Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Cirurgia Geral LITÍASE BILIAR Introdução: As vias biliares extra-hepáticas são formadas pelos ductos hepáticos direito e esquerdo, que unem-se para formar o ducto hepático comum. O ducto hepático comum, ao receber o ducto cístico, que drena a bile da vesícula biliar, forma o ducto colédoco. O ducto colédoco alcança o pâncreas, onde, em conjunto com o ducto pancreático principal, forma a ampola hepatopancreática ou ampola de Vater, que se abre na papila maior do duodeno. O ducto colédoco apresenta entre 8 e 12 cm de comprimento e entre 6 e 10 mm de diâmetro. A presença de via biliar com diâmetro > 10 mm indica dilatação da via biliar, podendo sugerir litíase biliar. A vesícula biliar é um órgão com formato de pera que apresenta volume de 30-60 mL, sendo dividida em fundo, corpo, colo, infundíbulo e ducto cístico. A vesícula biliar é irrigada pela artéria cística e drenada pela veia cística. A inervação motora é realizada por fibras nervosas parassimpáticas do nervo vago e por fibras nervosas parassimpáticas do gânglio celíaco e a inervação sensitiva é realizada por fibras nervosas simpáticas que se originam de T8 e T9. A bile é produzida no fígado e armazenada na vesícula biliar. A produção de bile varia entre 500 e 1.000 mL/dia. A bile é formada principalmente por água e sais biliares e apresenta pH que varia entre 5,7 e 8,6. Definição: A litíase biliar é definida como a presença de cálculos biliares na vesícula biliar e/ou nas vias biliares intra-hepáticas ou extra- hepáticas. Aproximadamente 80% dos cálculos biliares são formados por colesterol e aproximadamente 20% são formados por cálcio. Por isso, a maioria dos cálculos biliares não são visualizados nos exames radiológicos (radiografia ou TC). Fisiopatologia: Os cálculos biliares de colesterol formam-se em situações nas quais a bile apresenta-se supersaturada de colesterol, seja por aumento da concentração de colesterol sérico, seja por redução da concentração de sais biliares. Quando a bile apresenta-se supersaturada, o colesterol precipita-se na forma de cristais. Os agregados de cristais de colesterol somados ao muco formam a lama biliar e as alterações na motilidade da vesícula biliar resultam em estase, que predispõem ao desenvolvimento de cálculos biliares. Os cálculos biliares de colesterol crescem de 2 a 5 mm por ano. Fatores de Risco: - Aumento da secreção de colesterol na bile: → Idade > 40 anos. → Sexo feminino. → Multiparidade. → Obesidade. → Perda de peso abrupta. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → História familiar. → Uso de anticoncepcional oral. - Diminuição da concentração de sais biliares na bile: → Doença ileal. → Doença de Crohn. → Colangite biliar primária. → Colangite esclerosante primária. - Estase da vesícula biliar: → Jejum prolongado. → Distúrbios da motilidade biliar. → Diabetes mellitus. → Nutrição parenteral total. → Gestação. → Vagotomia. Classificação: Tipos de Cálculos Biliares Colesterol Pigmentar Negro Pigmentar Marrom Localização Vesícula biliar Vesícula biliar Ductos biliares (90%) e vesícula biliar (10%) Número Únicos ou múltiplos Múltiplos Únicos ou múltiplos Tamanho Variável < 1 cm Variável Cor Variável Preto Marrom Consistência Dura (cristaloide) Dura (cristaloide) Mole (barro/lama) Fisiopatologia Hipersecreção biliar de colesterol Aumento da produção de bilirrubina e estase da vesícula biliar Obstrução biliar e infecção biliar Densidade Radiológica 10-15% radiopaco 70% radiopaco 100% radiotransparente Apresentação Clínica: Aproximadamente 70-80% dos pacientes são assintomáticos. Quando há manifestações clínicas, os sintomas geralmente iniciam nos primeiros 5 anos de desenvolvimento do cálculo biliar. A cólica biliar representa a principal manifestação clínica da colelitíase. As principais complicações clínicas agudas da colelitíase são colecistite, pancreatite e colangite, que, em 50% dos casos, ocorrem no primeiro ano de início dos sintomas. As principais manifestações clínicas da litíase biliar são: - Dor em cólica no hipocôndrio direito. - Intolerância a alimentos gordurosos. - Náuseas e vômitos. - Dispepsia. Muitas vezes, o exame físico de pacientes com litíase biliar é normal. Quando o exame físico apresenta-se alterado, os principais achados são: - Dor à palpação profunda do ponto cístico. - Sinal de Murphy positivo. - Presença de massa palpável no hipocôndrio direito. - Icterícia, colúria e acolia. A cólica biliar é a dor desencadeada por impacto do cálculo biliar no ducto cístico ou no ducto colédoco, ou por espasmo do esfíncter de Oddi, que controla o fluxo de bile e de secreção pancreática para o duodeno. A recorrência da cólica biliar varia de 20 a 50% em 12 meses. Exames de Imagem: O exame padrão-ouro para o diagnóstico de colelitíase é a ultrassonografia abdominal, que apresenta sensibilidade de 95-99% e especificidade de 99%. Entretanto, para o diagnóstico de coledocolitíase, a ultrassonografia abdominal apresenta menor acurácia. Assim, o exame padrão-ouro para o diagnóstico de coledocolitíase é a colangioressonância magnética. A TC de abdômen apresenta baixa acurácia para o diagnóstico de litíase biliar, visto que apenas 10-20% dos cálculos biliares são 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 formados por cálcio (radiopacos) e, portanto, detectados no exame. Outros exames que podem ser realizados para o diagnóstico de litíase biliar, especialmente de coledocolitíase, são a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) e a colangiografia com uso de dreno no ducto colédoco. Complicações: Colelitíase: - Colecistite aguda. - Coledocolitíase. - Empiema de vesícula biliar. - Gangrena de vesícula biliar. - Perfuração de vesícula biliar. - Hidropsia. - Fístula e íleo biliar. - Câncer de vesícula biliar. Coledocolitíase: - Pancreatite aguda. - Colangite. - Fístula e íleo biliar. - Hepatite aguda e cirrose biliar secundária. - Câncer de vias biliares. - Estenose da papila duodenal. Colecistite Aguda: A colecistite aguda desenvolve-se em aproximadamente 15% dos pacientes com litíase biliar sintomáticos e é mais comum em mulheres. A colecistite é causada por obstrução do ducto cístico por cálculo biliar, resultando em isquemia e inflamação da parede da vesícula biliar. Aproximadamente 10% dos casos não estão associados à colelitíase, sendo mais comuns em homens, desenvolvendo-se secundariamente a outras doenças, como sepse, cirurgia, trauma, falência múltipla de órgãos, gangrena e perfuração biliar. A colecistite pode evoluir para estágios avançados de lesão da vesícula biliar, que são: - Vesícula em ampulheta: malformação da vesícula biliar, complicada por colelitíase e colecistite. - Vesícula em porcelana: presença de áreas de calcificação da parede da vesícula biliar alternadas por áreas normais de coloração marrom-escura da parede da vesícula biliar. - Gangrena da vesícula biliar: paredes edemaciadas e friáveis com ulceração da mucosa. - Periarterite nodosa: obstrução das artérias que irrigam a parede da vesícula biliar, degeneração fibrinoide e infiltração leucocitária. Fístula e Íleo Biliar: A maioria das fístulas que envolvem a vesícula biliar são do tipo colecistocólicas, ou seja, fístulas formadas entre a vesícula biliar e o cólon. O íleo biliar refere-se à obstrução intestinal causada por deslocamento de cálculo biliar através de fístula formada entre a vesícula biliar e o íleo, representando 1-2% das causas de obstrução mecânica do intestino delgado. As fístulas e o íleo biliar são complicações mais comuns em pacientes com doenças cardiovasculares e DM. Obstrução Biliar Extra-Hepática: - Obstrução do ducto cístico, resultando em distensão da vesícula biliar devidoao excesso de conteúdo mucoso (hidropsia). - Icterícia obstrutiva, quando a obstrução da via biliar localiza-se entre os ductos hepáticos direito e esquerdo e a ampola hepatopancreática (ou ampola de Vater). Coledocolitíase: A coledocolitíase é uma complicação que acomete até 20% dos pacientes submetidos a cirurgias das vias biliares, sendo definida como a presença de cálculo biliar no interior do ducto colédoco, podendo ser primário ou secundário (originado da vesícula biliar). As principais manifestações clínicas são dor, icterícia, colúria, acolia e infecção biliar. A principal bactéria responsável por causar infecção das vias biliares é a Escherichia coli. A coledocolitíase pode causar complicações como icterícia obstrutiva, colangite e pancreatite aguda. Colangite: A colangite é a infecção bacteriana ascendente das vias biliares secundária à obstrução de algum ponto do trato biliar. As 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 principais manifestações clínicas são representadas pela Tríade de Charcot, que são febre, dor abdominal e icterícia. A colangite complicada manifesta-se clinicamente pela Pêntade de Reynolds, que caracteriza-se pelas manifestações clínicas da Tríade de Charcot associadas à choque e à alteração do nível de consciência. Pancreatite Aguda: Inflamação aguda do pâncreas secundária ao deslocamento de cálculo biliar da ampola de Vater, que causa aumento temporário da pressão no interior do ducto pancreático principal, resultando em extravasamento de líquido pancreático rico em enzimas digestivas com consequente destruição do parênquima pancreático. O quadro clínico da pancreatite aguda secundária à colelitíase ou à coledocolitíase geralmente é autolimitado e, se o cálculo biliar ainda está presente no interior do ducto pancreático principal, deve-se realizar colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) para o tratamento. Exames Laboratoriais: - Colelitíase: exames laboratoriais normais. - Colecistite aguda: leucocitose com desvio à esquerda, aumento de bilirrubinas total e direta e aumento de TGO e TGP (< 5 vezes o LSN). - Coledocolitíase: aumento de bilirrubinas total e direta, aumento de GGT e fosfatase alcalina. - Colangite: leucocitose com desvio à esquerda, aumento de bilirrubinas total e direta, aumento de GGT e fosfatase alcalina. Tratamento da Colelitíase: O tratamento da colelitíase assintomática, definida como a ausência de cólica biliar ou de complicações relacionadas à litíase biliar, como colecistite aguda, colangite e pancreatite aguda, geralmente é expectante. A presença de sintomas inespecíficos como dispepsia, desconforto abdominal e intolerância a alimentos gordurosos não são consideradas manifestações clínicas de colelitíase. A maioria dos pacientes com colelitíase assintomática permanecem assintomáticos durante toda a vida e, por isso, o tratamento é expectante. As indicações absolutas de colecistectomia profilática em pacientes com colelitíase assintomática são: - Realização de outro procedimento cirúrgico abdominal. - Candidatos a transplante de órgãos ou de medula óssea. - Calcificação da vesícula biliar (vesícula em porcelana). - Nutrição parenteral total prolongada. - Anemia falciforme. - Múltiplos microcálculos < 0,5 cm ou cálculos > 2,5 cm. As indicações relativas de colecistectomia profilática em pacientes com colelitíase assintomática são: - Idade jovem. - Desejo do paciente. - Diabetes mellitus. - Colecistograma oral negativo. O tratamento da colelitíase sintomática é cirúrgico (colecistectomia). O tratamento da colecistite aguda pode ser clínico, com antibioticoterapia e sintomáticos até a melhora do quadro clínico para então realizar a colecistectomia, ou cirúrgico, com antibioticoterapia e colecistectomia precoce. Colecistectomia Aberta: - Incisão subcostal direita (incisão de Kocher). - Visualização direta da via biliar. - Cirurgia segura. - Maior tempo de internação hospitalar e maior índice de complicações em relação à técnica videolaparoscópica. Colecistectomia Videolaparoscópica: - 4 portais (2 subcostais, 1 epigástrico e 1 umbilical). - Cirurgia segura. - Menor tempo de internação hospitalar. - Menor índice de complicações do que a técnica aberta. - Possibilidade de conversão para a técnica aberta. 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Melhor resultado estético. Trígono de Callot: O Trígono de Callot é uma área anatômica de grande importância para o cirurgião durante o procedimento de colecistectomia. Os seus limites são: - Borda inferior do fígado. - Ducto hepático comum. - Ducto cístico. A estrutura que transita na área do Triângulo de Callot é a artéria cística. Complicações: As principais complicações da colecistectomia são: - Lesão iatrogênica de vias biliares. - Cálculo biliar perdido na cavidade abdominal, que pode causar inflamação e abcesso, geralmente peri-hepático, no pós- operatório. - Cálculo residual: cálculo biliar localizado no ducto colédoco que não foi identificado durante a cirurgia; considera-se cálculo residual todo e qualquer cálculo biliar identificado no ducto colédoco em até 6 meses após a colecistectomia. - Dor pós-colecistectomia. - Fístula biliar. Tratamento da Coledocolitíase: O tratamento da coledocolitíase geralmente baseia-se em colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), não havendo necessidade de abordagem cirúrgica. Entretanto, quando há necessidade de cirurgia, geralmente realiza- se coledocotomia ou derivação bíliodigestiva.
Compartilhar