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Conteudista: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.a Dra. Selma Aparecida Cesarin Objetivos da Unidade: Investigar a Linguagem Literária; Estudar as formas literárias em sua instância de autonomia relativa; Observar as relações entre Literatura e Sociedade. Material Teórico Material Complementar Referências Linguagens Literárias Caminhos Literários Continuando nosso percurso, por hora estudaremos as Linguagens Literárias, suas questões, especi�cidades, seus contornos, suas dinâmicas de funcionamento e suas conexões com as formas de ler e produzir a vida. Para nos acompanhar nessa estrada cheia de curvas sinuosas, vistas deleitantes, atalhos, alguns buracos e percalços, teremos a companhia preciosa de Antonio Candido, um dos maiores críticos literários brasileiros e importante pensador da Literatura em suas diversas formas, especialmente, na Sociedade brasileira. Começos, então, com uma possibilidade de de�nição sobre a Linguagem que Candido anuncia: 1 / 3 Material Teórico “Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, �ccional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação.” Notemos que Candido tenta classi�car a Literatura a partir de um espectro amplo de referências, dando-nos, assim, um chão literário diverso, sedimentado por experiências muito distintas entre si, mas que, no entanto, guardam relação entre si, a ponto de serem designadas como Literatura. Esse aspecto é interessante porque explicita que a conceituação de alguma coisa tão complexa como a Linguagem Literária passa por um esforço de juntar diferentes num universo comum. É como se o comum fosse povoado pela diferença, ou seja, a de�nição não se dá por aquilo que distancia uma experiência da outra, mas, ao contrário, por aquilo que as aproxima. E para Candido, a Literatura é um fenômeno de longa duração e alta penetração social, justamente por seu caráter multiforme. Sua capilaridade, sua disseminação histórica se deu, portanto, graças à sua diversidade e à sua importância. A importância da Literatura, para Candido, se dá por uma razão muito simples: ela é necessária. O autor nos coloca diante de uma questão fundamental: a Linguagem Literária, em suas múltiplas determinações e desenvolvimentos, deu-se e segue se dando porque não há organizações sociais que vivam sem ela. E tal necessidade tem um parâmetro que Candido chama de fabulação. Vamos esmiuçar um pouco mais o sentido dessa palavra, a partir do próprio autor: - CANDIDO, 2004, p. 174 Fabular é o verbo que Antonio Candido escolhe para designar a atividade literária. Mas não é qualquer fabulação a que Candido se refere. O autor ressalta que o conceito que reúne a Linguagem Literária opera na vigília, tendo o sono como sua justa metade. Ao compor a fabulação na dialética vigília-sono, Candido anuncia um horizonte imenso para a atividade literária: por um lado, a fabulação nos apossa, toma conta de nosso inconsciente por - CANDIDO, 2004, p. 174-75 “Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independentemente da nossa vontade. E durante a vigília a criação �ccional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito –, como anedota, causo, história em quadrinho, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção �xada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance. Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da �cção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. Alterando um conceito de Otto Ranke sobre o mito, podemos dizer que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura.” meio dos sonhos e, por outro, em nossa produção autônoma e consciente, perseguimos a fabulação em suas mais variadas formas, isto é, a fabulação é elemento constitutivo de nossa narrativa, de nossa maneira de ler e contar o mundo, de forma consciente ou não. E para as instâncias formais da consciência, a Literatura é produto de ações deliberadas da Humanidade e se desenvolve de maneira plural, criando Códigos, Signos e Estilos com Estruturas Sintáticas e Semânticas que vão se espraiando pelas culturas. Tal processo de Produção de Linguagem, para Candido, é um direito! Sua pretensa universalidade só se realiza se for efetivada nas múltiplas camadas e contextos sociais da qual ela emerge e para a qual ela deve retornar. Assim, há um horizonte de contato com a Linguagem que Candido persegue, um horizonte democrático no qual estão embutidas as inúmeras desigualdades de acesso aos mais variados bens culturais produzidos pela Humanidade ao longo da História. Ao mesmo tempo em que se constitui como um direito, a Literatura para Candido tem um aspecto de equilíbrio social, que o autor metaforiza como o “sonho acordado das civilizações”, como alguma coisa que dá sentido a matéria social: - CANDIDO, 2004, p. 176 “A função da literatura está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório, mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e signi�cado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente.” Esse processo fabular que dá corpo à Linguagem Literária tem, pelo menos, três aspectos importantes, segundo Candido, que conectam autonomia, expressão e conhecimento. Logo, para uma análise mais acurada do fenômeno literário, é preciso levar em conta pelo menos essas três características. É preciso observar, por exemplo, de que forma determinada Obra Literária constrói as suas estruturas e seus signi�cados e como isso se relaciona com outras estruturas e signi�cados literários e sociais. É preciso observar quem são os produtores das Obras, quais os seus contextos históricos, quais as dinâmicas sociais nas quais essas obras estão inseridas, e também como a Literatura é uma forma de conhecimento, um modo de estabelecer interpretações sobre a realidade, sobre o mundo, e nesse sentido como ela própria produz a própria realidade e o próprio mundo. Sobre essa relação dialética com a realidade, a partir de uma dinâmica relacional e de interferência mútua, Candido escreve: - CANDIDO, 1999, p. 86 “[...] A obra literária signi�ca um tipo de elaboração das sugestões da personalidade e do mundo que possui autonomia de signi�cado; masque esta autonomia não a desliga das suas fontes de inspiração no real, nem anula a sua capacidade de atuar sobre ele. Isto posto, podemos abordar o problema da função da literatura como representação de uma dada realidade social e humana, que faculta maior inteligibilidade com relação a esta realidade.” Ao falar da relação da Literatura com o real, Candido nos chama a atenção para como a Literatura pode atuar sobre esse real, ou seja, como ela também funciona como interventora da vida. Logo sua autonomia é relativa, estabelece-se como Linguagem e formulação com instâncias abstratas e particulares, mas, no entanto, opera em contato constante com o assim chamado real, inclusive a ponto de interferir em seu funcionamento. O processo se dá, portanto, num vai e vem: a Linguagem Literária elabora questões do real, destacando-se dele, mas, ao mesmo tempo, a Linguagem Literária se embrenha nesse mesmo real, dando-lhe mais inteligibilidade e, tendo como horizonte, portanto, a sua própria transformação. Algumas Questões Pedagógicas Diante desse cenário complexo no qual estão esculpidas As Linguagens Literárias, como as questões pedagógicas aparecem? Mais uma vez viajaremos com Antônio Candido para tentar especular alguns caminhos possíveis, que podem não ser respostas, mas talvez outras perguntas. Pedagogia – Literatura e Formação “A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia o�cial, que costuma vê- la ideologicamente como um veículo da tríade famosa, – o Verdadeiro, o Bom, o Candido ilumina a relação entre Literatura e Educação a partir de uma dinâmica vívida, pulsante e contraditória, como a própria vida, ou seja, para o autor, a Linguagem Literária a�rma-se como possibilidade pedagógica na medida em que não se furta a ser ela mesma, impura, não linear e, sobretudo, insubmissa aos tipos de moralismos e o�cialidades. Sendo assim, para Candido, a Literatura se manifesta, e pode contribuir educacionalmente, porque sua ação tenciona o campo ideológico hegemônico, porque sua fundação e caminho não se alinham necessariamente ao espectro vigente e suas formas de dominação. Desse modo, Candido aposta na potência da autonomia relativa da Linguagem Literária. É por meio desse distanciamento (que pode variar) que a Literatura educa, e seu horizonte se forja no chão da possibilidade de liberdade. Além desse caráter que conjuga autonomia e perspectiva libertária, a Literatura, Candido chama a atenção para o modo como a Linguagem se organiza e como podemos, então, investigá-la: - CANDIDO, 1999, p. 84-5 Belo, de�nidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente em grande voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como ela, – com altos e baixos, luzes e sombras. Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda a sua gama, é arti�cial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa conduta. E a sociedade não pode senão escolher o que em cada momento lhe parece adaptado aos seus �ns, enfrentando ainda assim os mais curiosos paradoxos, – pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a formação do moço trazem frequentemente o que as convenções desejariam banir.” Candido recupera um elemento clássico da Estética hegeliana ao a�rmar a força da Literatura por sua conjugação dialética entre forma e conteúdo. Tal dinâmica tem a própria natureza da Linguagem Literária e, portanto, diante de uma perspectiva pedagógica, é importante que forma e conteúdo não sejam dissociados para a re�exão das obras. Esse tópico é fundamental porque é muito comum que as análises de Obras se reduzam a sua instância conteudista, desprezando, assim, a força de sua forma que, justamente, é o corpo que sustenta tal conteúdo. - CANDIDO, 2004, p. 178 “Mas as palavras organizadas são mais do que a presença de um código: elas comunicam sempre alguma coisa, que nos toca porque obedece a certa ordem. Quando recebemos o impacto de uma produção literária, oral ou escrita, ele é devido à fusão inextricável da mensagem com a sua organização. Quando digo que um texto me impressiona, quero dizer que ele impressiona porque a sua possibilidade de impressionar foi determinada pela ordenação recebida de quem o produziu. Em palavras usuais: o conteúdo só atua por causa da forma, e a forma traz em si, virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência mental que pressupõe e que sugere. O caos originário, isto é, o material bruto a partir do qual o produtor escolheu uma forma, se torna ordem; por isso, o meu caos interior também se ordena e a mensagem pode atuar. Toda obra literária pressupõe esta superação do caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de sentido.” Para �nalizar nosso percurso nesta unidade, vale lembrar que tais características formais e conteudistas não se destituem das estruturas sociais, como destacamos. Desse modo, a Linguagem Literária, dentro de uma perspectiva analítica e pedagógica, deve ser encarada em sua própria constituição, a partir de sua autonomia relativa, e em sua relação com o todo, com a Sociedade, com as organizações e as manifestações histórico-culturais. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Antônio Candido 2 / 3 Material Complementar Antônio Candido https://www.youtube.com/watch?v=4cpNuVWQ44E Conceição Evaristo | Escrevivência Maria Bethânia | Grande Sertão Veredas CONCEIÇÃO EVARISTO | Escrevivência Maria Bethânia | Grande Sertão Veredas [Diadorim] https://www.youtube.com/watch?v=QXopKuvxevY https://www.youtube.com/watch?v=oOdGvuzQjbA Qual a importância da literatura? QUAL A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA? | Thaís Mitiko Toshimitsu https://www.youtube.com/watch?v=aubhR1VmkeE CANDIDO, A. A Literatura e a formação do homem. Remate de Males: Revista do Departamento de Teoria Literária, São Paulo, n. esp., p. 81-89, 1999. ________. Vários Escritos. São Paulo/Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004. 3 / 3 Referências
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