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DIREITO CIVIL Roteiro do aluno BENS E NEGOIOS JURIDICOS Prof.ª Mestre: Eliane Vieira 4. Dos bens. Objeto de direito. Os conceitos de bens e coisas, como objeto do direito, sempre dividiram a doutrina clássica brasileira. Vejamos alguns conceitos de acordo com os mais renomados civilistas: ▪ SILVIO VENOSA sustentam que a noção de coisa é mais abrangente do que a de bem. Portanto, coisa seria gênero, enquanto bem seria espécie. ▪ CAIO MARIO, por sua vez, afirma que as coisas são materiais e concretas, enquanto que se reserva para designar imateriais ou abstratos o nome bens. ▪ Já WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO afirma que pode haver uma sinonímia. ▪ FLAVIO TARTUCE entende que coisa é gênero, enquanto bem é espécie – coisas é tudo que NÃO é humano; bens são coisas com interesse econômico e/ou jurídico. Bem jurídico é toda utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo. Em sentido amplo, é a utilidade física ou imaterial, objeto de uma relação jurídica, que tenha interesse econômico e/ou jurídico. Quanto aos animais, são enquadrados como coisas no direito privado. Todavia, há uma tendência em se sustentar que seriam sujeitos de direito, tratados não como coisas, mas até como um terceiro gênero, na linha do código civil alemão. No plano da jurisprudência, são encontradas decisões que aplicam, nas ações de divórcio, as mesmas regras previstas para a guarda de filhos, por analogia, para os animais de estimação (REsp 1.713.167, STJ). No referido julgado, o STJ entendeu que o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a natureza jurídica. Porém, conclui-se que não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente à posse e propriedade. A despeito de animais, pontuou o Tribunal, possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos sem seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Em suma, apesar de o julgado declinar a tese da PLENA HUMANIZAÇÃO DO ANIMAL, foram aplicadas, por analogia, as mesmas regras relativas quanto à guarda de filhos para um animal doméstico. Pois bem. Antes da visualização das diversas categorias de bens, é interessante entender o tema do PATRIMÔNIO MÍNIMO, sendo que a valorização do mínimo vital é conceito emergente da contemporaneidade. A doutrina clássica costumava afirmar que o patrimônio seria, quanto à sua natureza jurídica, “a representação econômica da pessoa”, vinculando-a à personalidade do indivíduo. Para CRISTIANO CHAVES, cuida-se do “complexo de relações apreciáveis economicamente (ativas e passivas) de uma determinada pessoa”. Atualmente, com a personalização do Direito Civil, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, o foco do Direito Civil Constitucional passou a ser a pessoa. Nessa nova perspectiva, o patrimônio deixa de ser simplesmente a representação econômica da pessoa, abarcando também direitos da personalidade. Em outras palavras, a doutrina moderna, capitaneada pelo ministro do STF, Luiz Edson Fachin, construíram a tese do PATRIMÔNIO MÍNIMO, em obra em que é apontada a repersonalização do Direito Civil. A pessoa passa a ser o centro do direito privado, em detrimento do patrimônio (despatrimonialização do Direito Civil). Em síntese, a tese pode ser resumida pelo seguinte enunciado: deve-se assegurar à pessoa um mínimo de direitos patrimoniais, para que viva com dignidade. As principais aplicações da teoria do patrimônio mínimo se referem à do bem de família, especialmente pelas interpretações que se faz da Lei n. 8.009/90, que será objeto de análise mais a frente. 4.1. Principais classificações dos bens. A) Quanto à tangibilidade. A classificação dos bens quanto à tangibilidade não consta no CC/02, mas é bastante importante: i. BENS CORPÓREOS, MATERIAIS OU TANGÍVEIS São aqueles bens que possuem existência corpórea, podendo ser tocados. ii. BENS INCORPÓREOS, IMATERIAIS OU INTANGÍVEIS São aqueles com existência abstrata e que não podem ser tocados pela pessoa humana. Ex.: direitos de autor, propriedade industrial, fundo empresarial, hipoteca, penhor, anticrese etc. Essa intangibilidade não pode ser confundida com a materialidade do título que serve de suporte para a demonstração desses direitos. Somente os bens corpóreos podem ser objeto de contrato de compra e venda, enquanto os bens imateriais se transferem apenas por contrato de cessão, não podendo, ainda, ser adquiridos por usucapião, nem ser objeto de tradição (uma vez que esta implica a entrega da coisa). B) Quanto à mobilidade i. BENS IMÓVEIS (art. 79 a 81 do CC/02) São aqueles que não podem ser removidos ou transportados sem a sua deterioração ou destruição. Os bens imóveis recebem subclassificação importante, a saber: → Bens imóveis por natureza ou essência (acessão física natural). São aqueles formados pelo “solo e tudo quanto se lhe incorporar” de forma natural (art. 79 do CC, primeira parte). Abrangem o solo com sua superfície; o subsolo e o espaço aéreo. Tudo o que for incorporado será classificado como imóvel por acessão. Ex. árvore que nasce naturalmente. → Bens imóveis por acessão física industrial ou artificial. É tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, não podendo removê-lo sem a sua deterioração. Ex.: construção de um prédio, plantações etc. Mas atente: consideram-se imóveis, para os efeitos legais: (art. 80, CC) ● As edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; ●. Os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem. → Bens imóveis por acessão intelectual. São os bens que o proprietário intencionalmente destina e mantém no imóvel para exploração industrial, aformoseamento ou comodidade. De maneira mais específica, são os bens móveis que foram imobilizados pelo proprietário, constituindo uma ficção jurídica, sendo também denominados como pertenças essenciais. Ex.: aparelhos de ar- condicionado, escadas de emergência e maquinários agrícolas. Tais bens podem ser, a qualquer tempo, mobilizados. Existe uma grande discussão se essa modalidade de bens imóveis foi ou não banida pelo CC/02, inclusive pelo teor do Enunciado n. 11 do CJF, segundo o qual “não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual [...]”. Imóveis por acessão intelectual são pertenças, geralmente bens móveis incorporados a imóveis. → Bens imóveis por disposição legal. Tais bens são considerados como imóveis, para que possam receber melhor proteção jurídica. São bens imóveis por determinação legal (art. 80 do CC): ▪ O direito à sucessão aberta; ▪ Os direitos reais sobre os imóveis e as ações que os asseguram. ii. BENS MÓVEIS (art. 82 a 84 do CC/02). Os bens móveis são aqueles que podem ser transportados, por força própria ou de terceiro, sem a deterioração, destruição e alteração da substância ou da destinação econômico-social. Podem ser assim classificados: → Bens móveis por natureza ou essência. São os bens corpóreos que podem ser transportados sem qualquer dano, por força própria ou alheia. Quando o bem móvel puder ser movido de um local para outro, por força própria, será denominado bem móvel semovente, como é o caso dos animais. Conforme o art. 84 do CC, os materiais destinados a uma construção, enquanto não empregados, conservam a sua mobilidade sendo, por isso, denominados bens móveis propriamente ditos. → Bens móveis por antecipação. São os bens que eram imóveis, mas que foram mobilizados por uma atividade humana. Exemplo típico é a árvore cortada, que se transforma em lenha,para alguma finalidade. Ex.: colheita de uma plantação. Há aqui uma situação oposta à imobilização por acessão industrial. A segunda parte do art. 84 do CC dispõe que, no caso de demolição, os bens imóveis podem ser mobilizados, ocorrendo antecipação. Art. 84. Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem empregados, conservam sua qualidade de móveis; readquirem essa qualidade os provenientes da demolição de algum prédio. → Bens móveis por determinação legal. Diz respeito a situações em que a lei determina que o bem é móvel, como a previsão que consta no art. 83 do CC: Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: I - as energias que tenham valor econômico; II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações. Não só as energias que tenham valor são bens móveis por força de lei, como também os direitos reais sobre objetos móveis e ações correspondentes, além dos direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. Os navios e aeronaves são bens móveis especiais (ou sui generis), pois admitem hipoteca e têm registro próprio. Apesar de serem móveis por natureza, são tratados pela lei como imóveis. A hipoteca, em regra, é bem imóvel, por se tratar de direito real que recai, normalmente, sobre bens imóveis. Mas é possível que a hipoteca seja um bem móvel, quando recai sobre aeronaves ou navios, bens móveis. Ou seja, a hipoteca pode ser bem móvel ou imóvel. C) Quanto à fungibilidade Resulta essa classificação da individualização do bem, ou seja, de sua quantidade e qualidade especificadora. Os bens, nessa categoria, podem ser classificados em infungíveis ou fungíveis. i. BENS INFUNGÍVEIS São aqueles que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, quantidade e qualidade. São também denominados bens personalizados ou individualizados, sendo interessante lembrar que os bens imóveis são sempre infungíveis. Os veículos também são bens infungíveis, característica que também pode estar relacionada com os bens móveis, eis que todos os automóveis são identificados pelo número do chassi. Além disso, justifica-se o fato de que todos os veículos são bens complexos, com características próprias. ii. BENS FUNGÍVEIS Nos termos do art. 85 do CC/02, fungíveis são os bens que podem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Todos os bens imóveis são personalizados, já que possuem registro, daí serem infungíveis. Já os bens móveis são, na maior parte das vezes, fungíveis, mas podem não ser, no caso de automóveis e obras de arte em geral. Note-se que o atributo da fungibilidade, em geral, decorre da natureza do bem. Mas nem sempre é assim. A vontade das partes poderá, por exemplo, tornar um bem essencialmente fungível em bem infungível. A fungibilidade pode decorrer também do valor histórico de um determinado bem. A distinção tem importância prática, valendo lembrar, p. ex, que os contratos de mútuo (empréstimo de consumo) e comodato (empréstimo de uso) têm como elemento diferenciador justamente a natureza fungível ou infungível, respectivamente, do bem emprestado. Conforme regra específica obrigacional, o credor de coisa infungível não pode ser obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa, segundo prevê o art. 313 do CC. Também convém lembrar que a compensação, forma de pagamento indireto, efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (art. 369, CC). D) Quanto à consuntibilidade Este critério leva em conta dois parâmetros para a classificação (art. 86 do CC/02): ▪ Se o consumo do bem implica em destruição imediata, a consuntibilidade é física/de fato/fática; ▪ Se o bem pode ser ou não objeto de consumo, ou seja, se pode ser alienado, a consuntibilidade é jurídica/de direito. Assim, temos a seguinte classificação: i. BENS CONSUMÍVEIS São os bens móveis, cujo uso importa na destruição imediata da própria coisa (consuntibilidade física), bem como aqueles destinados à alienação (consuntibilidade jurídica). ii. BENS INCONSUMÍVEIS São aqueles que proporcionam reiteradas utilizações, permitindo que se retire a sua utilidade, sem deterioração ou destruição imediata (inconsuntibilidade física), bem como aqueles inalienáveis. Segundo VENOSA, a inconsuntibilidade fática deve ser visualizada no sentido econômico, e não no sentido vulgar, pois tudo o que existe em nosso planeta um dia desaparecerá com o consumo. ▪ Exemplo de bem consumível do ponto de vista fático e inconsumível do ponto de vista jurídico: garrafa de bebida famosa clausulada com a inalienabilidade por testamento (art. 1.848, CC). ▪ Exemplo de bem inconsumível do ponto de vista físico e consumível do ponto de vista jurídico: automóvel. Em regra, bens de consumo de valor têm essas características. Atenção: não confundir fungibilidade com consuntibilidade física ou fática, apesar do tratamento conjunto na Parte Geral do CC/02 (“Seção III [...]”). Um bem pode ser consumível e infungível, e vice- versa. O Código de Defesa do Consumidor adota uma classificação de bens peculiar, próxima daquela relacionada com a consuntibilidade física/fática, para efeito de se exercer o direito potestativo de reclamar por vício de qualidade: Bens duráveis e bens não duráveis. Bens duráveis são aqueles que não desaparecem facilmente com o consumo. Bens não duráveis não têm permanência com o uso. A classificação tem importância diante da disposição contida no art. 26 do CDC, in verbis: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - 30 (trinta) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II - 90 (noventa) dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis. E) Quanto à divisibilidade i. BENS DIVISÍVEIS São os que podem se partir em porções reais e distintas, cada qual um todo perfeito. Com efeito, dispõe o CC/02, em seu art. 87: Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam. Conforme prevê o art. 88 do CC/02, “os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinação da lei ou por vontade das partes.”. ii. BENS INDIVISÍVEIS São os bens que não podem ser partilhados, pois deixariam de formar um todo perfeito, gerando a sua divisão uma desvalorização ou perda das qualidades essenciais do todo. Como já dito, é possível que a indivisibilidade derive da vontade das partes ou da previsão legal. ▪ Indivisibilidade natural: ex.: casa térrea, bem imóvel cuja divisão gera diminuição considerável de seu valor; relógio de pulso. ▪ Indivisibilidade legal: ex.: herança, que é indivisível até a partilha, por força do princípio da saisine, nos termos do art. 1.784; hipoteca e servidão. A hipoteca, excepcionalmente, pode admitir fracionamento, previsto no art. 1.488 do CC, nos casos de instituição de condomínio ou loteamento do bem principal. ▪ Indivisibilidade convencional: se dois proprietários de um boi convencionarem que o animal será utilizado para a reprodução, acontecerá a indivisibilidade convencional, o que retira a possibilidade de sua divisão. F. Quanto à individualidade i. BENS SINGULARES OU INDIVIDUAIS São bens singulares aqueles que, “embora reunidos, se considerem de per si, independentemente dos demais” (art. 89, CC/02). São coisas consideradas em sua individualidade, representadas por uma unidade autônoma e, por isso, distinta de quaisquer outras. Podem ser: ● Simples ➔ Quando as suas partes componentes encontram-se ligadas naturalmente (uma árvore, um cavalo) ou; ● Compostos ➔ Quando a coesão de seus componentes decorre do engenho humano (um avião, um relógio). ii. BENS COLETIVOS OU UNIVERSAISSão bens que se encontram agregados em um todo, constituídos por várias coisas singulares, consideradas em conjunto e formando um todo individualizado. São os bens que, sendo compostos por várias coisas singulares, são considerados em conjunto, formando um todo homogêneo. Os bens universais podem decorrer de uma união fática ou jurídica. Vejamos: → Universidade ou universalidade de fato É o conjunto de bens singulares, corpóreos e homogêneos, ligados entre si pela vontade humana e que tenham utilização unitária ou homogênea, sendo possível que tais bens sejam objeto de relações jurídicas próprias. Exemplos: biblioteca, boiada, pinacoteca, manada, etc. Observe que o Código Civil parece exigir que a universalidade de fato seja composta de bens pertencentes à mesma pessoa, havendo destinação igual. → Universidade ou universalidade de direito É o conjunto de bens singulares, tangíveis ou não, a que uma ficção legal, com intuito de produzir certos efeitos, dá unidade individualizadora. Para ORLANDO GOMES, esta consiste num “complexo de direitos e obrigações a que a ordem jurídica atribui caráter unitário, como o dote ou a herança. A unidade é resultante da lei”. ( art. 91 do CC/02) O Enunciado 288 da IV JDC dispõe que “a pertinência subjetiva não constitui requisito fundamental para a configuração das universalidades de fato e de direito”. Observa-se que esse enunciado é claramente CONTRA LEGEM, já que os arts. 90 e 91 do CC/02 exigem que os bens sejam pertencentes a uma mesma pessoa (pertinência subjetiva). Apesar desse fato, caso caia em provas objetivas a literalidade do enunciado, marcar como verdadeiro. G. Bens quanto à dependência em relação a outros bens (bens reciprocamente considerados) Muita atenção com a classificação dos bens reciprocamente considerados, que se subdividem em BEM PRINCIPAL ou INDEPENDENTE (que existe por si mesmo/independência autônoma) e BEM ACESSÓRIO ou DEPENDENTE (cuja existência pressupõe a do principal). Conforme Princípio Geral do Direito Civil, o bem acessório segue o principal, salvo disposição especial em contrário (acessorium sequeatur principale). Cuida-se do princípio da GRAVITAÇÃO JURÍDICA. Vejamos o dispositivo abaixo: Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal. Temos as seguintes espécies de bens acessórios: i. FRUTO O fruto é uma utilidade renovável, cuja percepção não diminui a substância da coisa principal. Temos a seguinte classificação dos frutos, conforme quadro abaixo: Frutos industriais São aqueles decorrentes de uma atividade humana, caso de um material produzido por uma fábrica. Frutos civis São aqueles que decorrem de uma relação jurídica ou econômica, de natureza privada, também denominados rendimentos. Frutos naturais São aqueles gerados pelo bem principal sem necessidade da intervenção humana direta. Decorrem do desenvolvimento orgânico. Ex laranja, cria animal. Além disso, quanto ao estado em que eventualmente se encontrarem, os frutos podem ser classificados da seguinte forma: i i. Frutos pendentes ➔ São aqueles que estão ligados à coisa principal e que não foram colhidos; ii ii. Frutos percebidos ➔ São os já colhidos do principal e separados; iii iii. Frutos estantes ➔ São aqueles que foram colhidos e encontram-se armazenados; iv iv. Frutos percipiendos ➔ São os frutos que deviam ser colhidos mas não foram; v v. Frutos consumidos ➔ São os frutos que já foram colhidos e não existem mais. ii. PRODUTO O produto, por sua vez, é uma utilidade não renovável, cuja percepção esgota a substância da coisa principal. Ex.: petróleo, carvão mineral (em relação à mina). A alterabilidade da substância principal é o ponto distintivo entre os frutos e produtos. iii. RENDIMENTO Trata-se, em verdade, de um fruto civil. Exemplo: aluguel. iv. PERTENÇA Vejamos o confuso art. 93 do CC/02: Art. 93. São pertenças os bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Pertença é o bem que, sem constituir parte integrante, acopla-se ou se justapõe à coisa principal para servi-la. Ex.: escada de incêndio, anteriormente tratada, sob outra perspectiva, como bem imóvel por acessão intelectual; ar-condicionado. São bens destinados a servir um outro bem principal, por vontade ou trabalho intelectual do proprietário. Apesar de acessórios, tais bens conservam sua individualidade e autonomia, tendo apenas como principal uma subordinação econômico-jurídica. “São pertenças todos os bens móveis que o proprietário, intencionalmente, empregar na exploração industrial de um imóvel, no seu aformoseamento ou na sua comodidade” (Maria Helena Diniz). Segundo FLÁVIO TARTUCE, as pertenças podem ser classificadas em: i i. Essenciais: a pertença essencial, quando móvel, constitui um bem imóvel por acessão intelectual, como defende MARIA HELENA DINIZ. Por isso, deve acompanhar a coisa principal, conclusão que decorre das circunstâncias do caso, do princípio da gravitação jurídica, afastando- se a primeira parte do art. 94. A opinião do autor é considerada minoritária, especialmente em razão do Enunciado n. 11 da I JDC: não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos i bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente, constante da parte final do art. 79 do CC/02.). Exemplo: piano em conservatório musical. Diferente do piano em uma residência, também pertença, mas não essencial, aí merecendo aplicação a primeira parte do art. 94 do CC/02, in verbis: Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. i ii. Não essenciais: a pertença não essencial, não seria bem imóvel por acessão intelectual, não acompanhando o bem principal, conforme primeira parte do art. 94 do CC/02. Vale ressaltar que o art. 93 do CC/02 não exige elemento subjetivo como requisito para o ato de destinação, nos termos do enunciado 535 da VI JDC. v. PARTES INTEGRANTES As partes integrantes são os bens acessórios que estão unidos ao bem principal, formando com este último um todo independente. As partes integrantes são desprovidas de existência material própria, mesmo mantendo sua integridade. Ex.: lente de uma câmera filmadora; lâmpada em relação ao lustre. Por partes integrantes entendem-se os acessórios indispensáveis à caracterização da coisa principal, inerentes à sua estrutura e funcionalidade, cuja eventual retirada viria a afetar-lhe a própria essência (p. ex. motor em relação ao carro, ponteiros em relação ao relógio, paredes em relação à casa). Essa a razão pelas quais as partes integrantes (acessórios) seguem sempre o principal em seu destino. vi. BENFEITORIA Juridicamente, toda benfeitoria é obra realizada pelo homem (artificial). Benfeitoria é toda obra realizada pelo homem na estrutura de uma coisa principal, com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Assim, existem, respectivamente, benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias, conforme se destinem à conservação, aumento da utilidade ou embelezamento da coisa. A classificação das benfeitorias pode variar de acordo com a destinação ou localização do bem principal. Ex.: a piscina pode ser uma benfeitoria ou não. Em geral, é. Pode ser necessária, útil ou voluptuária, a depender da funcionalidade. Ex.: piscina em casa (voluptuária), em um colégio (útil) e numa clínica de hidroterapia (necessária). Benfeitorias Benfeitorias Aponta Carlos Roberto Gonçalves: “Benfeitorias não se confundem com acessões industriais [...] que seconstituem em construções e plantações. Benfeitorias são obras ou despesas em coisa já existente. As acessões industriais são obras que criam coisas novas e têm regime jurídico diverso, sendo um dos modos de aquisição da propriedade imóvel”. O CC/16 dispunha que não se consideram benfeitorias, pelo seu valor econômico, a pintura em relação à tela, a escultura em relação à matéria prima, a escritura e qualquer outro escrito gráfico, em relação à matéria que os recebe (art. 62 do CC/16). Embora não haja regra semelhante no CC/02, entende a doutrina que a regra deve ser mantida jurisprudencialmente, diante do fenômeno da especificação, que é uma das formas de aquisição de propriedade móvel (arts. 1.269 a 1.271 do CC/02). Vejamos algumas implicações do tema benfeitorias em outros ramos do direito: i i. O possuidor de boa-fé tem direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, valendo-se, inclusive, do direito de retenção, facultando-se lhe ainda levantar as voluptuárias, se puder fazê-lo sem prejuízo da coisa principal; Estando de má-fé, assiste-lhe apenas direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias (arts. 1.219 e 1.220 do CC/02). i ii. O locatário, salvo disposição expressa em contrato, terá o direito de ser indenizado, inclusive exercendo o direito de retenção, pelas benfeitorias necessárias, embora não autorizadas pelo devedor, e pelo valor das úteis, devidamente permitidas. Quanto às voluptuárias, não serão indenizadas, podendo ser levantadas pelo mesmo, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e substância do imóvel (arts. 35 e 36 da Lei 8.245/91). ii iii. No Direito Administrativo, em havendo desapropriação, nos termos do Decreto-lei n. 3.365/41, art. 26, as benfeitorias necessárias são sempre indenizáveis, as voluptuárias não o serão nunca e as úteis serão indenizadas, desde que autorizadas pelo poder público desapropriante. H. Quanto ao titular do domínio i. BENS PARTICULARES OU PRIVADOS São os que pertencem às pessoas físicas ou jurídicas de Direito Privado. São aqueles não pertencentes ao domínio público, mas sim à iniciativa privada. ii. BENS PÚBLICOS OU DO ESTADO São os que pertencem a uma entidade de direito público interno, como a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e outros (art. 98, CC). O rol do art. 98 do CC é meramente exemplificativo, e não taxativo, conforme indicação do Enunciado n. 287 da IV JDC: 287 – Art. 98. O critério da classificação de bens indicado no art. 98 do Código Civil não exaure a enumeração dos bens públicos, podendo ainda ser classificado como tal o bem pertencente a pessoa jurídica de direito privado que esteja afetado à prestação de serviços públicos. Os bens públicos são classificados da seguinte forma: → Bem de uso geral ou comum do povo (art. 99, I) São aqueles destinados à utilização do público em geral (praças, jardins, ruas, estradas etc.). Não perdem essa característica se seu uso não for gratuito. → Bem de uso especial (art. 99, II) São os edifícios e terrenos utilizados pelo próprio Estado para a execução de serviço público especial, havendo destinação especial chamada afetação. Ex.: prédios e repartições públicas. Assim como os bens de uso comum, são inalienáveis (o que não é absoluto, podendo haver desafetação). Desafetação é a mudança de destinação do bem, visando incluir bens de uso comum do povo, ou bens de uso especial, na categoria de bens dominicais, para possibilitar a alienação, nos termos das regras de Direito Administrativo. → Bens dominicais ou dominiais (art. 99, III) São bens públicos que constituem o patrimônio disponível e alienável da pessoa jurídica de Direito Público, abrangendo móveis e imóveis. Ex.: terrenos de marinha, terras devolutas, estradas de ferro, ilhas formadas em rios navegáveis, sítios arqueológicos, jazidas de minerais com interesse público, mar territorial etc. Trata-se de bens de domínio privado do Estado, podendo, por determinação legal, ser convertidos em bens públicos de uso comum ou especial. Segundo determinação do art. 102 do CC, os bens públicos, móveis ou imóveis, não estão sujeitos à usucapião (prescrição aquisitiva), confirmando o art. 183, §3º e art. 191 da CF/88. Por fim, convém tratar do chamado bem difuso, referenciado por muitos estudiosos do Direito. Seu exemplo típico é o meio ambiente, protegido pelo art. 225 da CF/88 e pela Lei 6.938/1981, visando à proteção da coletividade, de entes públicos e privados. Trata-se de bem difuso, material ou imaterial, cuja proteção visa assegurar a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Há, por fim, o conceito de res nullius, que são aqueles bens ou coisas que não têm dono. Por uma questão lógica, esses somente poderão ser bens móv móveis, pois os imóveis que não pertencem a qualquer pessoa são do Estado (terras devolutas). 5. Bem de família. O tratamento dualista do sistema jurídico. O histórico do bem de família remonta ao direito americano, mais especificamente do Estado do Texas. A lei texana denominada Homestead Act, de 1839, é o ascendente histórico do bem de família. Tal ato considerou impenhorável a pequena propriedade urbana e rural. A proteção do bem de família legal, constante na Lei 8.009/1990, nada mais é que a proteção do direito à moradia (art. 6º da CF/1988) e da dignidade da pessoa humana, seguindo a tendência de valorização da pessoa, bem como a solidariedade estampada no art. 3.º, I, da CF/1988. Falar em dignidade humana nas relações privadas significa discutir o direito à moradia, ou, muito mais do que isso, o direito à casa própria. O Superior Tribunal de Justiça tem adotado a tese do patrimônio mínimo, ao reconhecer que o imóvel em que reside pessoa solteira também está protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990. Para o STJ, “a impenhorabilidade do bem de família não visa a proteger a família em si. O objetivo da proteção é a pessoa humana, a premente necessidade do direito à moradia. Nesse contexto, valoriza-se a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social, seguindo a aqui já citada tendência de personalização do Direito Civil”. De fato, o instituto do bem de família encontra abrigo no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual determina que toda pessoa deve ter o mínimo necessário para viver dignamente. A moradia, sem dúvida, faz parte desse mínimo, sendo este instituto importante garantia constitucional. Tradicionalmente, entende-se por bem de família o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental, ou entidade de outra origem, protegido por previsão legal específica. Trata-se de “prédio urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se a domicílio familiar, podendo abranger valores mobiliários, cuja renda deve ser aplicada na conservação do imóvel e sustento da família” (art. 1.712). O bem de família pode ser subdividido em duas espécies: bem de família voluntário e bem de família legal. Bem de família voluntário. O bem de família voluntário, regulado a partir do art. 1.711 do CC/02, é instituído por ato de vontade do casal, da entidade familiar ou de terceiro, mediante escritura pública ou testamento, devendo ser registrado no cartório de registro de imóveis, na forma do art. 167, I, 1 da LRP (Lei de Registros Públicos). Não poderá ultrapassar a reserva de 1/3 do patrimônio líquido das pessoas que fazem a instituição (1.711, CC). A lei visa evitar fraudes. A instituição poderá ser feita por escritura pública ou testamento. Afasta-se, com isso, o art. 108 do CC (norma geral), que dispensa a elaboração de escritura pública nos negócios envolvendo imóveis com valor igual ou inferior a trinta salários mínimos. Ademais, só pode instituir bem de família voluntário aquele que tenha patrimônio suficiente paraa garantia de débitos anteriores (solvente), sob pena de invalidade. O Código Civil prevê como legitimados a instituí-lo os cônjuges, a entidade familiar e terceiros. Entidade familiar deve ser entendida em sentido estrito. Uma novidade do parágrafo único do art. 1.711 do CC/02 é que agora o terceiro também pode instituir o bem de família em favor de outra entidade familiar. Isso dependerá, porém, da anuência dos cônjuges ou da entidade familiar beneficiada. Para que haja a proteção prevista em lei, é necessário que o bem seja imóvel residencial, rural ou urbano, incluindo a proteção a todos os bens acessórios que o compõem, caso inclusive das pertenças (art. 1.712). Os dois efeitos básicos que decorrem do bem de família voluntário são: Inalienabilidade limitada/relativa; Impenhorabilidade limitada/relativa. No que tange à impenhorabilidade relativa, constituído o bem de família voluntário, o imóvel passa a ser impenhorável por dívidas futuras, com as ressalvas do art. 1.715. Veja que alguns tipos de dívida futura podem resultar na execução do imóvel. No caso de execução dessas dívidas, o saldo existente deve ser aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, a não ser que motivos relevantes aconselhem outra solução, a critério do juiz. No que tange à inalienabilidade relativa, instituído o bem de família não poderá o imóvel ter outro destino ou ser alienado, nos termos do art. 1.717 do CC/02. Somente é possível a alienação do referido bem mediante consentimento dos interessados (membros da entidade familiar) e de seus representantes, ouvido o MP. Além do teto de 1/3 do patrimônio líquido dos instituidores, para a instituição do bem de família voluntário, inovou ainda o legislador no art. 1.712, ao admitir que também pudessem ser afetados, para efeito de impenhorabilidade, valores mobiliários (rendas). Tais rendas devem ser aplicadas na conservação do imóvel e sustento da família e não poderão exceder o valor do prédio instituído, diante da sua flagrante natureza acessória. Tais valores devem ser individualizados no instrumento de instituição do bem de família convencional (art. 1.723, §1º). Em se tratando de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família também deverá constar dos respectivos livros de registro. Eventualmente, o instituidor da proteção pode determinar que a administração desses valores seja confiada a uma instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento das rendas a todos os beneficiários (art. 1.723, §3º do CC). O STJ tem firmado entendimento, especialmente para o bem de família legal, que a renda proveniente de imóvel locado também é impenhorável. Vejamos a súmula 486 do referido tribunal: Súmula 486 STJ: É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família. No que concerne à extinção do bem de família voluntário, comprovada a impossibilidade de manutenção do bem de família convencional, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação real de bens que o constituem em outros, ouvido o instituidor e o MP. Trata-se de uma hipótese de dissolução judicial do bem protegido (art. 1.719). A instituição dura até que ambos os cônjuges faleçam, sendo que, se restarem filhos menores de 18 anos, mesmo falecendo os pais, a instituição perdura até que todos os filhos atinjam a maioridade (art. 1.716). Observe: a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família, nos termos do art. 1721 e 1722 do código civil. 5.2 Bem de família legal (Lei. 8.009/90). Bem de família legal é uma proteção conferida pela Lei n.° 8.009/90, por meio da qual um único imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é considerado, em regra, impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 8.009/90. Em outras palavras, a Lei n.° 8.009/90 considera que o imóvel (só um) pertencente à família ou à entidade familiar não pode ser, em regra, penhorado para pagamento de dívidas, salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 3º da Lei. Apesar do nome “bem de FAMÍLIA”, o objetivo real do instituto é assegurar o direito constitucional à moradia, tanto que esse direito existe mesmo que a pessoa more só. A nomenclatura mais adequada do instituto deveria ser “bem de moradia” (mas deixa isso para lá...). O art. 1º da Lei 8.009/90, ao consagrar a impenhorabilidade legal do bem de família, não exige prática de ato jurídico por parte do devedor, nem muito menos registro. Seu efeito é a impenhorabilidade legal. Grande questionamento na jurisprudência surgiu acerca se a Lei 8.009/90 poderia ser aplicada em favor de devedores cuja penhora de seus imóveis se deu anteriormente à sua entrada em vigor. Se seria possível desconstituir penhora anteriormente feita. A Súmula 205 do STJ fixou que a lei do bem de família legal (Lei 8.009/90) pode ser aplicada retroativamente. Temperou-se, aqui, a proteção ao ato jurídico perfeito, através do que se denomina de retroatividade motivada ou justificada, em prol das normas de ordem pública. Penhorado bem de família legal, antes de arrematação do bem, a alegação de impenhorabilidade cabe por simples petição, não sendo o caso de preclusão processual. As regras do bem de família legal e voluntário convivem. Em grande parte, o voluntário encontra-se em desuso. Mas fique atento: ambas as formas convivem, valendo observar, nos termos do art. 5º da Lei 8.009/90, que, havendo dois imóveis, salvo instituição do bem de família voluntário, a proteção legal recai naquele de menor valor. Note que a Lei 8.009 não trata da inalienabilidade do bem. Somente o Código Civil cuida da inalienabilidade relativa (já que depende do consentimento das partes, ouvido o MP). Em regra, a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para residência ou moradia permanente da entidade familiar, não sendo admitida a tese do simples domicílio (art. 5º, caput da Lei 8.009/90). Mas atente: o STJ vem entendendo que, no caso de locação do bem, utilizada a renda do imóvel para a mantença da entidade familiar, a proteção permanece (bem de família indireto). Protege-se, assim, a moradia de forma indireta, conforme ordena o art. 6º da CF. Fica claro que a impenhorabilidade do bem de família legal também é relativa, sofrendo exceções previstas na própria lei. Vejamos o art. 1º da Lei: Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. A proteção legal é ampla, abrangendo plantações, benfeitorias, equipamentos, móveis que guarnecem a casa (desde que quitados). O STJ tem interpretado, com certa cautela, o parágrafo único do art. 1º da Lei 8.009/90, para admitir desmembramento do imóvel, a exemplo de áreas de lazer, para efeito de penhora (REsp. 510643/DF). Vejamos o art. 2º da Lei 8.009: Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário,observado o disposto neste artigo. Não estão protegidos os seguintes bens móveis: ▪ Veículos de transporte; ▪ Obras de arte e; ▪ Adornos suntuosos. ▪ Súmula 449 STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora. Registre-se que o inquilino, por não ser dono do imóvel, tem direito à proteção de seus bens móveis que guarneçam a residência, observados os limites acima trazidos. A doutrina estende a proteção legal ao comodatário, usufrutuário e promitente comprador que estejam em situação semelhante à do inquilino. Vejamos o que dispões o art. 3º da Lei 8.009, que trata das exceções ao bem de família legal: Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; (revogada pela LC 150/2015) II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III - pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (alterado pela lei 13144/2015) IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991). VIII - para cobrança de crédito constituído pela Procuradoria-Geral Federal em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial recebido indevidamente por dolo, fraude ou coação, inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos. (Incluído pela MP 871/2019, contudo, NÃO FOI CONVERTIDA EM LEI) INCISO I A LC 150/2015 revogou o inciso I do art. 3º. Diante disso, temos a seguinte questão: é possível penhorar a casa do “patrão” por dívidas trabalhistas que este tenha com sua empregada doméstica ou por débitos relacionados com a contribuição previdenciária desta funcionária? Antes da LC 150/2015: SIM (ERA possível). O inciso I do art. 3º da Lei n.° 8.009/90 previa que ERA possível a penhora do bem de família para pagamento dessas dívidas. Veja novamente a redação do inciso: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; ATUALMENTE: NÃO. A LC 150/2015 revogou o inciso I do art. 3º. Desse modo, atualmente, o bem de família não pode mais ser penhorado para pagamento de dívidas de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. Assim, por exemplo, se um empregador doméstico está sendo executado por dívidas trabalhistas relacionados com sua ex-empregada doméstica ou por dívidas relativas a contribuições previdenciárias também decorrentes deste vínculo, não se poderá penhorar o bem de família pertencente ao “patrão”. Vale ressaltar, no entanto, que, se o devedor possuir mais de um bem imóvel, apenas um deles será considerado bem de família e o outro poderá ser penhorado. De igual forma, poderão ser penhorados bens móveis do “patrão” executado, como carros, motocicletas, joias, além, é claro, da penhora on line de dinheiro que esteja depositado em instituições financeiras. Uma grande polêmica que surgirá sobre o tema diz respeito à aplicabilidade da alteração promovida. A pergunta que surge é a seguinte: a revogação do inciso I do art. 3º aplica-se às em curso mesmo que as dívidas tenham surgido antes da LC 150/2015? Há posicionamentos doutrinários que defendem SIM, SALVO se já houve a penhora do bem de família. Se o bem de família já foi penhorado (ainda que não tenha sido levado à arrematação), a revogação da LC 150/2015 não tem o condão de revogar/cassar a penhora lavrada. Por outro lado, se a execução está em curso, mas a penhora não foi efetivada até o dia 02/06/2015 (data em que entrou em vigor a lei), não mais poderá ser realizada mesmo que se refira a uma dívida anterior à LC 150/2015. Apesar de acreditar que a posição acima é a mais acertada, POSSIVELMENTE ela não deverá ser adotada pela jurisprudência. Isso porque o tema não é novo e já foi enfrentado quando a Lei n.° 8.009/90 foi editada, tendo o STJ afirmado que esta lei teve incidência imediata, cancelando as penhoras que já tinham sido realizadas. Nesse sentido, foi aprovado, inclusive, a Súmula 205-STJ já vista antes: “A Lei 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência.” Assim, é firme o entendimento consagrado no STJ no sentido de que a Lei n.° 8.009/90 ao entrar em vigor e considerar impenhoráveis os bens de família, teve eficácia imediata, atingindo os processos judiciais em andamento, motivo pelo qual o STJ entendeu, na época, que deveriam ser canceladas as penhoras efetuadas antes de sua vigência (REsp 63.866/SP, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 17/05/2001). INCISO II Por óbvio, não se pode opor a proteção do bem de família contra o titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato. INCISO III A proteção do bem de família não pode ser oposta contra credor de alimentos. Cuidado com a recente alteração legislativa, que incluiu o seguinte trecho no inciso: “resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”. INCISO IV A proteção do bem de família não pode ser oposta em processo de cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar. Assim, a Procuradoria da Fazenda Nacional pode ingressar com ação fiscal para cobrança de ITR, pedindo a penhora do imóvel. Mas atente: ISS, Imposto de Renda e outros tributos não são vinculados ao imóvel. Vinculam-se ao imóvel: ITR e IPTU. Já está pacificado, mormente após a entrada em vigor do art. 1.715 do CC/02, que taxa condominial, apesar de não ser tributo, também permite a penhora do bem de família. Já há precedente no STF (RE 439003/SP) nesse sentido. Vejamos: EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS CONDOMINIAIS. 1. A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar --- a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento. O STJ seguiu esse entendimento no bojo do REsp 1.473.484, julgado em 2018, estabelecendo que “o bem residencial da família é penhorável para atender às despesas comuns de condomínio, que gozam da prevalência sobre os interesses individuais de um condômino, nos termos da ressalva inserta na Lei 8.009/90”. INCISO V Também excepciona a regra o processo de execução movido para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. E exceção abrange o bem dado voluntariamente em hipoteca. O STJ tem afastado a penhora do bem de família nos casos de hipoteca oferecida por membro da entidade familiar, visando garantir dívida de suaempresa individual. Assim, a exceção se aplica somente se hipoteca for instituída no interesse de ambos os cônjuges ou de toda a entidade familiar. A despeito do que prevê o inciso V do art. 3º, o STJ tem precedentes no sentido de que a simples indicação à penhora não significa renúncia à proteção do bem de família, defesa esta que poderia ser manejada a a posteriori. Portanto, a situação de dar bem em hipoteca difere, não sendo protegido como bem de família. Por fim, para o STJ, a exceção aplica-se mesmo se a hipoteca não estiver registrada (REsp 1.455.554). INCISO VI Também não haverá proteção, se o processo tiver sido movido na seguinte circunstância: por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. Quem é criminalmente condenado pode vir a perder o bem de família. Ressalta-se que há a dispensa de condenação criminal transitada em julgado, porquanto inexiste determinação legal neste sentido. INCISO VII Também não haverá proteção, se o processo tiver sido movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991). Grave: fiador de locação não goza da proteção a bem de família. Já houve grande discussão a respeito da constitucionalidade dessa previsão, por violação ao princípio da isonomia. Isso porque o fiador é tratado de maneira mais rigorosa que o devedor principal. O STF, julgando o RE 352940-4/SP, posição já firmada na moderna jurisprudência do STJ, fixou a constitucionalidade da penhora do imóvel do fiador locatício. Inclusive, foi recentemente editada a súmula 549 do STJ: “É VÁLIDA A PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA PERTENCENTE A FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO.” Finalizado o estudo das exceções legais à proteção ao bem de família legal, vejamos mais dois pontos importantes. O devedor solteiro goza da proteção do bem de família. A matéria é firme e já sumulada. O bem de família, nos termos da súmula 364 do STJ, protege também a pessoa que mora só (ver ainda REsp 450989/RJ): “O CONCEITO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA ABRANGE TAMBÉM O IMÓVEL PERTENCENTE A PESSOAS SOLTEIRAS, SEPARADAS E VIÚVAS.” Por fim, aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência não encontra proteção na Lei. Neste caso, juiz poderá transferir a impenhorabilidade para o imóvel anterior ou anular a venda. 6. Abordagem do tema nos Concursos para Juiz Federal (levando-se em consideração apenas os últimos concursos de cada um dos TRFs). TRF2. Devido ao desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, localizado na capital do Estado de São Paulo, após um incêndio de grans proporções ocorrido no local, pai e filho se encontravam no interior do prédio vieram a falecer. Não tendo sido identificado por perícia qual foi o momento da morte de cada um dos dois, assinale a alternativa correta: a) ambos herdam reciprocamente o patrimônio um do outro; b) a hipótese é de comoriência. c) o caso é de ausência judicialmente declarada. d) houve sucessão aberta em favor do filho morto. e) a situação é de herança deixada pelo filho em benefício do seu pai. GABARITO: B. 1. A Teoria Geral do Negócio Jurídico. Os conceitos de fato jurídico, ato jurídico e negócio jurídico são fundamentais para a compreensão do Direito Privado. Todo acontecimento natural ou humano que deflagra efeitos na órbita do direito, criando, modificando, conservando ou extinguindo relações jurídicas é fato jurídico. É todo fato que tenha relevância jurídica. O fato pode ser humano, surgindo o conceito de fato jurígeno. O fato jurídico em sentido amplo subdivide-se em: FATO JURÍDICO = Fato + Direito Fato jurídico em sentido amplo Fato jurídico em sentido estrito Ato-fato humano Fato humano (fato jurígeno) Ordinários Extraordinários Ato lícito: Ato jurídico em sentido amplo Ato ilícito Ato jurídico em sentido estrito. Negócio jurídico i i. Fato jurídico em sentido estrito; ii ii. Ato-fato humano; i iii. Ações humanas (fato jurígeno). Vejamos cada uma delas. i. FATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO/FATO JURÍDICO NATURAL. ▪ Ordinário; ▪ Extraordinário. Fato jurídico em sentido estrito é todo acontecimento natural (ou seja, que independe da atuação humana) capaz de criar, alterar ou extinguir direitos e deveres. Subdivide-se em ordinário e extraordinário. Ordinários são aqueles esperados, previsíveis e comuns de acontecer: morte natural, nascimento, decurso do tempo, dentre outros. Extraordinários são aqueles inesperados, decorrentes de caso fortuito (imprevisíveis) ou força maior (inevitáveis): tsunami, furacão, desastres naturais extraordinários. ii. ATO-FATO. Alguns autores resistem a essa categoria, a exemplo de FLÁVIO TARTUCE. Outros a consagram. O Código Civil de 2002 não trouxe norma específica a respeito dessa categoria, desenvolvida por PONTES DE MIRANDA. Seria uma categoria entre o FATO JURÍDICO e as AÇÕES HUMANAS (fato jurígeno). O ato-fato traduz um comportamento gerador de efeitos jurídicos que, apesar de derivar do homem, é desprovido de voluntariedade e consciência em face do resultado existente. Trata-se de fato jurídico qualificado por uma atuação humana, por uma vontade não relevante juridicamente. Ou seja: o ato humano é realmente da substância desse fato jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, intenção de praticá-lo. Exemplo: compra e venda feita por crianças; alienado que pinta um quadro. Para Flávio Tartuce, não há necessidade de se criar uma categoria própria para solucionar ou enquadrar tais situações, já que as categorias de fato, ato e negócio parecem ser suficientes para tanto. Encontra-se entre o fato natural e o fato jurígeno: comportamento humano que, apesar de gerar consequências jurídicas, é desprovido de vontade e consciência quanto aos seus efeitos. Convém relembrar o Enunciado 138 da III JDC, in verbis: 138 – Art. 3º: A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto. iii. AÇÕES HUMANAS/FATO JURÍGENO/FATO JURÍDICO HUMANO. • ▪ Ato jurídico em sentido amplo (lato sensu) ou ato lícito: o Ato jurídico em sentido estrito; • O Negócio jurídico • • ▪ Ato ilícito: o Ilícito penal; • O Ilícito civil; • O Ilícito administrativo. • Parte da doutrina, a exemplo de Pontes de Miranda e Silvio Venosa, enquadra o ato ilícito como integrante do rol dos atos jurídicos. Entretanto, autores como Pablo Stolze, Flávio Tartuce e Zeno Veloso argumentam que ato jurídico é toda ação humana lícita, de maneira que, ao ato ilícito, seria reservada categoria própria, uma vez que o ato ilícito não é jurídico, por ser antijurídico (contra o direito). No Código Civil, os atos ilícitos estão em título próprio (separados, por exemplo, dos negócios jurídicos), corroborando a segunda corrente. FÓRMULA: Ato Lícito = Fato + Direito + Vontade + Licitude. O ato jurídico em sentido amplo ou ATO LÍCITO subdivide-se em: ato jurídico em sentido estrito e negócio jurídico. A) ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO OU STRICTO SENSU. O ato jurídico em sentido estrito, também denominado de ato não negocial, previsto no art. 185 do CC/02, traduz todo o comportamento humano voluntário e consciente gerador de efeitos previamente determinados por lei. É espécie de ato jurídico em sentido amplo. Não há liberdade negocial e autonomia na escolha dos efeitos jurídicos pretendidos. Vale dizer, os efeitos de um ato em sentido estrito são automaticamente conferidos pela lei. Exemplos tirados do ordenamento: ▪ Percepção do fruto de uma árvore, gerando, automaticamente, o direitode propriedade; ▪ Apreensão de coisa sem dono (res nullius); ▪ Ato de fixação de domicílio; ▪ Atos de comunicação (protesto, notificação etc.) ou participação. O único efeito que decorre do ato de notificar é a comunicação. Ex: intimação. ▪ Ato de reconhecimento de filho. No ato jurídico em sentido estrito, há uma manifestação de vontade do agente, mas as suas consequências são previstas em lei, e não na vontade das partes, ausente qualquer composição volitiva entre os seus envolvidos. Ademais, não há criação de um instituto jurídico próprio, visando regulamentar interesse das partes. É um fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático a manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações respectivas. B) NEGÓCIO JURÍDICO Coube à escola alemã, no século XIX, desenvolver essa categoria jurídica. O negócio jurídico, por sua vez, de estrutura muito mais complexa, traduz uma declaração de vontade, pela qual o agente, segundo a autonomia privada e a liberdade negocial, escolhe os efeitos jurídicos que pretende alcançar, sempre na perspectiva da boa-fé e da função social. O negócio jurídico movimenta as engrenagens econômicas do mundo. É o ponto principal da Parte Geral do Código Civil, sendo o seu conceito vital para conhecer o contrato, o casamento e o testamento, seus exemplos típicos. Novidade festejada por muitos, e criticada por outros, o NCPC passou a tratar do que se denomina negócios jurídicos processuais. Cuida-se de projeção da teoria geral dos atos e negócios jurídicos, para o âmbito do processo civil brasileiro, presente, na expressão alemã, um contrato processual (Prozessvertrage). O negócio jurídico processual é o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou de estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais. Como exemplo temos o art. 190 do NCPC. No negócio existirá sempre, em menor ou menor grau, liberdade na escolha dos efeitos jurídicos que se quer atingir. Há sempre liberdade negocial mínima. → Teorias explicativas do negócio jurídico A teoria voluntarista (ou teoria da vontade), tem raiz no direito alemão, com base na chamada WILLENSTHEORIE. Esta corrente afirma que o núcleo existencial do negócio é a vontade interna ou a intenção do declarante. O CC/02 sofreu sua influência no art. 112: Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. A teoria objetiva (ou teoria da declaração) é chamada ERKLÄRUNGSTHEORIE. Esta segunda corrente afirma que o núcleo do negócio jurídico não é a intenção, não é a vontade interna, mas sim a vontade que se declara (VONTADE EXTERNA). Segundo Pablo Stolze, tais teorias se complementam, na medida em que a vontade interna deve coincidir com a vontade declarada, sob pena de vício de consentimento. O negócio jurídico pode ser explicado por ambas teorias. Assim, o negócio jurídico é “a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente”. A vontade interna é a causa da vontade que se declara. Tradicionalmente, afirma-se que a teoria da vontade mais influenciou o direito brasileiro (art. 112). Já a teoria da pressuposição, desenvolvida por WINDSHIELD, sustenta a invalidade/ineficácia do negócio caso a certeza subjetiva do agente não se confirme ao tempo da sua execução. Essa teoria não se aplica no direito brasileiro, por ferir a segurança jurídica. → Classificação dos negócios jurídicos. i. Quanto às manifestações de vontade dos envolvidos: • Negócios jurídicos unilaterais: atos e negócios em que a declaração de vontade emana de apenas uma pessoa. Podem ser receptícios – aqueles em que a declaração deve ser levada a conhecimento do seu destinatário e negócios não receptícios – em que o conhecimento pelo destinatário é irrelevante. • Negócios jurídicos bilaterais: há duas manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto ou bem jurídico tutelado. • Negócios jurídicos plurilaterais: envolvem mais de duas partes, com interesses coincidentes no plano jurídico. ii. Quanto às vantagens patrimoniais para os envolvidos: • Negócios jurídicos gratuitos: são os atos de liberalidade, que outorgam vantagens sem impor ao beneficiado a obrigação de uma contraprestação. • Negócios jurídicos onerosos: envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais para todas as partes do negócio. A doutrina ainda aponta os negócios jurídicos neutros – aqueles em que não há uma atribuição patrimonial determinada, não podendo ser enquadrados como onerosos ou gratuitos, caso da instituição do bem de família convencional; e os negócios jurídicos bifrontes – aqueles que tanto podem ser gratuitos como onerosos, o que depende da intenção das partes. iii. Quanto aos efeitos, no aspecto temporal: • Negócios jurídicos inter vivos: destinados a produzir efeitos desde logo, isto é, durante a vida dos negociantes ou interessados; • Negócios jurídicos causa mortis: aqueles cujos efeitos só ocorrem após a morte de determinada pessoa (testamento). iv. Quanto à necessidade ou não de solenidades e formalidades: • Negócios jurídicos formais ou solenes: obedecem a uma forma ou solenidade prevista em lei para a sua validade e aperfeiçoamento. • Negócios jurídicos informais ou não solenes: admitem forma livre, constituindo regra geral, nos termos do art. 107 do CC/02, em sintonia com o princípio da operabilidade ou simplicidade. v. Quanto à independência ou autonomia: • Negócios jurídicos principais ou independentes: negócios que têm vida própria e não dependem de qualquer outro negócio jurídico para terem existência e validade. • Negócios jurídicos acessórios ou dependentes: aqueles cuja existência está subordinada a um outro negócio jurídico, denominado principal (fiança). vi. Quanto às condições pessoais especiais dos negociantes: • Negócios jurídicos impessoais: não dependem de qualquer condição especial dos envolvidos, podendo a prestação ser cumprida tanto pelo obrigado tanto por um terceiro. • Negócios jurídicos personalíssimos ou intuito personae: dependentes de uma condição especial de um dos negociantes, havendo obrigação infungível. vii. Quanto à sua causa determinante: • Negócios jurídicos causais ou materiais: o motivo consta expressamente do seu conteúdo como ocorre no caso do divórcio. • Negócios jurídicos abstratos ou formais: aqueles cuja razão não se encontra inserida no conteúdo, decorrendo dele naturalmente (termo de transmissão de propriedade). viii. Quanto ao momento de aperfeiçoamento: • Negócios jurídicos consensuais: geram efeitos a partir do momento em que há o acordo de vontade entre as partes. • Negócios jurídicos reais: aqueles que geram efeitos a partir da entrega do objeto , do bem jurídico tutelado. ix. Quanto à extensão dos efeitos: • Negócios jurídicos constitutivos: geram efeitos ex nunc, a partir de sua conclusão, pois constituem positiva ou negativamente determinados direitos. • Negócios jurídicos declarativos: geram efeitos ex tunc, a partir do momento do fato que constitui o seu objeto (partilha de bens do inventário). 2. Elementos estruturais do negócio jurídico. A Escada Ponteana. O estudo dos elementos essenciais, naturais e acidentais do negócio jurídico é um dos pontos mais importantes e controversos do Direito Civil. É fundamental estudar a concepção desses elementos a partir da teoria criada pelo juristaPontes de Miranda, que concebeu uma estrutura única para explicar tais elementos. Trata-se do que se denomina Escada Ponteana ou Escada Pontiana. Para esse renomado jurista, o negócio jurídico se decompõe em três planos sucessivos de análise: i i. Plano de existência: agente, vontade, objeto, forma. ii ii. Plano de validade: capacidade, liberdade, licitude, possibilidade, determinabilidade, adequação. iii iii. Plano de eficácia: condição, termo, consequência do inadimplemento negocial. 2.1 Plano de existência. O Código Civil disciplina o negócio jurídico nos planos de validade e eficácia, deixando de lado o plano da existência. Para Silvio Rodrigues, a teoria da inexistência é inexata, inútil e inconveniente. Inexata, uma vez que o ato inexistente cria alguns efeitos que devem ser afastados por uma ação judicial. Inútil porque a noção de nulidade absoluta pode substituir a noção de inexistência muito bem. Inconveniente, uma vez que, sendo considerada desnecessária uma ação judicial para afastar os efeitos do negócio jurídico inexistente, o direito à prestação jurisdicional está sendo afastado, principalmente no que concerne às pessoas de boa-fé. Vê-se, todavia, que o mesmo é tratado e acolhido pela doutrina majoritária, tais como Caio Mário da Silva Pereira, Marcos Bernardes Mello, Renan Lotufo, Silvio de Salvo Venosa, Pablo Stolze, Zeno Veloso, entre outros. Para Flávio Tartuce, pode-se até afirmar que o plano da existência está embutido no plano da validade, sendo melhor resolver as questões da inexistência com a invalidade, ou seja, com a teoria das nulidades. Para fins de prova, principalmente subjetivas, é bom adotar o plano da existência dos negócios jurídicos. Trata-se do plano substantivo do negócio jurídico, em que se estudam os seus elementos constitutivos (ou pressupostos de existência), sem os quais o negócio é um nada jurídico. Faltando qualquer desses pressupostos, não há nulidade; o negócio é inexistente. É o suporte fático do negócio jurídico. São pressupostos existenciais: i i. Manifestação de vontade; ii ii. Agente; iii iii. Objeto; iv iv. Forma. A manifestação de vontade, conjugando a vontade interna e a externa, sempre existirá, sob pena de o negócio traduzir um nada. Havendo coação física absoluta que neutralize completamente a manifestação de vontade, o negócio é inexistente. Todo negócio pressupõe um agente emissor da vontade, em geral pessoa física ou jurídica. Objeto é um bem jurídico. Como exemplo, um contrato de mútuo em que não há dinheiro carece de objeto (sendo inexistente). Por fim, a forma, pressuposto de existência do negócio, segundo VICENTE RÁO, é o revestimento exterior da vontade, o veículo (meio) pelo qual a vontade se manifesta. A forma poderá ser escrita, oral, dentre outras. Vincula-se à manifestação de vontade, embora autores prefiram colocá-la como requisito autônomo. O silêncio é a ausência de manifestação de vontade. Lembram-nos CRISTIANO ZANETTI E BRUNO ROBERT que muitos Estados no mundo, a exemplo da Bélgica, Alemanha e Suíça, aceitam, em determinadas situações, o silêncio como forma de manifestação do negócio. Mas trata-se de situação excepcional. O Direito brasileiro, na forma do art. 111 do CC/02, na linha do art. 218 do Código de Portugal, admite, em situações especiais, que o silêncio traduza manifestação de vontade. Vejamos: Art. 111. O silêncio importa anuência quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa. Observe os requisitos para que o silêncio importe em manifestação de vontade: a) Autorização pelos usos e circunstâncias; b) Desnecessidade de declaração expressa de vontade. Ausente um deles, é possível que o silêncio implique no chamado dolo negativo, apto à invalidação do negócio jurídico. O próprio Código Civil contempla situações em que se reconhecem efeitos jurídicos ao silêncio (art. 659, 539 e 147 – voltaremos a estes mais adiante). São todos exceção à regra geral acima exposta: Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução. Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo. Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. (dolo negativo) 2.2 Plano de validade. Conforme entendimento doutrinário e em observância à sistemática do Código Civil, o plano da existência está embutido no plano da validade, conforme Flávio Tartuce. O dispositivo legal que traz o plano de validade do negócio jurídico é o art. 104, in verbis: Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Para a doutrina, o art. 104, de certa forma, não é completo. Não consta menção quanto à vontade livre E DE BOA-FÉ. Para a doutrina brasileira, os pressupostos de validade do negócio jurídico partem dos pressupostos de existência. De fato, aqui os pressupostos existenciais ganham qualificações. Pois bem, o negócio jurídico que não se enquadra nesses elementos de validade é, por regra, nulo de pleno direito, ou seja, haverá nulidade absoluta ou nulidade. Eventualmente, o negócio pode ser também anulável (nulidade relativa ou anulabilidade). Dissemos que o plano de existência é o plano substantivo do negócio. O plano de validade, por seu turno, é adjetivo. Neste segundo plano, estudamos os pressupostos que qualificam o negócio, a fim de que tenham aptidão para gerar efeitos. O dolo, por exemplo, ataca a boa-fé, invalidando o negócio. A coação física gera a inexistência do negócio, uma vez que não há manifestação de vontade. A coação moral, por sua vez, interfere na plena liberdade da vontade, invalidando o negócio. A simulação, fraude contra credores, erro, dolo, coação moral, lesão, estado de necessidade, enfim, todos os defeitos do negócio jurídico, atacam, em regra, a liberdade e boa-fé da manifestação de vontade, sendo o negócio inválido. Feito esse esclarecimento categórico, vejamos o estudo pontual dos requisitos de validade que constituem os elementos essenciais do negócio jurídico. i. PARTES CAPAZES OU CAPACIDADE DO AGENTE. Como todo negócio jurídico traz como conteúdo uma declaração de vontade, a capacidade das partes é indispensável para a sua validade. O negócio praticado pelo absolutamente incapaz, sem a devida representação, é nulo, por regra (art. 166, I). O realizado por relativamente incapaz sem assistência é anulável (art. 171, I). Vejamos o enunciado 616 da VII JDC: ENUNCIADO 616 – Art. 166: Os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes. No tocante à incapacidade relativa, o art. 105 do CC prevê que esta não pode ser invocada pela outra em benefício próprio, também não aproveitando aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso, foi indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum a todos. Assim não poderão os credores ou devedores solidários ser privilegiados por suas alegações. Isso porque, como se sabe, a alegação de incapacidade constitui uma exceção pessoal, uma defesa que somente pode ser alegada por determinada pessoa. A legitimidade (capacidade especial) também é exigida para certos atos. A outorga do cônjuge (ou suprimento judicial) para a venda de imóvel, ressalvado o regime de separação absoluta de bens (art. 1.647 e 1.648 do CC). ii. VONTADE OU CONSENTIMENTO LIVRE. A manifestação devontade exerce papel importante no negócio jurídico, sendo seu elemento basilar e orientador. Vale dizer que a vontade é que diferencia o negócio, enquanto enquadrado dentro dos fatos humanos, fatos jurígenos e atos jurídicos, dos fatos naturais ou stricto sensu. O consentimento pode ser expresso, escrito ou verbal, ou tácito, quando resulta de um comportamento implícito do negociante, que importe em concordância ou anuência. Os artigos 112, 113 e 114 do CC/02 trazem três regras fundamentais quanto à interpretação dos contratos e negócios jurídicos, que merecem ser comentadas. Nos termos do art. 112, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem. Esse artigo 112 relativiza a força obrigatória das convenções, o pacta sunt servanda. Traz ainda, em seu conteúdo, a teoria subjetiva de interpretação dos contratos e negócios jurídicos, em que há a busca da real intenção das partes no negócio celebrado. Da jurisprudência superior, pode ser citado o acórdão que, aplicando o dispositivo citado, concluiu que a doação feita a um santo deve ser considerada como dirigia à Mitra Diocesana da Igreja Católica (REsp 1.269.544). O art. 113 consagra que os negócios jurídicos, e logicamente os contratos, devem ser interpretados conforme a boa-fé objetiva e os usos e lugar de sua celebração. Conforme enunciado 409 da V JDC, deve-se incluir no sentido da norma as práticas habitualmente adotadas entre as partes. Diante do enunciado doutrinário, pode-se falar em USOS DO TRÁFEGO, que constituem uma prática habitual nos negócios, um costume corriqueiro na constância das relações entre as partes. O art. 113 seria um artigo-chave do Código Civil, já que o dispositivo traz a função interpretativa tanto da boa-fé objetiva quanto da função social. Na jurisprudência brasileira, inúmeros são os julgados de aplicação da boa-fé objetiva e da função social em uma relação de simbiose, de ajuda mútua, para a mitigação da força obrigatória da convenção. Em 2019, o art. 113 recebeu dois parágrafos por força da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), trazendo outros critérios para a interpretação dos negócios em geral. Assim, conforme o novo § 1.º do art. 113 do Código Civil, a interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: a) for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio, sendo vedado e não admitido o comportamento contraditório da parte (venire contra factum proprium non potest); b) corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio, o que já está previsto no caput do comando; c) corresponder à boa-fé, o que igualmente já se retira da norma anterior; d) for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e e) corresponder à qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. Observa-se que as previsões relativas às letras b e c ficaram sem sentido, após a retirada da aplicação restrita aos negócios empresariais, como previsto na MP 881. Sobre a penúltima previsão, há uma ampliação de tutela dos aderentes negociais e contratuais, aqueles para quem o conteúdo do negócio jurídico é imposto. Isso porque qualquer cláusula passa a ser interpretada contra aquele que redigiu o seu conteúdo, máxima há muito tempo reconhecida pelo Direito (interpretatio contra proferentem). Amplia-se, portanto, o sentido do art. 423 do Código Civil, segundo o qual, “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Sem prejuízo disso, é possível aplicar essa interpretação a negócios paritários – em que o conteúdo é amplamente discutido pelas partes –, desde que seja possível identificar determinada cláusula ou cláusulas que foram impostas por uma das partes, tidas isoladamente como de adesão, hipótese em que serão interpretadas contra quem as redigiu. A respeito do último inciso do novo § 1.º do art. 113 do Código Civil, valoriza-se a negociação prévia das partes, especialmente a troca de informações e de mensagens pré-negociais entre elas. Essas negociações devem ser confrontadas com as demais cláusulas do negócio pactuado, bem como da racionalidade econômica das partes. Para tanto, a título de exemplo, devem ser considerados os comportamentos típicos das partes perante o mercado e em outras negociações similares, os riscos alocados nos negócios e as expectativas de retorno dos investimentos, entre outros, o que já é considerado em julgamentos de muitos painéis arbitrais. Por fim, foi inserido um § 2.º no mesmo art. 113 do Código Civil, pela Lei 13.874/2019, prevendo que “as partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei”. Trata-se de confirmação parcial do Enunciado n. 23, aprovado na I Jornada de Direito Comercial, in verbis: “em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual”. Ato contínuo de análise, aduz o art. 114 que os negócios jurídicos benéficos interpretam-se estritamente. iii. OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL. Somente será considerado válido o negócio jurídico que tenha como conteúdo um objeto lícito, nos limites impostos pela lei, não sendo contrário aos bons costumes, à ordem pública, à boa-fé e à sua função social ou econômica de um instituto. Como se sabe, ilícito o objeto, nulo será o negócio jurídico (art. 166, II). Se um determinado negócio jurídico não possui objeto, ele é inexistente. Se, por outro lado, possui objeto ilícito, é inválido. Além disso, o objeto deve ser possível no plano fático e jurídico. Se o negócio implicar em prestações impossíveis, também deverá ser declarado nulo. A impossibilidade pode ser física ou jurídica. Na primeira, o objeto não pode ser apropriado por alguém, ou a prestação não pode ser cumprida por alguma razão. Na impossibilidade jurídica, a lei veda o seu conteúdo. Atente: ▪ Segundo o art. 106, CC, a impossibilidade inicial do objeto não gera a nulidade do negócio se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado. Assim, somente a impossibilidade absoluta tem o condão de nulificar o negócio. Se este ainda puder ser cumprido ou executado, não há invalidade, por aplicação do princípio da conservação negocial/contratual. ▪ O objeto deve ser determinado ou, ao menos, determinável, o que justifica a existência de obrigação de dar coisa incerta. Nesta, o objeto é pendente de determinação, que se dá pela escolha, denominada concentração. iv. FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA (NÃO PROIBIDA) EM LEI. Para o negócio existir, deve ter uma forma de manifestação de vontade. Em algumas situações, o legislador prescreve determinada forma dessa vontade como pressuposto de validade. A forma é o revestimento jurídico, a exteriorizar a declaração de vontade. É o conjunto de solenidades que se devem observar, para que a declaração de vontade tenha eficácia jurídica. À luz do princípio da liberdade da forma, previsto no art. 107 do CC, a regra no sistema brasileiro é no sentido de que os negócios jurídicos têm forma livre. Assim, os negócios jurídicos são, em rega, informais. Vejamos o art. 107 do CC/02: Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Em duas situações, o legislador prescreve a forma do negócio jurídico (que passa a ser formal): ou para efeito de prova em juízo (art. 227) ou como requisito de validade do negócio (art.
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