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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Endocrinologia DIABETES MELLITUS Introdução: O diabetes mellitus (DM) é uma doença metabólica de múltiplas etiologias caracterizada por: - Hiperglicemia crônica. - Alterações do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas. - Defeitos na secreção e/ou na ação da insulina. - Complicações micro e macrovasculares. Classificação do diabetes mellitus: - DM Tipo 1 - DM Tipo 2 - DM Gestacional Epidemiologia: - A prevalência do DM está aumentando significativamente no mundo. O aumento da obesidade e da expectativa de vida estão altamente relacionados ao aumento da prevalência da doença. - A hiperglicemia é o 3º fator, em importância, que causa mais mortalidade prematura, superada apenas por HAS e tabagismo. - O Brasil ocupa a 4ª posição entre os países com a maior prevalência de DM no mundo, apresentando aproximadamente 12,5 milhões de pessoas afetadas pela doença. - O DM é menos prevalente em países subdesenvolvidos nos quais há desnutrição importante, como África. - O DM é responsável por 10,7% da mortalidade mundial por todas as causas. Doença cardiovascular é a principal causa de morte entre as pessoas com DM, sendo responsável por aproximadamente metade dos óbitos pela doença. - O DM está associado à redução significativa da expectativa de vida. Em média, uma pessoa de 50 anos, diabética, sem doença cardiovascular prévia morre 6 anos mais cedo que uma pessoa não diabética. - Os fatores modificáveis que aumentam o risco de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares em pacientes com DM tipo 2 são: → HAS → Dislipidemia → Obesidade abdominal → Albuminúria (nefropatia diabética/doença renal crônica) - O DM dobra o risco de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. - A hiperglicemia crônica é um fator de risco independente para desfechos cardiovasculares e cerebrovasculares. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 História: - A aspirina foi o 1º tratamento para o DM. Era necessária dose de 7g de aspirina por dia para reduzir a glicemia de forma equivalente à metformina. - A insulina foi o 1º tratamento para o DM que persiste até os dias de hoje, tendo sido descoberta em 1921. DM Tipo 1 X DM Tipo 2: DM Tipo 1: - Subtipo A: deficiência completa na secreção de insulina devido à destruição autoimune das células β pancreáticas por autoanticorpos (detectados por exames laboratoriais). - Subtipo B: deficiência completa na secreção de insulina de causa idiopática. - Diagnóstico na criança, no adolescente e/ou no adulto jovem. - História familiar rara. - Paciente com peso normal. - Emagrecimento rápido e agudo ao diagnóstico. - Iniciar insulina imediatamente devido ao risco de morte. - Paciente insulino-dependente. - Pode estar associado a outras doenças autoimunes. DM Tipo 2: - Corresponde a 90-95% de todos os casos de DM. - Etiologia complexa e multifatorial, envolvendo fatores genéticos e ambientais. - Diagnóstico na idade adulta, geralmente a partir da 4ª década de vida. Entretanto, o diagnóstico de DM tipo 2 está sendo realizado cada vez mais cedo, devido ao aumento da incidência da doença na população mais jovem. - História familiar muito comum. - Aproximadamente 80% dos pacientes apresentam sobrepeso ou obesidade. - Emagrecimento é incomum ao diagnóstico. - Assintomático ou oligossintomático. - A insulina é utilizada apenas nas fases mais avançadas da doença. - Os principais fatores de risco são história familiar da doença, avançar da idade, obesidade, sedentarismo, diagnóstico prévio de pré-diabetes ou DM gestacional e presença de componentes da síndrome metabólica, como HAS e dislipidemia. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Associado a outras doenças crônicas, como HAS, dislipidemia, etc. - Se o indivíduo apresenta sinais e sintomas de DM deve realizar exames para a confirmação diagnóstica. Se o indivíduo é assintomático, mas apresenta fatores de risco para DM tipo 2, deve realizar exames de rastreamento periodicamente para o diagnóstico precoce da doença. Em geral, os exames de rastreamento devem ser realizados a cada 3 anos para pacientes que apresentam fatores de risco para DM tipo 2, exceto em pré-diabéticos, que devem realizar os exames de rastreamento anualmente. Mecanismos fisiopatológicos que causam hiperglicemia: - Diminuição da secreção de insulina pelas células β pancreáticas. - Aumento da secreção de glucagon pelas células α pancreáticas. - Aumento da gliconeogênese hepática. - Aumento da lipólise. - Aumento da reabsorção renal de glicose. - Diminuição da captação de glicose pelos tecidos periféricos, devido à resistência à ação da insulina. - Diminuição do efeito das incretinas, secretadas por células endócrinas do trato gastrointestinal e responsáveis pela regulação dos níveis glicêmicos. - Disfunções de neurotransmissores. O paciente obeso apresenta inflamação sistêmica, caracterizada por aumento da expressão de citocinas pró-inflamatórias que, por sua vez, aumentam a resistência à insulina nos tecidos periféricos, causando hiperglicemia. O paciente portador de DM tipo 2 que não apresenta sobrepeso ou obesidade muito provavelmente tem alterações genéticas hereditárias, como alterações na expressão de receptores de glicose (GLUT) ou de insulina em células e tecidos periféricos, que resultam em hiperglicemia crônica. Quadro Clínico: O DM tipo 2 pode ser diagnosticado por meio de exames laboratoriais de rotina em pacientes assintomáticos, por meio de exames laboratoriais solicitados devido à suspeita da doença em pacientes sintomáticos ou em fases mais avançadas da doença devido ao aparecimento de suas complicações. Nos pacientes sintomáticos, os principais sinais e sintomas são: - Glicosúria. - Poliúria (a excreção de glicose na urina resulta em poliúria devido à osmolaridade aumentada da glicose, que atrai água, aumentando o volume de urina). - Polidipsia. - Polifagia. OBS.: A glicosúria, e, consequentemente, a poliúria, a polidipsia e a polifagia, manifesta- se apenas quando a glicemia atinge níveis > 180-200 mg/dL. - Astenia. - Emagrecimento. - Manifestações clínicas resultantes das complicações crônicas microvasculares e macrovasculares: → Piora da visão (retinopatia diabética). → Impotência sexual. → HAS. → Obesidade. → Cicatrização difícil e infecções de pele. Diagnóstico: Glicemia: Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL 2 vezes. OBS.: Jejum de no mínimo 8 horas! Glicemia ao acaso ≥ 200 mg/dL + sintomas clássicos (poliúria, polidipsia e polifagia). 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Teste de Tolerância Oral à Glicose (TOTG): Glicemia de jejum (8 horas) + glicemia 2 horas após dose de 75 g de glicose VO. DM: TOTG ≥ 200 mg/dL. OBS.: O paciente deve manter dieta habitual sem restrição de carboidratos no mínimo 3 dias antes da coleta, realizar jejum de 8 horas e aguardar no laboratório durante o intervalo de tempo entre as duas coletas. Hemoglobina Glicada (HbA1c): HbA1c ≥ 6,5%. OBS.: Não necessita de jejum! Avalia os níveis glicêmicos dos últimos 3 a 4 meses. Pode ser influenciada por anemias, hemoglobinopatias e uremia. Glicemia de jejum Glicemia ao acaso Normoglicemia < 100 mg/dL - Pré-Diabetes ≥ 100 mg/dL e < 126 mg/dL - Diabetes ≥ 126 mg/dL ≥ 200 mg/dL + sintomas TOTG HbA1c Normoglicemia < 140 mg/dL < 5,7% Pré-Diabetes ≥ 140 mg/dL e < 200 mg/dL ≥ 5,7% e < 6,5% Diabetes ≥ 200 mg/dL ≥ 6,5% O teste mais confiável para a confirmação diagnóstica de DM é o teste de tolerância oral à glicose (TOTG). Quando o paciente realiza glicemia de jejum e hemoglobina glicada e é classificado como pré-diabético, devemos solicitar o TOTG para confirmar ou afastar o diagnóstico de DM tipo 2. Complicações: No pré-diabetes,observa-se aumento dos níveis plasmáticos de glicose de jejum, de glicose pós-prandial e, consequentemente, de insulina, devido à resistência à ação da insulina nos tecidos periféricos. O pré- diabetes representa um estágio intermediário entre a homeostase normal da glicose e o DM estabelecido. No DM estabelecido, os níveis plasmáticos de glicose de jejum e de glicose pós-prandial tendem a aumentar ainda mais devido à resistência à ação da insulina nos tecidos periféricos. Entretanto, os níveis plasmáticos de insulina diminuem progressivamente devido à deficiência das células β pancreáticas que ocorre com a evolução da doença. As complicações macrovasculares, isto é, doença arterial coronariana, doença arterial periférica, IAM e AVC, já iniciam em pacientes pré-diabéticos. Portanto, o pré- diabetes é fator de risco independente para doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. As complicações microvasculares iniciam em pacientes que já apresentam DM estabelecido e estão diretamente relacionadas aos níveis glicêmicos e de HbA1c do paciente. Portanto, quanto maiores os níveis glicêmicos e de HbA1c do paciente, maior o risco de complicações microvasculares e macrovasculares nos pacientes diabéticos, sendo de fundamental importância o controle desses parâmetros. As principais complicações do DM são: - Retinopatia diabética: o DM representa a principal causa de cegueira. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Nefropatia diabética: o DM representa a principal causa de insuficiência renal crônica. - Doenças cardiovasculares e cerebrovasculares: o DM aumenta de 2 a 4 vezes a mortalidade por eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. - Neuropatia diabética: o DM representa a principal causa de amputação não traumática de membros inferiores. O bom controle glicêmico de pacientes diabéticos é capaz de reduzir de forma significativa os riscos de complicações a curto e a longo prazo, desde que o tratamento inicie na doença precoce! Os principais resultados de redução do risco de complicações da doença são: - Risco de evento final relacionado ao DM: 12% menor. - Risco de IAM: 16% menor. - Risco de retinopatia em 12 anos: 21% menor. - Risco de amputação de membro e de catarata: 24% menor. - Risco de evento final macrovascular: 25% menor. Metas Terapêuticas: O controle glicêmico dos pacientes diabéticos é realizado principalmente a partir da glicemia capilar diária, que permite calcular a glicemia média estimada, e a HbA1c. A HbA1c representa a melhor forma de controle glicêmico dos pacientes diabéticos. Segundo a Associação Americana de Diabetes e a Sociedade Brasileira de Diabetes, a meta de HbA1c para pacientes adultos com DM deve ser < 7%. Para pacientes idosos, portadores de hepatopatia crônica, nefropatia crônica, complicações microvasculares e macrovasculares significativas, hipoglicemia grave e baixa expectativa de vida, o controle da HbA1c pode ser menos rígido (> 7%). Recomenda-se que a dosagem da HbA1c seja realizada a cada 3-4 meses em crianças e adolescentes e a cada 6 meses em adultos. Entretanto, alguns estudos apontam que a realização dos exames em intervalos de tempo mais curtos pode reduzir o risco de complicações micro e macrovasculares em pacientes adultos. As metas e as recomendações para o manejo dos principais fatores de risco cardiovasculares em pacientes com DM tipo 2, segundo a Associação Americana de Diabetes, são: Fator de Risco Meta Terapêutica Recomendação Hiperglicemia HbA1c < 7% - HAS PA < 130/80 mmHg IECA ou BRA como 1ª escolha, associado a outros anti- hipertensivos se necessário Dislipidemia LDL < 100 mg/dL LDL < 70 mg/dL para paciente de alto risco LDL < 50 mg/dL para paciente de muito alto risco Estatinas Rastreamento: O rastreamento para DM tipo II em pacientes assintomáticos é fundamental, visto que o diagnóstico precoce e o início precoce do tratamento diminuem os riscos de desenvolvimento de complicações, principalmente microvasculares. Assim, recomenda-se o rastreamento de pacientes assintomáticos com: - Idade > 45 anos. - Fator de risco cardiovascular (sobrepeso/obesidade, HAS, história familiar de DM tipo II), independentemente da idade. Os indivíduos que apresentarem exames com resultados normais, têm indicação de realizar o rastreamento a cada 3-4 anos. Os indivíduos pré-diabéticos ou com risco aumentado para o desenvolvimento de DM 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 tipo 2 devem realizar o rastreamento anualmente. Prevenção: A prevenção do desenvolvimento de DM tipo II baseia-se na realização de exames de rastreamento, uma vez que o indivíduo com exames indicando pré-diabetes ainda pode evitar o desenvolvimento da doença. As medidas preventivas dividem-se em não farmacológicas e farmacológicas. As medidas não farmacológicas baseiam-se em mudanças de estilo de vida (dieta e prática de exercícios físicos regulares). As mudanças de estilo de vida são capazes de reduzir em 58% a incidência de DM tipo II em 3 anos ou 34% em 10 anos em pacientes pré-diabéticos. As medidas farmacológicas baseiam-se no uso principalmente de metformina para a prevenção do desenvolvimento de DM tipo II em pacientes pré-diabéticos. Os pacientes pré-diabéticos que podem ter benefícios na diminuição da incidência de DM tipo II com o uso de metformina são: - Obesos graus II ou III (IMC ≥ 35 kg/m2). - Mulheres com história de DM gestacional. - Pacientes com HbA1c > 6%. - Pacientes com aumento da HbA1c mesmo realizando mudanças de estilo de vida (dieta e exercício físico). Em mulheres com história de DM gestacional, as mudanças de estilo de vida e a metformina têm efeito equivalente na redução da incidência de DM tipo II (diminuição de 50%). Tratamento: Além das mudanças de estilo de vida, o tratamento do DM tipo II também envolve o uso de antidiabéticos orais e, em determinadas situações, de insulina injetável. A escolha do melhor tratamento deve considerar a presença ou a ausência das seguintes características: - Mecanismos de resistência à insulina. - Falência progressiva das células β pancreáticas. - Múltiplos distúrbios metabólicos (hiperglicemia, hipoglicemia, dislipidemias). - Complicações macrovasculares e microvasculares. A escolha do melhor antidiabético oral deve levar em consideração: - Estado geral e idade do paciente. - Obesidade. - Comorbidades presentes (complicações do DM ou outras), principalmente doença cardiovascular e doença renal crônica. - Valores da glicemia de jejum, glicemia pós- prandial e HbA1c. - Eficácia do medicamento. - Risco de hipoglicemia. - Possíveis interações com outros medicamentos, reações adversas e contraindicações. - Custo do medicamento. - Preferência do paciente. Antidiabéticos Orais: - Sensibilizadores da insulina: aumentam a ação periférica da insulina e, consequentemente, a utilização periférica da glicose. → Biguanidas (Metformina). → Glitazonas (Pioglitazona). - Secretagogos da insulina: aumentam a secreção de insulina pelas células β pancreáticas. → Sulfonilureias. → Glinidas. - Inibidores da α-glicosidase: reduzem a velocidade de absorção de carboidratos (glicose) no TGI. → Acarbose. - Inibidores da DPP4: inibem a enzima que degrada o GLP-1, aumentando os seus níveis no plasma sanguíneo e resultando, consequentemente, em aumento da liberação de insulina e diminuição da liberação de glucagon pós-prandiais e reduzindo a velocidade de esvaziamento gástrico. → Gliptinas. 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Inibidores do SGLT2: inibem a reabsorção renal de glicose, promovendo glicosúria. → Gliflozinas. Metformina: - Diminuição da produção hepática de glicose (inibição da glicogenólise e da gliconeogênese). - Sensibilizador à ação periférica da insulina. - Dose mínima de 1.000 mg/dia e dose máxima de 2.550 mg/dia. - NoSUS, a metformina está disponível apenas em comprimidos de 500 mg. - Representa a primeira opção de tratamento do DM tipo II quando o paciente não apresenta contraindicações. - Em média, reduz a HbA1c em 1,5 a 2%. - Contraindicações: → Acidose láctica. → Insuficiência renal grave (TFG < 30 mL/min). → Insuficiência cardíaca e insuficiência hepática. → Desidratação e infecções graves. - Na insuficiência renal moderada (TFG entre 30 e 45 mL/min), a dose de metformina deve ser reduzida à metade. - Reações Adversas: → Intolerância gastrointestinal: náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, anorexia, etc. → Acidose láctica (rara). → Eritema, prurido e urticária. → Deficiência de vitamina B12 a longo prazo: recomenda-se dosagem periódica dos níveis séricos de vitamina B12, principalmente em pacientes com anemia ou neuropatia periférica. - A apresentação de liberação prolongada (metformina XR) está associada à menor incidência de efeitos adversos gastrointestinais. Pioglitazona: - Sensibilizador à ação periférica da insulina, atuando no músculo, no adipócito e no hepatócito. - Melhora o desempenho da insulina endógena, sem necessariamente aumentar a sua secreção, apresentando potencial de preservação da célula β pancreática. - Inibição da produção hepática de glicose. - Baixo risco de hipoglicemia. - Em média, reduz a HbA1c em 1,0 a 1,4%. - Reações Adversas: → Ganho de peso. → Retenção hídrica, que pode exacerbar insuficiência cardíaca, aumentando o número de internações hospitalares. → Fraturas ósseas. - Contraindicações: → Insuficiência cardíaca classes III e IV (NYHA). → Insuficiência hepática. - A pioglitazona também apresenta ação na redução da quantidade de gordura hepática, sendo a 1ª linha de tratamento da esteato- hepatite não alcoólica (NASH). Sulfonilureias: - Representantes: clorpropamida, glibenclamida, glipizida, gliclazida e glimepirida. - Ligam-se a uma subunidade dos canais de K+ das células β pancreáticas, resultando no seu fechamento e na despolarização da membrana celular da célula β que, uma vez ativada, causa a liberação dos grânulos de insulina. - Estimulam a secreção de insulina pelas células β pancreáticas no estado pós- prandial e no estado de jejum. 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Ação mais importante na redução da glicemia de jejum do que na glicemia pós- prandial. - Ligação lenta aos canais de K+, com liberação de insulina e efeito hipoglicemiante mais prolongado durante todo o dia. - Estimulam a secreção de insulina mesmo no estado de jejum, não relacionado às refeições. - Em média, reduzem a HbA1c em 1,5 a 2%. - Maior risco de hipoglicemia. - Reações Adversas: → Hipoglicemia. → Ganho de peso (relacionado ao efeito anabólico da insulina a às medidas para a prevenção da hipoglicemia). → Influência no pré-condicionamento isquêmico (podem aumentar o tempo de recuperação após eventos isquêmicos, como IAM). - Apresentam taxa de falência secundária mais alta que outras drogas (talvez devido à disfunção progressiva das células β pancreáticas). Glinidas: - Representantes: nateglinida e repaglinida. - Ligam-se a uma subunidade dos canais de K+ das células β pancreáticas, resultando no seu fechamento e na despolarização da membrana celular da célula β que, uma vez ativada, causa a liberação dos grânulos de insulina. - Estimulam a secreção de insulina pelas células β pancreáticas principalmente no estado pós-prandial. - Ligação rápida aos canais de K+, com liberação de insulina restrita ao período pós- prandial devido ao menor tempo de ação. - Em média, reduzem a HbA1c em 1 a 1,5%. - Menor risco de hipoglicemia quando comparadas às sulfonilureias. - A principal desvantagem é a necessidade de várias tomadas ao dia, diminuindo a adesão do paciente ao tratamento. - Reações Adversas: → Hipoglicemia. → Ganho de peso. Inibidores da α-glicosidase (Acarbose): - Inibidores competitivos da enzima α- glicosidase, localizada na borda em escova dos enterócitos do duodeno e do jejuno, que quebra oligossacarídeos em monossacarídeos (glicose), promovendo sua absorção intestinal. - Diminuem a velocidade de absorção intestinal da glicose, resultando em diminuição da glicemia pós-prandial. - Atua principalmente na redução da glicemia pós-prandial. - Em média, reduzem a HbA1c em 0,5 a 1%. - Os comprimidos devem ser tomados antes de cada refeição. - Reações Adversas: → Intolerância gastrointestinal: meteorismo, flatulência e diarreia, devido à fermentação causada pela diminuição da absorção de monossacarídeos. Inibidores da DPP4: - Representantes: alogliptina, linagliptina, saxagliptina, sitagliptina e vildagliptina. - Inibição da enzima DDP4, que degrada o GLP-1, estabilizando os seus níveis no plasma sanguíneo. - Os pacientes com DM tipo II apresentam diminuição dos níveis de GLP-1 e, consequentemente, de seu efeitos de estímulo à secreção de insulina e inibição da secreção de glucagon no estado pós- prandial. A ação da enzima DPP4 diminui ainda mais os efeitos do GLP-1, visto que reduzem o seu tempo de meia-vida. - O bloqueio da DPP4 aumenta a ação incretínica. 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - O uso das gliptinas é capaz de aumentar os níveis de GLP-1 em 2 a 3 vezes. - Em média, reduzem a HbA1c em 0,6 a 0,8%. - Podem ser utilizadas em combinação com metformina, pioglitazona, sulfonilureias, inibidores do SGLT2 e insulina. - Apresentam efeito neutro no peso. - Reações Adversas: → Angioedema e urticária. → Possibilidade de pancreatite aguda. → Aumento de internações por insuficiência cardíaca (alogliptina e saxagliptina). Inibidores do SGLT2: - Representantes: canagliflozina, dapagliflozina e empagliflozina. - Os pacientes com DM tipo II apresentam aumento da expressão do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) como resposta adaptativa à hiperglicemia, limitando a excreção de glicose na urina e dificultando o controle dos níveis glicêmicos. - Inibição do SGLT2, resultando em inibição da reabsorção de glicose no túbulo contorcido proximal dos néfrons e promovendo glicosúria. - Assim, os inibidores do SGLT2 inibem a reabsorção renal de glicose independentemente dos níveis glicêmicos e da secreção e ação da insulina. - Apresentam baixo risco de hipoglicemia. - Promovem perda de peso de 2 a 3 kg. - Reduzem a PAS em 4 a 6 mmHg. - Podem ser combinados com qualquer outro antidiabético oral e com a insulina. - Apresentam ação diurética (glicosúria e natriurese), podendo resultar em depleção de volume. - Reações Adversas: → Infecção genital. → Infecção urinária. → Poliúria. → Depleção de volume, desidratação e hipotensão arterial. → Aumento do LDL-c. → Disfunção renal transitória (alteração transitória da creatinina) no início do tratamento. → Cetoacidose diabética. - Contraindicações: → Insuficiência renal moderada a grave (TFG < 45 mL/min). Tratamento de pacientes com DM tipo II e Doença Renal Crônica: - Mudanças de estilo de vida: atividades físicas, dieta e perda de peso. - 1ª linha de tratamento: metformina + inibidor do SGLT2. 10 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Outra droga se houver necessidade de maior controle da glicemia: agonista do GLP- 1, inibidor do DPP4, insulina, pioglitazona, inibidor da α-glicosidase ou sulfonilureia. - Em relação ao uso de metformina, pacientes com insuficiência renal moderada (TFG entre 30 e 45 mL/min) devem ter a dose reduzida à metade e pacientes com insuficiência renal grave (TFG < 30 mL/min) ou em diálise devem ter o tratamento suspenso. - Em relação ao uso de inibidor do SGLT2, pacientes com insuficiência renal grave (TFG < 30 mL/min) e pacientes em diálise devem suspender o uso da droga.- Os demais pacientes diabéticos com doença renal crônica podem (e devem) fazer uso de SGLT2i, visto que esta droga reduz a progressão da albuminúria e da DRC. Manejo Terapêutico: - Para pacientes com glicemia de jejum < 200 mg/dL, assintomáticos ou levemente sintomáticos (sem a presença de outras comorbidades agudas), indica-se mudanças de estilo de vida associadas ao uso de medicamentos que não promovem aumento da secreção de insulina. A 1ª escolha é a metformina, que pode ser substituída pela metformina XR no caso de efeitos adversos gastrointestinais. Persistindo o problema, outro antidiabético oral pode ser utilizado. 11 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Para pacientes com glicemia de jejum entre 200 e 300 mg/dL, sem a presença de manifestações clínicas graves, indica-se mudanças de estilo de vida associadas ao uso de metformina combinada a outro agente hipoglicemiante. A indicação da segunda droga depende do predomínio de resistência insulínica ou de diminuição da secreção de insulina devido à falência da célula β pancreática. - Para pacientes com glicemia de jejum > 300 mg/dL e manifestações clínicas graves (perda de peso, sintomas graves e cetoacidose diabética), deve-se iniciar insulina imediatamente. - Ao realizar a combinação de dois ou mais antidiabéticos orais, devemos sempre buscar pela utilização de drogas com mecanismos de ação diferentes! Insulinoterapia no DM tipo II: A frequência de uso da insulina no tratamento do DM tipo II, seja em combinação com outros hipoglicemiantes, seja isoladamente, aumenta progressivamente à medida que se prolonga o tempo de doença. Isso deve-se à fisiopatologia e à história natural da doença, caracterizada por redução progressiva da função das células β pancreáticas. Entretanto, o uso de insulina nos pacientes diabéticos é, muitas vezes, atrasado mesmo quando já existe indicação, devido à inércia terapêutica por parte dos médicos ou ao medo do ganho de peso e/ou dos riscos de hipoglicemia por parte dos pacientes. 12 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Justamente para evitar a hipoglicemia, principal efeito adverso da insulinoterapia, todos os pacientes diabéticos em uso de insulina devem realizar HGT diariamente para monitorização da terapia. O uso de insulina de forma intensiva, isto é, de 3 a 4 vezes por dia, ao invés de 1 a 2 vezes por dia, apresenta benefícios no controle da glicemia e da hemoglobina glicada dos pacientes diabéticos, com maior redução das complicações da doença (doenças cardiovasculares, retinopatia, nefropatia, neuropatia). A insulina pode ser introduzida no esquema terapêutico do DM tipo II já ao diagnóstico em pacientes com alto grau de descompensação metabólica (hiperglicemia aguda e/ou emagrecimento rápido) de forma permanente ou transitória, em situações especiais, como período perioperatório, infecções, entre outras, ou como terapia combinada a outros hipoglicemiantes em pacientes com DM tipo II após alguns anos de evolução da doença, ou isoladamente em pacientes diabéticos com falência completa das células β pancreáticas após longo tempo de doença. A indicação de insulina depende muito das condições socioeconômicas do paciente. Por exemplo, se um paciente que já faz uso de metformina e de glibenclamida (únicas drogas disponíveis no SUS) apresenta HbA1c > 8% provavelmente iniciará insulina, devido à impossibilidade socioeconômica de associar outro antidiabético que não está disponível no SUS para otimizar o controle da glicemia e da HbA1c. A insulina nunca é contraindicada, mas nem sempre é recomendada se o paciente tem condições socioeconômicas de iniciar o uso de outra droga que ainda não faz uso combinada aos sensibilizadores da insulina e aos secretagogos da insulina (análogo do GLP-1, inibidor do DPP4, inibidor do SGLT2, etc). A dose inicial de insulina varia quanto às características clínicas do paciente: - Paciente com HbA1c < 8% e sem quadro de hiperglicemia aguda: iniciar insulina na dose de 0,1-0,2 UI/kg. - Paciente com HbA1c > 8% e/ou com quadro de hiperglicemia aguda: iniciar insulina na dose de 0,2-0,3 UI/kg. O uso de insulina exógena deve buscar reproduzir da forma mais fisiológica possível o perfil normal de ação e de secreção da insulina endógena. A insulina endógena apresenta um valor basal mínimo, que se mantém constante ao longo do dia, e 3 picos de maior 13 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 concentração, que ocorrem em resposta às 3 principais refeições do dia (café da manhã, almoço e jantar). Preparações de insulina disponíveis: INSULINAS DE AÇÃO RÁPIDA Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração de Ação Humana Regular 30 min – 1 h 2-3 h 5-8 h INSULINAS DE AÇÃO ULTRARRÁPIDA Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração de Ação Lispro 5-15 min 1-2 h 3-5 h Asparte 5-15 min 1-2 h 3-5 h Glulisina 5-15 min 1-2 h 3-5 h INSULINAS DE AÇÃO INTERMEDIÁRIA Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração de Ação Humana NPH 1-2 h 5-8 h 13-18 h Detemir 1-2 h 6 h 18 h INSULINAS DE AÇÃO LONGA OU ULTRALONGA Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração de Ação Glargina U100 1-2 h 4 h 24 h Glargina U300 1-2 h Nenhum 25-26 h Degludeca 1 h Nenhum > 42 h As duas únicas preparações de insulina disponíveis no SUS são a insulina humana regular e a insulina humana NPH. As insulinas ultrarrápidas estão em processo de liberação pelo SUS para pacientes com DM tipo I. A insulina lenta e a insulina ultralenta saíram do mercado. A insulina humana regular deve ser utilizada junto às 3 principais refeições do dia (café da manhã, almoço e jantar), sendo injetada entre 30 e 45 minutos antes das refeições, visto que o início da ação ocorre entre 30 minutos e 1 hora. As insulinas ultrarrápidas também devem ser utilizadas junto às 3 principais refeições do dia (café da manhã, almoço e jantar), sendo injetadas imediatamente antes das refeições, visto que o início da ação ocorre em até 15 minutos. A insulina humana NPH deve ser utilizada no mínimo 2 vezes ao dia para manter os níveis de insulina basal próximos do normal ao longo de 24 horas, não dependendo das refeições. A insulina glargina U100, por sua vez, permite a realização de 1 única aplicação diária de insulina, possibilitando maior flexibilização de horários para o paciente, diferentemente da insulina humana NPH, que deve ser utilizada em, no mínimo, 2 aplicações diárias sempre no mesmo horário. Portanto, o desenvolvimento da insulina glargina U100 representou um importante avanço na flexibilização terapêutica do DM tipo II. Além das preparações de insulina isoladas, há também as misturas, com combinação de duas preparações diferentes. As principais misturas disponíveis são: Mistura Início de Ação Pico de Ação Duração de Ação NPH/Regular 70/30 30 min – 1 h 3-12 h 10-16 h NPL/Lispro 70/30 5-15 min 1-4 h 10-16 h NPL/Lispro 50/50 5-15 min 1-4 h 10-16 h NPA/Asparte 70/30 5-15 min 1-4 h 10-16 h 14 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A insulina não deve ser aplicada na região periumbilical, devido à baixa concentração de tecido adiposo nesta região, à maior intensidade da dor na aplicação da injeção e à maior probabilidade de sangramento como efeito adverso da punção. As insulinas de ação intermediária e de ação longa e ultralonga são denominadas insulinas basais. Em relação às insulinas basais: - A insulina humana NPH apresenta perfil de ação instável, que melhora com a realização de várias injeções diárias. Há necessidade de duas ou mais injeções diárias para cobrir as 24 horas do dia, sendoque o número ideal seria de 4 aplicações diárias de insulina de forma a manter sua concentração plasmática constante ao longo das 24 horas. - A insulina humana NPH apresenta pico de ação e alto risco de causar hipoglicemia, principalmente à noite, se não administrada no horário adequado. Entretanto, ela é a insulina basal mais utilizada, devido à sua disponibilidade no SUS. - A insulina humana NPH necessita de ressuspensão a cada aplicação e apresenta alta variação de efeitos entre os indivíduos. - A insulina detemir apresenta perfil de ação estável. Há necessidade de apenas 2 injeções diárias para cobrir as 24 horas do dia. Ela é mais estável que a insulina NPH devido à sua ação ser dose-dependente. Por isso, a insulina detemir é considerada mais segura, apresentando menor risco de causar hipoglicemia. Além disso, ela também apresenta menor associação com ganho de peso nos pacientes. - A insulina detemir não necessita de ressuspensão e apresenta baixa variação de efeitos entre os indivíduos. Entretanto, a sua titulação é complexa e necessita de maior dose quando comparada à insulina NPH e à insulina glargina. - A insulina glargina apresenta perfil de ação estável. Há necessidade de 1 única injeção diária para cobrir as 24 horas do dia. Ela não apresenta pico de ação, tem baixa variação de efeitos entre os indivíduos, é segura e não necessita ressuspensão. A farmacodinâmica é semelhante à da bomba de insulina. - A insulina glargina é muito utilizada e causa grande satisfação para os pacientes que a utilizam. - Em uma metanálise comparando pacientes em uso de insulina humana NPH com pacientes em uso de insulina glargina, o número de episódios de hipoglicemia grave foi 46% maior em pacientes em uso de insulina NPH quando comparado com pacientes em uso de insulina glargina e o número de episódios de hipoglicemia noturna grave foi 59% maior em pacientes em uso de insulina NPH quando comparado com pacientes em uso de insulina glargina, demonstrando que a insulina glargina é superior à insulina humana NPH, devido à sua maior segurança. A maioria dos pacientes diabéticos em insulinoterapia faz uso da insulina humana NPH (basal) combinada com a insulina humana regular (refeições). Assim, a insulina humana regular é aplicada aproximadamente 30 minutos antes de cada uma das 3 principais refeições do dia, ou seja, café da manhã, almoço e jantar, de forma a garantir um pico de insulina em resposta a um pico de glicemia pós-prandial. Já a insulina humana NPH normalmente é utilizada em 3 aplicações diárias, sempre nos mesmos horários, antes do café da manhã, antes do almoço e às 22 horas. A ação da insulina NPH inicia aproximadamente 2 horas após a injeção, de modo que não irá sobrepor a ação da insulina regular, que é mais rápida. Como alternativa à insulina humana NPH, há a insulina glargina, que é administrada 1 vez ao dia, normalmente antes do café da manhã, com ação estendendo-se ao longo de todo o dia. A insulina humana NPH não pode ser administrada antes do jantar. Isso se explica pelo pico de ação da insulina NPH ocorrer de 5-8 horas após sua administração. Assim, se 15 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 ela fosse administrada às 20 horas, o seu pico de ação ocorreria entre 1 e 4 horas da manhã, potencializando o risco de hipoglicemia noturna. Entretanto, quando ela é administrada às 22 horas, o seu pico de ação ocorre entre 3 e 6 horas da manhã, período em que os hormônios contrarreguladores (adrenalina, cortisol glucagon e GH) e o fígado promovem aumento da glicemia, diminuindo o risco de hipoglicemia. A hipoglicemia é definida como níveis de glicemia < 70 mg/dL. As principais manifestações clínicas da hipoglicemia são: - Sudorese; - Palidez; - Tontura; - Tremores; - Cefaleia; - Náuseas e vômitos; - Fome; - Taquicardia; - Alteração do nível de consciência; - Confusão mental; - Sonolência; - Síncope. O algoritmo de tratamento utilizando a insulina basal (insulina humana NPH, insulina detemir ou insulina glargina) baseia- se na introdução de uma dose inicial e no aumento da dose em 2 UI a cada 3 dias se o paciente não alcançar valores de glicemia de jejum < 100 mg/dL, ou seja, se a glicemia de jejum permanecer > 100 mg/dL por 3 dias consecutivos, devemos aumentar a dose da insulina em 2 UI. A avaliação da glicemia de jejum é realizada por meio da primeira medida do HGT realizada pelo paciente, ainda em jejum, no período da manhã. A medida do HGT deve ser realizada antes de cada uma das 3 principais refeições do dia (café da manhã, almoço e jantar) e 2 horas após cada uma das 3 refeições do dia. A insulina basal ideal deve apresentar as seguintes características: - Perfil de ação estável: 1 única injeção diária, cobertura de 24 horas e ausência de picos de ação (devido ao maior risco de hipoglicemia). - Efeitos reprodutíveis. - Segurança. - Farmacocinética e farmacodinâmica semelhante à da bomba de insulina. - Fácil aplicação. - Bom controle glicêmico com baixo risco de hipoglicemia. - Alta aceitação e satisfação dos pacientes. O início da insulinoterapia geralmente produz um leve aumento na secreção endógena de insulina nos pacientes com DM tipo II, possibilitando uma diminuição discreta da dose de insulina exógena administrada. Isso deve-se ao fato de que a insulina exógena, ao diminuir os níveis glicêmicos, também diminui a glicotoxicidade, aumentando a resposta das células β pancreáticas e a secreção endógena de insulina. Entretanto, esse aumento não é tão significativo a ponto de suspender o uso da insulina exógena, visto que a resposta das células β pancreáticas diminui progressivamente ao longo do tempo. O uso da insulina no DM tipo II pode ocorrer em dois momentos: - No diagnóstico: quando houver hiperglicemia aguda (glicemia de jejum > 270 mg/dL), quando houver emagrecimento ou quando houver cetoacidose diabética. - Ao longo do tratamento: quando houver falência dos antidiabéticos orais (paciente não atinge meta terapêutica mesmo em terapia otimizada com antidiabéticos orais), durante a gestação ou quando houver 16 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 intercorrências médicas (infecções, cirurgias, traumas, etc). A insulinização ao longo do tratamento representa a forma mais comum de se iniciar o uso de insulina no DM tipo II, que geralmente ocorre em associação ao uso de outros hipoglicemiantes orais. Geralmente, o paciente que inicia a insulinoterapia é aquele que já faz uso de 2, 3 ou até 4 drogas orais sem sucesso para atingir as metas de controle glicêmico. Introduz-se uma dose de insulina basal em substituição aos secretagogos de insulina presentes na prescrição, mantendo-se as demais drogas orais. A dose inicial é de 0,1-0,2 UI/kg/dia. As drogas orais cobrem as necessidades prandiais, atuando com maior eficácia à medida em que se reduz a glicotoxicidade pela introdução da insulina. Este esquema pode ser realizado com insulina humana NPH à noite, insulina detemir à noite, ou ainda glargina U100, glargina U300 ou degludeca pela manhã ou à noite. Outro esquema de tratamento possível é a introdução de uma ou de mais doses de insulina prandial ao esquema de tratamento com insulina basal. A insulina prandial introduzida pode ser a insulina humana regular (ação rápida) ou as insulinas de ação ultrarrápida, como lispro e asparte, e a refeição em que ela é administrada depende da amplitude da variação glicêmica, avaliada por meio da monitorização do HGT dos pacientes. Este esquema pode ocorrer combinado ao uso dos hipoglicemiantes orais, exceto dos secretagogos de insulina. O número de aplicações diárias da insulina prandial pode aumentar à medida em que há diminuição da função das células β pancreáticas e aumento da dificuldade de se atingirem as metas glicêmicas. Alternativamente, há a possibilidade de uso da insulina bifásica, combinaçãode insulina basal (NPH) + insulina prandial (regular). O outro esquema de tratamento disponível é o da insulinização plena, com o uso exclusivo de insulina basal e de insulina prandial na forma isolada ou na forma de misturas, sem associação de mais nenhuma droga oral devido à disfunção avançada das células β pancreáticas. Neste esquema, a dose total diária de insulina varia de 0,5 a 1,5 UI/kg, dependendo do grau de resistência insulínica. Nesta fase da doença, é fundamental individualizar o esquema terapêutico de acordo com o perfil glicêmico e a rotina do paciente. Além disso, a monitorização da glicemia deve ocorrer de forma mais intensiva neste esquema de tratamento, devido ao maior risco de hipoglicemia. A insulinoterapia precoce no DM tipo II apresenta múltiplos benefícios: - Restauração (parcial) da função da célula β pancreática, devido à diminuição da glicotoxicidade. - Controle glicêmico próximo do normal a longo prazo. - Redução de complicações microvasculares, possibilitando proteção a longo prazo dos órgãos-alvo. - Possibilidade de melhora da qualidade de vida do paciente. - Possibilidade de redução de eventos cardiovasculares. Apesar dos benefícios, há também múltiplos riscos envolvendo a insulinoterapia: - Hipoglicemia. - Ganho de peso. - Efeitos adversos da injeção. As mudanças de estilo de vida devem ser incentivadas ao longo de todo o tratamento do DM tipo II, independentemente da fase da doença, visto que a prática de exercício físico aumenta significativamente a sensibilidade 17 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 insulínica e, consequentemente, a captação periférica de glicose. A perda de peso, mesmo que pequena, também melhora a sensibilidade insulínica nos pacientes diabéticos. Em relação ao controle glicêmico dos pacientes com DM tipo II no Brasil, aproximadamente 70% dos pacientes não apresentam seus níveis glicêmicos controlados e apenas 30% dos pacientes alcançam as metas terapêuticas. As principais limitações do tratamento do DM tipo II são: - Hipoglicemia. - Diminuição da capacidade de controle glicêmico ao longo do tempo. - Esforços limitados para a otimização do tratamento e para o alcance das metas glicêmicas. - Risco aumentado de descontinuação do tratamento intensivo. - Risco aumentado de episódios de hipoglicemia. - Impactos negativos na qualidade de vida e no funcionamento físico, mental e social dos pacientes. - Menor produtividade no trabalho e nos estudos. - Aumento dos custos para o paciente, para o sistema de saúde e para a sociedade. A hipoglicemia tem impacto negativo no tratamento do paciente diabético. As principais complicações da hipoglicemia a longo prazo são: - Ganho de peso. - Aumento do risco de eventos macrovasculares e microvasculares importantes. - Desenvolvimento de disfunção cognitiva e demência. - Morte por causas cardiovasculares ou por qualquer causa. Diabetes mellitus tipo I: Doença autoimune, poligênica, caracterizada pela destruição das células β pancreáticas, causando deficiência completa da produção de insulina. Estima-se que, no Brasil, existam mais de 88 mil casos de DM tipo I e que o país ocupe o terceiro lugar em prevalência de DM tipo I no mundo. Embora a prevalência da doença esteja aumentando, o DM tipo I corresponde a apenas 5-10% de todos os casos de DM no mundo. A doença é mais frequentemente diagnosticada em crianças, em adolescentes e, em alguns casos, em adultos jovens, afetando igualmente homens e mulheres. O DM tipo I pode ser subdividido, dependendo da presença ou da ausência laboratorial de autoanticorpos circulantes no sangue, em: - DM tipo 1A: forma mais frequente de DM tipo I; confirmada pela positividade de um ou mais autoanticorpos no sangue; relação com o antígeno leucocitário humano (HLA); a fisiopatologia ainda não é totalmente compreendida, mas envolve predisposição genética e fatores ambientais que desencadeiam a resposta autoimune; os marcadores de autoimunidade mais frequentes são anticorpo anti-ilhota, anticorpo anti-insulina, anticorpo descarboxilase do ácido glutâmico, anticorpo antitirosina-fosfatase e anticorpo antitransportador de zinco; geralmente, os autoanticorpos precedem a hiperglicemia por meses a anos, durante um estágio pré- diabético; quanto maior o número de autoanticorpos presentes e maiores as suas concentrações, maior a probabilidade de o indivíduo desenvolver a doença. - DM tipo 1B: forma menos frequente de DM tipo I; idiopática; caracterizada por ausência de autoanticorpos circulantes no sangue; o manejo terapêutico e as complicações a curto e a longo prazo são as mesmas do DM tipo 1A. Resumo! - DM tipo 1A: deficiência de insulina por destruição autoimune das células β pancreáticas comprovada por exames laboratoriais (detecção de autoanticorpos circulantes). - DM tipo 1B: deficiência de insulina por mecanismos idiopáticos. 18 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais fatores ambientais envolvidos na fisiopatologia do DM tipo I, especialmente do DM tipo 1A, caracterizado por associação entre fatores genéticos e fatores ambientais, são: - Infecções virais: vírus da caxumba, vírus da rubéola e coxsackievírus B (enterovírus). - Componentes da dieta: ingestão precoce de leite de vaca (antes dos 6 meses de idade), proteína do trigo (especialmente se associada à doença celíaca). - Alterações na formação da microbiota intestinal. OBS.: A doença celíaca está associada ao DM tipo I em aproximadamente 5 a 10% dos pacientes. O antígeno leucocitário humano (HLA) está localizado no MHC do braço curto do cromossomo 6. O genótipo HLA-DR3/DR4 está associado a maior risco para o desenvolvimento de DM tipo I. Aproximadamente 95% dos pacientes com DM tipo I têm este genótipo. Entretanto, aproximadamente 50% dos indivíduos com este genótipo não desenvolvem a doença, demonstrando a importância de outros fatores, tanto genéticos quanto ambientais, importantes para o desenvolvimento do DM tipo I. Fator genético como risco empírico para DM tipo I Grau de Parentesco Risco População Geral 0,4% Parentes de 1º Grau 1-15% Filhos de Pai Afetado 6,1% Filhos de Mãe Afetada 2% Filhos de Pai e Mãe Afetados 30% Gêmeos Monozigóticos 30-50% Gêmeos Heterozigóticos 5% Em relação aos autoanticorpos detectados no DM tipo 1A: - Os anticorpos anti-ilhota foram os primeiros de uso clínico e são positivos em 92,3% dos pacientes com DM tipo 1A. - Os anticorpos anti-insulina são positivos em 76% dos pacientes com DM tipo 1A, geralmente são os primeiros a serem detectados e, quanto mais altas suas concentrações, mais rápida é a progressão para o DM tipo 1A clínico. - Os anticorpos anti-GAD são positivos em 66% dos pacientes com DM tipo 1A, são os anticorpos mais sensíveis e mais comumente utilizados na avaliação do DM tipo 1A. 19 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Os autoanticorpos aparecem anos antes da instalação da deficiência da secreção de insulina e do desenvolvimento das manifestações clínicas. - Os autoanticorpos também são positivos em aproximadamente 15% dos pacientes com DM tipo II obesos. - O anticorpo anti-GAD é positivo em 10 a 15% da população geral, em indivíduos que nunca desenvolverão DM. Frente ao aumento da incidência de DM tipo II entre crianças, adolescentes e adultos jovens, o diagnóstico de DM tipo I pode ser dificultado, especialmente em pacientes que não apresentam quadro clínico tão sugestivo de DM tipo I (presença de sintomas insidiosos), que não apresentam valores glicêmicos tão altos, ou que apresentam sobrepeso/obesidade e história familiar de DM tipo II. Nestes casos, podemos recorrer a exames para avaliar a reserva pancreática de insulina do paciente. O principal exame para avaliar a reserva pancreática de insulina do paciente é o peptídeo C. A dosagem plasmáticado peptídeo C é solicitada quando há dúvida diagnóstica entre DM tipo I e DM tipo II. O exame divide-se em duas etapas: avaliação dos níveis de peptídeo C basal e avaliação dos níveis de peptídeo C 6 minutos após a administração de 1 mg de glucagon EV. - Peptídeo C basal < 0,9 ng/mL confirma o diagnóstico de DM tipo I. - Peptídeo C 6 minutos após 1 mg de glucagon EV ≥ 1,8 ng/mL confirma o diagnóstico de DM tipo II. Epidemiologia: - Início em crianças e adolescentes. - Pico de incidência: 6 a 13 anos. - Início abrupto em 2-3 semanas, sem pródromos. - Possível associação com outras doenças autoimunes, como Tireoidite de Hashimoto, Doença de Graves, Doença de Addison (insuficiência adrenal primária), Doença Celíaca, Hepatite Autoimune, Miastenia Gravis, Vitiligo, etc. - Possível início da doença na vida adulta (diabetes autoimune latente do adulto - LADA), sendo muitas vezes confundido com DM tipo II. Quadro Clínico: - Poliúria. A poliúria ocorre quando os níveis glicêmicos atingem valores ≥ 200 mg/dL, fazendo com o sistema tubular renal não seja mais capaz de reabsorver toda a glicose presente no ultrafiltrado glomerular. Assim, há excreção de glicose na urina (glicosúria) que, devido ao seu alto poder osmótico, também aumenta o volume de água eliminada na urina, resultando em poliúria, caracterizada por eliminação de 3-4 L de urina por dia, causando também desequilíbrios hidroeletrolíticos, devido à depleção de íons. - Polidipsia. - Polifagia. - Perda de peso acentuada. - Perda de água e perda de massa muscular. - Fadiga e fraqueza extremas. - Câimbras, devido à depleção de íons na urina. - Turvação da visão. - Infecções de pele (bactérias, fungos, etc). - Enurese noturna. - Dor epigástrica. - Cetoacidose diabética. Diagnóstico: - Os critérios diagnósticos do DM tipo I são os mesmos do DM tipo II (glicemia de jejum, glicemia ao acaso + sintomas clássicos de hiperglicemia, TOTG, HbA1c). - No DM tipo I, a HbA1c geralmente apresenta valores muito mais altos do que no DM tipo II. O valor médio da HbA1c no DM tipo I varia entre 10 e 14%. - A dosagem dos anticorpos anti-GAD deve ser solicitada apenas em estudos clínicos e/ou pesquisas ou quando o paciente tem parente de 1º grau com diagnóstico de DM tipo I. - A presença de 2 autoanticorpos positivos prediz em 84% o desenvolvimento de DM tipo I em 15 anos. Entretanto, antes do desenvolvimento da doença, não há muito o 20 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 que fazer, a não ser afastar possíveis fatores desencadeantes de cetoacidose diabética, como infecções. A cetoacidose diabética é uma emergência médica caracterizada por hiperglicemia aguda associada à acidose metabólica, devido ao aumento da produção de corpos cetônicos. A hiperglicemia, quando atinge níveis extremos, faz com que as células do organismo passem a utilizar outros nutrientes (ácidos graxos, por exemplo) como fontes de energia para a produção de ATP. O metabolismo dos ácidos graxos resulta na formação dos corpos cetônicos que, com sua concentração aumentada no plasma sanguíneo, causam acidose metabólica, com redução do pH sanguíneo e risco de coma e morte. A cetoacidose diabética é muito mais comum no DM tipo I, mas também pode ocorrer no DM tipo II. Aproximadamente um terço dos diagnósticos de DM tipo I ocorre quando os pacientes já apresentam cetoacidose, justamente devido à rápida evolução clínica da doença. No DM tipo II, a cetoacidose diabética ocorre mais comumente devido a infecções ou ao uso inadequado da insulina e/ou dos hipoglicemiantes orais. As principais manifestações clínicas da cetoacidose diabética são: - Poliúria. - Polidipsia. - Náuseas e vômitos. - Anorexia e emagrecimento. - Desidratação. - Hálito cetônico. - Dor epigástrica. - Respiração de Kussmaul: inspiração profunda seguida de apneia, expiração rápida seguida de apneia. - Sonolência. - Confusão mental. - Alteração do nível de consciência. - Coma. As principais alterações laboratoriais da cetoacidose diabética são: - pH sanguíneo < 7,35 (acidose metabólica). - Glicemia > 400-600 mg/dL. OBS.: Quanto menor é o pH, maior é o grau de acidose metabólica e maior é o tempo em que o paciente já apresenta níveis glicêmicos elevados. Quando há suspeita de um quadro de cetoacidose diabética, a conduta imediata é: - Realizar teste de glicemia capilar (HGT). - Solicitar exames: glicemia, gasometria arterial, hemograma e EQU. OBS.: Quando houver suspeita de infecção, solicitar hemocultura e/ou urocultura. - Iniciar hidratação com soro fisiológico 0,9% EV e insulina EV em bomba de infusão contínua. OBS.: Quando a glicemia alcançar níveis < 200 mg/dL, iniciar soro glicosado EV, com o objetivo de retomar a nutrição e o metabolismo normal do paciente. Posteriormente, se houver confirmação de infecção: - Coletar antibiograma. - Iniciar antibioticoterapia de amplo espectro EV. Tratamento: - Pacientes com DM tipo I recém- diagnosticados apresentando cetoacidose diabética: hidratação EV, insulina EV em infusão contínua, dieta e cuidados intensivos de UTI. - Pacientes com DM tipo I recém- diagnosticados não apresentando cetoacidose diabética: insulina basal e prandial subcutânea em múltiplas aplicações ao longo do dia, hidratação e dieta. 21 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Rastreamento de DM tipo II em crianças e adolescentes: Quando rastrear? - Sobrepeso ou obesidade. - Mais 2 fatores de risco: → História familiar de DM tipo II. → Etnia de risco (latinos e asiáticos). → Sinais ou condições de resistência insulínica: HAS, dislipidemia, acantose nigricans. → História materna de DM tipo II. Como rastrear? - Idade de início: 10 anos ou início da puberdade. - Frequência: a cada 3 anos. Diabetes mellitus gestacional: O DM gestacional é definido como uma intolerância aos carboidratos de gravidade variável, que se inicia durante a gestação atual e não preenche os critérios diagnósticos de DM tradicional. O DM gestacional pode ou não persistir após o parto e aumenta o risco de DM tipo II no futuro. Representa o distúrbio metabólico mais comum da gestação, com prevalência média de 7,5% das gestações. A incidência da doença tem aumentado em paralelo ao aumento da incidência de DM tipo II na população. As gestantes com DM gestacional e as gestantes com DM prévio devem realizar controle glicêmico intensivo durante a gravidez de forma a diminuir os riscos teratogênicos associados à hiperglicemia. O DM gestacional é responsável por 90% das disglicemias que ocorrem durante a gestação, sendo o DM tipo I responsável por 7% e o DM tipo II por 3%. A obesidade aumenta em 4 vezes o risco de desenvolvimento de DM gestacional e a obesidade mórbida (IMC ≥ 40 kg/m2) aumenta em 9 vezes o risco de desenvolvimento de DM gestacional. Os fatores de risco para o desenvolvimento do DM gestacional são: - Idade materna avançada. - Sobrepeso ou obesidade. - Ganho excessivo de peso durante a gestação atual (ganho de peso normal varia entre 8 e 12 kg). - Deposição central excessiva de gordura corporal. - História familiar de DM em parentes de 1º grau. - Crescimento fetal excessivo e polidrâmnio. - Hipertensão arterial ou pré-eclâmpsia na gestação atual. - Antecedentes obstétricos de abortos de repetição, malformações, morte fetal ou neonatal, macrossomia ou DM gestacional prévio. 22 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Síndrome dos ovários policísticos (SOP). - Baixa estatura (< 1,5 m). - HbA1c ≥ 5,9% no 1º trimestre de gestação. O rastreamento do DM gestacional deve ser realizado em todas as gestantes que não apresentam diagnóstico de DM prévio. Na primeira consulta de pré-natal, deve-se solicitar glicemia de jejum com objetivo de rastrear DM prévio à gestaçãoou DM gestacional. A glicemia de jejum deve ser testada 2 vezes para confirmar ou excluir o diagnóstico da doença. Os possíveis resultados da glicemia de jejum são: - Glicemia de jejum < 92 mg/dL (2 vezes) até a 20ª semana de gestação: resultado normal, deve-se reavaliar entre 24 e 28 semanas de gestação com TOTG. - Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL (2 vezes): DM prévio diagnosticado na gestação. - Glicemia de jejum ≥ 92 mg/dL e < 126 mg/dL: possível DM gestacional, deve-se solicitar TOTG. No TOTG, qualquer um dos valores alterados já confirma o diagnóstico de DM gestacional: - Glicemia de jejum: ≥ 92 mg/dL. - Glicemia 1 hora após 75 g de glicose: 180 mg/dL. - Glicemia 2 horas após 75 g de glicose: ≥ 153 mg/dL e < 200 mg/dL. Atenção! Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL ou glicemia 2 horas após 75 g de glicose ≥ 200 mg/dL confirma o diagnóstico de DM prévio à gestação. Portanto, o método padrão-ouro para o diagnóstico de DM gestacional é o TOTG, exame altamente sensível e específico. O DM gestacional pode causar complicações tanto maternas quanto fetais. As principais complicações maternas são: - Hiperglicemia. - Hipertensão arterial. - Pré-eclâmpsia ou eclâmpsia. - Aumento do risco de infecções. - Aumento de marcadores inflamatórios. - Aumento do risco de Síndrome Metabólica. - Aumento em 50% do risco de desenvolvimento de DM tipo II em 5 anos. - Obesidade. - Risco de recorrência de DM gestacional de 30-84% nas próximas gestações. As principais complicações fetais são: - Hiperinsulinemia devido à hiperglicemia materna. - Macrossomia. - Nascimento de bebês grandes para a idade gestacional (GIG). 23 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Distocia de ombro. - Aspiração de mecônio. - Alterações metabólicas no recém-nascido: → Hipoglicemia pós-parto. → Hipocalcemia e hipofosfatemia pós-parto. → Policitemia (hematócrito > 65%). → Alterações no metabolismo do ferro. → Aumento do consumo de oxigênio (O2). → Hepatoesplenomegalia. - Aumento da incidência de parto cesáreo. - Internação em UTI neonatal. - Óbito neonatal. - Síndrome da Imaturidade Respiratória. - Hiperbilirrubinemia. O tratamento inicial do DM gestacional baseia-se em orientações alimentares que permitam ganho de peso adequado e controle metabólico. As orientações nutricionais devem ser realizadas de acordo com o IMC pré-gestacional ou com o IMC no início da gestação. O valor calórico total deve ser individualizado, mas a dieta de todas as gestantes com DM gestacional deve conter 40 a 55% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 30 a 40% de gorduras. Deve-se dar preferência ao consumo de carboidratos com baixo índice glicêmico. A dieta com baixo índice glicêmico no DM gestacional associou-se à diminuição da necessidade de indicar o uso de insulina e ao menor ganho de peso ao nascer. Os adoçantes que não contêm sacarose podem ser utilizados no DM gestacional, mas com moderação. Os principais adoçantes recomendados são aspartame, acessulfame-K, sacarina e sucralose. A prática de atividades físicas deve fazer parte do tratamento do DM gestacional, respeitando-se às contraindicações obstétricas. As principais contraindicações à prática de atividades físicas durante a gestação são: - Hipertensão gestacional. - Ruptura prematura de membranas. - Parto prematuro. - Sangramento uterino persistente após o 2º trimestre. - Restrição do crescimento intrauterino. - Doença osteoarticular da mãe. Recomenda-se o monitoramento das glicemias capilares pré-prandiais e pós- prandiais diariamente, especialmente em 24 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 gestantes em uso de insulina. Após 2 semanas de dieta, se os níveis glicêmicos permanecerem elevados, deve-se iniciar o tratamento farmacológico, que se baseia principalmente no uso de insulina. A insulina é utilizada para o tratamento do DM gestacional em 10 a 15% dos casos. Ela deve ser iniciada quando os níveis de glicemia capilar permanecem em: - Glicemia de jejum ≥ 95 mg/dL. - Glicemia 1 hora pós-prandial ≥ 140 mg/dL. - Glicemia 2 horas pós-prandial ≥ 120 mg/dL. A insulina também deve ser iniciada quando a circunferência abdominal do feto entre a 29ª e a 33ª semana de gestação, calculada por meio da ultrassonografia obstétrica, for superior ao percentil 75, ou quando houver macrossomia ou alteração na curva de crescimento do feto. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes, a dose inicial recomendada de insulina é de 0,5 U/kg, com ajustes individualizados para cada caso. Entretanto, na prática, podemos iniciar insulina com dose de 0,2 U/kg e aumentar a dose aos poucos. A principal preparação de insulina utilizada no DM gestacional é a insulina humana NPH. Em relação ao uso de antidiabéticos orais no tratamento do DM gestacional, há um número crescente de estudos sobre o uso de metformina e de glibenclamida durante a gestação e sobre possíveis efeitos deletérios para o feto. A metformina tem se apresentado segura na gestação, principalmente se usada após o 1º trimestre. O uso de metformina está associado a menor ganho de peso materno, menor hipoglicemia neonatal, mas maior risco de parto prematuro. Os efeitos para a mãe e para o feto a longo prazo ainda são desconhecidos. A glibenclamida também tem sido utilizada, mas está associada a piores desfechos perinatais, como maior ganho de peso materno, macrossomia fetal e hipoglicemia neonatal, quando comparada à metformina e à insulina. Tanto a metformina quanto a glibenclamida atravessam a barreira placentária, sendo a metformina de forma mais significativa. Entretanto, nenhuma das drogas tem aumentado a teratogênese. Outros antidiabéticos orais não foram adequadamente estudados na gestação e, portanto, são contraindicados. Portanto, a insulina é a primeira escolha para o tratamento farmacológico do DM gestacional devido à sua eficácia comprovada e à pequena passagem placentária. O uso de metformina no tratamento do DM gestacional pode ser considerado nas seguintes situações: - Falta de adesão da paciente ao uso de insulina. - Não acessibilidade à insulina. - Dificuldade na autoadministração de insulina. - Estresse para a paciente em níveis exagerados devido ao uso de insulina. - Necessidade de altas doses diárias de insulina (> 100 UI) sem resposta adequada de controle glicêmico. - Ganho de peso excessivo em uso de insulina. A maioria das mulheres apresenta normalização das glicemias nos primeiros dias após o parto. Deve-se estimular o aleitamento materno que, além dos benefícios para o bebê, como diminuição do risco de hipoglicemia neonatal, está associado à prevenção do DM tipo II em mulheres com história de DM gestacional. Se houver hiperglicemia durante esse período, o tratamento indicado é a insulina. A prescrição de dietas hipocalóricas durante o período de amamentação deve ser evitada. Aproximadamente 6 semanas após o parto, todas as mulheres com histórico de DM gestacional devem realizar novo TOTG, que é considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de DM após a gestação. Se o TOTG apresentar resultado normal, a mulher deverá ser reavaliada anualmente por meio de glicemia de jejum, TOTG ou HbA1c. Mulheres com história de DM gestacional que fizeram uso de insulina durante a gestação apresentam maior risco de desenvolver DM tipo II no futuro quando 25 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 comparadas com mulheres com história de DM gestacional tratadas apenas por meio de dieta e prática de atividades físicas. De qualquer forma, todas as mulheres com histórico de DM gestacional devem ser orientadas a reduzir o peso corporal e a manter atividade física regular. O uso de metformina pode ser indicado para aquelas que apresentam intolerância à glicose. O DM pré-gestacional apresenta complicaçõesmais graves tanto para a mãe quanto para o feto. Como a doença já está estabelecida no período pré-concepcional, os efeitos do DM já iniciam na fertilização e na implantação do embrião no útero materno, afetando principalmente a organogênese. Este fato pode aumentar o risco de aborto precoce, defeitos congênitos graves (malformações) e atraso no crescimento fetal, principalmente nos casos tratados de forma inadequada. Além das complicações fetais, as complicações maternas também são importantes e estão relacionadas às complicações presentes em todo e qualquer paciente com diagnóstico de DM, como retinopatia, neuropatia, nefropatia e vasculopatia, que podem piorar durante a gestação. A recomendação para mulheres com DM pré-gestacional que desejam engravidar ou que já engravidaram é de manter os níveis de HbA1c < 6%, de forma a diminuir os riscos de malformações fetais e abortos. As pacientes com DM prévio à gestação, uma vez grávidas, devem descontinuar o uso dos antidiabéticos orais e iniciar o uso de insulina imediatamente, devido aos riscos da maioria dos hipoglicemiantes orais para o feto ainda serem desconhecidos. Essas pacientes devem utilizar um esquema intensivo de insulinização subcutânea de forma a obter um controle glicêmico adequado. Geralmente, há necessidade de aumento progressivo da dose de insulina ao longo da gravidez, devido ao aumento da produção de hormônios com ação antagônica à insulina. Após o parto, normalmente, as necessidades de insulina reduzem abruptamente e a paciente pode voltar a utilizar metformina e glibenclamida, sem riscos para o bebê devido à baixa excreção dessas drogas no leite materno. O AAS em baixa dose entre 60 e 150 mg/dia deve ser prescrita para gestantes com DM tipo I e DM tipo II a partir do final do 1º trimestre de gestação até o nascimento do bebê, com o objetivo de diminuir o risco de pré-eclâmpsia. As preparações de insulina seguras para uso durante a gestação são insulina humana regular, insulina asparte, insulina lispro, insulina humana NPH e análogo de insulina detemir. O uso de IECA, BRA e estatinas deve ser descontinuado assim que a gravidez for confirmada, devido à sua associação com embriopatias e fetopatias. Complicações crônicas do diabetes mellitus: O DM é a principal causa de doenças cardiovasculares, de insuficiência renal crônica, de cegueira e de amputação não traumática de membros inferiores. Alguns dados estatísticos em relação às complicações crônicas do DM: - 50-80% dos pacientes com DM morrem de doença cardiovascular. - 44% dos novos casos de insuficiência renal devem-se ao DM. - 60% das amputações não traumáticas de membros inferiores ocorrem em pacientes diabéticos com idade ≥ 20 anos. - 16% dos pacientes com DM e idade > 65 anos morrem de AVC. - 29% dos pacientes com DM e idade ≥ 40 anos têm retinopatia diabética. - A redução de 1% na HbA1c está associada à redução de: → Complicações microvasculares, como nefropatia, neuropatia e retinopatia, em 37%. → Doença vascular periférica em 43%. → Morte relacionada ao DM tipo II em 21%. → IAM em 14%. → AVC em 12%. As complicações crônicas do DM desenvolvem-se apenas se o paciente não está sendo tratado adequadamente e não é capaz de manter adequados níveis glicêmicos ao longo de muitos anos de doença. 26 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Complicações Macrovasculares: As complicações macrovasculares do DM referem-se às doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Pacientes com DM tipo II têm risco 2 a 4 vezes maior de desenvolver doença arterial coronariana e, consequentemente, de apresentar IAM. O DM tipo II também é fator de risco para AVC isquêmico, insuficiência cardíaca e doença arterial obstrutiva periférica. Por isso, a estratificação de risco cardiovascular dos pacientes diabéticos é tão importante. Ela calcula a probabilidade de evento cardiovascular (IAM ou AVC) em 10 anos. Os pacientes diabéticos podem ser classificados como baixo risco, risco intermediário, alto risco ou muito alto risco. A estratificação de risco baseia-se na presença de fatores de estratificação, marcadores de aterosclerose subclínica e/ou doença aterosclerótica clínica. Nos pacientes classificados como baixo risco ou risco intermediário, não há a presença de fatores de estratificação, nem de marcadores de aterosclerose subclínica e nem de doença aterosclerótica clínica. Assim, a classificação de risco do paciente baseia-se apenas em sua idade. Os fatores de estratificação para pacientes com DM são: - Idade > 49 anos para homens e > 56 anos para mulheres. - DM com duração > 10 anos. - História familiar prematura de doença cardiovascular (parente de 1º grau com doença cardiovascular diagnosticada < 55 anos para homens e < 65 anos para mulheres). - Presença de Síndrome Metabólica: circunferência abdominal > 90 cm para homens e > 80 cm para mulheres em associação a mais 2 critérios: → Triglicerídeos > 150 mg/dL. → HDL-c < 40 mg/dL. → Glicemia de jejum > 100 mg/dL. → Pressão arterial ≥ 130/85 mmHg. - HAS tratada ou não tratada. - Tabagismo atual. - TFG < 60 mL/min. - Microalbuminúria (albuminúria > 30 mg/g). - Neuropatia autonômica cardiovascular. - Retinopatia diabética. A presença de qualquer um dos fatores de estratificação já classifica o paciente diabético como alto risco cardiovascular. Os marcadores de aterosclerose subclínica (assintomática) são: - Escore de cálcio coronário > 10. - Placa aterosclerótica na artéria carótida (espessura médio-intimal > 1,5 mm na ecografia com doppler de artérias carótidas). - AngioTC de artérias coronárias com presença de placa aterosclerótica. - Índice tornozelo-braquial < 0,9. - Presença de aneurisma de aorta abdominal. 27 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A presença de qualquer um dos marcadores de aterosclerose subclínica já classifica o paciente diabético como alto risco cardiovascular. A doença aterosclerótica clínica compreende a presença de qualquer uma das seguintes situações clínicas: - Síndrome coronariana aguda. - Angina estável ou IAM prévio. - AVC isquêmico ou AIT. - Insuficiência vascular periférica (lesões isquêmicas dos membros inferiores). - Revascularização de qualquer artéria por aterosclerose: coronárias, carótidas, renais e de membros inferiores. - Amputação não traumática de membros inferiores. - Doença aterosclerótica grave com obstrução > 50% em qualquer artéria. A presença de qualquer uma dessas situações clínicas que determinam doença aterosclerótica clínica já classifica o paciente diabético como muito alto risco cardiovascular. As metas de LDL-c para pacientes diabéticos dependem de sua estratificação de risco cardiovascular. Em pacientes com hipertrigliceridemia que apresentam níveis séricos de triglicerídeos > 300 mg/dL, devemos considerar o colesterol não-HDL para a determinação das metas terapêuticas. A cada redução de LDL-c de 40 mg/dL, há uma redução proporcional de risco cardiovascular de 20% em 5 anos. Assim, a maioria dos pacientes com DM tipo II têm indicação de iniciar tratamento hipolipemiante com o uso de estatinas para a redução de LDL-c e não HDL-c, de forma a reduzir o risco de complicações macrovasculares, como IAM, AVC e doença arterial obstrutiva periférica. A aterosclerose é intensificada pelo DM, pois a doença aumento o processo de aterogênese, tornando o LDL-c mais aterogênico, isto é, com maior risco de formar placas ateroscleróticas. Assim, a aterosclerose é mais precoce nos pacientes diabéticos, desenvolve-se mais rapidamente, a estenose arterial é mais extensa e há o comprometimento de mais vasos sanguíneos. 28 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A mortalidade por IAM tanto em mulheres diabéticas quanto em mulheresnão diabéticas é significativamente maior do que a mortalidade por IAM em homens. Isso deve-se ao aumento da incidência de tabagismo em mulheres (importante fator de risco para IAM) e ao tratamento para prevenção de eventos cardiovasculares menos intensivo em mulheres do que em homens. Complicações Microvasculares: As complicações microvasculares do DM tipo II compreendem a nefropatia, a neuropatia e a retinopatia diabéticas. A retinopatia diabética é uma das principais causas de perda visual irreversível (cegueira) no mundo, sendo considerada a maior causa de cegueira na população entre 16 e 64 anos de idade. Quanto maior o tempo de evolução do DM, maior o risco de retinopatia diabético, sendo encontrada em mais de 90% dos pacientes com DM tipo I e em 60% dos pacientes com DM tipo II após 20 anos de doença sistêmica. O edema macular diabético é a principal alteração responsável por perda irreversível de acuidade visual, apresentando prevalência de 7%. A catarata, o glaucoma e outras patologias oculares também são frequentes e precoces em indivíduos com DM. O diagnóstico da retinopatia diabética é realizada pelo médico oftalmologista por meio do exame de fundo de olho (fundoscopia). Em pacientes com DM tipo II, o encaminhamento para avaliação com o oftalmologista deve ser realizado imediatamente após o diagnóstico, desde que o paciente esteja com os níveis glicêmicos controlados. Em pacientes com DM tipo I, recomenda-se que as avaliações oftalmológicas iniciem de 3 a 5 anos após o diagnóstico ou após o início da puberdade. Gestantes com DM devem realizar avaliação oftalmológica desde o início da gravidez. Todos os pacientes diabéticos devem manter acompanhamento anual com o oftalmologista. Os principais sintomas da retinopatia diabética são visão embaçada, perda de visão e distorção das imagens, entretanto os pacientes também podem ser assintomáticos. Segundo estudos, a prevenção primária reduz em 76% o risco de desenvolvimento de retinopatia diabética e a prevenção secundária reduz em 54% o risco de progressão da doença. A retinopatia diabética pode ser classificada em diferentes estágios: - Retinopatia não proliferativa leve: caracterizada por microaneurismas e pequenas hemorragias, além de aumento da permeabilidade vascular com formação de exsudatos. - Retinopatia não proliferativa moderada a grave: caracterizada por alterações do calibre vascular, anomalias microvasculares intrarretinianas, isquemia retiniana, hemorragias e microaneurismas extensos. - Retinopatia proliferativa: caracterizada por neovascularização, proliferação fibrovascular, retração e descolamento da retina e hemorragia vítrea. A retinopatia proliferativa não tratada evolui para perda de 50% da visão em 5 anos. O tratamento da retinopatia diabética baseia- se em, além do controle dos níveis glicêmicos do paciente de forma a prevenir a progressão das lesões, realização de fotocoagulação a laser, farmacomodulação com antiangiogênicos, que se caracterizam por injeções de anti-fator de crescimento endotelial vascular, ou cirurgia. Segundo estudos, o uso de AAS não aumenta o risco de hemorragias retinianas na retinopatia diabética. 29 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A nefropatia diabética é a principal causa de doença renal crônica no mundo, inclusive no Brasil. O diagnóstico da nefropatia diabética baseia-se na avaliação da excreção urinária de albumina (albuminúria) e da taxa de filtração glomerular (TFG), estimada por meio da creatinina sérica. Tanto a albuminúria quanto a TFG são preditoras independentes de risco para doença cardiovascular, para progressão da doença renal crônica e para mortalidade em pacientes com DM tipo II. O DM causa lesão endotelial dos capilares sanguíneos glomerulares ao longo de anos de evolução da doença, resultando em redução progressiva da TFG. O rastreamento da nefropatia diabética, por meio de avaliação da albuminúria e da TFG, deve ser realizada imediatamente após o diagnóstico de DM tipo II e 5 anos após o diagnóstico de DM tipo I. Os principais fatores de risco para doença renal do DM são: - História familiar de doença renal. - Hiperglicemia. - HAS. - Tabagismo. - Dislipidemia. - Fatores dietéticos. - Retinopatia diabética. - Albuminúria no limite superior da normalidade. - TFG excessivamente alta ou excessivamente baixa. A albuminúria é um marcador de doença renal mais precoce que a proteinúria, possibilitando o diagnóstico mais precoce da doença renal do DM. A avaliação da nefropatia diabética deve necessariamente compreender albuminúria e TFG, uma vez que a albuminúria pode estar normal, mas a TFG reduzida, ou a TFG pode estar normal, mas a albuminúria elevada ou muito elevada. Classificação Amostra (mg/g de creatinina) Urina 24 h (mg/24 h) Normoalbuminúria < 30 < 30 Albuminúria elevada (Microalbuminúria) 30 – 300 30 – 300 Albuminúria muito elevada (Macroalbuminúria) ≥ 300 > 300 Proteinúria ≥ 430 ≥ 500 A albuminúria representa o melhor preditor de risco já documentado para desenvolvimento e progressão da doença renal crônica do DM (nefropatia diabética) e para morte cardiovascular. Os pacientes com microalbuminúria apresentam 3% de risco de morte cardiovascular, os pacientes com macroalbuminúria têm 4,6% de risco de morte cardiovascular e os pacientes com insuficiência renal crônica em estágio terminal apresentam risco de morte cardiovascular de 19%. O paciente com DM tipo II sem nefropatia, ou seja, com normoalbuminúria, apresenta risco de desenvolvimento de nefropatia diabética de 2% ao ano. O paciente com nefropatia diabética e microalbuminúria apresenta risco de progressão da doença renal crônica com 30 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 consequente desenvolvimento de macroalbuminúria de 2,8% ao ano. O paciente com nefropatia diabética e macroalbuminúria, por sua vez, tem risco de progressão da doença renal crônica para estágio terminal, com consequente necessidade de diálise, de 2,3% ao ano. A normoalbuminúria com valores no limite superior da normalidade já aumenta o risco de desenvolvimento de microalbuminúria e de macroalbuminúria e, consequentemente, aumenta a mortalidade em pacientes com DM tipo II. Segundo o estudo UKPDS, que avaliou a proporção de pacientes com DM tipo II que desenvolveram nefropatia diabética, manifestada por algum grau de albuminúria, ao longo de 10 anos de doença, os resultados são os seguintes: - Pacientes com normoalbuminúria: 69% - Pacientes com microalbuminúria: 24,9% - Pacientes com macroalbuminúria: 5,3% - Pacientes com insuficiência renal terminal: 0,8% Em relação à redução progressiva da TFG na nefropatia diabética, especialmente de pacientes não tratados adequadamente, quando a TFG torna-se inferior a 60 mL/min, há necessidade de ajuste das doses dos medicamentos em uso pelo paciente, de forma a se adpatar à função renal diminuída e, consequentemente, à capacidade de excreção reduzida. Assim como o aumento dos níveis de albuminúria, o declínio da TFG é fator de risco para morte cardiovascular e mortalidade por todas as causas. As principais estratégias de tratamento para pacientes com DM e doença renal crônica envolvem prevenção de doenças cardiovasculares e de morte cardiovascular. São elas: - Controle glicêmico: o alvo é HbA1c < 7%. - Inibição do sistema renina-angiotensina- aldosterona: IECA, BRA ou espironolactona (antagonista do receptor de aldosterona); diminuição da vasoconstrição da arteríola aferente e consequente aumento da TFG. - Controle pressórico: diuréticos tiazídicos, diuréticos de alça (quando TFG < 30 mL/min), bloqueadores de canais de cálcio, β-bloqueadores ou vasodilatadores. - Restrição proteica: consumo de 0,8 g/kg/dia. - Controle lipídico: estatinas. Essas estratégias, entretanto, estão associadas à redução de eventos cardiovasculares (IAM
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