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ANÁLISES CLÍNICAS DAS DISLIPIDEMIAS (METABOLISMO DO COLESTEROL TOTAL E FRAÇÕES, PERFIL LIPÍDICO (LIPOPROTEÍNAS ENVOLVIDAS), ATEROGENICIDADE) APOLIPOPROTEÍNAS As apolipoproteínas são anfipáticas, suas regiões hidrofóbicas interagem com os lipídeos na partícula lipoproteica, enquanto suas regiões hidrofílicas possibilitam a interação com o meio ambiente aquoso. Elas tem três funções: fornecem o elemento estrutural às partículas lipoproteicas, agem como ligantes para receptores específicos e também como ativadoras ou elas são inibidoras de enzimas específicas que estão envolvidas no metabolismo lipoproteico. Com base em sua mobilidade eletroforética, HDL e LDL foram originalmente chamadas de α- e β- lipoproteínas. A nomenclatura de suas apolipoproteínas correspondentes se originou desta, sendo a apo A a apolipoproteína derivada da HDL (α-lipoproteina) e a apo B, a apolipoproteína derivada do LDL(β- lipoproteína). A Apo A-I é a principal proteína de HDL. Apo B-100 é a principal proteína de LDL e Lp(a); e apo B-48, que é produzida a partir do RNA mensageiro (RNAm) da apo B-100 por um processo de edição de RNA, é encontrada em quilomícrons. Tanto a apo B-100 quanto a apo B-48 são encontradas em uma molécula por partícula, estão firmemente ligadas e não fazem trocas entre partículas, como outras apolipoproteínas fazem. APOLIPOPROTEÍNA A APOLIPOPROTEÍNA A-I A apolipoproteína A-I (apo A-I) é a principal proteína da HDL (constituindo 70 a 80% desta proteína). É primariamente sintetizada no fígado e intestino delgado. Por conta do seu papel estrutural na HDL, ela também ativa a lecitina- colesterol aciltransferase (LCAT). O transporte reverso do colesterol depende da habilidade da apo A-I em promover o efluxo celular de colesterol, em se ligar aos lipídeos, ativar a lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) e, na HDL madura, interagir com proteínas transferidoras de lipídeos e receptores específicos -O gene para a apo A-I (APOAI) é parte de um cluster de genes do braço longo do cromossomo 11 que inclui APOC3, APOA4 e APOA5- Estudos epidemiológicos têm demonstrado que as concentrações plasmáticas de apo A-I, como aquelas de colesterol HDL (HDL-C), são inversamente relacionadas com o risco cardiovascular. APOLIPOPROTEÍNA A-II A apolipoproteína A-II (apo A-II) (peso molecular 17 kDa, como um homodímero) também é sintetizada no fígado e, em menores proporções, no intestino delgado. Corresponde a 20% da lipoproteína HDL. Algumas HDL contêm apo A-I e apo A-II, enquanto algumas HDL contêm apenas apo A-I. Uma pequena quantidade de apo A-II plasmática é associada aos quilomícrons e ao VLDL. A apo A-II regula a atividade da lipoproteína lipase (LPL) e é um cofator para a lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) e para a proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP). Ela provavelmente desenvolve papel no remodelamento da HDL, possivelmente por um efeito na reatividade da HDL nas proteínas transferidoras de lipídeos, enzimas e receptores, incluindo o receptor scavenger B1 Semelhante à apo A-I, ela aparenta ser inversamente relacionada com o risco de doença coronária. APOLIPOPROTEÍNA A-IV (4) A Apolipoproteína A-IV (peso molecular 44 kDa) é sintetizada apenas no intestino delgado. É sugerido que ela desempenhe papel no transporte intestinal de lipídeos, aumentando o tempo de permanência das partículas de quilomícrons nascentes, possibilitando grande expansão de seus núcleos e, consequentemente, sua capacidade de transportar triglicerídeos. A maior parte da apo A-IV plasmática está em sua forma livre. Uma pequena quantidade está associada à HDL e aos quilomícrons. In vitro, apo A-IV ativa a lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT), mas não é tão efetivamente como a apo A-I. Ela também pode ser necessária para a ativação máxima da lipoproteína lipase (LPL) pela apo C-II. Superexpressão do gene APOA4 em camundongos resultou em aumento das concentrações plasmáticas dos colesteróis total e HDL, bem como de triglicerídeos; apesar disso, ela protege contra aterosclerose induzida pela dieta. Em humanos, a deficiência de apo A-IV tem sido reportada em pacientes com deficiência de apo A-I e apo C-III, o que pode ser responsável pela má absorção vista nos indivíduos afetados APOLIPOPROTEÍNA A-V O gene APOA5 é expresso no fígado e a apolipoproteína A-V, em contraste com outras lipoproteínas, está presente em concentrações muito baixas no plasma (aproximadamente 5 nmol/L). É primariamente encontrada na HDL. Apo A-V afeta os triglicerídeos plasmáticos através de efeito na lipólise das lipoproteínas ricas em lipídeo, possivelmente por se ligar a lipoproteína, proteoglicanos endoteliais e lipoproteína lipase (LPL), estabilizando assim a maquinaria lipolítica. Variantes genéticas têm sido identificadas em humanos, tanto em associação às altas quanto às baixas concentrações plasmáticas de triglicerídeos. A deficiência leva à atividade reduzida da lipoproteína lipase (LPL) e à dislipidemia do tipo V. Mesmo que as concentrações plasmáticas de apo A-V mostrem pequena correlação com a concentração de triglicerídeos plasmáticos ou com a prevalência de doença cardiovascular, estudos genéticos têm demonstrado que polimorfismos no gene APOA5 são fortemente determinantes para ambas as condições. APOLIPOPROTEÍNA B Esta lipoproteína existe sob duas formas: apolipoproteína B-100 (apo B-100), sintetizada no fígado, que é a proteína estrutural da HDL, IDL e LDL; e apo B-48, sintetizada no intestino e incorporada aos quilomícrons. Ambas as moléculas apo B permanecem com a partícula da lipoproteína em que elas são secretadas durante toda a vida útil da partícula, diferentemente das outras apolipoproteínas, que prontamente se transformam em diferentes classes de lipoproteínas. O aumento das concentrações plasmáticas das lipoproteínas que contêm apo B confere maior risco de desenvolvimento de ateroma. Ambas as formas de apo B são codificadas pelo gene APOB; uma alteração pós- transcricional do RNAm leva à produção intestinal de apo B-48. APOLIPOPROTEÍNA B-100 A apolipoproteína B-100 (peso molecular 500 kDa) é necessária para a montagem e secreção da VLDL. Ela contém muitas áreas hidrofóbicas que funcionam como domínios que se ligam fortemente aos lipídeos. Ela também tem muitos domínios que podem funcionar como sítios de ligação para moléculas semelhantes à heparina e formam a base para algumas interações de superfície celular das lipoproteínas que contêm a apo B. Além disso, a apo B-100 tem um domínio de ligação para o receptor de LDL (aminoácidos 3.100-3.400), que possibilita a captação específica da LDL pelo seu receptor. APOLIPOPROTEÍNA B-48 A apoliproteína B-48 é formada por 48% da porção aminoterminal da apo B-100 (peso molecular 240 kDa). Esta apolipoproteína é produzida a partir do gene APOB no intestino devido a um processo de edição do RNA mensageiro (RNAm). O complexo enzimático 1 de edição do RNA mensageiro (RNAm) do APOB, a citidina deaminase, se liga e interage com a molécula de citosina na base 6666 do RNAm para formar uma uracila. O complexo enzimático de edição é encontrado apenas nas células epiteliais intestinais. Sua ação resulta na conversão do trio de bases CAA da glutamina 2.153 em um códon de parada, o UAA. Assim, a síntese proteica é precocemente encerrada no aminoácido 2.152 e, como resultado, a apo B-48 não contém o domínio de ligação para o receptor de LDLque está presente na apo B-100. APOLIPOPROTEÍNA C Há três apolipoproteínas C são sintetizadasprincipalmente no fígado. No plasma, elas se transferem entre lipoproteínas ricas em triglicerídeos (quilomícrons, VLDLe suas remanescentes) e HDL. APOLIPOPROTEÍNA C-I A apoliproteína C-I (peso molecular 7 kDa) forma o menor componente da VLDL, IDL e HDL; ela age como ativadora da lecitina- colesterol aciltransferase (LCAT). APOLIPOPROTEÍNA C-II A apolipoproteína C-II (peso molecular 9 kDa) é um componente do quilomícron e da VLDL, que age como uma ativadora da lipoproteína lipase (LPL). Apo C-II é também encontrada em IDLe HDL. APOLIPOPROTEÍNA C-III A apolipoproteina C-III (peso molecular 9 kDa) é sintetizada primeiramente no fígado e, em menor quantidade, no intestino. Ela forma o principal componente estrutural da VLDL, mas também está presente nos quilomícrons e HDL. Ela age como um inibidor da lipoproteína lipase (LPL), e recentemente foi mostrado que funciona como promotora da montagem e da secreção hepática de VLDL. Apo C-III também inibe a captação hepática dos quilomícrons, das partículas remanescentes da VLDL, possivelmente por impedir a interação do apo E com essas partículas no receptor hepático. Elevadas concentrações plasmáticas de apo C- III são associadas a elevadas concentrações plasmáticas de triglicerídeos. Mutações nulas têm sido relatadas como associadas às baixas concentrações plasmáticas de triglicerídeos e LDLe elevadas concentrações de HDL. Mas, o gene APOC3 é muito próximo do gene APOA1, e ambos estão alterados em algumas formas de deficiência da apo A1, o que causa reduzidas concentrações plasmáticas de HDLe triglicerídeos APOLIPOPROTEÍNA D A apolipoproteína D (peso molecular 33 kDa) é uma glicoproteína associada a uma lipoproteína, que forma o componente secundário da HDL, VLDL, IDL e LDL. Ela transporta pequenos ligantes hidrofóbicos, incluindo esteróis e colesterol. Apo D é associada à atividade aumentada da lipoproteína lipase e mutações sem sentido causam elevação nos triglicerídeos. As concentrações de apo D no hipocampo e no fluido cerebroespinhal (CSF) dos pacientes com doença de Alzheimer estão elevadas. APOLIPOPROTEÍNA E A apoliporoteína E é uma glicoproteína constituída por 299 aminoácidos (peso molecular 34 kDa), sintetizada pelo fígado e encontrada em todas as classes de lipoproteínas, com exceção da LDL. É envolvida no controle dos quilomícrons e na remoção das VLDL remanescentes da circulação. Também apresenta propriedades antioxidante e controla o efluxo de colesterol das células com a apo A-I. E é uma proteína polimórfica: três isoformas comuns podem ocorrer, podendo ser separadas por focalização isoelétrica, e são denominadas apo E2, apo E3 e apo E4. A Apo E2 difere da apo E3 por apenas um aminoácido: a cisteína é substituída por arginina no resíduo 158. Apo E4 também difere da apo E3 por apenas um único aminoácido: a arginina é substituída por cisteína no resíduo 112. O fenótipo apo E3/E3 é o mais comum, compreendendo 50 a 70% da população, enquanto o fenótipo apo E2/E2 é o menos comum, ocorrendo em aproximadamente 1% da população. A isoforma apo E3 é associada ao metabolismo normal de quilomícrons e VLDL. A isoforma E2 não funciona como um ligante efetivo para a captação mediada por receptores das partículas remanescentes, e menos de 2% da apo E3 normal se liga ao receptor de LDL. Como resultado, as lipoproteínas remanescentes tendem a se acumular no plasma de indivíduos homozigotos para apo E2/E2. A isoforma E4 está mais a elevadas concentrações de colesterol LDL do que a E3. Os homozigotos para apo E4 também apresentam aumento do risco para a doença de Alzheimer. A síntese de apo E aumenta para auxiliar no reparo celular em resposta a lesão ou estresse celular. Apo E4 é mais suscetível à clivagem proteolítica do que as E2 ou E3. Isso resulta no acúmulo de fragmentos celulares que causam alterações no citoesqueleto e na formação de emaranhados neurofibrilares. APOLIPOPROTEÍNA M A apolipoproteína M (peso molecular 26 kDa) cumpre o critério de ser uma apolipoproteína e não é observada em sua forma livre no plasma, mas sim associada à HDL. Semelhante à apo D, é um membro da família das proteínas lipocalinas, que contém um domínio de ligação para pequenos ligantes lipofílicos, e pode, então, desempenhar papel no transporte de pequenas moléculas lipídicas. Mesmo que a apo M seja encontrada associada a apenas 5% das partículas de HDL, potencializando os efeitos antioxidantes da HDL, sua concentração se correlaciona positivamente com a concentração de colesterol, sugerindo que ela possa desempenhar algum papel no metabolismo do colesterol. APOLIPOPROTEÍNA(A) Esta apolipoproteína (apo(a)) é uma grande proteína glicada de tamanho variado (peso molecular 200 a 800 kDa). Ela contém múltiplas torções em sua cadeia polipeptídica, denominadas kringles. Apo(a) é um homológo do plasminogênio; ela contém uma única cópia do plasminogênio kringle 5, múltiplas cópias do plasminogênio kringle 4 e um domínio de protease inativo. Kringle 4 apresenta grande variação no número de repetições na molécula apo(a). Em uma subpopulação de partículas LDL, a apo(a) forma pontes dissulfeto com a apo B- 100 para formar uma classe distinta de lipoproteínas denominadas lipoproteína(a) (Lp[a]). Sua função não é conhecida. Ela tem forte homologia com o plasminogênio e pode interferir na fibrinólise. CLASSIFICAÇÃO DAS DISFUNÇÕES LIPOPROTEICAS Fredrickson originalmente sugeriu dividir as hiperlipidemias em cinco tipos (I-V) com base nas classes de lipoproteínas que contêm a apo B que se mostravam aumentadas na eletroforese em papel de uma amostra em jejum. Isso foi depois modificado pela Organização Mundial de Saúde, que introduziu a subdivisão do tipo II em dois subtipos (tipos IIa e IIb) A classificação de Friederickson é limitada por ser apenas uma descrição do fenótipo da lipoproteína manifestada em um indivíduo e apenas cobrir elevações anormais de lipoproteínas que contêm a apo B. Ela não diferencia as causas primárias das secundárias de qualquer fenótipo particular e não inclui as deficiências de lipoproteínas que contêm a apo B ou disfunções do metabolismo de HDL. Então, ficou claro que o fenótipo do tipo I podia ser causado por qualquer uma das três anormalidades herdadas, todas elas que resultam em deficiência funcional da lipoproteína lipase. O tipo III é causado por um defeito hereditário na apo E, causando redução na ligação ao receptor de LRP (apo E) no fígado. Os outros tipos, (IIa, IIb, IV e V) podem, cada um, ser consequência de um ou mais defeitos herdados, como também podem refletir causas secundárias. Assim, classificar um indivíduo em uma dessas classes de Friedrickson não fornece indicação da base genética da disfunção lipoproteica manifestada, seu mecanismo, a necessidade de investigação familiar ou do manejo necessário. É atualmente reconhecido que até mesmo os fenótipos dos tipos I e III podem ter várias outras causas genéticas, tanto em virtude da disfunção de um único gene quanto do efeito cumulativo de múltiplas variantes genéticas juntamente com influências ambientais secundárias. Por todas essas razões, essa classificação tem sido substituída por uma classificação clínica e genética, que relaciona o mecanismo molecular subjacente ao fenótipo clínico. Os lipídeos podem se depositar em certos sítios extravasculares na presença de hiperlipidemia significativa. Em certas situações, o sítio e a forma desta deposição lipídica podem ser característicosde uma anormalidade lipídica subjacente. DISLIPOPROTEINEMIAS PRIMÁRIAS Uma dislipoproteinemia primária é uma disfunção herdada do metabolismo das lipoproteínas que pode se manifestar como hiperlipidemia, hipolipidemia ou normolipidemia associada a lipoproteínas de composição anormal ou à distribuição anormal de classes de lipoproteínas normais. HIPOBETALIPOPROTEINEMIA Que descreve a situação quando o colesterol plasmático total, as concentrações de colesterol LDL ou apo B são menores que 5° centil. Isso pode ser secundário a uma disfunção subjacente (p. ex., má absorção de gorduras) ou consequência de um defeito herdado no metabolismo de lipoproteínas (hipobetalipoproteinemia primária). Ela engloba três disfunções: abetalipoproteinemia, doença de retenção de quilomícrons e hipobetalipoproteinemia familiar. ABETALIPOPROTEINEMIA Trata-se de uma condição autossômica recessiva bastante rara (primeiramente descrita em 1950 por Bassen e Kornzweig) Em geral, está presente na infância com deficiência de crescimento e diarreia crônica devido à má absorção de gorduras. Outros achados incluem a acantocitose (causada pela composição lipídica anormal na membrana do eritrócito) e a retinite pigmentosa atípica (como resultado de deficiência de vitamina A). As manifestações tardias incluem cegueira noturna e incapacidade neurológica, particularmente ataxia, causada pelas deficiências das vitaminas A e E, respectivamente. O primeiro objetivo do tratamento nesses indivíduos é garantir que a ingestão de vitaminas lipossolúveis seja suficiente, o que pode exigir administração parenteral. Existe uma ausência plasmática completa de todas as lipoproteínas que contêm a apo B e também da apo B circulante, enquanto as concentrações de HDL e apo A-I correspondem a 50% do normal. A concentração plasmática de colesterol é baixa (em geral, 0,5 a 1,5 milimol por litro) e a concentração plasmática de triglicerídeos é muito baixa (maior que 0,2 milimol por litro). Ao microscópio, gotículas lipídicas podem ser vistas em acúmulos intracelulares nos hepatócitos e enterócitos, sugerindo um defeito na montagem de lipoproteínas que contêm a apo B. A causa é atualmente reconhecida como mutações com perda de função no gene MTP. Na presença de MTP defeituosa, as lipoproteínas que contêm a apo B não são formadas. A má absorção de gorduras e de vitaminas lipossolúveis é resultado da falha na formação de quilomícrons. DOENÇA DE RETENÇÃO DE QUILOMÍCRONS A herança da doença de retenção de quilomícrons é provavelmente autossômica recessiva. Ela é caracterizada pela ausência de apo B-48 no plasma e pela perda da resposta lipêmica pós-prandial. Os indivíduos afetados também apresentam baixas concentrações de LDL, HDL e vitaminas lipossolúveis e suas LDL são ricas em triglicerídeos. Eles apresentam má absorção e esteatorreia e, sem suplementação de vitaminas lipossolúveis, desenvolvem disfunção neurológica. Os enterócitos de indivíduos afetados contêm gotículas de gordura e a apo B-48 é observada nos enterócitos por imunoquímica. A doença de retenção de quilomícrons é causada por mutações no gene SARA2. O produto proteico deste gene é o sar1b, que está envolvido no transporte de quilomícrons através da via secretória do enterócito HIPOBETALIPOPROTEINEMIA FAMILIAR A hipobetalipoproteinemia familiar (FHBL) é uma disfunção autossômica codominante que resulta de mutações no gene APOB que gera códons de parada prematuros e consequente truncação da apo B. Essas formas truncadas têm capacidade reduzida de se ligar aos lipídeos, o que resulta na secreção de partículas de lipoproteínas pequenas, densas e relativamente pobre em lipídeos. As partículas de lipoproteínas que contêm grandes formas truncadas (apo B-89 e apo B- 75) caem na fração VLDL quando secretadas, enquanto aquelas que contêm as menores formas (apo B-29) caem na fração HDL. Há um limiar no tamanho da apo B sob o qual está não forma uma lipoproteína; este limiar está entre a apo B-28 e a apo B-29. As mutações que produzem formas truncadas de apo B maiores que a apo B-48 são associadas à produção de quilomícrons normais. Formas de apolipoproteína B menores que a B-67 são incorporadas na VLDL na forma normal, mas não são capazes de interagir com os receptores de LDL. Indivíduos heterozigotos para a hipobetalipoproteinemia familiar (FHBL) associados às formas truncadas de apo Bs são muitas vezes assintomáticos, mas uma pequena proporção apresenta fezes amolecidas. Espera-se que a concentração plasmática de colesterol LDL nos heterozigotos esteja em torno de 50% dos membros de famílias que não são afetados, mas concentrações em cerca de um terço do normal são observadas na realidade, possivelmente devido à reduzida secreção hepática ou ao aumento da regulação dos receptores de LDL que resultam no aumento da depuração. Alta incidência de doença do fígado gorduroso não alcoólica é reportada nos heterozigotos para a hipobetalipoproteinemia familiar (FHBL). A homozigose para a hipobetalipoproteinemia familiar (FHBL) se assemelha clinicamente à abetalipoproteinemia. HIPERLIPIDEMIA FAMILIAR COMBINADA Esta condição é a disfunção lipídica mais comum em indivíduos que apresentam doença cardíaca isquêmica. É herdada como um traço autossômico dominante, mas geralmente não se manifesta até a idade adulta. Os achados típicos são concentração plasmática elevada de apo B-100 e aumento das concentrações plasmáticas de LDL (colesterol total alto), VLDL (triglicerídeos alto) ou ambas. Diferentes indivíduos em parentesco podem apresentar qualquer um desses fenótipos e, em um único indivíduo, o padrão fenotípico pode se alterar ao longo do tempo. A concentração plasmática de colesterol HDL costuma ser baixa; isso provavelmente é resultado do aumento da transferência de ésteres de colesterol da HDL para as lipoproteínas ricas em triglicerídeos. As partículas de LDL elas tendem a ser menores e mais densas que o usual; assim indivíduos com hiperlipidemia familiar combinada (HFC) apresentam um “perfil lipídico aterogênico”, compreendendo elevadas concentrações plasmáticas de triglicerídeos e reduzidas concentrações de colesterol HDL, além de partículas LDL pequenas e densas. A superprodução de apo B-100 ocorre na hiperlipidemia familiar combinada (HFC), tanto que indivíduos afetados apresentam elevadas concentrações plasmáticas de apo B mesmo quando suas concentrações lipídicas estão normais. O desenvolvimento da hiperlipidemia depende do aumento da disponibilidade de triglicerídeos hepáticos; isso explica a observação de que indivíduos afetados são frequentemente obesos e podem apresentar outros sinais de síndrome metabólica. O fenótipo expresso é reflexo da eficiência pela qual a VLDL é processada nos indivíduos afetados. Assim, indivíduos com um gene com a lipoproteína lipase (LPL) anormal (pais de crianças com deficiência de LPL) podem aparentar ter hiperlipidemia familiar combinada (HFC) em razão da resultante depuração diminuída de VLDL. Estudos genéticos têm sugerido uma ligação entre a hiperlipidemia familiar combinada (HFC) e o gene do fator de transcrição upstream 1 (USF1). Tal fator de transcrição é responsável pelo aumento na regulação da transcrição de uma variedade de genes envolvidos no metabolismo da glicose e dos lipídeos, incluindo aqueles que codificam a apo A-V.HIPERTRIGLICERIDEMIA FAMILIAR Algumas famílias apresentam herança Mendeliana de hipertrigliceridemia. Em muitos casos, isso reflete em aumento da VLDL, que eleva moderadamente a concentração de triglicerídeos (4 a 10 milimol por litro). Em alguns casos, existe uma hiperlipidemia mais severa (maior que 10 milimol por litro) e quilomicronemia de jejum. A hipertrigliceridemia severa é tipicamente autossômica recessiva e, em adição aos defeitos na lipoproteína lipase (LPL) e na apo C-II (que são amplamente reconhecidos como causas da hiperlipidemia do tipo I [síndrome de quilomicronemia]) A síndrome de quilomicronemia, causada por mutações com perda de função autossômica recessiva em genes isolados, costuma se manifestar na infância, enquanto outras causas de hipertrigliceridemia familiar raramente se manifestam antes da idade adulta. Os fatores ambientais que interagem com essas variantes genéticas para produzir hipertrigliceridemia de jejum de moderada a severa são os mesmos daqueles que causam a hiperlipidemia secundária; como, diabetes, resistência à insulina ou consumo excessivo de álcool. Na hipertrigliceridemia familiar, as partículas de VLDL são maiores que o normal, além de relativamente deficientes em apo B, o que sugere que um fator importante seja a superprodução de triglicerídeos pelo fígado. É atualmente reconhecido que mutações com perda de função nos genes APOA5, LMF1 e GPIHBP1 podem produzir fenótipo similar, geralmente herdados de maneira autossômica recessiva. Em contraste, o efeito cumulativo de múltiplos polimorfismos nos genes lipoproteína lipase (LPL), APOA5, GCKR e APOB interage com fatores ambientais para produzir hipertrigliceridemia mais moderada e uma variedade de fenótipos de lipoproteínas. Estes incluem IIb, IV, V e, algumas vezes, o tipo III. A última causa o fenótipo I de Friedrickson, enquanto a hipertrigliceridemia menos severa geralmente causa os padrões dos tipos IIb, IV ou V. Em pacientes com concentrações plasmáticas de triglicerídeos maior que 10 milimol por litro no jejum, existe um risco de pancreatite aguda e a redução deste é a prioridade do tratamento, antes de acessar o risco cardiovascular residual. Fibratos ou ácidos graxos ómega-3, em combinação com dieta de baixa gordura e prevenção do consumo excessivo de álcool, costumam ser efetivos. Troca de plasma e infusão intravenosa de insulina (para aumentar a atividade da lipoproteína lipase) devem ser usados em casos severos, mesmo que seja limitada a evidência da efetividade para seu uso a longo prazo. SÍNDROME QUILOMICRONEMIA A síndrome quilomicronemia se manifesta como um xantoma erosivo, lipemia na retina, hepatoesplenomegalia e ataques recorrentes de dor abdominal que podem ser sintomas de pancreatite aguda. As concentrações de triglicerídeos plasmáticos estão marcadamente aumentadas (maior que 10 milimol por litro), as concentrações de colesterol HDL estão muito baixas e os quilomícrons estão presentes em jejum. Três causas hereditárias desta condição têm sido descritas: deficiência de lipoproteína lipase, deficiência de apo C-II e inibidor da lipoproteína lipase familiar. Causas secundárias, incluindo o consumo excessivo de álcool e diabetes tipo 1 recém-diagnosticado, podem produzir um fenótipo muito similar nos indivíduos geneticamente predispostos. DEFICIÊNCIA NA LIPOPROTEÍNA LIPASE Esta é uma condição autossômica recessiva rara. A apresentação costuma ser na infância, com dor abdominal recorrente. Os indivíduos afetados podem apresentar concentrações plasmáticas de lipoproteína lipase (LPL) imunorreativa pós-heparina baixas, normais ou aumentadas, mas sua atividade catalítica é indetectável. Heterozigotos obrigatórios para a deficiência de lipoproteína lipase (LPL) têm demonstrado baixa atividade plasmática de lipoproteína lipase (LPL); alguns podem desenvolver hipertrigliceridemia severa e um pequeno número, pancreatite. Terapias de reposição gênica para as formas mais severas desta condição estão em ensaios clínicos. DEFICIÊNCIA DE APO C-II A homozigose para a deficiência de apo C-II tende a se apresentar mais tardiamente e ser um pouco mais leve que a deficiência de lipoproteína lipase (LPL). A apo C-II é detectável em cerca de 50% dos indivíduos com deficiência de apo C-II, mas a proteína produzida é incapaz de ativar a lipoproteína lipase (LPL). É possível que as concentrações de lipoproteínas ricas em triglicerídeos possam alcançar níveis nos quais a lipoproteína lipase (LPL) possa hidrolisá-las mesmo na ausência de apo C-II: isso pode responder pela manifestação mais leve da doença quando comparada com aquela vista na deficiência primária desta enzima. Parentes que são heterozigotos obrigatórios para o gene anormal geralmente apresentam concentrações normais de lipídeos e lipoproteínas. Isso implica que redução de até 50% na concentração de apo C-II não compromete a taxa de depuração de quilomícrons e VLDL. INIBIDOR DE LIPOPROTEÍNA LIPASE FAMILIAR Famílias têm sido descritas cujos membros afetados tenham quilomicronemia aparentemente causada por um inibidor de lipoproteína lipase (LPL). O defeito parece ser herdado de maneira autossômica dominante. O inibidor não foi identificado. HIPERLIPOPROTEINEMIA REMANESCENTE Sua principal característica é o enriquecimento da fração VLDL com colesterol, refletindo um acúmulo de partículas remanescentes, tanto quilomícrons remanescentes como lipoproteínas de densidade intermediária. Esses remanescentes são responsáveis pelo padrão eletroforético anormal. A hiperlipidemia remanescente é também por vezes referida como disbetalipoproteinemia. Os indivíduos com este transtorno apresentam hiperlipidemia mista, muitas vezes com equivalentes concentrações plasmáticas de colesterol e triglicerídeos. O defeito predominante encontrado na maioria dos indivíduos com a condição é a presença de apo E2, que exibe herança recessiva. Enquanto a homozigose para a apo E2 é essencial para o acúmulo de partículas remanescentes, esta não é suficiente para a manifestação da doença. Um fator genético ou ambiental imposto é necessário antes da hiperlipidemia remanescente manifestar-se, como a herança concomitante de outra hiperlipidemia primária ou, mais frequentemente, um fator secundário como obesidade, consumo excessivo de álcool, diabetes ou hipotireoidismo. A hiperlipoproteinemia remanescente raramente se apresenta antes da idade adulta. Ela está associada a xantomas característicos, que ocorrem nas dobras palmares e são praticamente patognomônicos, e xantomas tuberosos ou tuberoeruptivos sobre as superfícies extensoras dos cotovelos e joelhos. Há aumento do risco de aterosclerose prematura envolvendo o sistema vascular periférico, como tbm as artérias coronárias. Os 10% de indivíduos com hiperlipoproteinemia remanescente (HR) que não mostram homozigose para apo E2/2 têm uma variedade de defeitos moleculares, incluindo mutações pontuais que resultam em substituições de aminoácidos nos resíduos 142, 145 ou 146, ou a variante de inserção, apo E-Leiden; alguns carecem totalmente de apo E HIPERCOLESTEROLEMIA FAMILIAR Este termo abrange um grupo de doenças causadas devido a mutações que acarretam em depuração reduzida de LDL pelo receptor de LDL, resultando em marcada hipercolesterolemia e aterosclerose prematura. A hipercolesterolemia familiar “clássica” (HF) é decorrente de mutações no gene LDLR. Mutações autossômicas dominantes são agora reconhecidas em três genes que causam as condições denominadas coletivamente de hipercolesterolemia autossômica dominante (ADH), a qualinclui a hipercolesterolemia familiar clássica (HF). Outro locus do gene foi recentemente associado ao fenótipo clínico, mas o gene causal ainda não foi identificado. Uma condição autossômica recessiva rara também foi descrita com um fenótipo clínico e bioquímico semelhante. As quatro doenças claramente definidas que resultam em hipercolesterolemia familiar clássica (HF) são as seguintes: → hipercolesterolemia familiar clássica (HF) clássica – ADH 1 →Apolipoproteína B-100 defeituosa familiar – ADH 2 →Mutação com ganho de função na PCSK9 – ADH 3 →Mutação com perda de função na LDLRAP1 – hipercolesterolemia autossômica recessiva. HIPERCOLESTEROLEMIA FAMILIAR CLÁSSICA (HF) Esta é a mais grave das hiperlipidemias no que diz respeito à propensão dos indivíduos afetados e não tratados para desenvolver aterosclerose. Ela se manifesta no heterozigoto como hipercolesterolemia marcada, devido à alta concentração de colesterol LDL e à doença cardiovascular prematura. Xantomas tendinosos nos tendões extensores dos dedos e nos tendões de Aquiles ocorrem em aproximadamente 70% dos heterozigotos não tratados e sua presença nos indivíduos afetados ou parentes de primeiro grau auxilia no diagnóstico clínico. Com base na frequência do estado heterozigoto, o homozigoto para a hipercolesterolemia familiar clássica (HF) teria incidência esperada de 1 em um milhão. A maior parte dos indivíduos aparentemente homozigotos para a hipercolesterolemia familiar clássica (HF) consiste, na verdade, em heterozigotos combinados. A hipercolesterolemia é muito mais grave em indivíduos com mutações nos dois genes; xantomas cutâneos ocorrem com frequência na infância e a doença arterial coronariana pode se apresentar durante a primeira década de vida. A hipercolesterolemia familiar clássica (HF) clássica, que corresponde em 80% a 90% dos doentes com hipercolesterolemia familiar, se deve a mutações no gene do receptor de LDL. Cerca de 20 mutações comuns são responsáveis por 50% dos casos; só que, mais de 1.200 mutações já foram descritas, incluindo uma variedade de mutações intrônicas patogênicas. In vitro, demonstrou-se que as células de heterozigotos para a hipercolesterolemia familiar clássica (HF) têm cerca de metade do número de receptores funcionais de LDL do que as células de indivíduos normais. O efeito dessa deficiência de receptores funcionais de LDL funcionais é que a concentração plasmática de colesterol LDL está aumentada em aproximadamente duas vezes o nível normal, devido a uma combinação de redução da captação de LDL e sua superprodução. A superprodução de LDL é resultado de um defeito na captação hepática de IDL pelo receptor de LDL; então, a conversão extracelular de IDL em LDL está aumentada. A síntese hepática de colesterol é também regulada positivamente por causa da redução da captação de colesterol mediada pelo LDLR. APOLIPOPROTEÍNA B-100 DEFEITUOSA FAMILIAR (FDB) Esta é uma disfunção autossômica codominante que resulta de uma anormalidade no domínio de ligação da apo B-100 ao LDLR. A apolipoproteína B-100 defeituosa familiar (FDB) é fenotipicamente muito semelhante à hipercolesterolemia familiar clássica (HF) ; indivíduos afetados têm elevadas concentrações plasmáticas de colesterol total e LDL, mas a hipercolesterolemia costuma ser menos grave e os xantomas tendinosos são menos comuns. A maioria dos casos se deve a mutações no códon para o aminoácido 3.500 no gene APOB, em que substituições de arginina por glutamina e arginina por triptofano foram descritas. Foi mostrado que a substituição de arginina por glutamina altera a conformação da região C terminal, o que resulta na ligação reduzida ao LDLR. Foram descritas outras mutações com efeitos menos severos sobre a capacidade da apo B de se ligar aos receptores de LDL. MUTAÇÕES COM GANHO DE FUNÇÃO NA PCSK9 Esta variante da hipercolesterolemia familiar clássica (HF) foi caracterizada através do estudo de famílias que eram fenotipicamente semelhantes à hipercolesterolemia familiar clássica (HF) clássica e apolipoproteína B-100 defeituosa familiar (FDB). Ela demonstrou ser causada por mutações de ganho de função no gene que codifica para pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9). Essas mutações aumentam a taxa pela qual a PCSK9 degrada os receptores de LDL, resultando em expressão reduzida desses receptores na superfície da célula. Tais mutações estão associadas a um fenótipo clínico mais grave, com indivíduos afetados apresentando elevadas concentrações plasmáticas de colesterol LDLe doença vascular mais agressiva que as observadas na hipercolesterolemia familiar clássica (HF) clássica. HIPERCOLESTEROLEMIA AUTOSSÔMICA RECESSIVA Pacientes com hipercolesterolemia autossômica recessiva (ARH) fenotipicamente se assemelham aos homozigotos da hipercolesterolemia familiar clássica (HF) clássica. Eles apresentam xantomas grandes (tendinosos, tuberosos, planares) que se apresentam na infância e desenvolvem aterosclerose prematura, particularmente das artérias coronárias e carótidas. Eles também desenvolvem estenose aórtica. As concentrações plasmáticas de colesterol LDL são geralmente mais elevadas que aquelas encontradas na hipercolesterolemia familiar clássica (HF), mas não tão elevadas como as observadas em indivíduos homozigotos para a hipercolesterolemia familiar clássica (HF). A hipercolesterolemia autossômica recessiva resulta de uma mutação no gene LDLRAP1. A proteína LDLRAP1 regula a endocitose mediada por receptores de LDL depois que a LDL se liga ao receptor e este processo é defeituoso na hipercolesterolemia autossômica recessiva (ARH). Heterozigotos obrigatórios para hipercolesterolemia autossômica recessiva (ARH) que carregam uma única mutação patogênica no gene LDLRAP1 apresentam concentrações plasmáticas normais de colesterol LDL. HIPERCOLESTEROLEMIA PATOGÊNICA A hipercolesterolemia é mais comum nas sociedades ocidentais do que seria esperado, devido à frequência das perturbações monogênicas individuais discutidas anteriormente. O restante dos indivíduos com hipercolesterolemia primária é, então, referido como portador de hipercolesterolemia poligênica. O termo “poligênica” é usado porque a base genética dos indivíduos afeta a extensão pela qual o metabolismo de lipoproteínas será influenciado por fatores ambientais. Os distúrbios monogênicos estão associados ao mesmo aumento do risco de aterosclerose em diferentes populações. Mas, a frequência com que a hipercolesterolemia poligênica ocorre em diferentes populações varia amplamente, assim como a incidência da doença da artéria coronária. As populações com uma elevada concentração plasmática média de colesterol têm alta taxa de doença coronariana. Acredita-se que a diferença entre as populações na frequência de hipercolesterolemia reflete um ou mais fatores ambientais, o mais óbvio sendo a dieta e, em particular, o teor de gordura saturada na dieta. A frequência com que a hipercolesterolemia poligênica é diagnosticada em uma população depende do valor tomado como o ponto de corte superior para um colesterol “normal”. Caso haja utilização de 5 milimol por litro, cerca de 50% da maioria das populações adultas será classificada como hipercolesterolêmicas, levando em conta que a concentração média de colesterol na população é, em geral, 5,5 a 6,0 milimol por litro em muitos países ocidentais. Neste nível, o risco de doença cardiovascular já é o dobro do de uma população com valor médio de colesterol menorque 4,0 milimol por litro; por isso, uma definição estatística de “normal” com base nos valores da população é inútil. Laboratórios costumam se referir a metas de colesterol “ideais”. No Reino Unido, essas metas são atualmente de colesterol total menor que 4,0 milimol por litro e de colesterol LDL menor que 2,0 milimol por litro. HIPOALFALIPOPROTEINEMIA A hipoalfalipoproteinemia consiste em disfunções da síntese e secreção de lipoproteínas que contêm apo A. Com a exceção da apo AI Milano, todas as outras causas genéticas de hipoalfalipoproteinemia familiar estão associadas a certo grau de aumento do risco cardiovascular. ESTRUTURA ANORMAL DA APOLIPOPROTEÍNA A A apo A-I Milano, está associada à baixa concentração de HDL (HDL2), mas sem nenhum aumento na incidência de aterosclerose. A apolipoproteína A-I Milano resulta da substituição de cisteína por arginina na posição 173, que tem o efeito de alterar a propriedade física de uma das regiões helicoidais anfipáticas envolvidas na ligação dos lipídeos e que também possibilita as ligações dissulfeto com outras proteínas. Além disso, a atividade da lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) está reduzida. Dímeros de apo A- II e a apo E foram observados. O rastreamento populacional da variação estrutural na apo A-I revelou pelo menos 11 variantes. DEFICIÊNCIA DE APO A-I Pelo menos três tipos de deficiência de apo A-I foram descritos, todos associados à opacificação da córnea e doença cardíaca coronária prematura. Heterozigotos têm 50% das concentrações normais de HDL. A HDL é praticamente indetectável em homozigotos. Em um tipo existe apenas a deficiência de apo A-I, outro apresenta deficiência de apo C-III e tem baixas concentrações plasmáticas de triglicerídeos. O gene APOC3 está localizado 3’ ao gene APOA1, mas na orientação oposta. Esses dois genes são geralmente transcritos de forma convergente a partir de cadeias opostas de DNA. Em pacientes com deficiência combinada de apo A-I e de apo C- III, uma inversão de 5,5 kilobyte contendo partes dos genes APOA1 e APOC3 foi identificada. Em uma terceira forma, há deficiência de apo A-I, apo C-II e também de apo-IV. Estes podem apresentar má absorção de gorduras devido à deficiência de apo A-IV. DISFUNÇÕES DO METABOLISMO DE HDL DOENÇA DE TANGIER A doença de Tangier é uma condição autossômica recessiva rara, caracterizada por armazenamento de ésteres de colesterol nos macrófagos. Esta é responsável pela aparência laranja das amígdalas. A esplenomegalia também ocorre e está muitas vezes acompanhada por ligeira trombocitopenia e reticulocitose, mas hepatomegalia e linfadenopatia são características menos constantes. Opacificação da córnea pode ocorrer e muitos indivíduos afetados apresentam alguma disfunção neurológica. As concentrações plasmáticas de colesterol total são baixas (em geral, menor que 3 milimol por litro), mas, ao contrário dos estados de deficiência da apo B, as concentrações plasmáticas de triglicerídeos são normais ou aumentadas. Praticamente nenhum colesterol HDL está presente ( menor que 0,1 milimol por litro) e apenas partículas de pré-β1 HDL são detectáveis no plasma. As concentrações de apo A-I e apo A-II são em torno de 1 a 3% e 5%, dos valores encontrados em indivíduos normais. Um aumento da pró-apo A-I pode ser demonstrado por focalização isoelétrica, mas o rápido catabolismo da pró-apo A-I resulta em conversão reduzida para sua forma madura e, consequentemente, em baixas concentrações plasmáticas de apo A-I. Mesmo que pareça que os pacientes com a doença de Tangier estão sob maior risco cardíaco, o nível de risco varia entre as famílias afetadas e não é tão elevado como previsto a partir de estudos epidemiológicos com base nas suas concentrações plasmáticas de colesterol HDL. Isso pode estar relacionado com baixas concentrações de colesterol LDL, mas trombocitopenia e relativa hiporreatividade das plaquetas também podem ser fatores importantes. A doença de Tangier é causada pela perda de função da proteína reguladora do efluxo de colesterol, ABCA1, resultado de mutações no gene ABCA1. Homozigotos para mutações neste gene apresentam maior risco de doença coronariana em comparação com os indivíduos não afetados. Os indivíduos heterozigotos têm risco intermediário. DEFICIÊNCIA FAMILIAR DE LECITINA- COLESTEROL ACILTRANSFERASE A deficiência familiar da lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) é uma condição autossômica recessiva. O gene de lecitina- colesterol aciltransferase (LCAT) está localizado no cromossomo 16: mutações neste gene em associação à ausência de atividade de lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) resultam em deficiência familiar da lecitina- colesterol aciltransferase (LCAT). As características clínicas desta doença incluem opacidades corneanas, anemia hemolítica, proteinúria, elevadas concentrações plasmáticas de triglicerídeos e baixas concentrações de colesterol HDL. Apesar das baixas concentrações de colesterol HDL, a aterosclerose prematura é raramente vista. Portadores heterozigotos não apresentam características clínicas, mas têm concentrações de colesterol HDLde cerca de 50% do normal. A deficiência de lecitina-colesterol aciltransferase resulta na incapacidade de esterificação do colesterol livre no plasma e, então, no acúmulo de colesterol livre em todas as frações de lipoproteínas. Partículas de lipoproteínas podem também ser de tamanho ou formato anormais, como também em sua composição; assim, as partículas de HDL são ou em formato de disco ou de partículas esféricas muito pequenas, semelhantes à HDLrecém-secretada. A lipoproteína X é detectável na eletroforese. DOENÇA DO OLHO DE PEIXE A doença do olho de peixe é autossômica recessiva, resultante de mutações no gene lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT). Em contraste com a deficiência familiar da lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT), há atividade de lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT) detectável. A opacidade da córnea que dá aos olhos a aparência de olhos de peixes mortos foi descrita em associação a baixas concentrações de colesterol HDL (aproximadamente 10% do normal). A LDL é enriquecida em triglicerídeos; a concentração de VLDL está aumentada, mas sua composição é normal. DEFICIÊNCIA DE LIPASE DE TRIGLICERÍDEOS HEPÁTICA Vários casos familiares de deficiência HL foram relatados e a herança parece ser autossômica recessiva, com heterozigotos mostrando um fenótipo intermediário. Os homozigotos têm grave hipertrigliceridemia, hipercolesterolemia e aumento nas concentrações de IDL, produzindo um fenótipo similar ao de hiperlipidemia do tipo III ou remanescente. A deficiência de HL é diagnosticada pela ausência de atividade de HL pós-heparina. A apolipoproteína A-I e a as concentrações de colesterol HDL estão ligeiramente elevadas, com partículas de HDL sendo anormalmente HDL2 ricas em triglicerídeos. A doença vascular prematura tem sido relatada na deficiência de HL, embora o papel exato da HL no desenvolvimento de aterosclerose permaneça incerto, assim como maior atividade da HL (p. ex., secundária ao uso de esteroides anabolizantes) pode também resultar em aumento da doença vascular. DEFICIÊNCIA DA PROTEÍNA DE TRANSFERÊNCIA DE COLESTEROL ESTERIFICADO Várias mutações do gene proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) que causam deficiência de proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) têm sido descritas. Indivíduos homozigotos deficientes de proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) apresentam altas concentraçõesplasmáticas de colesterol HDL, apo A-I, apo A-II e apo E. As concentrações plasmáticas de colesterol HDL são geralmente maior que 3 milimol por litro em indivíduos homozigotos que têm completa ausência da atividade da proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP), valores entre 2 a 2,5 milimol por litro são geralmente vistos em heterozigotos. Estes sujeitos também apresentam redução em cerca de 40% nos níveis de colesterol LDL e apo B. A deficiência na proteína de transferência de colesterol esterificado é relativamente comum no Japão, onde é responsável por cerca de metade de todos os casos de hiperalfalipoproteinemia, mas é rara em caucasianos. Há evidências de que, quando associada à alta concentração de HDL no plasma, a deficiência de proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) protege contra o desenvolvimento de ateroma. Com base nisso, fármacos que inibem a proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) têm sido desenvolvidos: estes produzem aumento nas concentrações plasmáticas de colesterol HDL em mais de 100% e queda nas concentrações de colesterol LDL em cerca de 40%. Em razão da complexa relação entre a atividade da proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP), concentrações de HDL e a aterosclerose, o efeito desses agentes sobre os desfechos cardiovasculares terá de ser testado em ensaios clínicos antes de esclarecer se a inibição da proteína transferidora de ésteres de colesterol (CETP) tem valor terapêutico. HIPERLIPIDEMIAS ADQUIRIDAS A hiperlipidemia adquirida, ou secundária, é causada por alterações no metabolismo das lipoproteínas, resultantes de outro estado de doença ou de terapia medicamentosa. O tratamento da doença subjacente ou a interrupção do uso da substância causadora pode corrigir a hiperlipidemia. Mas, em alguns casos, como a doença renal crônica ou diabetes, em que o metabolismo permanece perturbado apesar do tratamento, a hiperlipidemia pode persistir. Nessas condições, o risco vascular aumentado é uma função de alterações tanto qualitativas como quantitativas nas lipoproteínas plasmáticas. Em particular, há uma forma de LDL pequena e densa que é mais facilmente oxidada e, consequentemente, mais aterogênica. Então, o risco cardiovascular continua a ser superior ao predito a partir das medições isoladas de colesterol e de triglicerídeos. Xantomas podem ocorrer na hiperlipidemia adquirida assim como nos distúrbios lipídicos primárias, com o mesmo padrão de anormalidades lipídicas: então, xantomas erosivos ocorrem na síndrome de quilomicronemia, independentemente de qual seja a sua etiologia. A deposição cutânea de lipídeos corados pode ocorrer na presença de lipoproteínas anormais, como lipoproteína X na colestase ou onde imunoglobulinas monoclonais ligam-se a lipoproteínas ou aos seus receptores e interferem no metabolismo lipídico, assim como pode ocorrer na gamopatia monoclonal de significância indeterminada (GMSI) e no mieloma múltiplo. DIABETES MELITO O diabetes mal controlado dá origem à hipertrigliceridemia. Em ambos os tipos de diabetes, há deficiência de insulina, tanto em termos absolutos no diabetes tipo 1 quanto em termos relativos no diabetes tipo 2. A insulina ativa a lipoproteína lipase e, então, melhora a depuração das lipoproteínas ricas em triglicerídeos, mas tem o efeito oposto sobre a HSL do tecido adiposo. Assim, na deficiência de insulina, há, além de redução da depuração, aumento do influxo dos ácidos graxos livres para o fígado, conduzindo ao aumento da síntese hepática de triglicerídeos. No diabetes controlado, embora as concentrações plasmáticas totais de colesterol e triglicerídeos possam ser normais, há, muitas vezes, uma importante dislipidemia, chamada de “fenótipo aterogênico de lipoproteína”. A concentração plasmática de colesterol HDL costuma ser baixa (menor que 1,1 milimol por litro) e a de triglicerídeos é elevada (maior que 1,7 milimol por litro). Este padrão é indicativo da presença de partículas pequenas e densas de LDL, que são mais suscetíveis à oxidação e mais aterogênicas. Foi demonstrado que as apolipoproteínas AI, A-II, B, CI e E tornam-se glicadas em pacientes com diabetes: é possível que a glicação afete a captação normal de partículas remanescentes, resultando na sua persistência na circulação com consequências aterogênicas. A base genética em que hiperlipidemia secundária é sobreposta afetará sua gravidade; por exemplo, pacientes diabéticos que manifestam quilomicronemia de jejum estão mais predispostos a desenvolver hipertrigliceridemia primária subjacente. HIPOTIREOIDISMO Várias alterações lipídicas podem ocorrer em pacientes com hipotireoidismo não tratado, mas a mais comum é o aumento na concentração plasmática de colesterol LDL. Isso é uma consequência da redução de receptores de LDL, resultando em redução da depuração da LDL. A atividade da lipoproteína lipase também pode ser prejudicada no hipotireoidismo, o que explica a hipertrigliceridemia, que às vezes ocorre. Uma vez que tanto o hipotireoidismo subclínico como o evidente são relativamente comuns, é imperativo que todos os indivíduos que tenham hiperlipidemia sejam examinados para hipotireoidismo. Se ele apresentar hipotireoidismo, o tratamento com tireoxina deve ser instituído. Se este não tiver doença cardiovascular, o perfil lipídico deve ser novamente checado, assim que o estado eutiroideo for recuperado, antes que se tome uma decisão sobre o tratamento de redução de lipídeos. Se o indivíduo já apresentar doença cardiovascular quando o hipotireoidismo for diagnosticado, pode ser imprudente atrasar a instituição de terapias hipolipemiantes, mas esta deve ser instituída com cautela, visto que o hipotireoidismo aumenta o risco da ocorrência de efeitos adversos musculares induzidos por estatinas. SÍNDROME NEFRÓTICA A síndrome nefrótica de longa evolução está associada à aterosclerose acelerada; assim, o tratamento para a redução lipídica geralmente será necessário. Há evidências de que, na síndrome nefrótica, a hiperlipidemia possa piorar a função renal: foi demonstrado in vitro que a LDL oxidada afeta as células mesangiais e acelera a glomeruloesclerose. A hiperlipidemia que ocorre na síndrome nefrótica é mais comumente a hipercolesterolemia, mas a hiperlipidemia mista também ocorre. A hipercolesterolemia é resultado do excesso de produção hepática de apo B-100 como parte do aumento da síntese proteica hepática que geralmente ocorre nessa condição. A atividade da hidroximetilglutaril-CoA (HMG-CoA) redutase também está aumentada. O aumento dos triglicerídeos se deve à remoção reduzida de quilomícrons e VLDL devido à atividade defeituosa da lipoproteína lipase. A HDL pode ser perdida na urina e, dependendo se o aumento de sua síntese corresponde ou não a sua taxa de perda, a concentração plasmática de colesterol HDL pode ser baixa, normal ou ocasionalmente alta. DOENÇA RENAL CRÔNICA Pacientes com doença renal crônica (DRC) têm risco muito alto de desenvolver doença cardiovascular. A anormalidade lipídica mais comumente observada é a hipertrigliceridemia; o perfil de lipoproteína é caracterizado por alta concentração de lipoproteínas que contêm a apo B-48 e suas partículas remanescentes derivadas do intestino. A composição das lipoproteínas também está alterada. A concentração de apo C-III das lipoproteínas ricas em triglicerídeos é aumentada e, uma vez que a apo C-III inibe tanto a lipoproteína lipase como a captação hepática de quilomícrons e VLDL remanescentes, isso resulta em aumento das concentrações plasmáticas de triglicerídeos.Mesmo que o colesterol total possa estar relativamente “normal”, a maior parte da LDL é pequena, densa e, portanto, aterogênica. Embora a hipertrigliceridemia esteja geralmente presente, a maior evidência para a redução do risco de doença cardiovascular por modificação lipídica é por meio da utilização de inibidores da HMGCoA redutase (estatinas), que reduzem a LDL, mesmo que apresentem relativamente pouco efeito sobre os triglicerídeos plasmáticos. TRANSPLANTE RENAL Após o transplante, a hiperlipidemia que acompanha a insuficiência renal pode ser corrigida, mas isso nem sempre ocorre. Além disso, a terapia imunossupressora, incluindo corticosteroides, pode, por si só, causar hiperlipidemia. O grau de hipercolesterolemia é frequentemente maior com o uso de sirolimus e ciclosporina do que com tacrolimus. Assim, indivíduos pós-transplantados permanecem em alto risco de doença cardiovascular e, uma vez que tenham sido hiperlipidêmicos, antes do transplante, a terapia para redução lipídica se justifica. Mas, é necessário cuidado devido às interações bem documentadas entre ciclosporina e as estatinas ou fibratos. DOENÇAS HEPÁTICAS O fígado desempenha papel central no metabolismo de lipoproteínas. Além disso, a única forma fisiológica significativa que o corpo tem de excretar o colesterol ocorre por sua secreção na bile. A colestase é frequentemente acompanhada por hiperlipidemia mista, devido ao acúmulo de lipoproteínas remanescentes. A lipoproteína X é encontrada exclusivamente na colestase. Esta lipoproteína contém ácidos biliares, apo C, apo D, albumina e colesterol e, enquanto ela se insere na mesma faixa de densidade da LDL, ao contrário de todas as outras lipoproteínas, ela migra para o cátodo na eletroforese de lipoproteínas. O potencial aterogênico da lipoproteína X é indefinido; quando presente em quantidades maciças (colesterol maior que 50 milimol por litro), a lipoproteína X é associada à hiperviscosidade. Na colestase, a concentração plasmática de Lp(a) é baixa e a de colesterol HDL é alta; essas anormalidades podem, em parte, explicar o fato de a colestase geralmente não estar associada ao elevado risco cardiovascular. A doença do fígado gorduroso não alcoólica (NAFLD ou esteatose hepática) é uma manifestação de uma síndrome metabólica e, que está associada ao aumento do risco cardiovascular. A dislipidemia associada à esteatose hepática é a hipertrigliceridemia ou a hiperlipidemia mista; está frequentemente associada a moléculas de LDL pequenas e densas. Como a condição ocorre em famílias, é difícil de distinguir da hiperlipidemia combinada familiar. Indivíduos com doença do fígado gorduroso não alcoólica (NAFLD) podem apresentar atividade anormal das enzimas hepáticas plasmáticas (em especial, o aumento das transaminases) e, então, é preciso ter cautela ao iniciar o tratamento com agentes hipolipemiantes. Só que, devido ao aumento do risco cardiovascular, o tratamento é necessário. As estatinas são geralmente os fármacos de primeira escolha, a não ser que hipertrigliceridemia grave esteja presente, criando risco de pancreatite. Ainda que seja necessário monitorar as enzimas hepáticas, o tratamento é geralmente seguro e, em alguns indivíduos, a normalização do perfil lipídico resulta em redução da atividade das aminotransferases. ÁLCOOL O álcool causa hipertrigliceridemia em indivíduos suscetíveis. Isto resulta de uma combinação entre a maior produção e a remoção inadequada de VLDL. Em casos graves, isso pode resultar em quilomicronemia, que pode desencadear a pancreatite aguda. Os estudos epidemiológicos sugeriram que a ingestão moderada de álcool (não mais de 1 a 2 doses por dia) está associada à mortalidade mais baixa do que qualquer ingestão mais elevada de álcool ou sua abstinência. Tal ingestão moderada está associada ao aumento dos níveis plasmáticos de colesterol HDL, o que pode ser responsável pela aparente proteção cardiovascular. HIPERLIPIDEMIAS RELACIONADAS COM MEDICAMENTOS Vários medicamentos, incluindo agentes anti- hipertensivos (β-bloqueadores, tiazidas), corticosteroides, esteroides sexuais, imunossupressores, antipsicóticos de segunda geração e medicamentos antirretrovirais, podem afetar as concentrações de lipoproteínas O efeito de anti-hipertensivos no perfil lipídico demonstra que a redução eficaz da pressão sanguínea diminuiu a incidência de acidentes vasculares cerebrais, mas não a de doença coronária cardíaca. O efeito de βeta- bloqueadores depende de sua seletividade: os não seletivos (p. ex., propranolol) e os βeta-bloqueadores βeta1-seletivos (p. ex., atenolol) elevam os triglicerídeos plasmáticos e diminuem a HDL; enquanto os β- bloqueadores com atividade simpatomimética intrínseca (p. ex., pindolol) são neutros contra os lipídeos. A hiperlipidemia associada à terapia com diuréticos parece ser causada pela atividade αlfa-adrenérgica provocada por esses fármacos; as dosagens baixas (p. ex., 2,5 mg de bendroflumetiazida) agora utilizadas para o tratamento da hipertensão têm um efeito negligenciável sobre o perfil lipídico. O tratamento com glicocorticoides resulta em aumento das concentrações plasmáticas de LDL, HDL e triglicerídeos. Os estrógenos aumentam a secreção de VLDL hepática e aumentam a HDL (HDL2). Em mulheres na pós-menopausa, eles também reduzem o LDL. Progestágenos, por outro lado, causam a diminuição da HDL (em especial, HDL2) e o aumento da LDL.Tanto com os contraceptivos orais como com a terapia de reposição hormonal, a magnitude das mudanças nos valores de lipoproteínas depende da dose, da via de administração, do tipo de estrogênio ou progestágeno envolvido, além do fato de ser ou não um indivíduo com hiperlipoproteinemia subjacente. O uso de estrogênio por via oral resulta na exposição do fígado a doses suprafisiológicas de estrogênio, com estimulação da síntese hepática de lipoproteínas. A hipertrigliceridemia grave pode ser precipitada pelo uso de estrógeno por via oral em indivíduos suscetíveis, que podem apresentar concentração plasmática normal de triglicerídeos ou apenas hipertrigliceridemia leve quando não estão usando estrogênio por via oral ou fazendo terapia de reposição hormonal tópica (patch). Dos progestágenos, os derivados da 19- nortestosterona (p. ex., noretisterona ou levonorgestrel) são consideravelmente mais androgênicos que os progestágenos C21 (p. ex., acetato de medroxiprogesterona, didrogesterona) e resultam em maiores reduções nas concentrações plasmáticas de HDL. O tamoxifeno, um modulador seletivo do receptor de estrógeno, que apresenta efeitos agonistas e antagonistas ao estrógeno, tem efeito predominantemente agonista no fígado e, então, pode causar hipertrigliceridemia severa. Dentre os fármacos imunossupressores, tanto os inibidores da calcineurina (ciclosporina, tacrolimus) como os inibidores que não inibem a calcineurina (sirolimus) podem causar hiperlipidemia, que, na maioria dos indivíduos, consiste em um aumento isolado das concentrações plasmáticas de LDL. A hipertrigliceridemia é um efeito colateral comum da segunda geração de substâncias antipsicóticas, incluindo clozapina, olanzapina e quetiapina. Esta pode ser grave e casos de pancreatite, que podem ser resultantes da hipertrigliceridemia, têm sido relatados. O tratamento com medicamentos antirretrovirais é frequentemente associado à dislipidemia. A combinação de ‐ redistribuição de gordura, resistência à insulina e dislipidemia observada em indivíduos sob tratamento antirretroviral é referida como “síndrome de lipodistrofia”.A redistribuição de gordura é caracterizada pela perda de gordura subcutânea e seu consequente acúmulo intra-abdominal. Isso está associado a regimes contendo inibidores da protease e inibidores da transcriptase reversa de nucleosídeos, enquanto a resistência à insulina e a dislipidemia são particularmente associadas ao uso dos inibidores da protease. É necessário cuidado no tratamento de dislipidemia nesses indivíduos, já que uma variedade de terapias antirretrovirais interage com tratamentos para redução de lipídeos. INVESTIGAÇÃO DAS DISFUNÇÕES LIPÍDICAS A simples aparência de uma amostra de soro ou plasma pode indicar um distúrbio lipídico. Quilomícrons e VLDL são grandes o suficiente para dispersar a luz. Quilomícrons são menos densos que o plasma e vão formar uma camada sobre a superfície de uma amostra deixada em repouso a 4°C durante a noite. Se estiver presente em grandes quantidades, a VLDL fará a amostra parecer opalescente COLESTEROL TOTAL É a medida de estado lipídico mais utilizada. Tem sido usada extensivamente em estudos epidemiológicos e pode ter alguma utilidade no acompanhamento do tratamento. Mas ela, é insuficiente no diagnóstico de distúrbios lipídicos ou como a única medida antes do início do tratamento. Um perfil completo de lipídeos em jejum, incluindo triglicerídeos e colesterol HDL, deve ser medido pelo menos uma vez para evitar a falha no diagnóstico de dislipidemias significativas associadas ao colesterol total normal. Colesterol LDL, colesterol não HDL e medições da apo B podem apresentar benefícios na avaliação do risco cardiovascular e na adequação do tratamento. O colesterol é geralmente mensurado por métodos enzimáticos usando a colesterol oxidase. Embora a CV analítica seja baixa (em geral, < 3%), a variação biológica intraindividual é de cerca de 5% e, por isso, é importante observar que a diferença crítica entre medições consecutivas na terapia de monitoramento pode ser de aproximadamente 0,8 milimol por litro. A realização ou não de jejum faz pouca diferença (± 3%) nas mensurações. TRIGLICERÍDEOS Os triglicerídeos aumentam até 2 a 3 vezes após uma refeição e, assim, as amostras devem ser coletadas após uma noite de jejum (> 12 h), a fim de se evitarem dificuldades de interpretação resultantes da presença de quilomícrons ou quilomícrons remanescentes. A maior parte dos métodos envolve a hidrólise de triglicerídeos e a mensuração do glicerol livre liberado. A eliminação do glicerol não é realizada rotineiramente. Em certas circunstâncias, como nos pacientes com diabetes melito não controlado, em hemodiálise ou nas raras deficiências recessivas de glicerol quinase ligadas ao X, o conteúdo de glicerol da amostra pode estar significativamente aumentado. Nessas situações, concentrações elevadas de glicerol no plasma vão produzir resultados falsamente elevados de triglicerídeos e a anulação do glicerol é essencial para a obtenção de um resultado válido. A concentração de triglicerídeos no plasma tem uma variação biológica muito maior que a de colesterol, em aproximadamente 20% das amostras, mesmo em jejum. COLESTEROL DE LIPOPROTEÍNA DE ALTA DENSIDADE A concentração plasmática de HDL é geralmente medida por métodos diretos (homogêneos), que dependem da formação do complexo antígeno/anticorpo, das enzimas de polietilenoglicol (PEG) modificadas que reagem seletivamente com o colesterol na HDL. Esses ensaios podem fornecer resultados confiáveis na presença de concentrações de triglicerídeos acima de 10 milimol por litro. COLESTEROL DE LIPOPROTEÍNA DE BAIXA DENSIDADE Colesterol LDL (LDL-C) pode ser calculado por substituição dos resultados da análise do colesterol total (CT), colesterol HDL(HDL-C) e triglicerídeos (TG) (jejum) na fórmula de Friedewald: (todas as medidas em milimol por litro). A fórmula de Friedewald assume que a maior parte dos triglicerídeos plasmáticos está na forma de VLDL e que existe relação molar de 5:1 de triglicerídeos para colesterol na fração da VLDL. Por essa razão, a fórmula de Friedewald não é aplicável em indivíduos com hiperlipidemia remanescente, nos quais a fração remanescente é de lipoproteína enriquecida em colesterol. Além disso, ela não é aplicável a indivíduos com concentrações plasmáticas maior que 4,5 milimol por litro, uma vez que, para esses níveis, a VLDL contém maior proporção de triglicerídeos e, assim, a fórmula superestima o colesterol VLDL e subestima o colesterol LDL. Mesmo que a maioria dos laboratórios relate concentrações plasmáticas de colesterol derivado da LDL em amostras com triglicerídeos de até 4,5 milimol por litro, essa tendência da VLDL em conter uma proporção maior de triglicerídeos às vezes ocorre em concentrações mais baixas de triglicerídeos, a um grau que pode ser clinicamente significativo. O erro calculado no colesterol LDL é superior a 10% em mais de 30% dos indivíduos com concentração de proteína plasmática de 2,3 a 3,4 milimol por litro e superior a 40% em indivíduos com triglicerídeos de 3,4 a 4,5 milimol por litro. Ensaios diretos de colesterol LDL estão sendo cada vez mais utilizados. Em geral, eles se comparam aos de colesterol LDL tal como a mensuração por ultracentrifugação. Eles têm a vantagem de serem capazes de medir o colesterol LDL em amostras de pacientes que não estavam em jejum; mas, por serem métodos de imunosseparação, têm a desvantagem de apresentar custo mais elevado em comparação com a simples medição enzimática de colesterol total e HDLe triglicerídeos. A concentração plasmática de colesterol LDL é cada vez mais utilizada em estudos epidemiológicos e terapêuticos e metas de tratamento com base nos níveis de colesterol LDLforam incorporadas para a maioria das diretrizes nacionais. COLESTEROL NÃO HDL O colesterol não HDL é obtido simplesmente usando a fórmula (colesterol total – colesterol HDL). A principal diferença do colesterol LDL é que este inclui o colesterol da VLDL. Em alguns estudos epidemiológicos, foi utilizado para prever o risco vascular quase tão bem quanto a mensuração da apo B e melhor que o colesterol LDL. Isso pode ser simples porque a VLDLé aterogênica por si própria, mas também porque o colesterol não HDL pode refletir o número de partículas LDL melhor que a mensuração isolada da concentração de colesterol LDL. Outras vantagens do colesterol não HDL são que ele pode ser medido em amostras sem jejum e que a sua mensuração tem melhor precisão e exatidão que a do colesterol LDL obtido pela fórmula de Friedewald. É também mais barata que a mensuração da apo B. Ele foi adotado em um número de diretrizes atuais ao lado do colesterol LDL.
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