras edições impressas apareceram respectivamente em Veneza e Milão, no fi- nal do século XV. São vários os títulos dados a essa obra: Ars Magiririca, Apicius culinarius, De re coquinaria libri decem e simplesmente De re coquinaria. O tempero muito presente na cozinha romana, com o uso de ervas, alho, orégano, louro, segurelha, hortelã e especiarias como pimenta-do-reino, cominho e alcaravia. Os pratos eram servidos com garum conhecido também como liquamen, condimento feito à base de vísceras de peixe marinadas. Os romanos também introduziram os escargots em seu cardápio, conheciam uma variedade de moluscos, que eram criados em locais próprios. Apreciavam os cogumelos e as trufas eram consumidas bem temperadas, com pimenta-do-reino, hortelã, mel e azeite. A carne de porco, o boi e o cordeiro estavam sempre presentes nas refeições romanas que eram preparadas de forma variada. O consumo de queijo também era comum, este era feito de leite de ovelha ou de cabra. Com relação ao vinho, cada região tinha sua especificidade na produção e na qualidade. Além do vinho, as receitas de Apício são fundamentais para o conhecimento da cozinha romana. As receitas que chegaram até nós datam do ano de 1498, no entanto, referem-se apenas às práticas alimentares dos patrícios. A versão que conhecemos do tratado de Apício é posterior à cronologia do próprio autor, situando-se nos séculos III-IV, na época de Diocleciano; estudiosos da História da alimentação situam o tratado de Apício no século V. No entanto, o próprio Apício incluiu em seu livro receitas de origem grega, anteriores ao período do Alto Império Romano. Muitas receitas foram incorporadas ao longo do tempo, outras se perderam, é provável que o manual de cozinha de Apício fosse mais extenso do que a parte que temos conhecimento (SILVA, 2013). O vinho fazia parte das cerimônias do banquete, e principalmente ao falar sobre po- lítica, o vinho estava sempre presente. No Império Romano, o vinho se popularizou sendo consumido diariamente juntamente com o alimento. Esta prática fez com que aumentasse sua importância econômica. Em Pompéia e Herculano podemos verificar o quanto as taver- nas representavam locais de encontros próprios de uma dinâmica social, regado a bebidas, hospedagem e prostituição. Mas a pena para as mulheres que bebessem vinho era a morte e era lícito que o próprio marido a executasse (CARNEIRO, 2010). Segundo Silva (2013), a gastronomia romana era a arte da metamorfose, era uma honra o cozinheiro modificar os alimentos ou torná-los irreconhecíveis. Misturar os ingre- dientes, o vinagre e o mel, o salgado e o doce eram uma marca do cozinheiro. Assim, a obra de Apício é repleta de extravagâncias e excessos. Muitos pratos são sugeridos mais pelo prestígio, do que pelo significado de seus ingredientes. Suas receitas serviram de ins- piração para os chefs modernos e recriaram os rituais e banquetes dos patrícios romanos. 22UNIDADE I O Início da História da Alimentação Com o passar dos anos, os países do Mediterrâneo foram criando força, Roma con- seguiu construir um “ império que, por mais de mil anos, sobreviveu e resistiu a crises internas e externas” (FRIEDMAN, 2009, p. 97), porém, não se sustentou mediante a crescente invasão dos bárbaros, concentrada na região ocidental do império, durante o século V d. C. Conforme Franco (2006, p. 53), “muito se especulou sobre as causas da decadên- cia do Império Romano. Há quem a relacione com o uso de água distribuída por meio de sistema de canalização de chumbo”, ainda havia quem acreditasse que a nobreza romana foi se extinguindo, por envenenamento e esterilidade, por utilizarem utensílios revestidos pelo mesmo componente, o chumbo. Após a queda do Império Romano do Ocidente, a Igreja ascendeu, tornando-se uma das maiores influências. Esse foi um dos fatores responsáveis por desenraizar o entu- siasmo dos banquetes, visto que a gula era considerada um dos pecados estipulados pela religião. Isso ocasionou grandes mudanças nos costumes e hábitos alimentares da vida cotidiana na região. 23UNIDADE I O Início da História da Alimentação 3. CHINA, JAPÃO E ÍNDIA A China possui uma vasta literatura gastronômica e há quatro mil anos, os escritores e poetas chineses são gourmets. No tempo da dinastia Chou, há cerca de mil anos antes de Cristo, cozinhar já era uma arte e as refeições eram revestidas de um grande cerimonial. Confúcio (550 a.C.) era um grande gourmet e estabeleceu várias regras para a preparação e apresentação dos pratos. Do confucionismo vieram a elegância e o cerimonial da cozinha chinesa; do taoísmo vieram o apreço pela leveza, o frescor natural dos ingredientes e o uso moderado de gorduras (FRANCO, 2010). Com a dinastia Tang (618-906) o Império Chines cresceu territorialmente até a Ásia Central, Vietnã, Mongólia, Coréia e Manchúria e fizeram grandes descobertas como a pólvora, a imprensa e o papel moeda, florescendo no comércio, nas ciências, na literatura e nas artes. Nessa época o consumo de carne era um privilégio para a elite e a cozinha se enriqueceu com o uso de especiarias e de alimentos antes desconhecidos, e o famoso co- zinheiro I Yin, chegou a ser primeiro-ministro. Milhares de pessoas trabalhavam no palácio imperial e mais da metade se dedicava à preparação de alimentos e bebidas; foi quando surgiram os Cânones para alimentação, detalhados por farmacologistas como Meng Shen, instruindo sobre a preparação de pratos dieteticamente equilibrados (FRANCO, 2010). Durante a dinastia Yuan (1276-1368) a culinária evoluiu pela troca de influências com os mongóis. Já no tempo dos imperadores Ming (1368-1644) grandes banquetes ho- menageavam embaixadores e visitantes estrangeiros; entretanto, as mulheres não eram convidadas e a imperatriz lhes oferecia um banquete à parte. (FRANCO, 2010). 24UNIDADE I O Início da História da Alimentação As grandes navegações ampliaram ainda mais a culinária chinesa, com a chegada do milho, da batata, do amendoim e da batata-doce vindas da América, ao mesmo tempo que a influência européia ia diminuindo. A China foi a primeira civilização do Extremo Oriente e exercia grande influência cultural na região,inclusive sobre os japoneses que começaram a sair de uma vida primitiva obscura, absorvendo muito da cultura chinesa e durante os séculos V e VI a Índia recebeu muita influência chinesa, devido às estreitas relações comerciais (FRANCO, 2010). Segundo Helena Silveira (1983), devido à peculiaridade entre escassez e variedade, nada era desperdiçado na China - tudo que fosse comestível era utilizado, sem qualquer proibição ou tabu. Devido à escassez de lenha, os chineses se adaptaram ao cozimento rápido em altas temperaturas, cortando tudo em pequenos pedaços. Franco (2010) salienta que alguns hábitos alimentares chineses ainda provocam repulsa e reprovação no Ocidente, como o consumo de carne de cachorro, que são abati- dos por espancamento, devido a crença que a dor favorece a produção de substâncias que conferem à carne propriedades estimulantes da virilidade. Ainda no século I, a China desenvolveu técnicas para a obtenção de metal laminado para fins bélicos e desde então, esse material tem sido usado na fabricação do wok, reci- piente de fundo abaulado que permite o cozimento rápido com óleo em alta temperatura. Também utilizavam (e ainda utilizam) o cozimento pelo vapor e o forno nunca foi utilizado com frequência. A variedade da agricultura chinesa, somada aos produtos oriundos do comércio com terras distantes, fez a cozinha chinesa muito mais rica que a da Europa medieval. Sal, vinagre e gengibre já eram utilizados durante a dinastia Han (206-220 d.C.), juntamente com pimenta, cardamomo, noz-moscada, sementes de coentro, cravo e canela oriundos das relações comerciais com outros países. Entretanto o consumo de sobremesas era desconhecido (FRANCO, 2010). As refeições chinesas sempre tiveram um ritual elaborado, com regras bem defi- nidas de como sentar os convidados e até de como conduzir a conversa. Não servir arroz em um banquete era sinal de que o anfitrião oferecia tanta variedade de alimentos que os convidados não necessitavam do arroz cotidiano. As sopas tinham um papel semelhante ao vinho no ocidente, e harmonizavam com os pratos principais. Além disso, o uso de palitos para comer era sinal de boa educação; e a faca era utilizada apenas pelos cozinheiros e auxiliares. Apesar de gostarem de bebidas alcoólicas, os chineses não as tomavam nas refeições (FRANCO, 2010). 25UNIDADE I O Início da História da Alimentação O chá ainda hoje é a bebida nacional da China, contudo acredita-se que o chá seja nativo da Índia e levado para a China no século III a.C. Inicialmente era usado apenas em cerimônias religiosas, depois se popularizando sem nenhum ritual especial para servi-lo, como ainda acontece no Japão. Também o utilizavam como erva medicinal, atribuindo ao chá (acrescido de gengibre, casca de laranja ou cebola) propriedades curativas (FRANCO, 2010). Segundo Franco (2010) os primeiros japoneses eram nômades que vieram do norte da Ásia e por volta do século III a.C. iniciaram o plantio do arroz, trazido da China, através da Coréia, fornecendo alimento, bebida e até abrigo para os japoneses. O primeiro contato com o mundo exterior aconteceu por volta do século VI, quando o Japão tomou consciência da civilização refinada dos seus vizinhos. Já durante os séculos VII e VIII, a influência chi- nesa foi enorme, sendo a soja, a principal contribuição na alimentação japonesa. Por terem apenas 15% do território cultivável, desde sempre os japoneses consideram de mau gosto deixar comida no prato. As diferenças entre a cozinha chinesa e japonesa começaram a aparecer por volta do século X, quando o budismo, em ascensão no país, proibiu a matança de animais e impôs uma dieta vegetariana, complementada com peixes. FIGURA 5: CERIMÔNIA DO CHÁ Fonte: China na Minha Vida. Disponível em:https://chinanaminhavida.com/2016/12/07/cerimonia-do-cha/. Acesso em: 26 jul. 2021. O chá foi introduzido no Japão por volta do ano 800, marcando profundamente a cultura nipônica, principalmente a partir do século XV, tomando forma quase religiosa, de- vendo ser preparado de acordo com regras pormenorizadas. A cerimônia do chá influenciou a arquitetura, os estilos decorativos e a etiqueta à mesa, refinando a cozinha, que também 26UNIDADE I O Início da História da Alimentação se ritualizou. A cozinha requintada e ritualizada é chamada de kaseki - uma cozinha mini- malista que veio das crenças xintoístas relativas à primazia da natureza, com os alimentos rigorosamente frescos, sazonais, produzidos no local e servidos imediatamente após se- rem preparados. Desde a emergência dos samurais, todo excesso no comer passou a ser considerado vulgar. (FRANCO, 2010). Outra bebida ritualizada é o sakê, que deve ser servido em pequenos copos de porcelana e bebido a 50°C e não deve ser tomado quando sopa ou chá são servidos. Num jantar com convidados servem-se uns aos outros. No início do século XVI o Japão teve o primeiro contato com os europeus, através dos portugueses que iniciaram um comércio lucrativo entre os portos japoneses e chineses. Entretanto, devido à tentativa de converter os japoneses ao cristianismo e a intromissão de missionários e negociantes portugueses com a política, todos os europeus foram expulsos em 1638. As portas do Japão aos europeus só voltaram a se abrir mais de dois séculos depois. 27UNIDADE I O Início da História da Alimentação 4. CIVILIZAÇÕES AMERICANAS As primeiras populações da América eram originárias do antigo mundo asiático, de onde começaram a emigrar por volta de 40.000 anos antes da Era Cristã. Essas migrações foram feitas a pé através do estreito de Bering, que se transformou em uma espécie de pla- taforma sólida durante o período de glaciação, permitindo os deslocamentos entre a Ásia e o continente americano. Na América, os povos nômades vindos da Ásia espalharam-se no sentido norte-sul. Não se sabe as razões dessa migração humana, de modo que só podemos formular questões e hipóteses (BROTHERSTON, 2007). O certo é que esses grupos nômades encontraram na América grandes reservas de proteína, gorduras, ossos e peles, sendo bem provável que tal abundância de recursos tenha facilitado a expansão vertiginosa desses povos pelo continente. Na virada do décimo milênio a.C., a temperatura da Terra elevou-se, fazendo subir o nível dos oceanos e destruindo a pas- sagem anteriormente presente no estreito de Bering. A partir desse momento, as populações americanas passaram a viver de forma relativamente isolada entre si e em relação ao resto do mundo até a chegada dos europeus no final do século XV (DARDEL, 2011). Nesse vasto espaço americano, duas regiões devem ser particularmente con- sideradas, pois foi nessas áreas que surgiram os Estados mais densamente povoados e politicamente hierarquizados a serem encontrados pelos espanhóis que chegaram ao continente: o Estado mexica (asteca) e o Estado inca. É importante, desde já, que você seja capaz de localizar duas regiões que serão por vezes mencionadas ao longo do curso: a Mesoamérica (onde viveram os mexicas, entre outros povos) e a região andina (onde floresceu o Estado inca)(BROTHERSTON, 2007). 28UNIDADE I O Início da História da Alimentação Na Mesoamérica e nos Andes, as condições climáticas e ecológicas, assim como um conjunto de circunstâncias particulares, permitiram a domesticação do milho e o desen- volvimento de uma agricultura intensiva por volta do terceiro milênio a.C. Essas condições permitiram, nessas áreas, o desenvolvimento de civilizações caracterizadas por forte hierarquia social, por sistemas de governo teocrático e por construções arquitetônicas mo- numentais. A capacidade de alimentar grandes conjuntos populacionais era propiciada pelo desenvolvimento da agricultura intensiva, que fixava as populações nativas e impulsionava o crescimento da urbanização, outra característica marcante das áreas nucleares da Amé- rica antes e depois da conquista. Os grandes regimes tributários surgidos nessasáreas, como foi o caso dos mexicas e dos incas, alimentavam-se da sedentarização: apenas as populações fixadas e praticantes de agricultura podiam produzir mercadorias excedentes para pagar tributos a seus governantes. Com a tributação, criaram-se sociedades nativas caracterizadas por forte hierarquia social, uma vez que os setores burocráticos e sacerdo- tais se distanciavam socialmente daqueles que trabalhavam diretamente para o pagamento de tributos (MONTANARI, 2008). 4.1 Mesoamérica A identidade alimentar dos habitantes pré-colombianos da Mesoamérica pode ser reconhecida pelo conjunto dos alimentos preparados e ingeridos, pelos produtos culti- vados e coletados e pelos animais que eram criados, caçados ou pescados. A localização geográfica das terras dos astecas e dos mais era privilegiada, pois dispunha de um vasto território com variados climas, vegetações, relevos e solos, além de ter acesso aos grandes oceanos Oriental e Ocidental (JENNINGS, 1980) O mercado de Tlatelolco era abastecido pela contínua chegada de canoas abarrotadas de produtos, durante o ano todo, vindo de todo o império. O povo asteca vivia em casas feitas de folhas de palmeiras ou de juncos. Os palácios, alguns feitos de madeira ou de pedras com ligamento de argamassa feita de conchas moídas. As roupas eram tecidas de fibras de palmeiras, de agave e, às vezes, os fios mais finos e resistentes eram extraídos da pele de tubarão, também usam as peles de lontras. O óleo para as lamparinas era obtido tanto de peixes quanto de alguns cocos, mas exalavam um odor fedorento (JENNINGS, 1980) Pescavam no mar do Ocidente, peixes em abundância como arraias, espadartes, linguados, lizas e caranguejos, lulas, mexilhões, camarões, ostras e lagostas. Comiam, também, a carne e os ovos das tartarugas, algas comestíveis, e cogumelos que brotavam por toda parte nos vãos úmidos. A pesca de yeye michi , um peixe cinza gigantesco, era um festim para muitos (DARDEL, 2011). 29UNIDADE I O Início da História da Alimentação Alguns dos animais que eram conhecidos e eram comidos são: tatu, veado, jaguar, macaco, cachorro, jacaré, cuatá (macaco de grande porte), porco, quati, pantera, ma- caco aranha, gambá, guariba; várias aves como: coruja, águia, garça, cisne, papagaio, arara e inúmeros passarinhos menores; também reconheciam os morcegos, os répteis (serpentes, cascavéis e cobras, em geral). Muitos desses animais se tornaram deuses e eram adorados, como o beija-flor (quetzal) (MONTANARI, 2008). As frutas eram saborosas, perfumadas e coloridas como a fruta do conde (chi- rimóia), sapotas, banana, abacaxi, mamão, abacate, siriguela, figo da índia (tuna), goiaba, amora, e muitas outras. A base da alimentação era o milho de cores variadas como branco, vermelho, amarelo, azulado e o feijão, também de várias qualidades. Comer milho era uma imagem simbólica, pois emprestava ao vegetal poderes extraordinários de força, de união, de solidariedade. Do milho se faziam tortillas, tacos, tamales, mixiotes. Empregaram muito na gastronomia as abóboras, os morangos, o tomate em forma de molhos e faziam uma farinha do fruto de uma palmeira, secando e morrendo, transformando-o em alimento. Havia abundância de doces. A característica mais marcante dos astecas e dos maias foi o uso do chocolate, considerado a bebida dos deuses, e da pimenta, destinados principal- mente aos nobres e guerreiros, sobrando muito pouco para o povo em geral e usavam o cacau como moeda (DARDEL, 2011). O banquete servido a Cortés e seus capitães pelo imperador foi histórico, com um cardápio extenso e variadíssimo. Eram carnes, legumes, frutas, peixes, aves, em uma profusão variada de cores, odores e sabores. Assim foi se revelando a cozinha asteca, com Tamales com consistência tão leve que se dissolvia na boca, acompanhados de manteiga batida. Carnes cozidas, mixiote em saquinhos de folhas de agave, abacate amassado e misturado com pimentões verdes e vermelhos, peru assado e seus ovos cozidos, faisões, perdizes, codornas e patos, carne de veado e de coelho, com molho de chocolate, peixes marinados em limão, pargo recoberto com suco de tomates, milho cozido com pimentas e mel, goiabas, tamarindos, abóboras variadas, batata doce assada, jarras de doce de agave, e o tradicional cachorro ensopado. Durante todo o banquete eram apresentadas jarras de chocolate espumante para facilitar a digestão (BROTHERSTON, 2007). Com a conquista espanhola, foi destruído o tecido social da sociedade asteca, com a perda de valores e atitudes, além das doenças trazidas pelos conquistadores. E final- mente, a cobiça dos espanhóis e das outras nações vizinhas foi o estopim da catástrofe. Assim, os astecas não foram derrotados apenas pelos invasores espanhóis, mas também pela coalizão das outras nações indígenas insatisfeitas e cansadas de pagar impostos que acabaram por se unir aos espanhóis (SHERWOOD, 2006). 30UNIDADE I O Início da História da Alimentação 4.2 Região Andina Acredita-se que as origens do império inca, também chamado Tahuantinsuyo (as quatro direções), remontem ao século XI, quando alguns grupos de índios quíchuas, vindos do norte da região que é o hoje o Peru, instalaram-se no sul, na região do vale de Cuzco, cidade que mais tarde se tornou a capital do império, considerada sagrada – “O Umbigo do Mundo”. Durante quase 300 anos eles fizeram incursões e, na medida do possível, impuseram tributos sobre os povos vizinhos (PRESCOTT, 1946). Quando os espanhóis se aproximaram da região andina, na década de 1530, os incas reinavam há algumas gerações sobre uma vasta área. Os incas instalaram-se inicialmente no Vale de Cuzco, por volta do século XIII d.C., mas apenas no século XV (por volta de 1470 d.C.) começaram a estender seus domínios sobre outros territórios e povos da região andina, incorporando e cobrando tributos de centenas de grupos étnicos caracterizados por grande diversidade cultural e linguística (PORTILLA, 1997) Cultivavam alimentos altamente nutritivos, como o milho e a batata. Mas a terra cultivável das montanhas era pouca, e por isso, dependiam da pesca, da coleta de produtos e do cultivo em vários pisos ecológicos, de modo a aproveitar os recursos de diferentes áreas e climas. As comunidades viviam a cerca de três mil metros de altitude. Assim, uma parte da comunidade deslocava-se de tempos em tempos para explorar os recursos de pastagens localizadas em outro “piso” das montanhas, a uma altitude de 4.000 metros. Outros membros da mesma comunidade da serra viajavam para as áreas mais baixas, aproveitando os recursos de um outro “piso”, localizado nas áreas mais quentes e úmidas, onde produziam a coca, o algodão e extraíam madeira. Movimentando-se pelos diferentes pisos ecológicos da região andina, os habitantes da montanha podiam compensar os rigo- res de viver em regiões tão altas e carentes de terras suficientes para que sobrevivessem. Assim, os andinos transformavam as limitações do clima e as restrições da terra em uma vantagem, deslocando-se para aproveitar recursos variados (CARDOSO, 1981). FIGURA 6: TERRAÇOS AGRÍCOLAS DE PISAC - VALE SAGRADO DOS INCAS Fonte:https://www.rediscovermachupicchu.com/agricultural-terraces.htm. Acesso em: 18 ago 2021 31UNIDADE I O Início da História da Alimentação Para John Murra, os incas transformaram essa antiga prática – a de complementar recursos da comunidade – em um meio de controle político, utilizando os mecanismos da mita (um tipo de prestação de serviços ao chefe da comunidade local) para reassentar pessoas em localidades cada vez mais distantes, impedindo-as de retornar às suas comunidades de origem, pois as viagens seriam muito longas. O domínio inca produzia um enfraquecimen- to dos vínculos nas comunidades originais, uma vez que certos membros eram afastados desses núcleos para atender às novas demandas do Estado. Com a expansão inca,a mita passou a ser exigida também pelo dirigente máximo, o Inca, obrigando os membros da comu- nidade a despender mais tempo e energia em trabalhos diversos (cultivo da terra, tecelagem, pastoreio, serviço militar, etc), cujo produto final seguia para o centro do Império. A batata era o alimento mais produzido no Império Incaico e elemento básico para o preparo de sopas e da Pachamanca, uma mistura de carnes e verduras cozidas com pedras quentes em uma fossa coberta de terra. Outro alimento importante na vida andina era a quinoa. Considerada sagrada pelos Incas que a chamavam de “grano madre”. Os conquistadores trouxeram novas espécies de animais e plantas, que se integra- ram à vida dos indígenas e fizeram surgir uma nova cultura “a comida criolla”, as carnes de frango, cabrito, vaca e carneiros trazidos pelos espanhóis se juntaram á da Ihama, da alpaca, cuy, lebre, arroz, o trigo, e a cevada foram introduzidos na América Latina junto com azeitona, óleos, vinagres, condimentos e uma variedade de verduras e frutas principalmen- te a uva. Os conquistadores europeus trouxeram, também, o forno e diferentes técnicas de cozinhar, curtir e fritar Na época pré-colombiana, existia no Peru um animal que é parente da galinha que conhecemos hoje. Era conhecida com o nome de “huallpa” cozida em ají (pimenta). O huallpa era muito importante na culinária e na vida incaica, tanto que o último inca, executado pelos espanhóis levava o seu nome Atahualpa. El ají de galinha (feito com pão velho, leite, pedaços de frango, queijo e várias pimentas), uma espécie de fricassê de frango e o exemplo perfeito da fusão dos ingredientes espanhóis e quéchuas. O pão, as nozes, e o queijo, somado ao frango e a pimenta deram a este prato uma dimensão internacional (DE LA VEGA, 1992) Ainda segundo De La Vega (1992) o mais importante dos cultivos incaicos foi o milho, ingrediente básico da cerveja andina a “Chicha’’ feita por mulheres sob a vigilância da deusa do milho Mamasara. A comida inca consistia principalmente de vegetais, pães, bolos, mingaus de cereais (notadamente de milho ou aveia), e carne (assados ou guisados), comumente de caititus (porcos selvagens) e de lhama. Apesar da dieta dos incas ser muito variada, havia muitas diferenças entre os alimentos consumidos pelos diversos setores da sociedade. 32UNIDADE I O Início da História da Alimentação A gente do povo só comia duas refeições por dia. O prato comum dos Andes era o chuño, ou farinha de batata desidratada. Adicionava-se água, pimentão ou pimenta, e sal para então servir. Eles também preparavam o locro com carne seca ou cozida, com muito pimentão, pimenta, batatas e feijão. Eles comiam ainda grandes quantidades de frutas, como a pêra picada ou o tarwi. O milho era bastante consumido e era preparado fervido ou torrado. Os nobres e a família real se alimentavam muito melhor do que o povo. Na mesa do Inca não podia faltar carne,mas era escassa para o povo. Ele comia carne de lhama, de vicunha, patos selvagens, perdizes da puna, rãs, caracóis e peixe (DE LA VEGA, 1992). A refeição começava com frutas. Depois vinham as iguarias, apresentadas sobre uma esteira de juncos trançados que eram estendidos no solo. O Inca se acomodava em seu as- sento de madeira, coberto com uma tela fina de lã e indicava o que lhe agradava. Daí, uma das mulheres de seu séquito o servia em um prato de barro ou de metal precioso, que segurava entre suas mãos enquanto o Inca comia. As sobras e tudo que o Inca havia tocado, devia ser guardado em um cofre e queimado logo depois, dispersando as cinzas (ROSSI, 2004). A maioria dos primeiros conquistadores espanhóis era formada por nativos da Andaluzia região ao Sul do país, ocupada durante setecentos anos pelos mouros, por influência destes povos árabes , foram levados para os Andes o cominho, o coentro, a canela e outros condimentos usados pela culinária crioula. A chegada da cana de açúcar foi uma surpresa deliciosa para os nativos e um complemento perfeito para suas ervas e especiarias, razão pela qual o consumo de açúcar foi muito grande. Os conventos foram os grandes especialistas na elaboração de doces e sobremesas, cada um deles tinha sua especialidade (ESCALANTE, 2005). A cidade de Cuzco tornou-se, no final do século XV, o centro desse Império, acu- mulando funções administrativas e cerimoniais. Em meados do século XVI, por volta de 1525, o território sob o domínio inca incluía desde a região ao norte do Equador, tendo como referência o rio Putumayo, abrangendo as áreas do Peru, Bolívia, até o rio Maule, no Chile Central. O território inca chegou a ocupar uma área de cerca de 4800 Km de extensão e abrigar mais de 12 milhões de pessoas, que falavam pelo menos vinte línguas. Em 1532 o império já estava seriamente debilitado com a divisão de forças e nessa mesma época crítica, os espanhóis, liderados por Francisco Pizarro, chegaram à costa em suas naus, trazendo cavalos e, principalmente, a pólvora de suas arcabuzes, uma das armas mais avançadas da tecnologia bélica da época. Contando com o apoio de diferentes grupos de indígenas descontentes com a dominação inca, Pizarro conseguiu controlar o império (PRESCOTT, 1946). 33UNIDADE I O Início da História da Alimentação 4.3 Tupis Guaranís As discussões sobre a origem e as rotas de expansão dos povos Tupi Guarani estão entre as mais acaloradas na antropologia brasileira, porque vestígios arqueológicos da tradição ceramista desses povos abundam em quase todo o território nacional. Meggers (1972) e Meggers e Evans (1973) defenderam a ideia de que essa tra- dição ceramista teria se originado na base dos Andes, na região onde atualmente é a Bolívia,e depois expandindo em direção ao sul, atingindo o Uruguai e o norte da Argentina. A partir desse extremo austral, os ceramistas Tupiguarani teriam empreendido uma segun- da expansão, desta vez em direção ao norte, povoando toda a faixa atlântica do sudeste, nordeste e norte do Brasil. Já de acordo com Brochado (1984), a Amazônia Central (médio Amazonas) teria sido o local de origem dessas culturas. A partir desse ponto de origem no médio Amazonas, dois eixos de expansão populacional teriam ocorrido: um em direção à foz do Amazonas, estendendo-se depois para leste, povoando toda a costa atlântica brasileira até, aproxima- damente, os limites entre São Paulo e Paraná; outro em direção meridional, por via das bacias do Uruguai, Paraná e Plata, que teria povoado todo o sul do Brasil, o Uruguai e o norte da Argentina. Para Lima (2005, p. 30), tal expansão se deu “contornando as terras altas do planalto brasileiro em um movimento de “pinça’’. Segundo levantamentos arqueológicos, esta migração teve início muitos séculos antes da criação dos Estados Nacionais, por volta dos séculos I e II depois do nascimento de Cristo (D.C.). Historiadores calculam que, no início da invasão européia ao Continente, em 1492, a população Guarani girava em torno de um milhão e meio a dois milhões de pessoas (CHANGARAY, 2006). Quando da chegada dos espanhóis e portugueses na América, por volta de 1500, os Guarani já formavam um conjunto de povos com a mesma origem, falavam um mesmo idioma, haviam desenvolvido um modo de ser que mantinha viva a memória de antigas tradições e se projetavam para o futuro, praticando uma agricultura muito produtiva, a qual gerava amplos excedentes que motivavam grandes festas e a distribuição dos produtos, conforme determinava a economia de reciprocidade. Quando Pero Vaz de Caminha chegou às terras tupiniquins, os únicos alimentos que saboreou foram a mandioca e o palmito, mas a mandioca reinava, pois era o alimento essencial acompanhando todas as coisas, da carne à fruta, com as lendas sobre sua ori- gem, variando de uma região para a outra. 34UNIDADE I O Início da História da Alimentação [...] a filha de um chefe indígena engravidara sem contato masculino, como em sonho comunicara
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