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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Endocrinologia TIREOIDE: HIPERTIREOIDISMO E HIPOTIREOIDISMO Introdução: O principal hormônio produzido pela glândula tireoide é a tiroxina (T4). Entretanto, o T4 não apresenta atividade biológica, sendo classificado como pró-hormônio. A tiroxina (T4) é convertida, por meio do processo de desiodação, em tri-iodotironina (T3) nos tecidos periféricos. O T3 é o hormônio tireoidiano biologicamente ativo e a maior parte do T3 circulante tem origem do T4, visto que ele é pouco produzido pela tireoide. O T3 liga-se a receptores nucleares específicos presentes em praticamente todos os tecidos e do organismo, resultando em inúmeras atividades biológicas. Além disso, ambos os hormônios tireoidianos (T3 e T4) atuam por meio de um mecanismo de feedback negativo inibindo a secreção de TRH pelo hipotálamo e a secreção de TSH pela adeno-hipófise. Os principais efeitos biológicos resultantes da ligação do T3 aos seus receptores nucleares específicos nos tecidos são: Órgãos ou Sistemas Efeitos do T3 Metabolismo Aumento da taxa de metabolismo basal Aumento do consumo de oxigênio (O2) Aumento da termogênese Sistema Nervoso Autônomo Aumento da sensibilidade dos receptores adrenérgicos Aumento do tônus simpático Aumento dos efeitos das catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), sem aumento de sua concentração plasmática Sistema Nervoso Central Estímulo ao desenvolvimento normal do cérebro (na vida fetal e neonatal) Estímulo à função cortical Sistema Cardiovascular Estímulo ao cronotropismo e ao inotropismo cardíacos Vasodilatação periférica Trato Gastrointestinal Aumento da motilidade gastrointestinal Fígado Estímulo à gliconeogênese e à glicogenólise Aumento da captação e da metabolização do colesterol Medula Óssea Estímulo direto à hematopoese Músculos Aumento da velocidade de contração e relaxamento muscular Outros Aumento da renovação proteica e óssea Hipotireoidismo: Introdução: O hipotireoidismo é uma das doenças endócrinas mais prevalentes no mundo, sendo caracterizado por deficiência de hormônios tireoidianos, devido à redução da produção de hormônios pela glândula tireoide ou à deficiência da ação dos hormônios nos tecidos periféricos. O hipotireoidismo pode apresentar manifestações clínicas que variam desde quadros oligossintomáticas ou assintomáticos (hipotireoidismo subclínico) até quadros clínicos graves com alta mortalidade, como o coma mixedematoso. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 As manifestações clínicas mais frequentes são astenia, sonolência, intolerância ao frio, pele seca e descamativa, hiporreflexia profunda, edema facial, anemia e bradicardia. A doença pode ocorrer em todas as faixas etárias, apresentando manifestações clínicas típicas em cada faixa etária. Em crianças, há principalmente retardo do crescimento e do desenvolvimento neuropsicomotor. Em idosos, pode haver quadros atípicos, como insuficiência cardíaca. Classificação: O hipotireoidismo pode ser classificado em: - Primário: ocorre quando a causa da deficiência de hormônios tireoidianos está na redução de sua produção pela glândula tireoide; aproximadamente 95% dos casos de hipotireoidismo são do tipo primário. - Central: ocorre quando a causa da deficiência de hormônios tireoidianos está na redução do estímulo de origem hipotalâmica ou hipofisária à produção de hormônios pela glândula tireoide (hipotireoidismo caracterizado por TSH normal ou baixo). - Periférico: ocorre quando a causa da deficiência de hormônios tireoidianos está na resistência à ação dos hormônios nos tecidos periféricos. Epidemiologia: A prevalência do hipotireoidismo varia entre as diferentes populações do mundo, sendo mais frequente em regiões onde há deficiência de iodo na dieta e 10 vezes mais comum no sexo feminino. A incidência da doença aumenta com a idade. No Brasil, a prevalência do hipotireoidismo é de aproximadamente 9% em mulheres com idade entre 35 e 44 anos e de 19% em mulheres com mais de 75 anos de idade. No Brasil e nos países desenvolvidos, a principal causa de hipotireoidismo é a Tireoidite de Hashimoto, doença autoimune da tireoide que resulta em redução da produção de hormônios tireoidianos. Entretanto, considerando toda a população mundial, a principal causa de hipotireoidismo no mundo é a deficiência de iodo, problema ainda muito comum em países subdesenvolvidos da África e da Ásia. Manifestações Clínicas: As manifestações clínicas do hipotireoidismo devem-se a 2 mecanismos fisiopatológicos principais: - Redução do metabolismo basal em até 50%, com redução da atividade de inúmeros processos enzimáticos importantes. - Acúmulo de substâncias glicoproteicas no espaço intersticial, resultando em alterações de pele e fâneros, determinando o desenvolvimento do mixedema, com possibilidade de compressão de várias estruturas, como nervos. A termogênese diminuída resulta em intolerância ao frio e a redução do metabolismo de proteínas, carboidratos e principalmente de lipídios resulta em aumento do colesterol total e do LDL-c e diminuição do HDL-c. - Pele e Fâneros: → Pele seca, áspera e descamativa. → Pele amarelada, devido ao acúmulo de β- caroteno. → Cabelos secos, quebradiços e queda de cabelo. → Rarefação do terço distal das sobrancelhas (madarose). → Fragilidade ungueal. → Fáscies apática. → Edema facial. → Edema de membros inferiores. → Edema generalizado (anasarca). OBS.: O edema, nestes casos, não é depressível à palpação, sendo chamado de mixedema. → Lenta cicatrização de feridas. - Sistema Cardiovascular: → Angina. OBS.: Pacientes com hipotireoidismo apresentam risco aumentado para doença arterial coronariana aterosclerótica. → Diminuição da tolerância aos exercícios. → Dispneia. → Bradicardia. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Hipertensão arterial diastólica. → Cardiomegalia. → Derrame pericárdico. → Derrame pleural. → Ascite. → Edema de membros inferiores. → Baixa voltagem do ECG, com diminuição da amplitude das ondas, distúrbios de condução e alterações inespecíficas do segmento ST e da onda T. OBS.: As manifestações clínicas cardiovasculares devem-se à redução da contratilidade miocárdica e do débito cardíaco, ao aumento da resistência vascular periférica e da permeabilidade capilar. - Sistema Respiratório: → Respiração lenta e superficial. → Respostas ventilatórias alteradas à hipoxemia e à hipercapnia. → Dispneia. → Derrame pleural. → Apneia obstrutiva do sono. → Insuficiência respiratória em pacientes com coma mixedematoso. - Sistema Nervoso: → Letargia, fala lentificada, sonolência e perda de memória. → Cefaleia. → Parestesias. → Ataxia cerebelar. → Surdez. → Tontura e zumbido nos ouvidos. → Tremores. → Nistagmo. → Cegueira noturna. → Hiporreflexia profunda. → Déficit cognitivo: cálculo, memória, atenção e concentração. → Baixa amplitude das ondas Δ e θ do EEG. → Apneia do sono. → Aumento de proteínas no líquido cefalorraquidiano. → Coma mixedematoso. - Manifestações Psiquiátricas: → Depressão. → Distúrbio bipolar. → Demência. → Psicose. - Manifestações Gastrointestinais: → Anorexia. → Estufamento. → Constipação intestinal. → Íleo paralítico. → Prolongamento do esvaziamento gástrico. → Lentificação do trânsito intestinal. → Diminuição da absorção intestinal. → Ganho de peso, devido principalmente ao mixedema. → Elevação sérica de enzimas hepáticas. → Hipotonia da vesícula biliar. → Doença hepática gordurosa não alcoólica (NASH). - Manifestações Musculoesqueléticas: → Fadiga muscular generalizada. → Cãibras. → Mialgia. → Artralgia a derrame articular. → Síndrome do túnel do carpo. → Pseudogota. → Redução do remodelamento ósseo e aumento da resistência à ação do paratormônio (PTH), resultando em aumentode seus níveis séricos. - Sistema Reprodutor: → Mulheres: irregularidades menstruais (menorragia, amenorreia ou oligomenorreia), anovulação, infertilidade, hiperprolactinemia leve a moderada. → Homens: redução da libido, disfunção erétil, oligospermia, hiperprolactinemia leve a moderada. - Sistema Hematopoiético: → Anemia leve a moderada. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Manifestações Renais e Distúrbios Hidroeletrolíticos: → Aumento dos níveis séricos de creatinina, ureia e ácido úrico. OBS.: A redução do débito cardíaco e do volume sanguíneo resulta em hipoperfusão renal e diminuição da TFG, com consequente aumento dos níveis séricos de produtos nitrogenados, devido à redução de sua eliminação. → Proteinúria leve. → Poliúria e distúrbios hidroeletrolíticos resultantes da perda de sais na urina (hipocalemia, hiponatremia, hipocalcemia, hipocloremia, hipomagnesemia e hipofosfatemia). - Manifestações Metabólicas: → Aumento de colesterol total, LDL-c e triglicerídeos. → Diminuição de HDL-c. → Aumento de homocisteína. → Aumento de DHL. → Aumento de CPK. → Aumento de proteína C reativa. → Aumento de CEA. Etiologia: As principais causas de hipotireoidismo são: Hipotireoidismo Primário Deficiência de iodo Tireoidite de Hashimoto Tireoidectomia por bócio ou câncer de tireoide Ablação com iodo radioativo Exposição da tireoide à radiação acidental ou intencional Tireoidite pós-parto Tireoidites subagudas Defeitos de síntese e/ou liberação hormonal Disgenesia tireoidiana (ectopia, agenesia ou hipoplasia de tireoide) Hipotireoidismo neonatal transitório por ação de anticorpos maternos Excesso de iodo Doença de Graves e tratamento do hipertireoidismo com drogas antitireoidianas Outras drogas, como amiodarona, lítio, interferon, etc Outras doenças tireoidianas, como amiloidose e sarcoidose Hipotireoidismo Central Adenoma hipofisário Hipofisectomia por tumor Irradiação craniana Doenças infecciosas, inflamatórias ou infiltrativas da hipófise Disfunção hipotalâmica Doenças diversas do hipotálamo Cirurgia ou irradiação da região hipotalâmica Trauma cranioencefálico Síndrome de Sheehan Defeitos da síntese e/ou liberação do TSH: - Deficiência congênita de TSH - Deficiência de TSH induzida por drogas (corticoides, dopamina) Hipopituitarismo congênito Idiopático Hipotireoidismo Periférico (Raro) Mutações genéticas em receptores de hormônios tireoidianos ou em proteínas importantes na resposta aos hormônios tireoidianos nos tecidos periféricos Consumo de hormônios tireoidianos por grandes hemangiomas em neonatos A Tireoidite de Hashimoto representa uma das doenças mais comuns da tireoide e uma das doenças autoimunes mais prevalentes no mundo. Ela é de 8 a 15 vezes mais comum no sexo feminino e mais frequente > 60 anos de idade. A Tireoidite de Hashimoto caracteriza-se por produzir alterações estruturais e/ou funcionais da glândula tireoide. Aproximadamente 90% dos casos da doença associam-se ao desenvolvimento de bócio da tireoide. O bócio é difuso, variando de leve a moderado, e caracterizado por tireoide aumentada e endurecida à palpação. Aproximadamente 10% dos casos de Tireoidite de Hashimoto caracterizam-se por tireoide diminuída à palpação, devido ao processo destrutivo crônico da glândula (forma atrófica da Tireoidite de Hashimoto). 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Portanto, a Tireoidite de Hashimoto pode ser diagnosticada em pacientes com bócio eutireóideos, com hipotireoidismo subclínico ou com hipotireoidismo clínico, ou em pacientes sem bócio com hipotireoidismo clínico ou com hipotireoidismo subclínico. O hipotireoidismo clínico está presente em aproximadamente 20% dos pacientes ao diagnóstico, mas sua frequência aumenta com a progressão da doença, devido à destruição crônica do parênquima tireoidiano. A amiodarona é uma molécula rica em iodo (1 comprimido de 100 mg de amiodarona contém aproximadamente 200 vezes a necessidade diária de iodo de um indivíduo normal) que apresenta tempo de meia-vida longo e eliminação lenta, devido à sua distribuição tecidual extensa, e pode causar disfunção tireoidiana, tanto hipotireoidismo quanto hipertireoidismo, em aproximadamente 14-18% dos pacientes. Os principais mecanismos de disfunção tireoidiana causados pela amiodarona são: - Sobrecarga de iodo. - Inibição da conversão periférica de T4 em T3. - Reação autoimune. - Ação tóxica direta à tireoide. - Bloqueio da entrada do hormônio tireoidiano (T3) na célula-alvo. - Diminuição da ligação do T3 aos seus receptores na célula-alvo. O hipotireoidismo induzido por uso da amiodarona é mais frequente em pacientes do sexo feminino, com autoimunidade tireoidiana e residentes em regiões com ingestão adequada de iodo. Diagnóstico: O diagnóstico do hipotireoidismo sempre exige confirmação laboratorial, visto que os sinais e sintomas da doença são altamente variados e inespecíficos. Assim, a confirmação diagnóstica do hipotireoidismo nunca deve basear-se apenas nos achados clínicos, exceto nos casos de coma mixedematoso, nos quais o tratamento deve ser iniciado antes mesmo da confirmação laboratorial devido à gravidade do quadro. A confirmação laboratorial do hipotireoidismo é muito simples e baseia-se apenas na dosagem do TSH, que deve ser sempre o 1º exame a ser solicitado na suspeita de disfunção tireoidiana, devido à sua alta sensibilidade, mesmo para disfunções tireoidianas muito leves. No hipotireoidismo primário, o TSH estará sempre aumentado. O valor de referência do TSH para indivíduos adultos varia entre 0,45 e 4,5 mUI/mL, exceto em indivíduos idosos, nos quais deve-se considerar valores de corte mais altos. O valor de referência do TSH para gestantes é mais baixo do que o valor normal no adulto. Atualmente, recomenda-se a realização de dosagem de TSH para rastreamento ou screening em pacientes com sinais e/ou sintomas sugestivos ou em indivíduos com alto risco para hipotireoidismo, como mulheres > 60 anos de idade, gestantes ou mulheres que desejam engravidar com maior risco de hipotireoidismo, portadores de doenças autoimunes, como DM tipo I, pacientes usuários de amiodarona, lítio ou outras drogas que podem alterar a função tireoidiana, pacientes com história de cirurgia ou radioterapia da região cervical e indivíduos com história familiar de doenças da tireoide. Em aproximadamente 95% dos casos de hipotireoidismo, os níveis séricos de TSH estão aumentados. Além do TSH, a dosagem de T4 livre também é frequentemente utilizada para a avaliação do hipotireoidismo, aumentando ainda mais a sensibilidade do diagnóstico laboratorial. A dosagem de T4 livre é preferível à dosagem de T4 total, visto que o T4 total é altamente influenciado pela concentração sérica de proteínas carreadoras, como albumina e globulina ligadora de tiroxina (TBG). A dosagem de T3 não tem utilidade na avaliação do hipotireoidismo e, portanto, não é recomendada para a avaliação de rotina do hipotireoidismo. A presença de aumento discreto do TSH deve ser confirmada com a repetição do exame em um intervalo de 2 a 3 meses, antes de iniciar qualquer tratamento. Quando houver a segunda coleta do TSH, deve-se coletar também T4 livre e anti-TPO. Os possíveis achados laboratoriais e o seu significado são: 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - TSH alto e T4 livre baixo: hipotireoidismo clínico. - TSH alto e T4 livre normal: hipotireoidismo subclínico. - TSH normal ou baixo e T4 livre baixo: hipotireoidismo central. A dosagem do TSH e do T4 livre é importante para a confirmação diagnóstica do hipotireoidismo clínico ou subclínico. Entretanto, o exame de primeira escolha para a investigação etiológica do hipotireoidismo é a dosagem dos anticorpos anti-tireoperoxidase (anti-TPO), visto que a principal causa de hipotireoidismo é a Tireoidite deHashimoto. O anti-TPO é positivo em aproximadamente 90-95% dos casos de Tireoidite de Hashimoto. Outro autoanticorpo que também pode ser pesquisado é o anti-tireoglobulina, que é positivo em aproximadamente 60% dos casos de Tireoidite de Hashimoto. Portanto, a presença de anticorpos anti-TPO positivos confirma o diagnóstico de Tireoidite de Hashimoto. Além da confirmação diagnóstica, a dosagem do anti-TPO também é útil em pacientes com hipotireoidismo subclínico, pois possibilita avaliar o risco de evolução para hipotireoidismo clínico, além de esclarecer a causa para o aumento do TSH. Uma vez positivo, não há necessidade de repetir a dosagem do anti-TPO. OBS.: A tireoperoxidase (TPO) é a principal enzima envolvida no processo de síntese de hormônios tireoidianos. Os anticorpos anti- TPO são autoanticorpos que, na Tireoidite de Hashimoto, ligam-se à enzima TPO e inibem a síntese de hormônios tireoidianos. A dosagem do anti-TPO pode ser positiva no hipertireoidismo por Doença de Graves, tornando claro que o autoanticorpo é um marcador indicativo de que a causa da doença tireoidiana é autoimune. A ultrassonografia de tireoide não está indicada de rotina para todos os pacientes com hipotireoidismo ou Tireoidite de Hashimoto. A ultrassonografia está indicada para pacientes que apresentam anormalidades estruturais da tireoide, como bócio ou nódulos, ou ainda para pacientes nos quais a etiologia do hipotireoidismo é duvidosa (pacientes com hipotireoidismo com anti-TPO negativo). A presença de bócio leve a moderado associado à hipoecogenicidade da glândula tireoide à ultrassonografia é característico da Tireoidite de Hashimoto. Além disso, mesmo em pacientes com função tireoidiana normal, a presença de parênquima hipoecogênico à ultrassonografia aumenta a probabilidade de evolução para hipotireoidismo. Tratamento: O tratamento do hipotireoidismo baseia-se no uso da levotiroxina sódica com o objetivo terapêutico de eutireoidismo clínico e laboratorial. A levotiroxina deve ser consumida em jejum no mínimo 30 minutos antes do café da manhã ou no mínimo 2 horas após a refeição, visto que a ingestão alimentar pode reduzir a absorção intestinal da droga. A dose média de levotiroxina recomendada para pacientes adultos com hipotireoidismo é de 1,6 a 1,8 mcg/kg/dia. A dose de levotiroxina necessária diminui com o envelhecimento (em aproximadamente 20%), devido à redução do metabolismo basal associada ao aumento da idade, e aumenta durante a gestação (em aproximadamente 25-30%), devido ao aumento do metabolismo basal associado ao crescimento/desenvolvimento fetal, havendo necessidade de ajuste adequado da dose de levotiroxina. O controle do tratamento deve ser realizado por meio da dosagem sérica do TSH a cada 6 meses. Nos casos de hipotireoidismo central (TSH normal ou reduzido), o acompanhamento do tratamento com levotiroxina deve ser realizado por meio da dosagem sérica do T4 livre, com o objetivo de manter o seu valor no limite superior da normalidade. A meta do TSH para pacientes adultos com hipotireoidismo em tratamento é de 0,5 a 2,5 mUI/L. Após o início do tratamento e até a definição da dose de levotiroxina adequada para o paciente, deve-se realizar nova dosagem do TSH a cada 3 meses (necessidade de tempo adequado para normalização dos níveis séricos de TSH). Recomenda-se que, quando houver necessidade de aumento da dose de levotiroxina devido à presença de TSH persistentemente elevado, não se ultrapasse 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 25 mcg de aumento. Além disso, recomenda- se que o paciente evite a troca da marca comercial da levotiroxina, uma vez que há diferenças nas potências entre as várias marcas disponíveis no mercado, havendo necessidade de novo ajuste de dose se houver troca de marca, com nova necessidade de dosagem do TSH após intervalo mínimo de 2 meses. Quando o TSH permanece persistentemente elevado, deve-se sempre investigar má adesão ao tratamento, interações medicamentosas, falta de tempo adequado para a determinação de nova dosagem do TSH em pacientes que submetidos a ajuste de dose e/ou a troca de marca comercial da levotiroxina ou alteração do curso da doença (remissão ou piora clínica). A duração do tratamento com levotiroxina depende da etiologia do hipotireoidismo. Na Tireoidite de Hashimoto, a deficiência de hormônios tireoidianos é definitiva, assim como nos casos de hipotireoidismo pós- tireoidectomia ou uso de iodo radioativo, havendo necessidade de tratamento com levotiroxina de forma vitalícia. Entretanto, em aproximadamente 10% dos casos de Tireoidite de Hashimoto, pode haver regressão espontânea da doença para eutireoidismo, possibilitando a suspensão do tratamento com levotiroxina. Nas tireoidites subagudas, na tireoidite pós-parto e no hipotireoidismo induzido por drogas, a deficiência de hormônios tireoidianos é transitória na maioria dos casos, havendo necessidade de tratamento com levotiroxina apenas por tempo limitado. Deve-se evitar dose excessiva de levotiroxina, resultando em supressão do TSH e hipertireoidismo subclínico, devido ao risco aumentado de arritmias cardíacas, como fibrilação atrial, e osteoporose. Assim, pacientes idosos com hipotireoidismo que apresentam cardiopatia isquêmica e/ou insuficiência cardíaca devem iniciar tratamento com levotiroxina em doses mais baixas (12,5 a 25 mcg/dia) e aumentá-las progressivamente até atingir a dose necessária. Hipotireoidismo Subclínico: O hipotireoidismo subclínico representa um diagnóstico laboratorial caracterizado por TSH aumentado e T4 livre normal. Muitas vezes, o hipotireoidismo subclínico representa um estágio de transição na evolução da tireoidite autoimune (Tireoidite de Hashimoto), em que o paciente está passando de um estágio de eutireoidismo para um estágio de hipotireoidismo clínico. Por isso, é comum a dosagem de anticorpos antitireoidianos (anti-TPO e anti-Tg) apresentar títulos elevados em pacientes com hipotireoidismo subclínico. O hipotireoidismo subclínico está associado a aumento do risco de eventos coronarianos e de mortalidade por doença arterial coronariana em pacientes < 65 anos de idade, principalmente quando TSH ≥ 7 mUI/L. As recomendações de tratamento do hipotireoidismo subclínico são: Pacientes idosos (idade > 65 anos) ou muito idosos (idade > 80 anos) com hipotireoidismo subclínico e níveis séricos de TSH < 10 mUI/L não devem receber tratamento de rotina, devendo haver avaliação individualizada de cada caso. Se for optado por tratar o hipotireoidismo subclínico, recomenda-se que a dose de levotiroxina seja menor do que a dose recomendada para o tratamento do hipotireoidismo clínico, ou seja, de 1,0 a 1,2 mcg/kg/dia. Coma Mixedematoso: O coma mixedematoso representa a manifestação clínica mais grave do hipotireoidismo, sendo considerada uma 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 emergência endócrina, cuja mortalidade é de aproximadamente 50%. O diagnóstico do coma mixedematoso é clínico, não havendo necessidade de confirmação laboratorial do hipotireoidismo para iniciar o tratamento. O diagnóstico baseia-se na presença dos seguintes achados clínicos: - Alteração do estado mental: letargia, sonolência, delírio, confusão mental ou coma. - Hipotermia ou distúrbio da termorregulação: hipotermia ou ausência de febre na presença de infecções graves. - Presença de fator precipitante: infecção (principal), uso de medicamentos (benzodiazepínicos), AVC e exposição ao frio. O tratamento do coma mixedematoso baseia-se na administração de altas doses de levotiroxina e no tratamento das complicações associadas, geralmente havendo necessidade de internação em UTI. As principais medidas terapêuticas são: - Levotiroxina em altas doses: geralmente administra-se de 300 a 500 mcg por meio de sonda nasoenteral (ataque), seguido de 100 a 200 mcg por via oral (manutenção).- Tratamento do fator precipitante: antibióticos EV (infecção). - Tratamento de suporte das complicações: → Hipotermia: aquecimento com cobertores. → Hiponatremia: solução salina hipertônica EV. → Hipoglicemia: soro glicosado (5% ou 10%) EV. → Hipotensão: hidratação EV + noradrenalina EV. → Hipoventilação: ventilação mecânica. → Corticoides: hidrocortisona 100 mg EV (ataque), seguido de 50-100 mg EV de 8/8 horas (manutenção). Hipertireoidismo: Introdução: A tireotoxicose é a síndrome clínica caracterizada por excesso de hormônios tireoidianos, por qualquer etiologia. Já o hipertireoidismo refere-se à tireotoxicose que resulta do excesso de produção de hormônios pela glândula tireoide (tireoide hiperfuncionante). A principal causa de tireotoxicose e de hipertireoidismo é a Doença de Graves, que corresponde a aproximadamente 80% dos casos. As manifestações clínicas do hipertireoidismo podem acometer vários órgãos e sistemas diferentes. Se o hipertireoidismo não for controlado, a doença pode causar inúmeras complicações a longo prazo, principalmente sobre o coração (taquiarritmias) e os ossos (osteoporose). Manifestações Clínicas: As manifestações clínicas do hipertireoidismo variam quanto à gravidade e à duração da doença e quanto à faixa etária do paciente. Uma das principais alterações do hipertireoidismo é o aumento do metabolismo basal e da termogênese em até 60 a 100%, resultando em manifestações clínicas como perda de peso, intolerância ao calor, sudorese intensa e aumento do apetite. Entretanto, a perda de peso deve-se principalmente à perda de massa muscular, devido à alta renovação proteica induzida pelo excesso de hormônios tireoidianos, resultando em queixas frequentes de fadiga e fraqueza muscular. Em idosos, a apresentação clínica pode ser atípica, havendo menos sintomas como irritabilidade e intolerância ao calor e mais sinais e sintomas como anorexia, perda de peso, astenia, fraqueza muscular, apatia e depressão na ausência de sinais adrenérgicos (hipertireoidismo apático). A presença de manifestações clínicas cardiovasculares (insuficiência cardíaca e arritmias supraventriculares, como taquicardia sinusal e fibrilação atrial) também são muito frequentes no idoso. A presença de taquicardia em repouso é um achado diagnóstico importante no hipertireoidismo. Em crianças, o hipertireoidismo manifesta-se principalmente por agitação, dificuldade de concentração e queda do rendimento escolar, sendo importante o diagnóstico diferencial com TDAH, além da presença de hiperfagia, insônia, taquicardia, tremores e perda de peso. O bócio está presente em 98% dos casos de hipertireoidismo na infância. 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Os principais sintomas do hipertireoidismo são: - Irritabilidade/Nervosismo. - Insônia. - Intolerância ao calor. - Sudorese excessiva. - Palpitações. - Dispneia. - Astenia. - Fadiga e fraqueza muscular (proximal). - Perda de peso. - Aumento do apetite. - Anorexia. - Queixas oculares. - Hiperdefecação. - Diarreia. - Constipação intestinal (em apenas 4% dos pacientes com hipertireoidismo). - Ganho de peso, principalmente em pacientes jovens devido ao aumento do apetite (apenas 2% dos pacientes com hipertireoidismo evoluem com ganho de peso). - Poliúria e polidipsia. - Distúrbios menstruais (principalmente amenorreia). - Disfunção erétil. - Edema de membros inferiores. Os principais sinais do hipertireoidismo são: - Taquicardia sinusal. - Fibrilação atrial. - Hipertensão arterial sistólica. - Bócio. - Alterações oculares. - Tremores. - Pele quente e úmida. - Eritema palmar. - Presença de sopro na glândula tireoide. - Ginecomastia. - Hiperreflexia. Quanto às manifestações clínicas cardiorrespiratórias do hipertireoidismo, destaca-se a hiperatividade adrenérgica sem aumento das catecolaminas plasmáticas, a taquicardia e as palpitações, a vasodilatação que resulta em queda da resistência vascular periférica e da PAD, o aumento da PAS e da pressão de pulso, o aumento da necessidade tecidual de O2, a intolerância ao exercício, as arritmias supraventriculares, como taquicardia sinusal e fibrilação atrial, o aumento do consumo de O2 e da produção de CO2 resultando em hipoxemia, hipercapnia e hiperventilação compensatória e a dispneia devido à compressão da traqueia causada por bócios muito importantes. Manifestações Cardiovasculares: - Hipertireoidismo: taquiarritmias, como taquicardia sinusal e fibrilação atrial. - Hipotireoidismo: alterações congestivas, como insuficiência cardíaca congestiva, congestão pulmonar e tamponamento cardíaco. Uma das principais complicações clínicas a longo prazo do hipertireoidismo não tratado é a osteoporose, que ocorre devido à perda de massa óssea resultante do aumento da reabsorção óssea causada pelo excesso de hormônios tireoidianos. Quanto às manifestações clínicas oculares, o hipertireoidismo caracteriza-se por retração palpebral, caracterizada por presença de olhar fixo ou assustado e sinal de lid-lag, que corresponde ao retardo na descida da pálpebra superior quando o paciente olha para baixo, expondo a conjuntiva ocular acima da íris. A retração palpebral que ocorre no hipertireoidismo deve-se à hiperatividade adrenérgica. Já na Oftalmopatia de Graves, que ocorre de forma clinicamente evidente em aproximadamente 50% dos pacientes com Doença de Graves, observa-se os seguintes achados: - Hiperemia palpebral e conjuntival. - Edema palpebral. - Edema conjuntival (quemose). - Aumento de volume dos músculos extraoculares. - Exoftalmia unilateral ou bilateral. 10 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Fotofobia. Os principais achados da Oftalmopatia de Graves devem-se ao espessamento (aumento de volume) dos músculos extraoculares e ao aumento da deposição de gordura no espaço retro-ocular, resultando em aumento da pressão intraorbitária, protrusão do globo ocular, caracterizando a proptose ou exoftalmia, e em diminuição da drenagem venosa, causando edema periorbital, edema conjuntival (quemose) e hiperemia conjuntival. Outros achados menos comuns são: - Ptose palpebral. - Diplopia. - Oftalmoplegia (paralisia dos músculos do globo ocular). Os achados presentes em casos graves são: - Disfunção do nervo óptico. - Defeitos de campos visuais. - Perda de visão. Etiologia: As causas de tireotoxicose podem ser classificadas em: - Tireotoxicose com hipertireoidismo (aumento da produção de hormônios tireoidianos pela glândula tireoide; tireoide hiperfuncionante). - Tireotoxicose sem hipertireoidismo (sem aumento da produção de hormônios tireoidianos pela glândula tireoide; tireoide normofuncionante ou hipofuncionante). Principais Causas de Hipertireoidismo Doença de Graves (bócio difuso tóxico) Bócio multinodular tóxico Bócio uninodular tóxico ou Doença de Plummer Hipertireoidismo induzido por iodo Tumores trofoblásticos produtores de HCG Adenoma hipofisário secretor de TSH Hipertireoidismo familiar (mutações no receptor de TSH) Hipertireoidismo neonatal transitório A tireotoxicose factícia não é considerada um hipertireoidismo verdadeiro, visto que não há aumento da produção de hormônios tireoidianos pela glândula tireoide, mas sim a ingestão dos hormônios tireoidianos exógenos (T3, T4 e/ou derivados). Doença de Graves: A Doença de Graves representa a principal causa de hipertireoidismo, sendo responsável por aproximadamente 80% dos casos. Ela é uma doença autoimune muito menos frequente do que a Tireoidite de Hashimoto, com prevalência de 0,4 a 1,0% na população geral. A doença é de 5 a 10 vezes mais comum no sexo feminino, principalmente entre 20 e 40 anos de idade e apresenta forte predisposição familiar. Entretanto a Doença de Graves não é determinada apenas por fatores genéticos, mas também altamente influenciada por fatoresambientais, como tabagismo e estresse psicossocial. A Doença de Graves, também chamada de bócio difuso tóxico, é uma tireoidite crônica de etiologia autoimune, assim como a Tireoidite de Hashimoto, sendo caracterizada pela produção de um anticorpo da classe IgG específico para o receptor de TSH, denominado TRAb, que liga-se ao receptor de TSH nas células foliculares da tireoide e mimetiza a ação estimulatória do TSH, induzindo a hipersecreção de hormônios tireoidianos e o crescimento difuso do parênquima da glândula tireoide por hipertrofia, hiperplasia e neovascularização, resultando em bócio difuso tóxico. A reação autoimune pode envolver outros órgãos além da tireoide, como as órbitas, em que a inflamação e o edema dos músculos extraoculares e do tecido conjuntivo retro-orbitário causam a Oftalmopatia de Graves, caracterizada por exoftalmia, e o tecido celular subcutâneo, resultando em dermopatia ou mixedema. O TRAb liga-se ao receptor do TSH, estimulando a síntese e a liberação dos hormônios T3 e T4, que exercem feedback negativo sobre a hipófise e o hipotálamo, resultando em supressão dos níveis séricos de TSH, mas não dos níveis séricos de TRAb, que permanecem elevados estimulando a atividade da glândula tireoide, além de seu crescimento. 11 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 A dosagem do TRAb é positiva em praticamente 100% dos pacientes com Doença de Graves, sendo um marcador laboratorial altamente específico para a doença. Além do TRAb, entretanto, outros autoanticorpos também podem estar presentes na doença, como anti-TPO e anti- Tg. Diagnóstico: O diagnóstico do hipertireoidismo é laboratorial e baseia-se na dosagem de TSH e de T4 livre. Na maioria dos casos, o TSH está baixo ou indetectável e o T4 livre está alto. A dosagem de T3 também pode ser realizada para a avaliação diagnóstica do hipertireoidismo. O T3, assim como o T4 livre, geralmente está alto. Portanto, a confirmação diagnóstica do hipertireoidismo baseia-se apenas na avaliação dos valores de TSH e de T4 livre. As possibilidades de resultados dos exames laboratoriais e seus significados são: - TSH baixo + T4 livre alto: hipertireoidismo clínico. - TSH baixo + T4 livre normal: hipertireoidismo subclínico. - TSH normal ou alto + T4 livre alto: hipertireoidismo central (adenoma hipofisário hipersecretor de TSH). Nas fases iniciais da Doença de Graves ou da Doença de Plummer, pode-se observar TSH suprimido associado a T4 livre normal e a aumento isolado de T3 (T3-tireotoxicose). Quando há suspeita de tireotoxicose factícia, deve-se solicitar a dosagem sérica de T3, T4 total, T4 livre e tireoglobulina. Os achados laboratoriais são: - Tireoglobulina sérica baixa ou indetectável. - Ingestão de T3: T3 alto, T4 total e T4 livre baixos. - Ingestão de T4: T3, T4 total e T4 livre altos. Além da avaliação dos valores do TSH e dos hormônios tireoidianos, também pode-se solicitar a dosagem de anticorpos antitireoidianos, como TRAb e anti-TPO, indicativos da etiologia autoimune do hipertireoidismo, sendo a causa mais comum a Doença de Graves, que cursa com a presença de autoanticorpos TRAb em quase 100% dos casos. Entretanto, a dosagem de TRAb não é indicada de rotina, devendo ser solicitada apenas quando há dúvida diagnóstica de Doença de Graves, em gestantes com história de Doença de Graves (para avaliar o risco de tireotoxicose neonatal por passagem transplacentária dos anticorpos maternos), no diagnóstico diferencial da tireotoxicose gestacional e em pacientes eutireóideos com sinais de oftalmopatia inflamatória. Portanto, em pacientes com hipertireoidismo clínico, bócio difuso de tireoide e sinais oftalmopatia, não há necessidade de dosagem do TRAb para a confirmação diagnóstica de Doença de Graves, visto que o diagnóstico também é clínico. Outro exame que pode ser realizado para a investigação da causa do hipertireoidismo é cintilografia com captação de iodo radioativo (iodo-131), que possibilita avaliar a função da glândula tireoide, pois quanto maior a captação do radioisótopo maior a função de síntese dos hormônios tireoidianos. Os principais padrões de captação de iodo- radioativo na cintilografia são: - Doença de Graves: hipercaptação difusa. - Bócio multinodular tóxico: hipercaptação heterogênea em tireoide aumentada, com um ou mais nódulos hipercaptantes, correspondendo às áreas autônomas, e o restante da glândula com captação diminuída devido à supressão do TSH. - Bócio uninodular tóxico (Doença de Plummer): hipercaptação apenas no local do nódulo autônomo com o restante da glândula não captante. - Tireotoxicose factícia e tireoidites: captação tireoidiana muito baixa ou ausente. Atualmente, a cintilografia está indicada principalmente nos casos de hipertireoidismo com nódulo tireoidiano palpável (para confirmar Doença de Plummer, que apresenta-se na forma de nódulo quente/hiperfuncionante) ou na suspeita de tireoidites. Tratamento: O tratamento do hipertireoidismo por Doença de Graves baseia-se em terapia farmacológica com drogas antitireoidianas, iodo radioativo, com iodo-131, e cirurgia de tireoidectomia total nos casos refratários. 12 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 As drogas antitireoidianas disponíveis no Brasil são o metimazol (tapazol), em comprimidos de 5 e 10 mg, e o propiltiouracila, em comprimidos de 100 mg. Ambas as drogas atuam inibindo a ação da enzima tireoperoxidase (TPO), resultando em bloqueio de várias etapas da síntese dos hormônios tireoidianos (T3 e T4). Além disso, ambas as drogas também apresentam efeito imunomodulador associado ao seu uso prolongado, visto que induzem queda dos níveis séricos de anticorpos antitireoidianos, como TRAb e anti-TPO. O propiltiouracila, quando utilizado em altas doses, apresenta efeito adicional de inibição da conversão periférica de T4 em T3, permitindo redução mais rápida dos níveis séricos do hormônio T3 quando comparado ao uso do metimazol, possibilitando melhora mais rápida dos sinais e sintomas do hipertireoidismo. O metimazol apresenta maior tempo de meia-vida (4 a 6 horas) do que o propiltiouracila (1 hora), podendo ser utilizado em uma única dose diária, diferentemente do propiltiouracila, que deve ser utilizado em 2 a 3 doses diárias. Além disso, o metimazol apresenta menos efeitos adversos quando comparado ao propiltiouracila, principalmente em relação à sua hepatotoxicidade. Por isso, o metimazol é a droga de 1ª escolha para o tratamento do hipertireoidismo por Doença de Graves na maioria dos pacientes. O propiltiouracila é, entretanto, a droga de escolha durante a gestação, quando deve ser utilizado na menor dose possível para o controle do hipertireoidismo, por apresentar menor passagem placentária e não causar aplasia do couro cabeludo do RN, que está associado ao uso do metimazol, e em casos graves de hipertireoidismo, como na crise tireotóxica. O metimazol deve ser iniciado na dose de 10 a 30 mg no hipertireoidismo leve a moderado e na dose de 40 a 60 mg no hipertireoidismo grave, sempre em uma dose única diária. O metimazol é contraindicado no 1º trimestre de gestação, devido ao risco de causar aplasia cutis congênita no RN. O propiltiouracila deve ser iniciado na dose de 100 a 400 mg 3 vezes ao dia. Ele é indicado no tratamento do hipertireoidismo grave/severo, na crise tireotóxica e no 1º trimestre de gestação. O propiltiouracila é a droga de escolha no tratamento de formas graves de hipertireoidismo devido à sua ação adicional de inibir a conversão periférica de T4 em T3, o que possibilita controle mais rápido do quadro de tireotoxicose. O uso de propiltiouracila, entretanto, está associado à redução da eficácia do iodo radioativo (iodo- 131) em possível terapia no futuro. A melhora dos níveis séricos de T3 e T4 inicia-se após 10 a 15 dias de tratamento com metimazol ou propiltiouracila e, em até 4 a 8 semanas,até 90% dos pacientes torna- se clinicamente eutireoideo. Deve-se sempre investigar a adesão ao tratamento nos pacientes que não melhoram com o uso da medicação. O TSH pode demorar alguns meses até atingir novo valor de equilíbrio, podendo permanecer suprimido por até 6 meses. Por isso, a monitorização da resposta ao tratamento nos primeiros meses deve ser realizada por meio da dosagem de T3 e T4 livre a cada 4 a 6 semanas. Após a estabilização clínica e laboratorial do paciente, a dose inicial da droga pode ser reduzida gradualmente até uma dose de manutenção, de 5 a 15 mg/dia de metimazol ou de 50 a 200 mg/dia de propiltiouracila. Entretanto, as recorrências são frequentes, havendo necessidade de novo aumento de dose da droga antitireoidiana para controle da doença. Os principais efeitos adversos das drogas antitireoidianas são: - Prurido. - Rash cutâneo. - Urticária. - Artralgia. - Leucopenia (geralmente transitória, ocorre em 12 a 25% dos casos). Estes efeitos adversos são considerados leves, geralmente estão associados ao uso de altas doses, como ocorre no início do tratamento, e raramente exigem a suspensão da droga antitireoidiana. O manejo das manifestações alérgicas baseia- se no uso de um anti-histamínico em associação ao antitireoidiano ou na substituição de uma droga por outra (substituição do propiltiouracila por metimazol e vice-versa). 13 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Outros efeitos adversos raros são: - Poliartrite grave. - Agranulocitose (0,1-0,5% dos casos): efeito potencialmente fatal que deve ser suspeitado em pacientes com febre, odinofagia e lesões da mucosa oral, caracterizado por presença de < 500 granulócitos/mm3, devendo ser manejado com suspensão imediata da droga antitireoidiana, uso de antibióticos para prevenir ou tratar possíveis infecções e, por vezes, uso de fator estimulador de colônia de granulócitos; o paciente que desenvolver agranulocitose tem contraindicação ao uso de qualquer um dos antitireoidianos, devendo tratar o hipertireoidismo apenas com iodo radioativo ou cirurgia. - Hepatotoxicidade (propiltiouracila); a hepatopatia ativa é uma contraindicação ao tratamento com antitireoidianos. - Colestase (metimazol). - Hipoglicemia (metimazol). - Anemia aplásica. - Vasculites. Na Doença de Graves, segundo vários estudos, o uso de drogas antitireoidianas, devido ao seu efeito imunomodulador a longo prazo, associa-se à remissão da doença (manutenção de TSH normal sem uso da medicação) após 12 a 24 meses de tratamento em 30 a 50% dos pacientes. Portanto, recomenda-se a suspensão do antitireoidiano após 12 a 18 meses de tratamento da Doença de Graves e, se o paciente apresentar TSH normal e, principalmente, TRAb em níveis normais, realiza-se acompanhamento com TSH a cada 6 meses. Se houver recidiva da doença, geralmente indica-se tratamento definitivo com iodo radioativo ao paciente. Nas outras causas de hipertireoidismo, como bócio uninodular ou multinodular tóxico, o tratamento com drogas antitireoidianas geralmente é realizado apenas na fase inicial, para controle dos níveis hormonais e dos sinais e sintomas tireotóxicos, quando, então, o paciente é encaminhado para a realização de tratamento definitivo com cirurgia ou ablação com iodo radioativo, visto que, nessas patologias, não há remissão do hipertireoidismo com o uso de drogas antitireoidianas. Os β-bloqueadores devem ser utilizados para o alívio dos sintomas adrenérgicos no início do tratamento com antitireoidianos, principalmente em idosos, cardiopatas e pacientes com taquicardia importante, ou como preparo para cirurgia ou ablação com iodo radioativo. Os β-bloqueadores atuam na redução da FC, da PA, dos tremores, da intolerância ao exercício e da labilidade emocional. As principais drogas recomendadas e suas posologias são: - Propranolol 40-120 mg/dia. - Atenolol 50-100 mg/dia. - Metoprolol 25-50 mg/dia. Os bloqueadores de canais de cálcio, como verapamil e diltiazem, são opções em casos de contraindicação ou intolerância ao uso de β-bloqueadores para o controle da FC. Os corticoesteroides estão indicados na profilaxia do desenvolvimento ou da progressão da oftalmopatia na Doença de Graves e no tratamento da crise tireotóxica. O iodo radioativo representa a 1ª escolha de tratamento do hipertireoidismo em: - Pacientes com Doença de Graves e recidiva do hipertireoidismo após tratamento prolongado com antitireoidianos. - Pacientes com contraindicação ao uso de drogas antitireoidianas e/ou à cirurgia. - Pacientes com bócio uninodular tóxico (Doença de Plummer) e nódulos < 4 cm de diâmetro. - Pacientes com bócio multinodular tóxico. - Pacientes em que o controle definitivo e rápido do hipertireoidismo é necessário, como ocorre em pacientes idosos, cardiopatas, mulheres em idade fértil que desejam engravidar no futuro e puéperas. O principal efeito adverso do iodo radioativo é a indução de hipotireoidismo, que ocorre em 30 a 50% dos pacientes com Doença de Graves após 6 meses, 60 a 80% após 1 ano e 80 a 100% após 10 anos. Em até 25% das vezes, o hipotireoidismo pode ser transitório. Outro possível efeito adverso do iodo radioativo é a piora transitória do hipertireoidismo em aproximadamente 10% 14 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 dos pacientes, devido à liberação aguda de hormônios contidos nos folículos tireoidianos induzida pelo radioisótopo. A dor cervical, na região da tireoide, também é possível, mas geralmente é transitória e autolimitada. Em pacientes com Oftalmopatia de Graves, segundo alguns estudos, o iodo radioativo pode causar piora transitória do quadro, principalmente em pacietes tabagistas e com doença mais grave. Entretanto, esta piora pode ser prevenida por uso de corticoides. O propiltiouracila, quando utilizado antes da terapia com iodo radioativo, pode diminuir a efetividade do tratamento. Por isso, os antitireoidianos devem ser suspensos no mínimo 7 dias antes. Além disso, recomenda-se que o paciente realize uma dieta pobre em iodo de 15 a 30 dias antes da administração do iodo ratioativo, de forma a aumentar a eficácia da dose administrada. O iodo radioativo é contraindicado na gestação e na lactação, na presença de lesões suspeitas ou confirmadas de câncer de tireoide e em mulheres com plano de engravidar em período < 4 a 6 meses. Em resumo, mulheres grávidas com suspeita ou diagnóstico de hipertireoidismo não podem realizar cintilografia, não podem utilizar metimazol e não podem ser submetidas a terapia de ablação com iodo radioativo. A tireoidectomia é indicada nas seguintes situações: - Indicações Absolutas: → Bócio de tireoide volumoso com sintomas compressivos. → Bócio uninodular tóxico (Doença de Plummer) e nódulos > 4 cm de diâmetro. → Nódulo tireoidiano maligno ou suspeito de malignidade. → Gestante refratária ao tratamento com propiltiouracila. → Recusa ao tratamento com iodo radioativo. → Mulheres com plano de engravidar em 6 a 12 meses. → Intolerância às drogas antitireoidianas. - Indicações Relativas: → Bócio volumoso. → Oftalmopatia de Graves grave. → Baixa adesão ao tratamento clínico. → Ausência de resposta ao tratamento com drogas antitireoidianas. Quando há indicação de cirurgia, o procedimento de escolha é a tireoidectomia total. A cura do hipertireoidismo é alcançada em 98% dos pacientes que são submetidos à cirurgia. Os principais efeitos adversos são o hipotireoidismo e o hipoparatireoidismo. A lesão do nervo laríngeo recorrente é rara. As principais vantagens da tireoidectomia para o tratamento do hipertireoidismo são: - Rápida normalização da disfunção hormonal tireoidiana. - Maior efetividade nos casos de bócio volumoso com sintomas compressivos. As principais desvantagens são: - Alto custo. - Necessidade de internação hospitalar. - Risco anestésico. - Risco cirúrgico: hipotireoidismo,hipoparatireoidismo, lesão do nervo laríngeo recorrente, hemorragia, infecção, etc. Hipertireoidismo Subclínico: O hipertireoidismo subclínico, definido como TSH baixo e T3 e T4 livre normais, tem sido cada vez mais diagnosticado, principalmente em mulheres idosas, sendo, entretanto, muito menos frequente do que o hipotireoidismo subclínico (prevalência de 1 a 2% na população geral). Qualquer etiologia do hipertireoidismo pode causar hipertireoidismo subclínico. A causa mais comum, entretanto, é o uso de doses excessivas de levotiroxina em pacientes com hipotireoidismo, devendo, nestes casos, haver redução da dose da medicação. Segundo estudos, a presença de níveis de TSH apenas levemente reduzidos (entre 0,1 e 0,45 mUI/L) já está associada a disfunção cardíaca, como hipertrofia ventricular esquerda, aumento da função sistólica e aumento do débito cardíaco e redução da função diastólica. Já a presença de níveis de TSH < 0,1 mUI/L está associada a aumento 15 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 do risco de fibrilação atrial, de perda de massa óssea e fraturas ósseas, principalmente em mulheres na pós- menopausa e/ou ≥ 65 anos de idade, e de mortalidade. Assim, o hipertireoidismo subclínico tem indicação de tratamento nos seguintes casos: - Pacientes com TSH persistentemente < 0,1 mUI/L e, no mínimo, 1 das condições a seguir: → Idade ≥ 65 anos. → Doença cardiovascular ou múltiplos fatores de risco cardiovascular. → Osteoporose. → Mulheres na pós-menopausa sem uso de estrogênios. → Sintomas sugestivos de hipertireoidismo. Para pacientes com hipertireoidismo subclínico e TSH entre 0,1 e 0,5 mUI/L, recomenda-se apenas seguimento com nova dosagem de TSH a cada 6 meses. Resumo! • TSH baixo (suprimido) e T4 livre alto: hipertireoidismo. • TSH alto e T4 livre baixo: hipotireoidismo. • TSH normal ou alto e T4 livre alto: hipertireoidismo central. • TSH normal ou baixo e T4 livre baixo: hipotireoidismo central. • TSH baixo (suprimido) e T4 livre normal: hipertireoidismo subclínico. • TSH alto e T4 livre normal: hipotireoidismo subclínico.
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