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@danielleferreira._ Manejo de vacas no período de transição Introdução O que é o período de transição? O parto divide o período da vaca em dois momentos distintos: vaca seca (antes do parto) e vaca em lactação (pós parto). O parto marca uma mudança muito grande nas exigências nutricionais e de manejo dos animais, além de ser um ponto de grandes mudanças hormonais. O período de transição vai de 21 dias antes do parto até 21 dias depois do parto. Esse período é dividido em transição pré-parto e transição pós-parto, sendo que essa divisão ocorre pois esses dois períodos de transição requerem manejos diferentes. Escore de condição corporal (ECC) Para entender como manejar de forma bem feita as vacas no período de transição, precisamos primeiro entender e ter controle sobre o escore de condição corporal (ECC). ECC: ● reflete a condição corporal dos animais, sendo um reflexo de como está o manejo e nutrição do rebanho ● a avaliação deve ser feita rotineiramente ● é uma análise subjetiva e, por conta disso, deve-se traçar alguma escala para realizar essa análise, para deixá-la o menos subjetiva possível. Para isso, podemos utilizar: ○ mais de um avaliador ○ sempre o mesmo avaliador (é o mais indicado) A escala mais usual em gado de leite é o sistema dos EUA, que varia de 1 a 5, com intervalos de 0,25. A avaliação é visual, mas às vezes pode ser utilizada a palpação também. Avaliação do escore A avaliação é feita a partir de duas visadas do animal. Passo a passo da avaliação: Esse é o ponto principal da avaliação do escore. A avaliação em V ou em U é o que determina as análises que virão a seguir. Análise 1 Nesse caso, como a garupa do animal foi avaliada em V, o escore dele necessariamente é menor ou igual a 3. Se a tuberosidade ilíaca do animal está arredondada, a análise termina aqui e o escore corporal do animal é igual a 3. Se ela estiver pontiaguda, o escore é menor ou igual a 2,75 e, nesse caso, passamos para o 3º passo. Se a tuberosidade isquiática estiver arredondada, o ECC é igual a 2,75 e a análise se encerra aqui. Se ela for angular, o ECC é menor que 2,75 e seguimos para o próximo passo. Esse passo é realizado através da palpação. Se sentir gordura no ísquio, o ECC é 2,5. Se não houver gordura palpável, o ECC é menor que 2,5 e prosseguimos com a avaliação. Se os processos transversos estão com apenas ½ visível, o ECC é 2,25. Se estiverem com ¾ visíveis, o ECC é 2. No caso de escores menores que 2, não é necessário classificar, pois o manejo será igual independente do escore. Análise 2: Nesse caso, como a garupa do animal foi avaliada em U, o escore dele necessariamente é maior que 3. Se o ligamento sacral e o ligamento de inserção da cauda estiverem visíveis, o ECC é igual a 3,25. Se o ligamento sacral for de fácil visualização e o ligamento de inserção caudal estiver pouco visível, o ECC é igual a 3,5. Se os ligamentos estiverem pouco visíveis, o ECC é igual a 3,75. Se ambos os ligamentos não estiverem visíveis, o ECC é maior ou igual a 4 e, nesse caso, temos que prosseguir com a avaliação. Se as pontas dos processos transversos estiverem visíveis e houver preenchimento de garupa, o ECC é igual a 4. Se os processos transversos estiverem pouco visíveis, o ECC é 4,25. Se as pontas dos processos transversos não estiverem visíveis, o ECC é 4,5 A diferença para classificar ECC igual a 4,75 ou 5 é muito sutil e o manejo é o mesmo independente do escore. Alternativas para avaliar o ECC Ultrassonografia: É utilizada em pesquisas e não é utilizável no dia a dia de fazendas, pois o custo é alto e requer profissional treinado, além de ter baixa dinâmica. Imagens digitais 3D Após o escaneamento com a câmera, o aparelho traça as curvas do ECC do animal e faz a classificação. É uma tecnologia em desenvolvimento, que surge como uma tentativa de acabar com a subjetividade. Régua escalonada É prático e barato, porém tem pouco refinamento na medição (há muitas variações entre raças e animais). Aplicativo Também é prático, e vem na tentativa de diminuir a subjetividade, mas não dispensa o “olhar”. Permite criar um banco de escore para cada animal da fazenda. Qual o ECC desejado? Como o ECC varia durante a lactação? Após o parto, a vaca sempre vai ter uma queda do escore (emagrecimento). O ideal é que o escore vá aumentando até o fim da lactação (o ECC deve estar próximo de 3,00 no fim da lactação). Como manejar o ECC? ● o ECC não se recupera no período seco, sendo que nesse período deve haver o mínimo de mudança possível no ECC (não tentar engordar nem emagrecer as vacas durante esse período) ○ engordar a vaca no fim da gestação tem um impacto muito grande no comportamento pós-parto ● o ECC deve ser ajustado no terço final da lactação ● meta: menos de 10% das vacas secas com ECC > 3,5 Por que buscar o ECC ideal? Vacas magras: ● pouca reserva corporal para lactação ● pico baixo e menor produção na lactação Vacas gordas: ● balanço energético negativo (BEN) pronunciado ● distúrbios metabólicos após o parto ● menor produção na lactação ● maior intervalo de partos (perda de eficiência reprodutiva) Obs: é mais prejudicial a vaca parir gorda que magra. Importância do período de transição A maior parte dos problemas sanitários ocorrem quando os animais estão no período de transição. O período do parto para frente é o período com maior probabilidade de ter animais adoecendo e não produzindo todo o seu potencial de leite. Na primeira semana pós-parto é quando há a maior incidência de doenças, tanto para vacas primíparas quanto para as pluríparas, porém o número de casos é muito maior no grupo das vacas que já estão no 2º parto ou mais. Por isso o período de transição é tão importante, pois podemos perder vacas (morte), perder potencial produtivo e/ou perder potencial reprodutivo. Eventos do período de transição O que interfere no consumo de matéria seca? À medida que vai chegando próximo ao parto, o consumo de matéria seca das vacas diminui muito. Isso se deve ao fato de que o bezerro ocupa muito espaço na cavidade abdominal, então diminui o espaço que o rúmen pode distender. Também ocorrem alterações hormonais, mas o principal fator é a questão do espaço ocupado pelo bezerro. Após o parto, o útero gravídico deixa de existir, então, em tese, há espaço para o animal consumir mais alimento, porém o rúmen leva um tempo para se adaptar a isso. Exigência de energia A exigência de energia da vaca recém parida que está produzindo leite é maior que da vaca que está no fim da gestação, pois a produção de leite demanda muitos nutrientes. Por isso, quando a vaca entra no pós-parto, ela entra em um quadro de balanço energético negativo, que é ela precisar de muita energia mas não ter a capacidade de consumir tudo que ela necessita. O período de aumento da produção de leite até atingir o pico de lactação não coincide com o período de aumento do consumo de matéria seca (o pico de consumo ocorre após o pico de lactação). Os nutrientes necessários para a produção de leite saem justamente do depósito de gordura da vaca (balanço energético negativo). É justamente nesse pico de lactação, onde há o balanço energético negativo, que ocorrem os problemas metabólicos e sanitários. O balanço energético negativo ocorre em todas as vacas de leite, não há como evitar, mas há maneiras de amenizar os efeitos dele nos animais. Desordens metabólicas O grande problema do balanço energético negativo são as desordens metabólicas. Os principais problemas são: ● cetose - é o mais recorrente, podendo ocorrer de forma clínica ou subclínica ● esteatose hepática (fígado gorduroso) - ocorre em casos extremos de vacas muito gordas Atrelado às desordens causadas belo balanço energético negativo, ocorrem outras desordens que estão ligadas ao manejo alimentar: ● acidose ● laminite ● deslocamento de abomaso ● hipocalcemia Cetose A alta exigência energética associada ao baixo consumo de energia (o animal consegue consumir o tanto que precisa) gera o balanço energético negativo. Como a fisiologiado animal impõe que ele precisa produzir leite, ocorre mobilização das reservas do animal, principalmente gordura, para fornecer os nutrientes necessários para a produção de leite. As reservas se encontram na forma de triacilglicerídeos e ficará disponível para o animal na forma de ácidos graxos não-esterificados (livre na circulação, que vai ser levado para o fígado para produzir energia). Os ACNEs são convertidos a corpos cetônicos no fígado, que permitem que o animal obtenha a energia. O grande problema é quando ocorre excesso de mobilização de reservas corporais e, por consequência, um excesso de corpos cetônicos sendo produzidos e jogados na circulação e isso caracteriza a cetose. Se o nível de cetose for muito alto, há comprometimento do SNC, ocorre queda do consumo de matéria seca e pode desencadear outras desordens metabólicas. Na maioria dos casos, ocorre cetose subclínica ou clínica com sinais leves, que reduz o consumo de matéria seca e o animal entra em um processo de looping de consumir menos - mobilizar reservas - produzir corpos cetônicos - cetose. Isso afeta o ECC e a capacidade reprodutiva. Esteatose hepática A esteatose é a síndrome do fígado gorduroso, que ocorre quando há deposição excessiva de gordura no fígado. Quando há excesso de ACNEs na circulação e produção excessiva de corpos cetônicos, o fígado começa a depositar os ácidos graxos circulantes no tecido hepático ao invés de produzir mais corpos cetônicos. Esse depósito de gordura afeta a funcionalidade do órgão. Como amenizar o balanço energético negativo É importante lembrar que não é possível acabar com o balanço energético, mas existem estratégias para amenizá-lo. O controle do balanço energético consiste, basicamente, em fazer com que o animal consuma mais matéria seca, para que ele necessite de mobilizar menos gordura. Estrategias básicas: ● controle do ambiente ● controle de ECC/controle do consumo de matéria seca Ambiente O ambiente tem importância muito grande na fase de transição. A estratégia mais básica para fazer com que o animal consuma mais alimento é dar a ele um ambiente confortável e sem estresse térmico. Com menor estresse térmico, o animal se alimenta melhor, o que reduz a mobilização de reservas, minimizando os efeitos do balanço energético negativo. Controle do consumo de matéria seca/controle do ECC Se o animal estiver consumindo muito no pré-parto, isso terá impacto negativo no pós-parto, fazendo com que o animal consuma menos. Nas vacas com ECC mais alto, há uma queda brusca do ECC no pós-parto, o que nos indica que o desbalanço energético é maior (elas consomem pouca MS no pós-parto, então precisam mobilizar muita reserva). Resumindo: é importante evitar que as vacas estejam gordas no pré-parto, pois isso afeta diretamente o consumo no pós-parto e, como consequência, a mobilização de gordura é maior, causando uma maior produção de corpos cetônicos. O menor consumo nos animais com maior ECC se dá devido ao aumento do hormônio Leptina, que é responsável pela sensação de saciedade., ou seja, esse hormônio inibe o centro de consumo no pós-parto. Estratégias avançadas: ● estão relacionadas à dieta, como por exemplo, amido, gordura e tamponantes Essas estratégias estão diretamente ligadas àquelas alterações metabólicas secundárias citadas anteriormente. Amido O amido é o principal precursor de ácidos graxos voláteis. O aumento de precursores de AGVs na dieta, aumenta a produção de propionato, que é o principal AG responsável pela produção de energia nos animais ruminantes. Então, aumentar a quantidade de amido na dieta significa aumentar a densidade energética da dieta, o que faz com que o animal necessite mobilizar menos gordura para produção de energia. Porém, alterar a relação volumoso:concentrado, aumentando a quantidade de concentrado, pode desencadear outros problemas: ● acidose ● laminite (consequência da acidose) ● deslocamento de abomaso A acidose ruminal provoca uma oscilação de consumo muito grande, causando queda de consumo (o animal tem acidose, aí restringe o consumo no dia seguinte, a acidose reduz e ele volta a consumir, aí a acidose aumenta novamente e ele restringe o consumo, e assim sucessivamente). Além disso, há queda de produção (pois o que o animal consome não é suficiente para manter a produção) e queda no teor de gordura do leite (na maioria dos casos, há inversão na composição de proteínas e gordura no leite). Para reduzir a acidose e suas consequências, podemos utilizar: ● Propilenoglicol, que é glicose prontamente disponível, o que ajuda a vaca a mobilizar menos tecido adiposo. Quando oferecido diluído em um grande volume de água, ajuda o rúmen a expandir e ocupar mais espaço na cavidade abdominal, o que minimiza o deslocamento de abomaso. Um dos entraves para o uso do propilenoglicol é o custo e o outro é o fornecimento (que pode ser via sonda). Também é possível modelar a dieta para que haja fibra disponível para o animal e controlar o fornecimento de amido, a fim de reduzir a queda do pH. Limites: ● mínimo de FDN: 35% da MS total ● máximo de amido: 28% MS total Alimentos alternativos para equilibrar a dieta: DDG, polpa cítrica (não reduz o pH ruminal e tem grande fonte de energia), caroço de algodão (também é fonte de óleos) e casca de soja. Tamponantes O uso de tamponantes é uma ferramenta que deve ser utilizada na dieta de vacas, principalmente nas de alta produção. Eles ajudam a controlar o pH ruminal, reduzindo o risco de acidose. O principais tamponantes são: ● bicarbonato de sódio ● óxido de magnésio Outras opções (são poucos utilizados): ● sesquicarbonato de sódio ● bentonita de sódio ● carbonato de potássio É importante utilizar os tamponantes principalmente em dietas desafiadoras, como quando, por exemplo, há alto teor de concentrado, baixo teor de fibras ou alto teor de amido. Recomendações de uso: Suplementação lipídica O objetivo é aumentar a densidade energética da dieta. Porém, como os lipídios não são fermentados no rúmen, não causa acidose ruminal. Trabalhar com suplementação lipídica é algo complexo. Algumas considerações primárias: ● requisitos nutricionais e fornecimento de volumoso pois, a depender da fonte lipídica que está sendo utilizada, irá prejudicar a degradação das fibras ● manuseio, armazenamento e aquisição ● palatabilidade ● se é inerte ou não no rúmen ● resposta na produção e composição do leite ● custo Hipocalcemia A hipocalcemia se caracteriza por uma situação que ocorre no pós-parto imediato, onde o animal se encontra na seguinte situação: baixo nível de cálcio circulante, atrelado à baixa eficiência de absorção no intestino, à baixa mobilização óssea de Ca e à alta secreção de Ca no leite. A hipocalcemia e o balanço energético negativo não são totalmente dependentes, mas eles conversam entre si. Geralmente, animais que estão com altos níveis de ácido graxos não-esterificados circulantes são animais hipocalcemicos. A hipocalcemia está presente em, no mínimo, 75% das vacas de alta produção e ela traz problemas muito graves: ● retenção de placenta ● involução uterina ineficiente ● aumento na incidência de deslocamento do abomaso Esses problemas se dão devido à diminuição da contração do músculo liso. Para poder prevenir, a nível de rebanho, podemos fornecer ao animal uma dieta aniônica (dieta mais negativa, utilizando sulfatos e cloretos). Essa dieta gera uma leve acidose metabólica, que ativa o paratormônio, que age principalmente mobilizando cálcio retido na matriz óssea e jogando na circulação. Além disso, essa dieta estimula a absorção intestinal do cálcio. Avaliação da dieta aniônica: ● pH da urina: ○ normal: 8,2 ○ limitação de cátions na dieta: 7,8 ○ ideal nas 3 semanas antes do pato: 5,8 - 6,2 (é o que se busca na dieta)
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