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1 Números Inteiros – Axiomas e Resultados Simples Apresentamos aqui diversas propriedades gerais dos números inteiros que não precisa- rão ser provadas quando você, aluno, for demonstrar teoremas nesta disciplina. Esses resultados são apresentados em duas partes: o Definição dos números inteiros (seção 1) o Outros resultados básicos (seção 3) 1. Definição Axiomática do Conjunto dos Números Inteiros (Z) O conjunto dos números inteiros, representado por Z, pode ser definido a partir dos axiomas do conjunto dos números naturais N, apresentados na aula passada. No entanto, isso seria bastante trabalhoso. Para avançarmos mais rapidamente, partiremos diretamente de uma definição axiomática do conjunto dos números inteiros Z. A definição axiomática de Z aqui apresentada não é a única possível, nem a mais sucinta – ela é a axiomatização que nos pareceu mais fácil de entender e de usar. Outras axiomatizações diferentes são propostas em outros livros, mas todas elas são equivalentes neste sentido: todas elas permitem provar os mesmos teoremas. Segue a definição: O conjunto Z é um conjunto definido juntamente com as operações de + (adição) e . (multiplicação) e com as relações de = (igualdade) e < (menor que) de modo que todas as seguintes propriedades (axiomas) são satisfeitas: 1.1. Propriedades de Fechamento Se adicionarmos ou multiplicarmos dois inteiros, temos sempre um resultado inteiro. Dizemos que o conjunto Z é fechado para as operações de adição e multiplicação. Isso é representado por estes dois axiomas: 2 Para todos a e b inteiros: (F-1) a + b é inteiro (ou seja, a soma de inteiros dá um inteiro) (F-2) a . b é inteiro Observações: 1) A subtração entre inteiros a-b é definida como uma adição a+(-b), onde o –b é definido pelo axioma (OpA). Logo, a-b dá sempre inteiro também. 2) Uma operação de divisão entre inteiros será apresentada posteriormente, por meio de um teorema. 3) Não se preocupe em decorar os nomes das propriedades, apenas entenda bem o que cada uma afirma. 1.2. Propriedades Básicas das Operações (+ e .) Os axiomas abaixo valem para todo a e todo b inteiros: Associatividade (O-1) (a + b) + c = a + (b + c) (O-2) (a . b) . c = a . (b . c) Comutatividade (O-3) a + b = b + a (O-4) a . b = b . a Distributividade (O-5) a . (b + c) = a.b + a.c 1.3. Elementos Neutros Existem certos números inteiros, representados como 0 e 1, tais que: (N-1) a + 0 = a (N-2) a . 1 = a 3 Em outras palavras, os axiomas acima afirmam que 0 é elemento neutro da adição e que 1 é elemento neutro da multiplicação. Outro axioma mostra que esses dois elementos são distintos: (N-3) 0 1 1.4. Oposto Aditivo O próximo axioma relaciona cada inteiro a a algum oposto aditivo dele, representado como (-a). Para todo inteiro a, existe um inteiro (-a), tal que: (OpA) a + (-a) = 0 Observações: 1) Não há axioma sobre um “oposto multiplicativo de a” que multiplicado por a daria 1, pois não é verdade a existência dele para todo inteiro a. 1.5. Propriedades Básicas das Relações (= e <) Os axiomas desta seção valem para todos a, b e c inteiros: Reflexividade (R-1) a = a Simetria (R-2) Se a = b , então b = a Transitividade (R-3) Se a = b e b = c , então a = c (R-4) Se a < b e b < c , então a < c 4 1.6. Transformações nas Relações Nesta seção, apresentamos axiomas que permitem “manipular” ou “alterar” uma relação para obter outra relação, usando as operações de adição e multiplicação. Os axiomas desta seção valem para todos a, b e c inteiros: Adição a ambos os lados (M-1) Se a = b , então a + c = b+ c (M-2) Se a < b , então a + c < b + c Multiplicação de ambos os lados (M-3) Se a = b , então a . c = b . c (M-4) Se a < b e c>0 , então a . c < b . c Cancelamento de fator comum (M-5) Se a . c = b . c e c 0 , então a = b (M-6) Se a . c < b . c e c>0 , então a < b Observação: 1) Os dois axiomas de cancelamento dão a idéia de que é realizada uma divisão por c em ambos os lados. Porém, o axioma apresenta isso indiretamente, sem assumir que existe uma operação de “divisão”. 2) Aliás, cuidado ao usar estes axiomas. Se um fator c não obedecer às condições dadas, e você o cancelar, você poderá obter alguma contradição matemática! 3) Juntos, os axiomas (M-3) e (M-4) nos garantem que: se a=b, então podemos substituir a por b (e vice-versa) em qualquer expressão envolvendo apenas adição e multiplicação. 1.7. Outros Axiomas Aqui listamos mais dois axiomas importantes: Tricotomia: Este axioma vale para todos a e b inteiros: 5 (Tri) Apenas uma das seguintes relações é verdadeira: a < b , ou a = b , ou a > b Princípio da Boa Ordem: Este axioma vale para todo conjunto de inteiros S (ou seja, todo S que é subconjunto de Z): (Boa) Se S é não-vazio e contém apenas inteiros não-negativos, então S tem um elemento mínimo. Quando um conjunto S qualquer satisfizer às condições acima, vamos nos referir ao seu elemento mínimo como min(S). Observação: 1) O princípio da boa ordem é um axioma muito importante desta definição de Z. Ele não vale, por exemplo, no conjunto dos números reais R. 2) Este mesmo princípio é a justificativa por trás de um importante método de prova para afirmações sobre os inteiros: a prova por indução. 2. Provando Teoremas a Partir dos Axiomas Veja que os axiomas definem os números inteiros de forma um tanto sutil. Somente dois números são citados diretamente pelos axiomas: o 0 e o 1. Os demais inteiros são definidos indiretamente a partir deles e a partir das operações. Além disso, para quem já estudou os números inteiros de forma intuitiva (não- axiomática), os axiomas parecem muito simples e óbvios. Em parte, essa é a intenção. O que importa mais é que a definição permite provar os resultados (teoremas) elementares sobre os números inteiros. Como dissemos antes, você pode entender os axiomas (e as regras de inferência) como sendo as peças de um jogo (um quebra-cabeça) lógico. Veja o exemplo abaixo: 6 Exemplo 1: Provar que, para qualquer inteiro a, temos a.0 = 0. O caminho para provar algo assim não é evidente à primeira vista. Você tem que tentar usar os diversos axiomas, de diversas maneiras, até chegar a conclusão desejada (que é a.0=0). Uma maneira de resolver e partir de uma ou mais equações e manipulá-las até chegar à equação desejada. (Outra maneira é partir da expressão de um dos lados da equação e desenvolver até chegar à igualdade com a expressão do outro lado, mas não faremos assim). Resposta: Um axioma nos garante que: 0+0 = 0 Usando outro axioma, podemos multiplicar ambos os lados por a: a.(0+0) = a.0 Pela propriedade da distributividade: a.0 + a.0 = a.0 Pela simetria da igualdade (que vamos usar muitas vezes implicitamente): a.0 + a.0 = a.0 O axioma do oposto aditivo nos garante que existe um oposto de a.0, que representamos como (-a.0). Somando-o a ambos os lados: (-a.0) + a.0 + a.0 = (-a.0) + a.0 Pelo mesmo axioma do oposto aditivo, a soma de a.0 com (-a.0) dá 0. Assim, chegamos a esta equação: 0 + a.0 = 0 Pelo axioma do elemento neutro, o lado esquerdo dá a.0, logo: a.0 = 0 (Provado). Nas próximas demonstrações não seremos tão detalhistas a ponto de citar cada axioma utilizado. Também pularemos algumas etapas óbvias. Porém, é preciso tomar cuidado de fazer apenas aquilo que pode ser justificado por algum axioma. 7 O próximo exemplo mostra justamente o que acontece se não tomarmos esse cuidado. Ele “prova” um resultado errado devido a um axioma mal usado. Tente descobrir qual o problema na demonstração a seguir. Exemplo 2: Provarque 0 = 1. Resposta (falsa): Vamos definir uma variável x assim: x = 0 Então, multiplicando ambos os lados por x-1, temos: x.(x-1) = 0.(x-1) Pelo exemplo anterior, sabemos que o lado direito dá zero. Logo: x.(x-1) = 0 Também sabemos que 0 = x.0. Por transitividade, chegamos a: x.(x-1) = x.0 Agora, vamos cancelar x de ambos os lados, chegamos a: x-1 = 0 Adicionando 1 a ambos os lados, obtemos: x = 1 Usando a primeira equação, podemos substituir x para obter: 0 = 1 O que há de errado nesta demonstração? O erro foi no uso da propriedade do cancelamento para tirar o fator x. Veja que, pelo axioma em questão, este cancelamento só seria possível se x 0. Como definimos, inicialmente, que x = 0, o cancelamento de x não pode ser realizado! Veja que, nas demonstrações anteriores, não citamos explicitamente as regras de inferência, mas elas foram usadas! Todo o raciocínio das demonstrações matemáticas tem que seguir, implicitamente, as regras de inferência. Vamos esclarecer melhor essa questão no próximo exemplo. Exemplo 3: Provar que 1 > 0. Desta vez, vamos precisar assumir o seguinte lema (um teorema auxiliar), cuja demonstração está no material extra: 8 Lema: Para todo a, temos a.a 0. Resposta: Pelo lema dado (considerando a=1) podemos concluir que: 1.1 0 Como 1 é elemento neutro da multiplicação, concluímos: 1 0 Lembrando que isso é o mesmo que: 1 > 0 ou 1 = 0 Porém, como um axioma nos diz que 1 0, concluímos que: 1 > 0 (Provado). Usamos a regra de inferência silogismo disjuntivo no último passo da demonstração acima. Nos exemplos anteriores, todas as vezes que usamos um axioma escrito como um “se...então...”, nós usamos implicitamente a regra de modus ponens. Releia os exemplos e perceba. Colocamos, em um material extra, a demonstração de vários outros teoremas simples, tais como: Se a < 0 , então (-a) > 0. Se a < b e c<0, então a.c > b.c . (Ou seja, a relação inverte). Para todo a, temos a2 0. Se a2 = 0, então a = 0. Não existe valor inteiro a tal que 0 < a < 1. (Ou seja, não existe valor inteiro entre 0 e 1). a.b = 0 se e somente se a=0 ou b=0. a.b = 1 se e somente se a=b=1 ou a=b=-1. Os dois últimos resultados acima são importantes, pois mostram como resolver certas equações simples envolvendo multiplicação. Chamamos a atenção, em especial, para o 9 último teorema, que é exclusivo dos números inteiros – ele não vale para os reais, por exemplo. Aconselhamos que você tente provar alguns destes resultados ou consulte as demonstrações no material extra, para entendê-los melhor. Porém, como queremos ver coisas mais avançadas e mais interessantes nesta disciplina, não usaremos apenas os axiomas nas próximas demonstrações. Outros resultados que você poderá usar são apresentados resumidamente na próxima seção. 3. Outros Resultados Básicos Esta seção é apenas um guia para resultados (teoremas) e definições que você poderá usar. A grande maioria deles você, certamente, já viu na sua carreira estudantil. Se você não se lembrar dos detalhes, recomendamos que revise em outros materiais esses conceitos, pois eles serão necessários no restante da disciplina. Seguem os resultados que você pode assumir sem provar: I) Primeiramente, você pode usar o que sabe sobre como representar os números e como calcular as operações (pois os axiomas não falam nada a respeito disso): Representação dos números inteiros: além do 0 e 1 (apresentados nos axio- mas), você pode usar qualquer dos demais números inteiros na representação decimal usual: 2, 3, 4, 5, ..., 10, 11, 12, ... Contas básicas envolvendo os números: pode usar diretamente resultados de todas as operações, inclusive a divisão: 1 + 2 . 3 = 7, etc. II) Você pode usar outras operações (definidas a partir de + e . ) e as propriedades dessas outras operações: A exponenciação e suas propriedades: o a0 = 1 10 o a(n+m) = an + am o a(n.m) = ( an ) m o (ab)n = anbn o etc. Propriedades das expressões algébricas (inclusive os produtos notáveis): o (a+b)(c+d+e) = ac + ad + ae + bc + bd + be o (a+b)2 = a² + 2ab + b² o (a+b).(a-b) = a² - b² o etc. III) Pode usar conhecimentos sobre resolução de equações tais como: Resolução de sistemas de equações lineares Resolução de equações do segundo grau: método de Baskhara Resolução de equações inteiras (veja o material extra): o a.b = 0 se e somente se a=0 ou b=0. o a.b = 1 se e somente se a=b=1 ou a=b=-1. Outros resultados relacionados a equações: o Se an = bn e n é ímpar, então a = b o Se an = bn e n é par, então a = b o Se a < b e c < d, então a+c < b+d o etc. IV) Você também poderá usar os principais teoremas apresentados nesta disciplina, à medida que eles forem ensinados: Teorema fundamental da aritmética, etc. 11 Observações Finais Nas próximas aulas vamos ver como fazer com demonstrações mais complexas (sobre assuntos mais interessantes!). Resumindo esta aula, nas demonstrações que veremos, você poderá usar diretamente (sem provar): os axiomas, o conhecimento matemático do ensino médio sobre álgebra os teoremas que vamos ver ao longo da disciplina Se tiver dúvida se pode ou não usar um certo teorema matemático como premissa para uma demonstração, pergunte ao professor. “Não repreendas o escarnecedor, para que não te odeie; repreende o sábio, e ele te amará. Dá instrução ao sábio, e ele se fará mais sábio; ensina o justo e ele crescerá em prudência.” (Provérbios cap. 9, versos 8 e 9)
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