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DOENÇAS DAS VIAS BILIARES INTRODUÇÃO - Anatomia: - Vesícula biliar. - Ducto cístico. - Ductos hepáticos D e E. - Ducto hepático comum. - Ducto colédoco (ducto biliar comum). - Ductos hepáticos + ducto colédoco = via biliar (extrahepática). - Via biliar + ducto cístico + vesícula biliar = árvore biliar. - Via biliar intra-hepática (canalículos e espaço porta). - O colédoco se encontra com o ducto de Wirsung (pancreático principal), formando o canal comum. - O canal comum sofre uma dilatação, chamada de ampola de Vater. Este canal é envolto por fibras musculares lisas que recebem o nome de esfíncter de Oddi. Ambos jogam o conteúdo no duodeno através da papila duodenal (papila maior). - Fisiologia da vesícula biliar: - A vesícula biliar é enchida de forma retrógrada por bile. Lembrar que a bile é formada por água, colesterol, bilirrubina, ácidos/sais biliares e fosfolipídeos. - No jejum, o esfíncter de Oddi tem tônus aumentado, portanto a bile que drena pela via biliar reflui e preenche a vesícula biliar. - Após a alimentação, a colecistenina produzida pelo delgado contrai a vesícula e relaxa o esfíncter de Oddi. - Icterícia obstrutiva: - A obstrução da via biliar causa icterícia obstrutiva. - O exemplo mais clássico é a presença de cálculo no colédoco: coledocolitíase. 90% desses cálculos vem direto da vesícula. - Obs: não ocorre por cálculo na vesícula apenas. O cálculo deve estar na via biliar. - Ocorre regurgitação da bile para o fígado e em seguida para a corrente sanguínea. Causa icterícia, prurido (sais biliares), acolia fecal (ausência de bile no duodeno), colúria (bile na urina). - Outras causas: tumores peri-ampulares (na vizinhância da ampola de Vater) – tumor de cabeça de pâncreas, de papila duodenal, colangiocarcinoma distal, colangiocarcinoma de bifurcação de via biliar (ductos hepáticos – tumor de Klatskin). - No laboratório: - Aumento da fosfatese alcalina. - Aumento da Gama-GT. - Aumento da bilirrubina direta no sangue. - Cálculos na árvore biliar: maioria são formados na vesícula. - Tipos de cálculos: - De colesterol: amarelos. Formados exclusivamente na vesícula biliar. São os mais comuns. Problemas de íleo reduzem a concentração de sais biliares na bile, o que aumenta as chances de colesterol. Outras causas são uso de fibratos, hormônios femininos, obesidade, multiparidade, DM, doença ileal, vagotomia troncular etc. - Cálculos pigmentados: - Pretos: bilirrubinato de cálcio. Formado também na vesícula, por hemólise crônica e cirrose. - Castanhos: mais comuns no Oriente, formados no colédoco (ou via biliar). Ocorre por condições de colédoco estenosado (colangite esclerosante) ou parasitas no colédoco (Ascaris lumbricoides na via biliar, raro). COLELITÍASE (COLECISTOLITÍASE) - Se refere à presença de cálculos na vesícula biliar. - Maioria dos pacientes é assintomática. - A colelitíase sintomática ocorre quando o cálculo migra e impacta de forma transitória a via biliar. O quadro clínico é de cólica biliar (dor em crescendo no hipocôndrio direito e epigástrio, com imigração para tórax), náuseas e vômitos intensos. - Geralmente é autolimitado, de 4-6h. - Precipitado por alimentação gordurosa. - Diagnóstico: - Padrão ouro é o USG abdominal. Os cálculos são imagens hiperecóicas com sombra acústica posterior. - Invés de cálculos pode também ser vista a lama biliar, formada por cristais de colesterol e bilirrubinato imersos em um gel glicoproteico, e também causa cólica biliar. - A lama biliar também é hiperecoica, mas não tem sombra acústica posterior. - Tratamento: - Colecistectomia laparoscópica após tratamento sintomático. - Cirurgia deve ser aberta se comorbidades graves ou gravidez. - Deve ser visualizado o triângulo de Callot, por onde passa a a. cística, que deve ser ligada. Os limites são a borda inferior do lobo direito do fígado, via biliar e ducto cístico. - Se o paciente tem risco cirúrgico iminente ou se recusa e não puder fazer a colecistectomia, o tratamento deve ser mudado: - Fazer dissolução farmacológica do cálculo de forma clínica, com o ácido URSO. - Critérios: - Cálculos < 10mm. - Cálculos de colesterol. - Cálculos que “flutuam” no colecistograma. - Dose de 8-10mg/kg/dia dissolvidas em 6 meses – 2 anos de tratamento. - 30-50% dos pacientes recidivam da dissolução farmacológica. - Colecistectomia em pacientes assintomáticos: - Não se faz! A história natural dos assintomáticos é que, mesmo com cálculos, permanecerem assintomáticos. - Exceções (devem fazer colecistectomia): - Cálculos > 2,5-3cm (maior risco de adenocarcinoma de via biliar). - Vesícula em porcelana na radiografia, por depósitos de sais de cálcio. - Anemia falciforme, por dificuldade de diferenciar a crise falcêmica da cólica biliar, e a colecistite aguda é mais grave nesses pcts. - Pcts que serão submetidos a cirurgia para obesidade. A alteração anatômica dificulta o acesso da vesícula em uma cirurgia futura. - Pacientes transplantados (órgãos sólidos). A imunodepressão favorece a complicação da colelitíase futura, que pode ser mascarada com poucos sintomas. COLECISTITE AGUDA - Inflamação da vesícula biliar, na maioria das vezes causada por cálculo proveniente da própria vesícula que impacta o infundíbulo da vesícula ou o início do d. cístico. - A impactação do cálculo é definitiva, ao contrário da colelítiase. - Ocorre na bile em estase a inflamação química por lecitina que agride a parede da vesícula. - Em metade dos casos ocorre infecção por Gram (-) e anaeróbios da bile em estase. E. coli, Klebsiella, Proteus, etc. - A obstrução mantida aumenta a tensão da vesícula, podendo causar isquemia da região. A isquemia permite que os microrganismos ganhem a parede da vesícula e também aumenta o risco de perfuração. QUADRO CLÍNICO - 1/3 dos pacientes já possuíram algum quadro de cólica biliar. - Quadro de cólica biliar > 6h, geralmente mais intensa. - Ocorre febre (até 38,7ºC) que nunca ocorreu antes e leucocitose (12-15.000/mm³). - Valores maiores que esse sugerem outras alterações graves, como perfuração. - Sinal de Murphy semiológico. Pressão contínua no hipocôndrio direito causa interrupção da inspiração profunda. - Significa irritação do peritônio parietal. - Massa palpável (vesícula + omento) em ~25%. - Icterícia (< 50% dos casos). Ocorre pelo aumento dos linfonodos que drenam o processo inflamatório e comprimem o colédoco. - Se a icterícia for mais grave, suspeitar de colecistite aguda + colelítase ou de síndrome de Mirizzi, onde o ducto cístico é muito paralelo à via biliar e sua inflamação por contiguidade a obstrui (raro). DIAGNÓSTICO - Ultrassonografia é o mais fácil e prático: - Espessamento da parede (> 4mm). - Coleção pericolecística. - “Sinal de Murphy” sonográfico. - Alta sensibilidade e especificidade. - Cintigrafia biliar em casos duvidosos. - O paciente recebe um radioisótopo que é captado pelo hepatócito e excretado pela bile, tendo o mesmo trajeto (lembrar da via retrógrada). - Em caso positivo para colecistite, não é possível ver a vesícula preenchida. TRATAMENTO - Colecistectomia por videolaparoscopia é o tratamento cirúrgico padrão-ouro, em 2 a 3 dias, após o tratamento clínico descrito abaixo. Não precisa ser imediata. - Na clínica: antes da cirurgia - Hidratação e analgesia. - ATB: cobrir Gram (-) e anaeróbios. - Cefa de 3ª (Ceftriaxone) + Metronidazol. - Ampicilina-Sulbactam. SITUAÇÕES ESPECIAIS - Colecistite aguda enfisematosa: - Infecção da vesícula predominantemente por anaeróbios, como Clostridium. - A radiografia simples pode revelar um halo na parede da vesícula. - Mais comum em homens idosos e diabéticos. - É recomendada a colecistectomia imediata. - Empiema de vesícula: - Quando a colecistite aguda apresenta germes que produzem pus. - O quadro clínico lembra uma colangite bacteriana. Paciente apresenta febre importante, com leucocitose acentuada, taquipneia, taquicardia, dor abdominal intensa. - Paciente pode evoluir para sepsee choque séptico. - Devem ser coletadas hemoculturas e o paciente deve ser internado em UTI + ATB. - Deve ser feita uma colecistectomia aberta imediata. - Íleo biliar: quando uma colecistite aguda evolui com uma perfuração, causando uma fístula entre a vesícula e íleo, e os cálculos causam uma obstrução de íleo distal. - Colecistite aguda alitiásica: - Colecistite aguda sem cálculos na sua gênese. - Ocorre geralmente após terapia intensiva e períodos de pós-OP, onde há períodos de jejum prolongado. Também ocorrem em pessoas que fazem dietas de jejum. - Difícil diagnóstico, pois os pacientes geralmente estão em sedação e não apresentam sinal de Murphy ou dor localizada. - O quadro clínico geralmente ocorre com febre elevada, leucocitose, etc e onde todas as outras causas são descartadas. Deve-se então fazer o USG abdominal. - Ocorre geralmente em pcts com risco cirúrgico elevado, então o tratamento deve ser por punção da vesícula guiada por exame de imagem (colecistostomia percutânea) e fazer ATBterapia. - Após melhora, fazer colecistectomia em 3-6 meses. COLEDOCOLITÍASE - É a presença de cálculos no d. colédoco. O primeiro pensamento deve ser sempre “esse cálculo não foi formado no colédeco”, já que 90-95% das vezes o cálculo é secundário a outra região (provavelmente vesícula). - A coledocolitíase pode ser primária em casos de alterações anatômicas prévias que permitem a formação do cálculo, como uma colangite esclerosante ou infecções por parasitas como o Ascaris. Mais comum no Oriente. - Nesse caso, os cálculos são de pigmento castanho. DIAGNÓSTICO CLÍNICO - Icterícia com história de cólica biliar prévia em hipocôndrio direito. - Outro quadro possível é a icterícia na vigência de colecistite aguda. Nesse caso, a obstrução ocorre por crescimento de linfonodo que drena a colecistite e obstrui o colédoco. É um quadro mais raro, que ocorre em bilirrubinas < 4. - A icterícia é sempre flutuante, já que o colédoco é cheio de reentrâncias que permitem que o cálculo seja “escondido” em um deles e alivia a icterícia. No momento em que ele reobstrui o lúmen, a icterícia acontece novamente. - Pode causar pacientes assintomáticos no momento do atendimento. - Obs: Lei de Courvoisier – paciente com icterícia obstrutiva e vesícula palpável é portador de tumor periampular. O tumor aumenta a pressão da árvore biliar e distende a vesícula ao ponto dela ser palpável ao HD. - Na coledocolitíase, ao contrário, as paredes são mais esclerosadas e não tornam a vesícula palpável. DIAGNÓSTICO - Investigar: - Colelitíase com icterícia. - Colecistite com icterícia. - Pancreatite biliar. - Colangite. - USG para investigar: aponta para dilatações da via biliar (colédoco > 8mm) e também cálculos na vesícula que podem ser a causa da coledocolitíase. - Colangioressonância: exame “contrastado” da árvore biliar, usando diferenças de atenuação. - Alta sensibilidade e especificidade para cálculos do colédoco. TRATAMENTO - Se USG (+) para cálculos ou colangioressonância (+): - Pedir uma CPRE – Colangiopancreatografia retrógrada. Permite a instrumentação da via biliar através de endoscopia, com papilotomia endoscópica. - CPRE + Papilotomia para retirar cálculos. - Colecistectomia na mesma internação, para retirar a fonte de cálculos. - ColangioRMN transoperatória durante a colecistectomia. - (1) Confirmar retirada dos cálculos pela CPRE + papilotomia (questionável). - (2) Incapacidade de retirar cálculos pela CPRE + papilotomia, como cálculos impactados na ampola. - (3) Contra-indicação a CPRE: divertículos duodenais, cirurgias intestinais prévias, - (4) Suspeita de lesão intra-op da via biliar. - ColangioRMN trans-op (+) para cálculos: extração dos cálculos. - Extração por laparoscopia. - Exploração laparoscópica do colédoco (inserção do coledocoscopio): - Através do coledocoscopio, dá para instrumentar o colédoco e retirar os cálculos. Pode ser inserido por uma coledecotomia. - Pode ser por via transcística (através do d. cístico). - Pode ser por via coledocotomia (abertura). - Tem que deixar um Dreno de Kher, para evitar uma estenose futura. SITUAÇÕES ESPECIAIS - Situações em que é preciso fazer retirada do cálculo por cirurgia aberta (laparatomia). - (1) Cálculo impactado na ampola + Colédoco dilatado. - (2) Estenose do esfíncter de Oddi. - (3) Estenose do colédoco. - (4) Cálculos castanhos. - Fazer uma coledocoenterostomia (derivação bíliodigestiva): - Pegar o colédoco e anastomosá-lo na parede do duodeno, fazendo a bile escoar sem passar na papila. - Pode ser ligado também ao jejuno, coledocojejunostomia em Y-de-Roux. Geralmente esta é mais vantajosa. - Cálculo impactado na ampola sem dilatação do colédoco: - Cirurgia aberta com esfíncteroplastia transduodenal. COLANGITE - Fatores predisponentes: - Coledocolitíase. - Tumores da via biliar. - Instrumentação da via biliar. QUADRO CLÍNICO - Pode ser leve, moderada ou grave. Deve sempre ser tratada. - Paciente com tríade de Charcot: denota colangite aguda. - Febre com calafrios. Esse é o menos frequente. - Dor abdominal. - Icterícia. - Infecção por germes produtores de pus podem fazer o pct evoluírem para sepse. Esses são os mais comuns de terem a tríade de Charcot completa com hipotensão e confusão mental = Pentade de Reynold. - Colangite tóxica (supurativa) aguda. TRATAMENTO - Tratar a instabilidade hemodinâmica em UTI, acessar veia periférica e fazer reposição + coleta de hemoculturas antes do início do ATB. - Coleta de bile para cultura após drenagem da via biliar. - Geralmente positivam para Gram (-) (Enterococos, E. coli, Pseudomonas, Klebsiella) e anaeróbios. - ATBterapia precoce: - Esquemas combinados: - Ceftriaxone (Cefa de 3ª) + Metronidazol. - Monoterapia: - Ampicilina-Sulbactam 3g IV 6/6h. - Piperacilina-Tazobactam 4,5g IV 6/6h. - Ticarcilina + Clavulanato 3,1g IV 4/4h. - Drenagem da via biliar: - Colangite aguda: 24-48h, fazer ATB antes. - Colangite tóxica aguda (com pus): imediata. - Método para drenar via biliar: - CPRE com papilotomia endoscópica. - Colangiografia transhepática percutânea, se a obstrução da via biliar for em parte alta (ex: tumor de Klapsin). - Quando a colangite é derivada de uma possível coledocolitíase: a colescistectomia deve ser feita após melhora clínica em 10 dias.
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