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ÉTICA E RESPONSABILIDADE SOCIAL Autoria: Giovani Mendonça Lunardi Indaial - 2021 UNIASSELVI-PÓS 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Bárbara Pricila Franz Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L961e Lunardi, Giovani Mendonça Ética e responsabilidade social. / Giovani Mendonça Lunardi. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 130 p.; il. ISBN 978-65-5646-162-5 ISBN Digital 978-65-5646-159-5 1. Responsabilidade social. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 620 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS DA ÉTICA ............................................................. 7 CAPÍTULO 2 PROBLEMAS DE ÉTICA ................................................................ 45 CAPÍTULO 3 ÉTICA, CIDADANIA E SEGURANÇA PÚBLICA ............................ 85 APRESENTAÇÃO Caro acadêmico, bem-vindo à disciplina de Ética e Responsabilidade Social. Nesta disciplina, estudaremos juntos os fundamentos, as teorias e as aplicações práticas relacionados à Ética e à Responsabilidade Social no âmbito da gestão das organizações e instituições públicas e sociais. No Capítulo 1, mais especificamente, começaremos nossos estudos apresentando uma reflexão teórica sobre a Ética. Inicialmente, conceituaremos o que é Ética e faremos rapidamente uma abordagem histórica. Em seguida, estudaremos as principais teorias éticas, fazendo também uma avaliação comparativa. Por fim, veremos algumas aplicações práticas das teorias éticas. Em seguida, no Capítulo 2, compreenderemos os principais problemas éticos presentes na sociedade atual e investigaremos a relação entre Ética, Estado e Sociedade. Estudaremos, também, princípios éticos e problemas sociais e analisaremos os desafios éticos contemporâneos. No Capítulo 3, estudaremos a relação entre Ética, Cidadania e Segurança Pública e analisaremos o desenvolvimento dos mecanismos e processos que estimulam a prática da Responsabilidade Social dentro das instituições. Ao mesmo tempo, pesquisaremos os impactos da ética dentro das organizações e verificaremos os princípios éticos que orientam o controle social nas comissões de ética pública. Esperamos que com este conteúdo você consiga perceber a importância da Ética e da Responsabilidade Social para a nossa sociedade. Bons estudos! CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS DA ÉTICA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender os principais conceitos de ética e moral. Investigar os fundamentos da ética relacionados à economia e à sociedade. Estudar teorias éticas que disciplinam os códigos normativos atuais. Analisar aplicações da ética aos temas econômicos e sociais. Identifi car os principais conceitos e fundamentos da ética. Relacionar as principais teorias éticas com as transformações ocorridas na economia e na sociedade atual. Perceber a importância da aplicação da ética nas principais questões econômicas e sociais. 8 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL 9 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste Capítulo 1, compreenderemos os principais fundamentos da ética, suas teorias mais importantes e aplicações práticas relacionados a nossa vida diária e social. As considerações éticas e morais, em nossa sociedade, são importantes e, consequentemente, também o seu estudo, porque expressam e determinam padrões compartilhados de comportamento. Elas fi xam nossas obrigações frente aos outros e dão sentido às expectativas sobre o que os outros devem fazer por nós. As considerações éticas geram sentimento de culpa, orgulho, vergonha, gratidão e delimitam os âmbitos da solidariedade, da indiferença e da reação intolerante. Elas entram na concepção que temos de nós mesmos (CHAUÍ, 2005). Afi nal, o que é ética? O que é moral? 2 CONCEITO DE ÉTICA E MORAL A busca por princípios e regras universais para orientar a conduta humana em sociedade é algo que atormenta as civilizações há séculos. Para entender a razão, precisamos olhar através de toda a história da humanidade – desde o surgimento das leis nas sociedades nos últimos 10 mil anos – e analisar as maneiras pelas quais a ética pode moldar nosso futuro distante, ou seja, ao longo de sua história, o ser humano tem buscado muitas respostas sobre como agir de forma adequada (MATTAR, 2010). Como saber qual é a ação certa ou errada? Quais são as normas e regras sociais que devemos seguir na vida em comunidade? Estas e outras questões dizem respeito à própria condição humana de existência individual e social. 2.1 A LEI DE TALIÃO E A REGRA DE OURO Desde os primeiros registros de escritos humanos, encontramos citações ao que são reconhecidamente valores e princípios éticos. Costuma-se atribuir aos babilônios antigos as primeiras formulações e codifi cações de normas sociais no celebrado Código de Hamurabi, uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual Iraque), composta por volta de 1772 a.C. Hamurabi é o sexto rei da Babilônia, responsável por decretar o código conhecido com seu nome, que sobreviveu até os dias de hoje em cópias parcialmente preservadas, sendo uma na forma de uma grande estela (monólito), além de vários tabletes menores de barro (SANTIAGO, c2021). 10 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL FIGURA 1 – ESTELA CONTENDO AS INSCRIÇÕES DO CÓDIGO DE HAMURABI FONTE: <https://www.infoescola.com/historia/codigo- de-hamurabi/>. Acesso em: 15 jan. 2021. O Código de Hamurabi é visto como a mais fi el origem do Direito. É a legislação mais antiga de que se tem conhecimento, e o seu trecho mais conhecido é a chamada lei de talião, lei (ou pena) que é o ponto principal e fundamental para o Código de Hamurabi. O termo vem do latim talionis, que signifi ca ‘como tal’, ‘idêntico’. A pena que se baseia na justa reciprocidade do crime e da pena, frequentemente simbolizada pela expressão ‘olho por olho, dente por dente’ (SANTIAGO, c2021). KERSTEN, V. M. O Código de Hamurabi através de uma visão humanitária. 2007. Disponível em: http://www.ambito-juridico. com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4113. Acesso em: 20 mar. 2021. Código de Hamurabi, disponível em: http://www.dhnet.org.br/ direitos/anthist/hamurabi.htm. Assim, várias culturas, religiões e civilizações antigas atestam a importância de sedimentar, normatizar e codifi car as práticas de coexistência social de forma a garantir a vida, as posses e as relações entre membros de uma comunidade, tribo, clã ou cidade. A própria Torá, a lei judaica antiga (também denominada ‘Pentateuco’ em alusão aos cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, chamados pelos cristãos de Antigo 11 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 Testamento), também contribuiu de maneira decisiva para a sedimentação de tais direitos em nossos processos civilizatórios (PAIM, 2003). FIGURA 2 – A TORÁ É O LIVRO SAGRADO DO JUDAÍSMO FONTE: <https://cutt.ly/cvUFbXR>. Acesso em: 15 jan. 2021. O termo Torá, em hebraico, signifi ca ‘ensinar’ ou ‘indicar o caminho’. Nesse sentido mais amplo, todos os ensinamentos judaicos – incluindo a Bíbliahebraica, o Talmude e as tradições orais – podem ser considerados parte da Torá. A Torá começa com a história da criação do mundo. Em seguida, explica e interpreta as leis de Deus, incluindo os Dez Mandamentos. Os judeus acreditam que Deus entregou as leis contidas nos cinco livros ao profeta Moisés, no Monte Sinai. Particularmente, nos Dez Mandamentos (as Leis de Moisés), encontramos um embasamento normativo para a vida comunitária de um povo (PAIM, 2003). Assista ao fi lme Os Dez Mandamentos. FIGURA 3 – CAPA DO FILME OS DEZ MANDAMENTOS FONTE: <https://cutt.ly/pvUGT7Y>. Acesso em: 15 jan. 2021. 12 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Desta forma, encontramos a chamada ‘regra de ouro’ no judaísmo e no cristianismo em suas versões negativa (‘não devemos fazer a outrem aquilo que não queremos que nos façam’) e positiva (‘fazei aos outros o que quereis que vos façam’), o princípio de universalização do judaísmo e do cristianismo (PAIM, 2003). Essa ‘regra de ouro’, também conhecida como princípio da reciprocidade, está presente em preceitos de outras civilizações antigas, como: “Evite fazer o que você pode culpar os outros por fazer” – Tales de Mileto (Grécia Antiga). “O que for odioso para ti, não faça a teu próximo: esta é toda a Torá; o resto é mero comentário” – Talmude Babilônico. “Se o Dharma todo pode ser traduzido em poucas palavras, então seria: aquilo que é desfavorável para nós, não faça com os outros” – Padma Purana (Budismo). “Zi Gong perguntou: ‘Existe alguma palavra que possa guiar uma pessoa ao longo da vida?’ O mestre respondeu: ‘Que tal reciprocidade: nunca imponha aos outros o que você não escolheria para si mesmo?” – (os Anacletos) (BEARD, 2021). O fato de tantos movimentos distintos mostrarem um grande apreço por esse princípio refl ete não só sua simplicidade, mas também sua veracidade e valor. Diz claramente algo importante sobre como devemos viver, mas, infelizmente, há muita coisa que a regra de ouro não diz – e é extremamente difícil de ser aplicada objetivamente, uma vez que defi ne como devemos tratar as pessoas com relação aos nossos próprios sentimentos sobre como devemos ser tratados, ou seja, caso sejamos sadomasoquistas (a dor como prazer), poderíamos considerar que aplicar a dor em pessoas seria benéfi co para todos. Como a regra de ouro é insufi ciente como critério ético, surgirão outras teorias, que estudaremos a seguir (PAIM, 2003). 2.2 FILOSOFIA E ÉTICA Posteriormente, será na Grécia e, depois, na Roma Antiga, que encontraremos também vários exemplos de codifi cações jurídicas em escritos literários, fi losófi cos e jurídicos que propiciarão o surgimento da disciplina fi losófi ca denominada de ética. Podemos afi rmar que Aristóteles (384-322 a.C.) foi o fundador da ética. A Ética Nicomaqueia, ou Ética a Nicômaco, de Aristóteles, foi o primeiro tratado de ética da tradição fi losófi ca ocidental, tendo sido o primeiro a utilizar o termo “ética” no sentido em que o empregamos até hoje de um estudo sistemático sobre os valores e os princípios que regem a ação humana e com base nos quais esta ação é avaliada com relação a seus fi ns. 13 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 O texto fi cou conhecido como Ética a Nicômaco por ter sido dedicado a Nicômaco, o fi lho de Aristóteles. Sua infl uência foi imensa, tendo marcado profundamente a discussão sobre ética subsequente, defi nindo as grandes linhas de discussão fi losófi ca nesta área (MATTAR, 2010). Na sua obra Ética a Nicômaco, ele procura dar uma resposta ao problema, qual seja: de que maneira o homem deve viver a sua vida? Os fi lósofos gregos estavam buscando uma forma racional de o ser humano encontrar a melhor forma de decidir moralmente. O pano de fundo da ética aristotélica é a investigação em torno do bem supremo ou felicidade (Eudaimonia) do ser humano (ARISTÓTELES, 1992). FIGURA 4 – ESCULTURA DE ARISTÓTELES FONTE: <https://cutt.ly/1vUXY6C>. Acesso em: 15 jan. 2021. Aristóteles inicia sua obra Ética a Nicômaco se perguntando sobre a função do homem. Sua pergunta visa descobrir qual é a essência do homem. Essência é aquilo que diferencia algo do resto, e faz deste algo aquilo que ele é. Segundo Aristóteles (1992), aquilo que diferencia o homem de todos os animais é a sua razão. Logo, a função do homem será viver de acordo com a razão, pois se deixar de viver desta forma se assemelha a outro animal qualquer. FIGURA 5 – ÉTICA A NICÔMACO, DE ARISTÓTELES FONTE: <https://cutt.ly/qvUC0tL>. Acesso em: 15 jan. 2021. 14 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL O meio pelo qual sabemos que alguém é racional é o uso da linguagem. Logo, a racionalidade está ligada à fala. A fala só é possível quando há pelo menos dois homens, o que nos leva à conclusão que todos os homens, para que possam cumprir sua função, devem viver em sociedade. Não existe homem que possa viver sozinho. A solidão só é possível para os deuses, pois são autossufi cientes, e para as bestas, pois reduzem sua existência à busca de comida, não necessitando nada mais além desta satisfação. A linguagem, presente unicamente no homem, institui uma diferenciação radical se compararmos as comunidades humanas às de outros animais igualmente gregários. Ao contrário deles, expressamos nossos interesses, nossos desejos e vontades, o que nos leva a uma condição na qual o confl ito é inevitável. Diferentemente de uma abelha, ou de um cão, nos deparamos o tempo todo com questões que nos levam a questionar o que deve e o que não deve ser feito, o que é certo e o que é errado, o que é justo e injusto. Todas estas questões surgem porque estamos sempre em busca de bens para nós mesmos (ARISTÓTELES, 1992). Qual seria o bem a que todos buscam invariavelmente? Segundo Aristóteles (1992), a felicidade é o Bem Supremo, em virtude do qual todas as outras coisas que desejamos são meros meios. No entanto, como defi nir a felicidade? Por tratar-se de algo que é estritamente humano, deve ser diferente da satisfação, que está ligada às nossas funções animais, e também da alegria e contentamento, pois são sentimentos efêmeros. A felicidade deve perdurar, ser constante, de forma que um indivíduo possa vivenciá-la de forma ininterrupta. O que é, então, a felicidade? É a atividade da alma conforme a excelência moral (ARISTÓTELES, 1992). A pergunta que surge agora é o que é excelência moral? É o conjunto das virtudes. Virtudes são disposições da alma que nos levam a agir de forma justa. Para que possamos atingir estas virtudes é necessário que nos esforcemos rumo à educação de nossas paixões. A ética é compreendida por Aristóteles, e por boa parte de seus contemporâneos, como a educação das paixões pela razão. As paixões são indicadas pela natureza e se caracterizam pela desmesura de suas manifestações, e a depender delas estaríamos sempre em uma situação parecida à de um barco em águas turbulentas, ora a pender para um lado, ora para outro. A razão é a garantia do equilíbrio e da estabilidade de nossa alma, motivo pelo qual deve aplicar-se às paixões, educando-as e dando-lhes a exata medida. A virtude é, para Aristóteles, meio-termo entre dois extremos. Assim, a coragem aparece como o ponto equidistante entre a covardia e a temeridade; a moderação como o meio-termo entre concupiscência e insensibilidade (ARISTÓTELES, 1992). 15 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 A famosa frase de Aristóteles ‘o homem é um animal social’ (Zoon Politikon), ajuda-nos a compreender que a vida humana é naturalmente social, política. Para o ser humano, viver é conviver (ARISTÓTELES, 1992). É justamente na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se realiza enquanto um ser moral e ético. É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais: o que devo fazer? Como agir em determinada situação? Como me comportar perante o outro? Diante da corrupção e das injustiças, o que fazer? Quala natureza dos juízos morais? Por que algo é bom ou mau, certo ou errado, justo ou injusto? Para saber mais sobre a ética de Aristóteles, leia: AMARAL, R. A. P. do; SILVA, D. A.; GOMES, L. I. A eudaimonia aristotélica: a felicidade como fi m ético. Revista Vozes dos Vales, n. 1, ano 1, p. 1-20, maio 2012. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de L. Vallandro e G. Bornhein da versão inglesa de W. D. Ross. São Paulo: Abril, 1987. (Coleção Os Pensadores). FERRAZ, C. A. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. HOBUSS, J. F. do N. Elementos de fi losofi a antiga: estudos sobre a fi losofi a prática de Aristóteles. Pelotas: NEPFIL online, 2015. PANSARELLI, D. Para uma história da relação ética-política. Revista Múltiplas Leituras, v. 2, n. 2, p. 9-24, jul./dez. 2009. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ML/article/ view/1264. Acesso em: 12 fev. 2021. 2.3 O QUE É ÉTICA E MORAL? Como vimos, nossa noção de certo e errado vem de longe e por isso pode ser útil distinguir entre moral e ética. A partir da Filosofi a Grega e, posteriormente, com a Filosofi a Romana, teremos que a palavra Ética vem do grego “ethos”, que quer dizer o modo de ser, o caráter. Em seguida, os romanos traduziram o “ethos” grego para o latim “mos” (ou no plural “mores”), que quer dizer costume, de onde vem a palavra Moral. Tanto “ethos” (caráter) como “mos” (costume) indicam um 16 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL tipo de comportamento propriamente humano que não é natural, o homem não nasce com ele como se fosse um instinto, mas o ‘adquire ou o conquista por hábito’. Portanto, Ética e Moral, pela própria etimologia, dizem respeito a uma realidade humana que é construída histórica e socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde nascem e vivem (CHAUÍ, 2005). Atualmente, a ética passou a fazer parte do discurso da população, dos meios de comunicação, de profi ssionais de várias áreas, com seu signifi cado nem sempre utilizado de forma correta. Talvez devido ao pouco conhecimento formal que a maioria das pessoas tem da ética, muitas não sabem propriamente o que é a ética, qual a sua fi nalidade e como ela atua. Muitas vezes, a palavra ética é utilizada também como adjetivo, com a fi nalidade de qualifi car uma pessoa ou uma instituição como sendo boa, adequada ou correta. Esse uso pode ter sido infl uenciado pela defi nição de ética proposta por George Edward Moore (1975), de que ela é a investigação geral sobre aquilo que é bom. O ideal é sempre utilizá- la na forma adverbial, ou seja, ela própria merecendo ser qualifi cada – eticamente adequada ou eticamente inadequada –, mas não pressupondo que a ética, no seu sentido substantivo, sempre se associe ao bom, ao adequado e ao correto. Três autores contemporâneos podem auxiliar na compreensão adequada dessas questões fundamentais: • Adolfo Sanches Vasques (2000) caracterizou a ética como sendo a busca de justifi cativas para verifi car a adequação ou não das ações humanas. • Joaquim Clotet (1986) afi rmou que a ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas, que o ser humano chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como pessoa. • Robert Veatch (2000) dá uma boa defi nição operacional de ética ao propor que ela é a realização de uma refl exão disciplinada das intuições morais e das escolhas morais que as pessoas fazem. No nosso dia a dia não fazemos distinção entre ética e moral, usamos as duas palavras como sinônimos, mas os estudiosos da questão fazem uma distinção entre as duas palavras. Assim, a moral é defi nida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes e valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral é normativa. Enquanto a ética é um ramo da fi losofi a que tem por objetivo realizar uma refl exão e buscar explicar, compreender, justifi car e criticar a moral ou as morais de uma sociedade. Assim, a ética é considerada a disciplina que propõe compreender os critérios e os valores que orientam o julgamento da ação humana, procurando esclarecer como é possível apontar que determinada forma de conduta seja moralmente errada ou correta (MATTAR, 2010). 17 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 Podemos afi rmar, do mesmo modo que, a moral é uma noção individual, em grande parte intuitiva e emocional, de como devemos tratar os outros. Provavelmente, existe há centenas de milhares de anos, e talvez até em outras espécies. A ética, por outro lado, é um conjunto de princípios formalizados que se propõe a representar a verdade sobre como as pessoas devem se comportar. Também podemos distinguir entre ética e moral desta forma: • Moral: conjunto de normas que determina as ações humanas como certas ou erradas a partir de um consenso social. Assim, a moral constitui-se nos valores adotados por uma determinada comunidade ou instituição e abrange tanto princípios quanto regras, virtudes e direitos. • Ética: está relacionada a um estudo mais apropriado dos diferentes sistemas morais, podendo ser normativa, ao tentar justifi car a adoção de um valor em detrimento de outro, e não normativa. Neste caso, ela pode ser uma ética descritiva, ao investigar a conduta moral de um certo grupo social, e metaética, ao analisar a linguagem, os conceitos e os métodos do raciocínio ético (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Portanto, constantemente no nosso cotidiano encontramos situações que nos colocam problemas morais. São problemas práticos e concretos da nossa vida em sociedade, ou seja, problemas que dizem respeito as nossas decisões, escolhas, ações e comportamentos – os quais exigem uma avaliação, um julgamento, um juízo de valor entre o que socialmente é considerado bom ou mau, justo ou injusto, certo ou errado, pela moral vigente. O problema é que não costumamos refl etir e buscar os ‘porquês’ de nossas escolhas, dos comportamentos, dos valores. Agimos por força do hábito, dos costumes e da tradição, tendendo a naturalizar a realidade social, política, econômica e cultural. Com isso, perdemos nossa capacidade crítica diante da realidade. Em outras palavras, não costumamos fazer ética, pois não fazemos a crítica, nem buscamos compreender e explicitar a nossa realidade moral. Por exemplo, enquanto quase todo mundo tem um forte senso moral de que matar é errado e que simplesmente ‘não se pode fazer isso’, os especialistas em ética há muito tempo tentam entender por que matar é errado e sob que circunstâncias (guerra, pena de morte, eutanásia) ainda pode ser permitido. 18 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Para saber mais sobre o conceito de ética e moral, assista aos vídeos: Ética do Cotidiano | Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9_YnlPXKlLU. O que é Ética | Mário Sergio Cortella, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2gVCs2fIILo. VASQUES, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 Para saber mais sobre a Filosofi a romana e a ética na Roma Antiga, veja: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-passagem-helenismo- grego-ao-helenismo-romano.htm. Assista ao fi lme Gladiador. Nos dias fi nais do reinado de Marcus Aurelius (Richard Harris), o imperador desperta a ira de seu fi lho Commodus (Joaquin Phoenix) ao tornar pública sua predileção em deixar o trono para Maximus (Russell Crowe), o comandante do exército romano. Sedento pelo poder, Commodus mata seu pai, assume a coroa e ordena a morte A Filosofi a Grega de Aristóteles e, posteriormente, a Filosofi a Romana e a Filosofi a Medieval, deram uma importante contribuição que resultariam no humanismo renascentista e na reformulação dos chamados direitos naturais, que são a base das discussões na ética moderna e contemporânea que estudaremos a seguir. A partir destes conceitos estudaremos, a seguir, as principais teorias éticasque se desenvolveram ao longo da história em nossa sociedade (PAIM, 2003). 19 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 de Maximus, que consegue fugir antes de ser pego e passa a se esconder sob a identidade de um escravo e gladiador do Império Romano. Para saber mais sobre a Filosofi a e a ética medieval, veja: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/fi losofi a-medieval.htm. Assista ao fi lme O Nome da Rosa. Em 1327, William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um noviço, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante intrincado, além dos mais, religiosos acreditam que é obra do Demônio. William de Baskerville não partilha desta opinião, mas antes que ele conclua as investigações, Bernardo Gui (F. Murray Abraham), o Grão-Inquisidor, chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Como não gosta de Baskerville, ele é inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que são diabolicamente infl uenciados. Esta batalha, junto a uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto os assassinatos são lentamente solucionados. 1 Descreva o que você entendeu sobre os conceitos de ética e moral estudados nessa seção. R.: _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ ____________________________. 20 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL 3 TEORIAS ÉTICAS: DEVERES E DIREITOS Considerando os conceitos de ética e moral estudados na seção anterior, podemos dividir as teorias éticas em três campos principais de estudo: metaética, ética normativa e ética aplicada. A metaética investiga a natureza dos princípios morais, verifi cando a sua fundamentação, justifi cativa e signifi cados. Por sua vez, a ética normativa pretende responder a perguntas ‘o que devemos fazer?’, ou, de forma mais ampla, ‘qual a melhor forma de viver bem?’. Por fi m, a ética aplicada diz respeito à aplicação de princípios extraídos da metaética e da ética normativa para a resolução de problemas éticos cotidianos, isto é, procura resolver problemas práticos de acordo com princípios da ética normativa. Nesta seção, vamos nos ater às questões de ética normativa. De acordo com Simon Blackburn (2020), os seres humanos são animais éticos. Isso expressa o reconhecimento de que não há vida humana sem padrões normativos de comportamento. Nós exigimos que nossas preferências sejam efetivamente reconhecidas pelos outros, o que leva ao surgimento de práticas sociais e instituições articuladas em papéis sociais que passamos a ocupar. Nós impomos regras aos outros, mas também a nós mesmos. Nós temos sentimentos especiais profundos quando constatamos o fracasso dos outros ou o nosso próprio fracasso na tentativa de viver de acordo com essas regras. FIGURA 6 – SIMON BLACKBURN – ÉTICA: UMA BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO FONTE: <https://cutt.ly/0vUBrZc>. Acesso em: 11 jan. 2021. Podemos dividir as correntes da ética normativa em duas categorias: ética teleológica e ética deontológica. 21 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 3.1 ÉTICA TELEOLÓGICA Para esta corrente, o que é correto está determinado pelo seu fi m (télos), ou seja, pelo que se pretende atingir. Suas subdivisões principais são: A) ética consequencialista, que se baseia nas consequências da ação, e B) ética das virtudes, que considera o caráter moral ou virtuoso do indivíduo. A) Para a ética consequencialista, na sua principal vertente, que é o Utilitarismo, devemos agir levando em consideração as consequências da nossa ação. A ação correta, justa, ou moralmente válida, será aquela que apresentar os melhores resultados para os envolvidos. Assim, segundo o Utilitarismo, cada indivíduo deve agir de forma a proporcionar o maior bem ou a maior felicidade para todos que o cercam. Os principais teóricos do Utilitarismo foram Jeremy Bentham (1748-1832) e J. Stuart Mill (1806-1873), que desenvolveram uma ética baseada no princípio da utilidade. As ações morais são avaliadas em função das consequências morais que originam para quem as pratica, mas também para quem recai os resultados. O Princípio da Utilidade que deve nortear a ação moral é: ‘a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas’ (MILL, 2020). O bom é aquilo que for útil para o maior número de pessoas, melhorando o bem-estar de todos, e o mau o seu contrário. Os utilitaristas afi rmam que devemos escolher a opção que maximiza ‘a maior felicidade para o maior número’. Defendem igualmente a completa igualdade: ‘cada qual conta como um e não mais de um’ (MILL, 2020). FIGURA 7– LIVRO O UTILITARISMO, DE J. STUART MILL FONTE: <https://cutt.ly/cvUBzae>. Acesso em: 15 jan. 2020. 22 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL B) Na ética de virtudes, a ênfase incide sobre o caráter virtuoso ou bom dos seres humanos, e não primeiramente sobre os seus atos e consequências. O marco inicial da ética de virtudes é a doutrina moral que Aristóteles desenvolve na obra Ética a Nicômaco. A fi nalidade de uma vida virtuosa, segundo Aristóteles, é a busca do bem supremo, da felicidade, não individual, mas de todo ser racional. O objetivo da ética seria, então, sob esse ponto de vista, a criação de homens virtuosos, cujos sentimentos e inclinações fossem cultivados moralmente (ARISTÓTELES, 1992). FONTE: O autor Problemas da Ética Teleológica Os críticos da ética teleológica argumentam que nela há um relativismo moral, já que as decisões fi cam na dependência da análise das circunstâncias, ou seja, não há princípios norteadores. O princípio da utilidade (a felicidade para a maioria) seria insufi ciente enquanto norma de orientação. Há difi culdades em estabelecer, em muitos casos, quais ações seriam mais benéfi cas que outras. No caso, também de interesses em confl itos, que decisões deveríamos tomar? 3.2 ÉTICA DEONTOLÓGICA A ética deontológica (deon = dever) procura determinar o que é correto, não segundo uma fi nalidade a ser atingida, mas segundo as regras e as normas (deveres) em que se fundamenta a ação. A ética religiosa, principalmente a cristã, é deontológica, já que ela possui mandamentos morais que são obrigatórios, independentemente das consequências da ação. Além das religiosas, uma ética deontológica importante é a Ética Kantiana. O fi losofo alemão I. Kant (1724-1804), partindo de uma concepção universalista do homem, afi rma que este só age moralmente quando, pela sua livre vontade, determina as suas ações com a intenção de respeitar os princípios que reconheceu como bons. O que o motiva, neste caso, é o puro dever de cumprir aquilo que racionalmente estabeleceu sem considerar as suas consequências. A moral assume, assim, um conteúdo puramente formal, isto é, não nos diz o que devemos fazer (conteúdo da ação), mas apenas o princípio (forma) que devemos 23 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 seguir para que a ação seja considerada boa. Esse princípio está expresso no imperativo categórico, que diz: age apenas seguindo as máximas que possas ao mesmo tempo querer como leis universais. Com isso, Kant quer garantir a racionalidade e a universalidade das ações morais, independente do apelo a uma ordem divina e das consequências das ações (KANT, 2019). FIGURA 8 – IMMANUEL KANT FONTE: <https://cutt.ly/SvUNgHP>. Acesso em: 15 jan. 2021. Problemas da Ética DeontológicaA Ética Deontológica é acusada de ser extremamente absolutista e formal, ou seja, ela se ocuparia apenas do cumprimento de suas normas e deveres, deixando de lado as considerações substanciais dos interesses dos envolvidos na ação moral. Também não estabelece consideração sobre que ações seriam mais importantes ou prioritárias que outras para benefício dos envolvidos da ação moral. 3.3 A COMPARAÇÃO ENTRE A ÉTICA TELEOLÓGICA E A ÉTICA DEONTOLÓGICA Max Weber (1864-1920) apresentou uma excelente comparação entre a Ética Teleológica e a Ética Deontológica. Afi rma Weber (1968, p.172): [...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se 24 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL a duas máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da responsabilidade (teleológica) ou pela ética da convicção (deontológica). Isso não quer dizer que a ética da convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade à ausência de convicção. Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de quem age segundo máximas da ética da convicção – em linguagem religiosa, diremos ‘O cristão faz seu dever e no que diz respeito ao resultado da ação remete-se a Deus’ – e a atitude de quem age segundo a ética da responsabilidade, que diz: ‘Devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos’. De forma simplifi cada, a máxima da Ética Deontológica (convicção) diz: cumpra suas obrigações ou siga as normas, deveres. É uma ética que se pauta por valores e normas previamente estabelecidos. De forma contrária, a Ética Teleológica (responsabilidade), não aplica normas previamente estipuladas. Ela procede pela análise das situações concretas e antecipa as repercussões que uma decisão pode provocar. Dentre as opções que se apresentam, aquela que presumivelmente traz benefícios maiores à coletividade acaba adotada, ou seja, ganha legitimidade a ação que produza um bem maior ou evita um mal maior. O contraponto entre as duas teorias fi ca claro: A) De um lado, as ações cometidas pelos praticantes da ética da convicção (deontológica) decorrem imediatamente da aplicação dos valores e normas anteriormente eleitos. B) De outro lado, as ações cometidas pelos praticantes da ética da responsabilidade (teleológica) decorrem da expectativa de alcançar fi ns almejados (fi nalidade) ou consequências presumidas. QUADRO 1 – COMPARATIVO QUADRO COMPARATIVO Ética Teleológica (responsabilidade) Ética Deontológica (convicção) As decisões decorrem de deliberação em função de uma análise das circunstâncias. Decisões decorrem da aplicação de uma tábua de valores já estabelecidos. É uma ética dos propósitos, da razão, dos resultados previsíveis, das análises das circunstâncias. É uma ética dos deveres, das obrigações de consciência, das certezas, dos imperativos categóricos, das ordenações incondicionais. FONTE: O autor Veremos alguns exemplos práticos da aplicação dessas duas teorias éticas: Exemplo 1: uma mocinha de 15 anos procura o pai e pede-lhe ajuda para poder abortar. Exige, no entanto, que a mãe não saiba. Abalado, o pai quer saber 25 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 quem a engravidou. Num rasgo de maturidade, a mocinha lhe mostra que o menino tem 16 anos e, portanto, é tão criança quanto ela. Vamos consultar a mãe, sugere o pai. “Para quê”, pergunta a garota, “se já sabemos a resposta?” Segundo a mãe, uma católica praticante, o aborto constitui um atentado contra a vida e ponto fi nal. Como o pai deve agir? Ao analisar as consequências de uma gravidez indesejada, fruto da imaturidade de adolescentes, ele deve apoiar o aborto ou seguir os princípios religiosos que o proíbem? A primeira opção segue as orientações da ética teleológica (responsabilidade), ou seja, leva em consideração as consequências da ação. A segunda opção segue a ética deontológica (convicção), levando em consideração princípios já estabelecidos (a vida é sagrada). Exemplo 2: um médico de pronto-socorro recebe para atendimento de uma só vez cinco pessoas gravemente feridas. Se ele atender todos de uma vez, poderá não dar conta de salvá-los. Ou ele pode verifi car quais os que têm mais chance de sobreviver e dar prioridade a estes em detrimento dos outros. O que fazer? Procurar salvar todos ao mesmo tempo, ou dar prioridade aos que têm mais chance? Seguir o princípio de salvar toda vida humana (ética deontológica) ou analisar racionalmente quais as melhores condições de salvação da maioria dos envolvidos (ética teleológica)? Você pode perceber as difi culdades para a tomada de decisões nos exemplos anteriores. Não há uma única resposta correta. Há uma série de considerações que dependerá das pessoas envolvidas na ação moral. Em nosso dia a dia agimos segundo nossa educação familiar, religiosa e social. Não fi camos a todo momento calculando as consequências e resultados de nossas ações. Dessa forma, usamos mais a ética da convicção (deontológica). Nos casos mais críticos, fazemos uma análise das consequências e dos nossos interesses e, assim, usamos a ética da responsabilidade (teleológica). Concluímos que, somos usuários das duas teorias éticas. Temos normas e deveres dados pelos costumes, educação e tradições e, também, verifi camos as consequências e os interesses de nossos atos. Verifi caremos que um dos grandes problemas da sociedade contemporânea é a perda de valores e princípios norteadores em um modelo social notadamente individualista e competitivo, frente aos novos desafi os tecnológicos atrelados a um sistema econômico que mantém e aprofunda um nível de desigualdades sociais e exploração humana. São estes problemas que discutiremos a seguir. 26 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Filme: A Escolha de Sofi a FIGURA 9 – A ESCOLHA DE SOFIA FONTE: <https://cutt.ly/tvUN1ix>. Acesso em: 15 jan. 2021. Em 1947, Stingo (Peter MacNicol), um jovem aspirante a escritor vindo do Sul, vai morar no Brooklyn na casa de Yetta Zimmerman (Rita Karin), que alugava quartos. Lá conhece Sofi a Zawistowska (Meryl Streep), sua vizinha do andar de cima, que é polonesa e fora prisioneira em um campo de concentração, e Nathan Landau (Kevin Kline), seu namorado, um carismático judeu dono de um temperamento totalmente instável. Em pouco tempo tornam-se amigos, sendo que Stingo não tem a menor ideia dos segredos que Sofi a esconde nem da insanidade de Nathan. Meryl Streep rodou sua cena fi nal (a cena em que acontece a tal escolha) apenas uma vez. A atriz se recusou a fazer de novo, alegando que, como mãe, era muito doloroso e emocionalmente desgastante interpretar aquilo. Anos depois, Streep foi entrevistada no programa de Oprah Winfrey, onde a cena da escolha foi mostrada. A atriz fi cou visivelmente incomodada e afi rmou que nunca tinha visto a tal cena até aquele momento. 27 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 1 Você estudou, nessa seção, as principais teorias normativas da ética com seus princípios mais importantes. Relacione as colunas a seguir, indicando as teorias normativas da ética com sua respectiva defi nição: (1) Ética Teleológica ( ) Na sua principal vertente, que é o Utilitarismo, devemos agir levando em consideração as consequências da nossa ação. (2) Ética Consequencialista ( ) A ênfase incide sobre o caráter virtuoso ou bom dos seres humanos, e não primeiramente sobre os seus atos e consequências. (3) Ética das Virtudes ( ) Este princípio diz: age apenas seguindo as máximas que possas ao mesmo tempo querer como leis universais. (4) Ética Deontológica ( ) O princípio que deve nortear a ação moral é: a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas. (5) Princípio da Utilidade ( ) É uma ética dos deveres, das obrigações de consciência, das certezas, dos imperativos categóricos, das ordenações incondicionais. (6) Imperativo Categórico( ) É uma ética dos propósitos, da razão, dos resultados previsíveis, das análises das circunstâncias. 4 TEMAS DE ÉTICA APLICADA Como vimos na seção anterior, a ética aplicada diz respeito à resolução de problemas éticos cotidianos procurando resolver problemas práticos de acordo com princípios da ética normativa. As conexões entre diferentes teorias da ética normativa com questões de ética aplicada devem ser feitas a partir da aplicação de uma teoria normativa sólida sob o ponto de vista metaético (conceitual). Basicamente, questões de ética aplicada começaram a ser debatidas no âmbito da sociedade, de uma maneira geral, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a exibição das atrocidades cometidas pelos nazistas no Julgamento de Nuremberg e com o bombardeio nuclear sobre Hiroshima e Nagasaki (1945). Juntamente com estes fatos, criou-se também uma conscientização sobre as questões ambientais e os impactos das novas tecnologias (biotecnologias, Inteligência Artifi cial, eutanásia, ética animal, aborto etc.) sobre o ser humano e a sociedade. Visto que não é possível fazer uma apresentação completa de todos os problemas de ética aplicada, nos concentraremos, em especial, em algumas questões. 28 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Incialmente, trataremos da Bioética (Ética da Vida), começando com o seu próprio surgimento e desenvolvimento e suas principais questões relacionadas com o início da vida (fertilização in vitro, clonagem, aborto etc.), meio da vida (transplantes, tratamento com células-tronco etc.) até o fi nal da vida (suicídio assistido, tipos de eutanásia etc.). Na segunda parte, trataremos de questões de ética ambiental, por exemplo, sobre o valor do meio ambiente, da preservação da biodiversidade para futuras gerações etc. Depois, discutiremos questões de ética animal, tais como a experimentação científi ca envolvendo animais não humanos, vegetarianismo etc. (DENK NETO, 2014). 4.1 BIOÉTICA A Bioética apresenta-se hoje como uma importante área a ser estudada no campo da Ética Aplicada. Cada vez mais os avanços da ciência, especialmente na área médica, têm afetado de forma intensa a vida dos seres humanos. Temas, como aborto, eutanásia, clonagem e a discussão sobre o direito à integridade do código genético, por exemplo, constituem-se no centro das discussões dessa parte aplicada da ética que estuda a vida, tanto na sua origem como no seu desenvolvimento e no seu fi m. A Bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia, fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando essa é colocada em risco pela medicina ou pelas ciências. A palavra Bioética é uma junção dos radicais “bio”, que advém do grego bios e signifi ca vida no sentido animal e fi siológico do termo (ou seja, bio é a vida pulsante dos animais, aquela que nos mantém vivos enquanto corpos), e ethos, que diz respeito à conduta moral. Trata-se de um ramo de estudo interdisciplinar que utiliza o conceito de vida da Biologia, o Direito e os campos da investigação ética para problematizar questões relacionadas à conduta dos seres humanos em relação a outros seres humanos e a outras formas de vida (DENK NETO, 2014). A Bioética nasce justamente para resolver uma demanda que surge pela desconfi ança gerada tanto pelos abusos dos médicos no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) quanto na própria sociedade norte-americana na década de 1970, motivada por escândalos envolvendo pesquisas com seres humanos. Os exemplos que motivaram o desenvolvimento desse relatório envolviam pesquisas em seres humanos sem o seu consentimento (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Vejamos alguns exemplos: • 1º. Em 1932, no estado americano do Alabama, 400 negros com sífi lis foram recrutados a participar de uma pesquisa que verifi caria a ‘história natural’ da doença, e assim foram deixados sem tratamento para 29 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 observar como a doença progredia naturalmente durante 40 anos. Esse episódio fi cou conhecido como ‘o caso Tuskegee’. A pesquisa somente foi interrompida em 1972, após denúncia do jornalista Jean Heller no jornal The New York Times. • 2º. Entre as décadas de 1950 e 1970, ou seja, por 20 anos, no Hospital Estadual de Willowbrook, na cidade de Nova York, inoculou-se o vírus da hepatite em crianças com defi ciência mental para verifi car os efeitos da doença. • 3º. Por fi m, em 1963, no Hospital Israelita de Doenças Crônicas, em Nova York, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes. Numa reação institucional a esses escândalos causados pelos fatos anteriormente descritos, o Governo e o Congresso norte-americano constituíram, em 1974, a National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research (Comissão Nacional para a Proteção de Seres Humanos de Pesquisa Biomédica e Comportamental). Neste projeto, foi estabelecido como um dos objetivos principais buscar identifi car os princípios éticos “básicos” ou “fundamentais” que deveriam conduzir e regular a experimentação com seres humanos. Esta comissão fi cou conhecida a partir de então como Belmont Report ou Relatório Belmont. Mais especifi camente em 12 de julho de 1974 é formada uma comissão para discutir, avaliar e ao fi m desenvolver um conjunto de normas que pudessem ser seguidas em pesquisas envolvendo seres humanos, formando, desta maneira, uma teoria que forneceria os Ethical Principles and Guidelines for the Protection of Human Subjects of Research (Princípios Éticos e Diretrizes para a Proteção de Sujeitos Humanos de Pesquisa). Esse evento foi organizado no estado de Maryland, EUA, na House Belmont, um centro de conferências do Smithsonian Institution at Elkridge, por isso o nome de Belmont Report. Essa comissão eclética montada pelo Congresso Americano era composta por sete especialistas das mais variadas áreas, desde a medicina, fi losofi a até a teologia e direito. Esses especialistas procuraram encontrar um acordo mínimo de quais seriam esses princípios básicos e assim tentaram chegar a um acordo de quais deles poderiam ser elencados para compor uma lista mínima. Tais princípios, segundo a comissão, passariam daí em diante a regular a conduta das pesquisas envolvendo seres humanos (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Assim, esse comitê produziu uma lista fi nal que elencou três princípios básicos, que são: I. O princípio do respeito pelas pessoas. II. O princípio da benefi cência. III. O princípio da justiça. 30 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Entre aqueles que são geralmente aceitos em nossa tradição cultural, que são particularmente relevantes para a ética na pesquisa envolvendo sujeitos humanos, estes três princípios básicos – o princípio do respeito pelas pessoas, da benefi cência e da justiça –, foram defi nidos. A aplicação desses princípios gerais leva a três exigências: a de consentimento informado, a avaliação de risco/ benefício e a seleção justa de sujeitos de pesquisa (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Posteriormente, o fi lósofo Tom L. Beauchamp, que participou da equipe que formulou o Relatório Belmont, com o fi lósofo e teólogo James F. Childress, criou a teoria ética denominada de Principialismo, descrita no livro Principles of Biomedical Ethics. Na primeira edição da obra, em 1979, o Princípio da Benefi cência se desdobrou e deu origem ao Princípio da Não Malefi cência, ou seja, o Relatório Belmont (1978) propunha três princípios, que nesta obra se transformaram em quatro, descritos a seguir. A tradução portuguesa da quarta edição dessa obra foi lançada no Brasil em 2002. FIGURA 10 – PRINCÍPIOS DE ÉTICA BIOMÉDICA, DE 2002 FONTE: < https://cutt.ly/1vUMH9z>. Acesso em: 15 jan. 2021. A concepção defendida por Beauchamp e Childress (2002) baseia-se em quatro princípios, Respeito à Autonomia, Beneficência, Não Malefi cência e Justiça, como fundamentos do agir moral na ética biomédica. Uma das principais características dessa concepção refere-se ao fato de que seus princípios estão fundamentados em teorias éticas normativas distintas, que estudamos na seção anterior (teleológica e deontológica). 31 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 Os princípios constituem-se em guias gerais de ação a fi m de resolver dilemas morais e permitem a formulação de regras específi cas de conduta. Estas são generalizações normativas com conteúdo e alcance mais restrito que os princípios, funcionando como normas precisas de ação que estabelecem o que deve ser feito em determinadas circunstâncias. O principialismo, portanto, procura fundamentar a bioética a partir de princípios, sendo, dessa forma, uma teoria pluralista ao adotar as quatro formulações. Beauchamp e Childress (2002) defendem a validade prima facie dos princípios. Desse modo, não há entre os princípios qualquer hierarquia, dado que num primeiro momento todos têm valor e devem ser respeitados, mas na medida em que outras razões sufi cientemente fortes exigem a adoção de um ou outro princípio, a “infração” pode ser justifi cada. O primeiro princípio a ser tratado é o Respeito à Autonomia. A sua fundamentação está baseada na teoria de John Stuart Mill, da qual o princípio empresta a noção de respeito às pessoas enquanto indivíduos que buscam a realização de seus objetivos, desde que estes não interfi ram na vida de outras pessoas, e na ideia kantiana de que se deve respeitar o ser humano como fi m em si mesmo. O Princípio do Respeito à Autonomia, na formulação negativa, exige que as ações autônomas não devam ser controladas nem limitadas. Na formulação positiva, exige que a autonomia das pessoas seja respeitada. O consentimento informado, regra fundamental nas relações entre pacientes e profi ssionais da saúde, é derivado do Princípio do Respeito à Autonomia. Para que ele seja válido, são defi nidas algumas condições que devem ser atendidas, como a competência da pessoa e a compreensão sobre os procedimentos a serem realizados (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). O segundo princípio, o Princípio da Não Malefi cência, é possuidor de uma longa tradição na área médica, pois tem suas origens no Juramento Hipocrático, seguido por todos os médicos. Dessa forma, apresenta-se como um princípio de relevância na prática moral, já que serve como orientação efetiva aos profi ssionais da saúde. Esse princípio exige que não se cause dano ou mal às pessoas. ‘Dano’ é entendido como dano físico, como a dor, morte ou incapacidade, porém, não nega a importância de outros danos possíveis, como os mentais e aqueles que impedem a realização dos interesses dos pacientes. Desse princípio, pode-se inferir regras, como ‘não matar’, ‘não causar dor’, ‘não ofender’, que, assim como os princípios, possuem validade prima facie. Os autores discutem, a partir da formulação do Princípio da Não Malefi cência, critérios para a justifi cação do suicídio assistido, que se forem atendidos, podem tornar essa prática moralmente aceita (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 32 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL O terceiro princípio, o Princípio da Benefi cência, é decomposto em outros dois: o da benefi cência, que determina ações orientadas para a promoção do bem, e o da utilidade, que requer um equilíbrio entre os benefícios e possíveis prejuízos de uma determinada ação. As regras derivadas são formuladas positivamente, de modo que a elas não cabem sanções quando não cumpridas. O mesmo não acontece com as regras de não malefi cência, que têm caráter proibitivo e possibilitam sanções legais (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). O quarto princípio, o Princípio da Justiça, possui implicações, por exemplo, na distribuição de recursos da saúde e da justifi cação dessa distribuição segundo algumas regras. O conceito de ‘justiça’ é entendido como justiça distributiva, a qual se relaciona a uma distribuição igual, equitativa e apropriada na sociedade. O Princípio da Justiça é especifi cado em duas outras elaborações: um princípio formal e outro material. O primeiro baseia-se no princípio aristotélico de que os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais devem ser tratados desigualmente. O princípio da justiça material, por sua vez, justifi ca a distribuição igual entre as pessoas mediante a satisfação de alguns critérios. Estes, como mostram os autores, podem se dar sob diferentes aspectos, como a cada pessoa uma parte igual, a cada pessoa segundo a necessidade, segundo o mérito, segundo o esforço ou segundo as trocas de mercado (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). É preciso lembrar que o principialismo surgiu como uma teoria da bioética voltada, especialmente, para a ética biomédica, mas o alcance dos princípios fez do principialismo uma tentativa, de certa forma, bem-sucedida. Ao estendê-la a outras áreas da bioética, contudo, deve-se ter atenção quanto às possibilidades de aplicação dos princípios, que como já foi dito, talvez necessitassem ser complementados. Ainda assim, parece que não há outra teoria capaz de formular guias de ação claros e sufi cientes para as práticas médicas e para se pensar dilemas morais da bioética como o é o principialismo, e esse é o maior mérito que deve ser reconhecido. Para saber mais, acesse: Iniciação à Bioética, disponível em: https://cutt.ly/7vU1rMw. Publicação do Conselho Federal de Medicina, disponível em: http:// www.cfm.org.br. Bioética – Goldim, disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/. 33 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 Sugestão de fi lme: Uma Prova de Amor. Sara (Cameron Diaz) e Brian Fitzgerald (Jason Patric) são informados que Kate (Sofi a Vassilieva), sua fi lha, tem leucemia e possui poucos anos de vida. O médico sugere aos pais que tentem um procedimento médico ortodoxo, gerando um fi lho de proveta que seja um doador compatível com Kate. Dispostos a tudo para salvar a fi lha, eles aceitam a proposta. Assim nasce Anna (Abigail Breslin), que logo ao nascer doa sangue de seu cordão umbilical para a irmã. Anos depois, os médicos decidem fazer um transplante de medula de Anna para Kate. Ao atingir 11 anos, Anna precisa doar um rim para a irmã. Cansada dos procedimentos médicos aos quais é submetida, ela decide enfrentar os pais e lutar na justiça por emancipação médica, de forma a que tenha direito a decidir o que fazer com o seu corpo. Para defendê-la, ela contrata Campbell Alexander (Alec Baldwin), um advogado que cuidará de seus interesses. FIGURA 11 – UMA PROVA DE AMOR FONTE: <https://cutt.ly/2vU1v9R>. Acesso em: 15 jan. 2021. 34 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL 4.2 ÉTICA AMBIENTAL OU ECOÉTICA A Ética Ambiental surgiu como resposta à representação da natureza enquanto reservatório inesgotável de recursos com um ilimitado poder gerador e regenerativo, perspectiva que, a partir de meados do século XX, foi maioritariamente identifi cada como a responsável pela crise ambiental contemporânea. Já as questões ecológicas se intensifi caram principalmente depois dos grandes desastres ecológicos, tais como a poluição de cidades e a contaminação por vazamentos radioativos e nucleares (CARVALHO, 2015). A partir destes fatos, Richard Routley certifi cava, em 1973, a abertura de uma nova era na ética fi losófi ca. O autor defendia que a necessidade de uma ética aplicada ao ambiente exigia um quadro conceptual distinto dos princípios fundamentais sobre os quais haviam se apoiado as éticas clássicas ocidentais, em que o ser humano era entendido como o objeto central com valor intrínseco – antropocentrismo (SCHERER, 1982). Tradicionalmente, o raciocínio ético aplicava-se apenas à esfera dos comportamentos humanos, uma vez que apenas os seres humanos se encontravam em condições que fazem parte da comunidade moral (pela posse da racionalidade), isto é, do conjunto de seres em benefício dos quaispesam restrições normativas na conduta dos agentes morais. Tratava-se de um modelo intersubjetivo do raciocínio ético que não permitia que se conferisse estatuto moral a seres não humanos (animais, plantas, espécies, ecossistemas). Como não eram entendidos enquanto fi ns em si mesmos, considerava-se que esta lacuna deixava qualquer organismo não humano vulnerável face ao imenso poder com que a ação humana se revestia. O artigo de Routley (1973) marcou um momento fundamental no conceito de antropocentrismo, que haveria de dominar até hoje, enquanto visão em que a natureza não humana é considerada de acordo com a satisfação das necessidades humanas e/ou contribui para a promoção de valores e interesses exclusivamente humanos. Plantas, animais, comunidades bióticas e ecossistemas teriam aí um valor meramente instrumental. Contrapondo-se a esta visão instrumental da natureza, diversos eventos mundiais vão propor uma mudança de mentalidade, trazendo a ideia do que começou a denominar-se de ‘desenvolvimento sustentável’ para a economia e a sociedade. Na Conferência de Estocolmo, de 1972, as atenções para a proteção da qualidade ambiental e a responsabilidade com relação às futuras gerações passam a ser acompanhadas pelas demandas sociais que, em conjunto, impõem um esforço para um projeto que mira ao futuro, assegurando a continuidade do 35 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 crescimento econômico, a proteção ambiental e uma melhor distribuição dos benefícios nos países em via de desenvolvimento. Esse projeto, que atribui igual importância às dimensões econômica, social e ambiental, ganha forma no conceito de ‘sustentabilidade’ ou de ‘desenvolvimento sustentável’ (CARVALHO, 2015). Por sua vez, em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, procura-se garantir o direito a viver em harmonia com a natureza, pois os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza. Também se expressa a necessidade de garantir o direito a um meio ambiente preservado – para gerações presentes e futuras –, pois o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras (CARVALHO, 2015). Já na Declaração de Johannesburg, de 2002, defi ne-se que sustentável é o modelo de desenvolvimento que mira à eliminação da pobreza, à melhoria dos padrões nutricionais, da saúde e da educação, garantindo um adequado acesso aos serviços e aos recursos (energia, água etc.), eliminando progressivamente as disparidades globais e as desigualdades na distribuição de renda; assegurando iguais oportunidades entre os sexos e aos jovens, promovendo modelos de produção e de consumo que respeitem as exigências de proteção e gestão dos recursos naturais; que garanta a paz, a segurança, a estabilidade e o respeito dos direitos humanos, em todos os níveis, e promova a ajuda ao desenvolvimento, em quantidade e qualidade, por parte dos países mais desenvolvidos e através da cooperação internacional. Uma normatização das últimas décadas é o chamado Protocolo de Kyoto, ratifi cado por vários países visando principalmente a diminuição da poluição da atmosfera terrestre (CARVALHO, 2015). Hoje portanto, não é mais possível pensar a sociedade e as políticas públicas sem levar em consideração a complexidade da temática do desenvolvimento sustentável nas suas multifacetadas dimensões – ecológica, econômica, social, cultural – e nas suas repercussões nos diversos níveis: global, nacional, regional e local. Posto que a semântica do “desenvolvimento” permanece ligada ao crescimento econômico, alguns autores e movimentos sociais preferem usar a terminologia ‘sustentabilidade socioambiental’ (CARVALHO, 2015). Aqui, apresentam-se os desafi os da sociedade contemporânea: como compatibilizar gerações de direitos difusos e coletivos relativos à proteção e a um meio ambiente saudável com a visão antropocêntrica de uma sociedade 36 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL consumista e dominada pelo poder da técnica? É o que estudaremos nos próximos capítulos. CARVALHO, I. C. M. de; TRAJBER, M. G. e R. Pensar o Ambiente: bases fi losófi cas para a educação ambiental. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; UNESCO, 2006. GONÇALVES, M. Filosofi a da Natureza. (Coleção Passo a Passo n. 67). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. Sugestões de fi lmes e documentários sobre questões ambientais: Amazônia Eterna, disponível em: https://cutt.ly/evU0arU. O documentário apresenta projetos com propostas bem-sucedidas no uso da fl oresta de maneira sustentável, benefi ciando diretamente a população local e promovendo boas parcerias econômicas. Sabor do desperdício, disponível em: https://cutt.ly/VvU0d2y. O intenso desperdício de alimentos no mundo é retratado no documentário. De acordo com o fi lme, cerca da metade de todos os gêneros alimentícios acabam no lixo, muitas vezes antes mesmo de chegar ao consumidor. Sabor do desperdício analisa as consequências para a alimentação da população mundial e seus efeitos sobre as mudanças climáticas. Saneamento Básico, disponível em: https://cutt.ly/CvU0hVp. O fi lme brasileiro conta a história de moradores que querem tratamento de esgoto na vila em que vivem e descobrem que não há verbas para solucionar o problema, mas existe uma maneira de conseguir. 37 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 4.3 ÉTICA ANIMAL OU ZOOÉTICA O movimento animalista é recente e foi fortemente impulsionado com a publicação do livro Animal Liberation (1975) do fi lósofo australiano Peter Singer. Desde o início do movimento de libertação dos animais na década de 1970, muitos pensadores questionam se criar animais para alimentação em grandes fazendas, em condições de opressão (trancafi ados em pequenos espaços, sem as condições naturais de luz solar, ar limpo etc.), é moralmente correto. FIGURA 12 – CAPA DO LIVRO LIBERTAÇÃO ANIMAL, DE PETER SINGER FONTE: <https://cutt.ly/gvU0Why>. Acesso em: 15 jan. 2021. Singer (2010) defendeu a libertação animal e a consideração de que os animais não humanos, especialmente os sencientes, ou seja, capazes de sentir dor e sofrer, não deveriam ser usados nem para experimentação científi ca e nem para alimentação, exceto em condições muito especiais. Ou, para ser mais preciso, se eles forem utilizados, então também seres humanos em igualdade de condições, com o mesmo nível de desenvolvimento mental (por exemplo, bebês ou defi cientes físicos ou psíquicos) também poderiam ser, pois a Ética é, para o fi lósofo australiano, universal e guia-se pelo Princípio da Igual Consideração de Interesses (PICI), estabelecendo que todos os seres sencientes, sejam humanos ou de outra espécie, são dignos de consideração moral. Em outros termos, Singer (2010) vale-se, como já vimos, de um referencial ético utilitarista, procurando maximizar o bem-estar de todos os seres sencientes 38 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL e minimizando a dor e o sofrimento. Assim, pelo critério da senciência, certos animais não poderiam ser consumidos como alimentos ou usados em experimentos científi cos; outros, todavia, os não sencientes, poderiam. Por outro lado, o vegetarianismo (comem vegetais) ou veganismo (não comem nenhum produto derivado de animais) e o abolicionismo científi co (não permitem experimentos científi cos usando animais) podem ser defendidos também mantendo que todos os animais possuem direitos, principalmente, o direito à vida, e assim não poderíamos usá-los para alimentação ou pesquisa (SINGER, 2010). Aqueles que defendem que os animais podem ser usados para alimentação sustentam que os animais não humanos não são racionais ou não possuem linguagem ou não produzemciência, arte, fi losofi a etc. Por isso, eles não possuiriam valor intrínseco e, por conseguinte, não teríamos obrigações morais com relação a eles. Sustentam, também, que o sofrimento dos animais não possui signifi cado maior, pois eles não são pessoas ou humanos. É dito, enfi m, utilizando-se um referencial bíblico, que os animais não humanos foram feitos para o nosso uso. Tal posição muitas vezes é acusada de especismo e pressuporia algum tipo de antropocentrismo, ou seja, o preconceito de superioridade dos humanos sobre os outros animais, assim como o racismo é um preconceito de uma “raça” em relação à outra. Por isso, deveríamos abolir todas as formas de uso dos animais não humanos (SINGER, 2010). FIGURA 13 – NÃO PISE NAS FORMIGAS – TEMPLO BUDISTA DE GRAMADO/RS FONTE: O autor Todas essas discussões sobre o direito dos animais deram origem à Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 1978, que em seus artigos prescreve, principalmente, que: 39 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 1. Todos os animais são sujeitos de direitos e estes devem ser preservados. 2. O conhecimento e ações do homem devem estar a serviço dos direitos dos animais. 3. Os animais não podem sofrer maus-tratos. 4. Animais destinados ao convívio e serviço do homem devem receber tratamentos dignos. 5. Experimentações científi cas em animais devem ser coibidas e substituídas. 6. A morte de um animal sem necessidade é biocídio; de vários de uma mesma espécie, genocídio. 7. Animais destinados ao abate devem sê-lo sem sofrer ansiedade e nem dor (ONU, 1978). Desta forma, o uso de animais em laboratórios para fi ns de pesquisa científi ca (que efetivamente produza conhecimento novo ou que sistematize o existente de maneira mais efi ciente etc.) também coloca sérias questões morais, por exemplo, podemos usá-los para testar novos medicamentos se eles próprios não são os benefi ciários? Os defensores dos direitos dos animais geralmente respondem de forma negativa, mas muitos progressos científi cos (por exemplo, a cura do diabetes) foram de fato possíveis a partir de experimentos em animais. Aqui também não temos consenso e talvez precisamos aprofundar a discussão sobre as teorias normativas e seus pressupostos metaéticos para ver mais claramente a questão. FELIPE, S. Ética e experimentação animal: fundamentos absolucionistas. Florianópolis: Edufsc, 2007. VERNAL, J.; ALBUQUERQUE, L.; MEDEIROS, F. Dossiê: animais não humanos: um olhar contemporâneo. 2015. Disponível em: https:// periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/issue/view/2286. Acesso em: 21 mar. 2021. 40 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL Sugestões de fi lmes e documentários: Earthlings (Terráqueos): Lançado em 2005, Terráqueos – Faça a Conexão, é um documentário escrito, dirigido e produzido pelo ambientalista estadunidense Shaun Monson, que mostra até que ponto a humanidade chegou com relação à exploração animal. Pesado e chocante, o fi lme apresenta a realidade nua e crua por trás da produção de carnes, laticínios, roupas e calçados. Também traz informações e imagens impactantes sobre espécies usadas como entretenimento e cobaias em laboratórios farmacêuticos e da indústria da beleza. Cowspiracy – O Segredo da Sustentabilidade: Lançado em 2014, Cowspiracy – O Segredo da Sustentabilidade é um documentário de Kip Andersen e Keegan Kuhn que mostra de que forma a pecuária tem contribuído com o aquecimento global, inclusive sendo apontada como a principal responsável pela destruição da Amazônia. 1 A ética aplicada diz respeito à resolução de problemas éticos cotidianos procurando resolver problemas práticos de acordo com os princípios da ética normativa. As conexões entre diferentes teorias da ética normativa com questões de ética aplicada devem ser feitas a partir da aplicação de uma teoria normativa sólida sob o ponto de vista metaético (conceitual). Basicamente, questões de ética aplicada começaram a ser debatidas no âmbito da sociedade, de uma maneira geral, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com a exibição das atrocidades cometidas pelos nazistas no Julgamento de Nuremberg e com o bombardeio nuclear sobre Hiroshima e Nagasaki (1945). Juntamente com estes fatos, criou- se também uma conscientização sobre as questões ambientais e os impactos das novas tecnologias (biotecnologias, Inteligência Artifi cial, eutanásia, ética animal, aborto etc.) sobre o ser humano e a sociedade. Sobre o que foi estudado, a seguir, assinale (F) para as sentenças falsas e (V) para as verdadeiras: 41 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 ( ) Pessoas que são vegetarianas consomem apenas vegetais e nenhum tipo de peixe, ovos ou produtos derivados de animais. ( ) Bioética (Ética da Vida) estuda as principais questões relacionadas com o início da vida (fertilização in vitro, clonagem, aborto etc.), meio da vida (transplantes, tratamento com células- tronco etc.) até o fi nal da vida (suicídio assistido, tipos de eutanásia etc.). ( ) A ética ambiental investiga o valor do meio ambiente, da preservação da biodiversidade para as futuras gerações etc. ( ) A ética animal examina a experimentação científi ca envolvendo animais não humanos, vegetarianismo, veganismo etc. ( ) Pessoas que são veganas consomem apenas vegetais, peixes e ovos. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Nesse Capítulo 1, estudamos os conceitos de ética e moral com uma abordagem histórica, compreendendo os seus principais fundamentos, suas teorias mais importantes e aplicações práticas relacionados a nossa vida diária e social. Percebemos que as considerações éticas e morais, em nossa sociedade, são importantes e, consequentemente, também o seu estudo, porque expressam e determinam padrões compartilhados de comportamento. Elas fi xam nossas obrigações frente aos outros e dão sentido às expectativas sobre o que os outros devem fazer por nós. As considerações éticas geram sentimentos de culpa, orgulho, vergonha, gratidão e delimitam os âmbitos da solidariedade, da indiferença e da reação intolerante. Elas entram na concepção que temos de nós mesmos. A busca por princípios e regras universais para orientar a conduta humana em sociedade é algo que atormenta as civilizações há séculos. Estudamos, também, que as Teorias Éticas se dividem em três campos principais de estudo: metaética, ética normativa e ética aplicada. Por sua vez, as teorias de ética normativa se distinguem em Teorias Teleológicas e Deontológicas. Por fi m, estudamos que a ética aplicada diz respeito à resolução de problemas éticos cotidianos procurando resolver problemas práticos de acordo 42 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL com os princípios da ética normativa. As conexões entre diferentes teorias da ética normativa com questões de ética aplicada devem ser feitas a partir da aplicação de uma teoria normativa sólida sob o ponto de vista metaético (conceitual). Tratamos da bioética (Ética da Vida) começando com o seu próprio surgimento e desenvolvimento, em seguida, examinamos as questões de ética ambiental e o valor do meio ambiente e da preservação da biodiversidade para as futuras gerações. Encerramos o Capítulo 1 discutindo as questões de ética animal, tais como: a experimentação científi ca envolvendo animais não humanos, o vegetarianismo etc. Percebemos que, ao longo de sua história, o ser humano tem buscado muitas respostas sobre como agir de forma adequada. Vimos as difi culdades e diferentes teorias em como saber qual é a ação certa ou errada, quais são as normas e regras sociais que devemos seguir na vida em comunidade. Essas e outras questões que dizem respeito à própria condição humana de existência individual e social, estudaremos nos capítulos seguintes desta disciplina. 43 FUNDAMENTOS DA ÉTICA Capítulo 1 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2. ed. Brasília: UNB, 1992. BEARD, S. Ética profunda: o longo caminho para distinguiro certo do errado. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-52928657. Acesso em: 15 jan. 2021. BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Princípios de Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002. BLACKBURN, S. Ética: uma brevíssima introdução. São Paulo: UNESP, 2020. BOBBIO, N. Teoria geral da política. Rio de Janeiro: Campus, 2000. BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BORGES, M. de L. et al. Ética. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. CARVALHO, M. Para a defesa de uma ética ambiental antropocentrada. Ethic@, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 147-163, jul. 2015. CHAUÍ, M. Convite à Filosofi a. São Paulo: Ática, 2005. CLOTET, J. Una introducción al tema de la ética. Psico, v. 12, n. 1, p. 84-92, 1986. DENK NETO, R. Primum Non Nocere: uma discussão sobre o princípio da não malefi cência no principialismo. Florianópolis: UFSC, 2014. FELIPE, S. T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. Florianópolis: EDUFSC, 2007. GOLDIM, J. R. Bioética: origens e complexidade. Rev. HCPA, v. 26, n. 2, p. 86- 92, 2006. KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril, 2019. MATTAR, J. Introdução à Filosofi a. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. MILL, J. S. O Utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2020. MOORE, G. E. Princípios éticos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 44 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL OLIVEIRA, M. Correntes fundamentais da Ética Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. OLIVEIRA, M. Ética e economia. São Paulo: Ática, 1995. ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Bruxelas: UNESCO, 1978. Disponível em: http://www. urca.br/ceua/arquivos/Os%20direitos%20dos%20animais%20UNESCO.pdf. Acesso em: 25 mar. 2021. PAIM, A. Tratado de Ética. Londrina: Humanidades, 2003. PETRY, F. B. Resenha - Princípios de Ética Biomédica. In: BEAUCHAMP, T. L.; CHILDRESS, J. F. Princípios de Ética Biomédica. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. ROUTLEY, R. Is there a need for a new, an Environmental Ethic? Proceedings of the XVth World Congresso f Philosophy: 17th to 22nd september. Bulgaria: Sofi a Press, 1973. p. 205-210. SANTIAGO, E. Código de Hamurabi. c2021. Disponível em: https://www. infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/. Acesso em: 15 jan. 2021. SCHERER, D. Anthropocentrism, Atomism, and Environmental Ethics. Environmental Ethics, v. 4, n. 2, p. 115-123, 1982. SINGER, P. Libertação animal. São Paulo: Martins Fontes, 2010. SROUR, R. H. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000. VALLS, Á. M. O que é Ética. São Paulo: Brasiliense, 1998. VASQUES, A. S. Ética. 20. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. VEATCH, R. M. Medical ethics. Boston: Jones & Bartlett, 2000. WEBER, M. Ciência e política. São Paulo: Cultrix, 1968. CAPÍTULO 2 PROBLEMAS DE ÉTICA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender os principais problemas éticos presentes na sociedade atual. Investigar a relação entre Ética, Estado e Sociedade. Estudar princípios éticos e problemas sociais. Analisar os desafi os éticos contemporâneos. Identifi car os principais problemas éticos atuais. Utilizar princípios éticos nas abordagens de questões econômicas e sociais. Discutir teoricamente conceitos-chave e relacionar com problemas éticos contemporâneos. 46 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL 47 PROBLEMAS DE ÉTICA Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Para entender os problemas éticos presentes em nossa sociedade atual, os quais são o objetivo deste Capítulo 2, devemos entender e resgatar as origens das formas de organização política e social ao longo da história. Da mesma forma que a Ética, a Política é uma das áreas de estudos da Filosofi a. Atribui-se aos gregos a invenção da Política e da discussão de qual é a melhor forma de governo, ou seja, qual é a melhor maneira de organizarmos nossa vida em comunidade. Enquanto que a Ética, como vimos no Capítulo 1, é uma refl exão sobre como devemos agir, por sua vez, a Política é uma refl exão fi losófi ca que nos leva a compreender e discutir sobre como podemos e devemos viver em sociedade. A palavra Política vem do grego Pólis e signifi ca “sociedade”, “cidade”, “civilização”, ou seja, o conceito de política está relacionado a nossa vida em comunidade e sociedade. Só que este conceito varia no espaço e no tempo (CHAUÍ, 2005). É o que estudaremos a seguir. 2 ÉTICA E SOCIEDADE Na Idade Antiga, como estudamos no Capítulo 1, já dizia o fi lósofo grego Aristóteles que somos ‘animais políticos’ (Zoon Politikon) e que temos uma ‘vida política’ (Biós Politikós) (ARISTÓTELES, 1992). Para os gregos, a política era exercitada na praça pública (Ágora), na qual os cidadãos resolviam os problemas da cidade (pólis). A forma de governo inventada pelos gregos, a Democracia (Demós: governo, Kratós: povo), é ainda, de certa forma, guardadas as devidas peculiaridades (por exemplo, a democracia grega era restrita e parcial, já que estavam excluídos dos direitos e deveres de cidadão os escravos, os estrangeiros, as mulheres e as crianças. Os gregos eram democratas em praça pública, porém tiranos no lar), predominante na sociedade contemporânea (CHAUÍ, 2005). Também, para os romanos, a vida em sociedade era fundamental. A palavra latina “viver” signifi ca o mesmo que ‘estar entre os homens’, e a palavra “morrer” quer dizer ‘deixar de estar entre os homens’. Assim, para gregos e romanos, a vida só possui sentido enquanto participação pública e ativa, de forma ética (virtudes), em sociedade, ou seja, tanto para os gregos quanto para os romanos há uma relação direta entre a maneira em como devemos agir (Ética) e viver em sociedade (Política) (BORGES, 2002). 48 ÉTiCA E RESPoNSABiLiDADE SoCiAL 2.1 A POLÍTICA EM PLATÃO E ARISTÓTELES Uma das primeiras obras a tratar de Política é A República, de Platão, escrita em aproximadamente 430 a.C. Nesta obra, Platão apresenta o seu conceito de justiça, a sua ideia de Estado e a proposta de reforma educativa na relação entre Ética e Política. FIGURA 1 – A REPÚBLICA, DE PLATÃO FONTE: <https://cutt.ly/nvU3e68>. Acesso em: 25 jan. 2021. Platão, com seu Método Dialético (a arte do diálogo: contradições/ oposições), se opõe contra os Sofi stas, grupo de pensadores que eram vistos como habilidosos oradores pelas pessoas, reconhecendo-se a importância das palavras e do uso da lógica. Eles podem ser considerados instrutores itinerantes contratados para ensinar retórica para fi ns políticos. Platão busca uma nova forma de sociedade, já que a sociedade grega havia condenado à morte o seu mestre Sócrates (PLATÃO, 2000). 49 PROBLEMAS DE ÉTICA Capítulo 2 FIGURA 2 – A MORTE DE SÓCRATES – QUADRO DE JACQUES-LOUIS DAVID (1787) FONTE: <https://cutt.ly/9vU3k03>. Acesso em: 25 jan. 2021. Platão está contra a Democracia da época, que possuía corrupção, número excessivo de leis e retórica vazia (Sofi stas). Platão propõe um Estado Ideal (utopia: ú + topos – lugar desconhecido). Neste Estado Ideal, em que se realiza plenamente a justiça, funda-se um programa de educação adequado, exigindo harmonia e estabilidade entre cidadãos e o governo. O governante deve ter boa formação ética e intelectual. Não basta ser militar, rico ou popular (PLATÃO, 2000). Para Platão (2000), a justiça é uma virtude (Areté). O Estado e o Homem devem ser justos (Ética e Política). A justiça no Estado é uma disposição harmoniosa e hierárquica de todas as classes e suas respectivas funções. A justiça no homem pressupõe a harmonia do conjunto de suas virtudes governadas pelo racional. A justiça não se mede apenas pela conduta, mas pela disposição interior da alma. Ser virtuoso signifi ca possuir uma mente racional e moralmente governada. Um homem justo nunca se deixa governar pelos desejos. É a razão que deve presidir as decisões do estado e os
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