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Estudos Amazônicos 7º ano 1 | P á g i n a A Amazônia Negra Quando se fala sobre a presença negra na Amazônia é frequente ver o espanto das pessoas. Ainda hoje, especialmente fora da região, é comum ouvir a pergunta: “Mas, afinal, existiu escravidão na Amazônia? ” Podemos começar respondendo que a experiência da escravidão africana também marcou a trajetória da parte norte da colônia portuguesa na América. Em decorrência disso, hoje a presença negra na Amazônia é inegável, com enorme impacto na vida da região, marcando sua história, suas formas de comer, vestir, amar, dançar, cantar, rezar, trabalhar, juntamente com todas aquelas heranças intangíveis que as pessoas levam na pele, nos olhos e na alma. São inúmeros os sinais dessa presença. Existem hoje 406 comunidades quilombolas nos estados do Amapá, Amazonas, Maranhão e Pará. Os dados são da Fundação Cultural Palmares, entidade do governo federal responsável pela certificação dessas comunidades, etapa necessária para o reconhecimento de suas garantias constitucionais e, especialmente, o direito às terras em que vivem. Em todo o Brasil, são cerca de 2 mil comunidades já certificadas. Agora, pergunta-se: se a presença negra na Amazônia é tão relevante, por que sabemos tão pouco sobre ela? Para começar, é preciso lembrar que, durante muito tempo, boa parte da historiografia partiu do princípio de que a escravidão não teve grande importância na região, já que ali se costumava usar o trabalho indígena em maior escala que o africano. Inclusive, havia certo consenso de que estudar a presença africana no Brasil era relevante apenas nos lugares onde existia grande número de escravos. Basicamente, isso significava falar das regiões Sudeste e Nordeste do País. Durante anos, esses argumentos foram usados para justificar a falta de aprofundamento da pesquisa sobre a presença negra na Amazônia. O resultado disso repercutiu fundo na produção historiográfica sobre o tema e alcançou os livros didáticos. Afinal, quanto menos se pesquisava sobre o assunto, mais difícil era falar sobre ele. Desde o fim da década de 1980, esse cenário vem sendo revertido em razão da notável expansão dos estudos sobre a escravidão africana e as experiências de trabalhadores cativos e libertos, ancorados em sólida pesquisa documental, novas temáticas e métodos. O mergulho nesse universo vem revelando outras histórias sobre a vida dos africanos Brasil afora. Casal dançando o carimbó, dança típica do Pará que “sofreu” forte influência negra Habitação de negros escravizados, a Senzala Estudos Amazônicos 7º ano 2 | P á g i n a Tais resultados ajudam a fortalecer as lutas contemporâneas dos movimentos sociais de negritude porque iluminam trajetórias de indivíduos e comunidades, colaboram nos processos de reconhecimento de terras quilombolas e fundamentam reivindicações de políticas de ação afirmativa e combate ao racismo. Hoje, as pesquisas revelam um Brasil muito mais diverso do ponto de vista étnico-racial do que se pensava no passado. Os estudos fazem isso trazendo outros personagens para a cena, entre eles, homens e mulheres de origem africana, escravizados ou não, que viveram na Amazônia. Os Negros no Pará Estudos recentes indicam que a Amazônia foi conectada às redes do tráfico atlântico ainda no fim do século XVII e, até meados de 1750, estima-se a entrada de cerca de mil indivíduos na região, provenientes, em especial, da Costa da Mina, área tradicional de comércio negreiro na África. O tráfico era feito com forte comprometimento da coroa portuguesa e, considerando que o Grão-Pará e o Maranhão não eram uma de suas rotas mais rentáveis, havia certa irregularidade nos desembarques até a segunda metade do século XVIII, quando foi criada a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. A partir daí, coube à nova empresa a tarefa de ampliar a oferta de escravos para os proprietários da região, em especial porque a coroa portuguesa resolveu, no mesmo período, abolir a escravidão dos índios (1755) que eram trazidos dos altos cursos dos rios amazônicos para servir nas propriedades no Pará e no Maranhão. No Pará, a defesa dos indígenas pelos missionários, defendendo a liberdade dos nativos, criou as condições para a importação de escravos africanos para o Estado do Pará. Os índios eram trabalhadores indispensáveis e o fim de sua escravidão, somado à presença dos escravos, não representou uma redução dessa importância. Eles continuaram a ser empregados em diversas formas de trabalho compulsório e, inclusive, compartilharam muitas dessas experiências com os escravos negros. Foi somente com a criação da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), visando o estabelecimento da política pombalina de fomentar as atividades comerciais na Amazônia, que as cifras dos cativos traficados entre a África e a Amazônia portuguesa aumentam significativamente. Entretanto, isso não irá dar conta totalmente da carência por trabalhadores escravos na região. Enquanto a Companhia esteve em funcionamento (1755-1778), estima-se que tenha comercializado perto de 25 mil escravos na imensa área que hoje conhecemos como Maranhão, Pará, Amazonas e Mato Grosso. Até meados do século XIX, seguindo os novos fluxos do tráfico internacional, as populações desembarcadas na Amazônia serão procedentes, em sua maioria, da África Central Atlântica. Assim, no século XIX já era bastante evidente a presença da população escrava africana nas vastidões amazônicas, trabalhando com os índios nas lavouras de café, tabaco, cana-de-açúcar, na coleta de produtos da floresta, nas canoas do comércio e também nos diversos núcleos urbanos existentes floresta adentro. Como disse o historiador Flávio dos Santos Gomes, há muito tempo a floresta já estava enegrecida. Índios do norte da província do Grão-Pará Estudos Amazônicos 7º ano 3 | P á g i n a Como a região amazônica a ser explorada era imensa, seja para a agricultura ou pela coleta de produtos de origem florestal necessitava-se de um maior número de força de trabalho para a região. Desta forma a mão-de-obra na região amazônica se apresentava como uma problemática para os colonos. Em Portugal já se utilizava a mão-de-obra escrava africana há séculos: a dos negros ou a de árabes do norte da África. Desde o início da colonização do Grão-Pará houve a necessidade de resolver problemas de mão-de-obra e Portugal buscou o problema com a escravidão negra africana. Na Amazônia, o número de escravos negros não chegou a ser tão numerosos quanto em outras regiões do Brasil. Isto devia-se ao fato de que a atividade básica da região – o extrativismo florestal – exigia o conhecimento da floresta amazônica e os negros não a conheciam. As nações africanas que abasteceram o tráfico na região entre o século XVIII e nas primeiras décadas do XIX foram os bantos, o grupo Sudanês e nações do grupo Guineo-sudanês, além de outras indicações étnicas consideradas duvidosas. A maioria da população de escravos negros presentes eram originados diretamente da África, pois o número de escravos nascidos na região ainda era pequeno. Neste contexto, houve a presença dos cativos africanos desempenhando várias atividades em diversas regiões do território amazônico e do Grão-Pará como a presençaafricana no Baixo Tocantins na coleta das drogas do sertão; no Marajó com o trabalho na criação de gado; no Baixo Amazonas, onde a coleta do cacau representava a principal atividade econômica no século XIX; na Ilha das Onças no trabalho de artesanato de cerâmica; além da presença de escravos no próprio espaço urbano da capital paraense. De fato, o trabalho escravo africano na região amazônica possuiu grande importância para a economia regional. Que tipo de atividades realizavam os escravos? Circulando pelas ruas de Belém e Manaus estavam carregadores africanos, vendedoras de açaí, mucamas e criados, forros negociando suas produções de tabaco, artigos de latão e cobre, oferecendo seus serviços de sapateiro, carpinteiro e ourives, divertindo-se nas festas do Espírito Santo, de Nossa Senhora de Nazaré ou, ainda, como membros da Irmandade do Rosário. Escravos foram empregados na construção de fortalezas, condução de embarcações para Mato Grosso, nas fazendas , a r r o z , t aba co , m and ioca , milho, na criação de gado e de cavalos na Ilha de Marajó. Também eram artesãos, tecelões de chapéus e redes de algodão, apanhadores de açaí, pescadores, trabalhadores do porto, dos arsenais de guerra e da Marinha, das obras públicas, calafates, carpinteiros, p e d re i r o s , f e r r e i r o s , v e n d ed o re s d e tabaco, garapa e frutas. Também estavam nas casas senhoriais servindo, ninando, zelando, cozinhando, lavando e costurando. Estavam em todos os lugares dividindo espaços com os trabalhadores índios, o que tornava essas cidades diferentes das outras. Foram utilizados para trabalhar na lavoura de cana- de-açúcar, e m e n g e n h o s c o m o o E n g e n h o d o Murutucu em Belém e o Engenho do Cafezal em Barcarena. Tráfico negreiro com destino a província do Grão- Pará Estudos Amazônicos 7º ano 4 | P á g i n a As ruínas do Engenho Murutucu, em Belém nas imagens acima e abaixo. O engenho possui quase trezentos anos de história. Foi obra do arquiteto italiano Antônio Landi Ao longo da história o Grão-Pará abrigou vários quilombos com expressiva população. Espalharam- se na calha do Amazonas, Tocantins, ilha do Marajó, Amapá e, principalmente, a leste de Belém a caminho do Maranhão. Por exemplo, no século XIX, o quilombo de Alcobaça (hoje Tucuruí) contou com mais de 300 indivíduos. Em 1835, negros do quilombo de Caxiú, cerca de 400, comandados pelo preto Félix, e um tal Manuel Maria, reforçaram o grupo do chefe cabano Eduardo Angelim. Um líder quilombola foi o negro Cristóvão, que levantou os escravos do engenho Caraparu. Nos anos de 1835, Benfica e Caraparu, proximidades de Belém, eram engenhos de açúcar, com vasta escravaria. O núcleo rebelde, como os negros do Murutucu, nas terras do poderoso Rodrigues Martins, destruiu totalmente o engenho e deu o que fazer ao general Andreia que, para batê-lo, organizou nada menos do que três expedições. Somente a última, comandada pelo capitão-tenente Osório, com cerca de 200 homens, enfrentou cerca de 150 amotinados. A Capoeira O negro escravo organizou seu próprio sistema de defesa. E começou usando o próprio corpo. A defesa com o corpo gingando, com o ataque rápido e certeiro, característico do negro de Angola: era a capoeira. Estudos Amazônicos 7º ano 5 | P á g i n a A capoeira enquanto jogo ou luta, é de origem africana, tendo raízes em Angola, portanto tradição dos negros bantos. No século XIX, no jornal O Publicador Paraense, Diário de Notícias e a folha ilustrada A Semana eram constantes as notícias de capoeiras no Pará. Texto e Contexto “Os capoeiras não são mais que vagabundos, livres ou cativos, dados à crápula, à velhacaria, a vícios infames. (...) aparecem até de dia, já não procuram envolver-se no escuro manto da noite; de dia mesmo praticam das suas. ” (O Publicador Paraense, Ano II, nº 58, p. 2.) “Ante-ontem, às 8 horas da noite, no largo da Santana, um negro, metido à capoeira, fazia troça com outros companheiros” (Diário de Notícias, Belém, 15/11/1882. p. 3.) “O grosso cacete é a arma predileta para os exercícios de capoeiragem; a navalha, a tira-teima, se porventura o freguês está jurado. A polícia é a única que não vê os vadios, em grupos, pelos cantos e tascas, fazendo a apologia da cachaça e pondo em risco a vida dos pacíficos cidadãos! ” (A Semana, Ano 4, nº 5, 24/03/1890. p. 2.) Abolição da escravidão no Pará Com o término do tráfico negreiro transatlântico entre o Grão-Pará e a África (1834) não representou a interrupção desta atividade, pois já havia todo um comércio interno entre os Estados do Brasil e do Grão-Pará e Maranhão. Com isto, é importante notarmos que Belém não se limitava apenas em ser um polo receptor de cativos africanos, mas também um polo exportador de escravos. Através do porto de Belém ocorria um tráfico interprovincial de escravos a fim de abastecer as necessidades de mão-de-obra africana para o mercado de trabalho de outros pontos da Amazônia. No século XIX, no Brasil, ocorreu a luta para abolir a escravidão no país. No Pará, em Belém foi fundada a Sociedade Filantrópica Emancipadora da Província do Grão-Pará, criada pelo médico Carlos Seidl, em 1869. Em 1882, surgiram organizações abolicionistas como o Clube Felipe Patroni e o Clube Batista Campos. Em abril de 1888, com a ascensão na Corte do Gabinete de João Alfredo, os abolicionistas criaram, n o G r ê m i o L i t e r á r i o , u m a a s s o c i a ç ã o denominada Liga dos Cativos da Província do Pará. Após discussão sobre o Negros praticando capoeira nos arredores de Belém Imagem retrata a redenção de Benevides do trabalho escravo. A Vida Paraense, Belém, 30/03/1884. Estudos Amazônicos 7º ano 6 | P á g i n a estatuto, decidiram: a) que todos os membros da diretoria dariam liberdade aos seus cativos; b) que escolheriam a data de 13 de maio para a abolição total dos escravos do Pará; c) como o dia 13 de maio estava próximo, adiaram para o ano seguinte (1889) a extinção do cativeiro. A colônia agrícola de Benevides torna-se importante nesse contexto, na medida em que atuava como centro receptor de escravos fugidos, desde pelo menos 1881, três anos antes de ter sido decretada como livre de escravos. O jornal Diário de Notícias, de João Campbel, engajou-se na campanha abolicionista, denunciando o tráfico e desembarque de negros no Pará. Texto e Contexto Pele Negra “O vapor Bahia trouxe 13 escravos para serem vendidos nesta província, graças à proteção facultada pela assembleia aos especuladores dessa torpíssima indústria. ” (Diário de Notícias, Nº 154, 06/07/1881, p. 2.) “Do Maranhão entrou ontem o vapor Alcântara, trazendo o formidável carregamento de 57 escravos e 20 ingênuos. Esses infelizes vieram com destino a Olaria do Sr. Domingos Noguez. Esse facto depõe seriamente contra nós, e devemos o conceito péssimo feito a nosso respeito, dentro e fora do país, unicamente à politicagem dos nossos deputados. ” (Diário de Notícias, 24/06/1882, p. 2.). Poesia antiescravista também circulava no jornal, como as de Tobias Barreto. Texto e Contexto “Se Deus é quem deixa o mundo Sob o peso que o oprime Se ele consente este crime Que se chama escravidão; Para fazer homenslivres, Para arrancá-los do abismo, Existe um patriotismo, Maior que a religião. ” (Tobias Barreto. Diário de Noticias, 02/07/1884. Citado em SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. Belém: Paka-Tatu, 2004. pp. 73-74.). Sátira das festas de doação de cartas de liberdade aos escravos no Teatro da Paz. A Semana Ilustrada, Belém, 30/03/1884 Estudos Amazônicos 7º ano 7 | P á g i n a Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, aboliu a escravidão em todo Brasil. Recebendo a notícia, o presidente da província Miguel Almeida Pernambuco fez publicar, pela imprensa, um edital, determinando a execução do Decreto nº 3.353 em todo o território do Pará. Influência negra no Pará A contribuição do negro no Pará se manifesta nos folguedos populares, na culinária, no vocabulário e nos vários aspectos do folclore regional. O negro que veio como escravo para o Pará, assim como o indígena e o branco, sobretudo o português, contribuiu e influenciou para a formação da sociedade paraense. O negro contribuiu com o seu trabalho durante séculos, mas também contribuiu com sua cultura, seja na culinária com a feijoada típica, seja na capoeira, na música e na dança. Texto e Contexto Observaram Spix e Martius, nos anos de 1820, os negros e mulatos paraenses. “Os mulatos são os mesmos também aqui; é a mesma gente facilmente excitável, exuberante, pronta pra qualquer partida, sem sossego, visando a efeitos espalhafatosos. Para a música, o jogo e a dança, está o mulato sempre disposto e agita-se insaciável, nos prazeres, com a mesma leviandade dos seus congêneres do Sul, aos sons monótonos, sussurrantes, do violão, no lascivo lundu ou no desenfreado batuque. ” (SPIX & MARTIUS. Viagem pelo Brasil, 1817- 1820. São Paulo, 1962, 3 v. p. 22.). Uma grande contribuição dos negros no Pará foi a sua participação ativa no movimento revolucionário da Cabanagem, onde negros escravos e ex-escravos se destacaram como o negro Manuel Barbeiro, o negro liberto de apelido Patriota e o escravo Joaquim Antônio. Texto e Contexto Negros e a Cabanagem “Emergindo dos mocambos e das senzalas ou afluindo dos quilombos ignotos, no seio das selvas e nas praias desabitadas, os escravos acostaram-se à causa cabana, com o objetivo da reconquista da liberdade. ” (HURLEY, H. J. Traços cabanos. Belém: Off Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1936. p. 209.) A maniçoba é um prato típico paraense influenciado pela cultura africana Estudos Amazônicos 7º ano 8 | P á g i n a Cabanos Negros – Foram muitos, porém poucos nomes chegaram aos nossos dias. As informações sobre cada um deles também são escassas, mas, suficientes para figurarem no panteão dos grandes heróis libertários de nossa terra. Quase todos se libertaram da escravidão, aderindo ao movimento cabano de armas na mão. Por sua audácia guerreira e liderança política conquistaram chefias militares e ao reivindicarem abertamente que o terceiro governo cabano abolisse formalmente o cativeiro tornaram-se a vanguarda programática do movimento. Entre outros podemos citar o negro cabano Pedro Figueiredo, nomeado pelo segundo presidente cabano Francisco Vinagre, comandante do destacamento de guardas nacionais numa total inversão da hierarquia militar, causando escândalo na época. Este destacamento guarnecia o Arsenal de Guerra e o comandante Pedro Figueiredo, nas palavras do historiador Domingos Rayol era “Homem da raça africana que se recomendara por seu v a l o r e i n t r e p i d e z n o f o g o d a p r a ç a d a s Mercês”. Em seus escritos, Rayol que foi o cronista da Cabanagem também faz referência aos negros Manuel Barbeiro, Antônio Pereira Guimarães (o gigante Maquedum) o escravo Francisco Sipião “ que fora capitão dos cabanos e influente nas desordens na cidade e desse rio”, Custódio Teixeira, considerado um dos “influentes” na toma de Belém, em janeiro de 1835 e o aprendiz de sapateiro José Manuel Pereira Feio. Outros antigos escravos também foram lembrados, especialmente o negro Patriota, Joaquim Antônio e João do Espírito Santo, também conhecido como “ Diamante”. Todos os três depois de terem se destacado como propagandistas das ideias revolucionárias e como combatentes tiveram que enfrentar a repressão do terceiro governo cabano, de Eduardo Angelim, acusados de ¨proclamarem a liberdade a seu jeito, incluindo a dos escravos em geral”. Patriota e Joaquim Antônio foram fuzilados pelo governo cabano. Diamante penetrou na mata onde formou um grupo que se autodenominou de “guerrilheiros”. Estes três grandes libertários, vindos da escravidão, ousaram exigir que a revolução assumisse oficialmente a abolição do cativeiro, num momento em que a Cabanagem retrocedia, uma vez que não se decidia a romper com o Brasil escravocrata e latifundiário. Seus nomes ficarão na nossa memória para sempre. Enegrecendo a floresta No século XIX, Manaus e Belém surpreendiam os viajantes estrangeiros que por ali passavam. Suas belezas naturais eram atrativos inquestionáveis, mas a diversidade étnico-racial de suas populações era o tema recorrente nos relatos. Os dados mostram que existia, ao lado de uma grande maioria de índios vivendo nas cidades, dos escravos africanos e dos chamados brancos, uma grande variedade Negros lutando durante a Cabanagem Estudos Amazônicos 7º ano 9 | P á g i n a de tipos mestiços que tornava a Amazônia um laboratório extraordinário para estudo dos efeitos das “misturas raciais”. Mas outros laços ligavam as histórias de índios e africanos relacionados com suas experiências de solidariedade construídas a partir do duro cotidiano que muitas vezes compartilharam. As tentativas de constituir novos espaços fora da escravidão levaram à formação de muitos quilombos/mocambos que, eventualmente, reuniram índios e africanos no mesmo espaço. As fugas também foram frequentes e, em vários casos, épicas, porque atravessavam amplos espaços do território amazônico. Escravos lançaram mão de muitas estratégias para sobreviver em um mundo adverso e se esforçaram para manter, no limite de suas possibilidades, o controle de suas vidas. Buscaram juntar dinheiro para alcançar alforria, formaram comunidades independentes, guardaram segredos no fundo da alma e transmitiram a seus descendentes. Mas a presença negra não se reduziu à escravidão. Outros homens e mulheres viveram na região sendo professores de música, chefes de polícia, capoeiras, gráficos, lavadeiras, oleiros, carpinteiros – uma lista sem fim. Apesar de o silêncio sobre essas histórias notáveis ainda ser persistente, não há como negar que está sendo revertido pela força inquebrantável de todas essas experiências históricas. Festas de Abolição da Escravidão na província do Grão-Pará Na província do Grão-Pará, encontramos diversas contribuições da Escravidão enquanto instituição, contribuições essas que tiveram reflexos culturais e sociais importantes no qual podemos perceber as suas influencia na formação da mestiçagem da sociedade paraense. Dessa forma, podemos perceber durante o final do século XIX a sociedade paraense passava por diversas transformações; Tais metamorfoses passavam no campo social em relação às novas situações postas no campo político e socialque estavam se processando. Nesse aspecto, ideias e modas surgem, dando como resultado acelerar o processo abolicionista, a entrada de imigrantes, a fuga de escravos, as alforrias compradas ou doadas, a decadência das lavouras, a proletarização do negro e do caboclo, livres ou escravos, recrutados pela indústria nascente, principalmente a que se associou às oficinas das companhias de navegação e vapor. No começo da década de 1880, a campanha abolicionista atingia o auge, em toda parte. Muitas províncias haviam fechado suas alfândegas a importação de escravos; mas abriram-nas à exportação. O movimento de Abolição da Escravidão na província do Grão-Pará, especificamente em Belém esteve dentro de um raio de ação que contagiou todo o Império Brasileiro, principalmente no final da década de 80 dos oitocentos. Essa euforia que contagiou a capital do império foi um reflexo do movimento de emancipação escrava que ocorrera no Ceará e que também se espalhou na província do Amazonas. Em Belém não poderia ser diferente. Os abolicionistas de Belém também utilizaram diversas formas de contestar a questão da Escravidão que se processava na província. Principalmente por meio da imprensa, a Escravidão fora denunciada e combatida de maneira veemente; nesse aspecto podemos destacar a atuação do periódico Diário de Notícias. Jornal circulante que tinha um público acentuado para os padrões da época, aproximadamente 3.000 exemplares de tiragem diária, fora um importante instrumento de atuação abolicionista em Belém. Havia na capital da província outros periódicos tais como O Liberal do Pará, Diário de Belém e outros. Mas sem dúvida o Diário de Notícias foi o periódico que mais se destacou durante esse período por declara-se tanto abolicionista como, passado algum tempo, simpatizante do ideário republicano. Estudos Amazônicos 7º ano 10 | P á g i n a As festas de abolição - as suas comemorações em Belém Nesse prisma de análise, vamos perceber que as festas de comemoração do movimento de Abolição da escravatura em Belém se apropriavam desses elementos acima explicitados. Para que essas festas pudessem ocorrer de forma exemplar, era necessário dar um sentido a festa e, ao mesmo tempo apagando um passado e construindo outro. No dia 13 de maio de 1888, o jornal Diário de Notícias publica em suas páginas sob a forma de editorial: Ergamos em frente que chegou a nossa vez! Que o nosso grito de enthusiamo vá hoje aos confins do mundo levar a grata noticia de que o Brazil – livre, completamente livre! —Reclama o logar que lhe compete no grande banquete da humanidade! Denodados heróes da idéia abolicionista, vós que fostes infastigaveis na sacrosanta propaganda em prol d’uma raça mizerrima, nós vôs saudamos com todos os échos da patria, com todos os sentimentos de humanidade! E os que foram coibidos pela morte, antes de verem brilhar a aurora da redenção, receberam a nossa solemme homenagem! Que seus manes venerando-se regosigem com a felicidade que começa para aquelles por quem tanto trabalharam! E vós escravos de hontem e cidadãos de hoje, unamo-nôs para o engrandecimento da patria querida! Podemos perceber que há um discurso no qual se deseja apagar um passado que não representava a civilização moderna. As representações da instituição escravista geralmente se reproduziam por seus aspectos negativos. Frases tal como “negra instituição” dava ideia de como o regime era designado palavras de significados fortes. Festa da liberdade Hontem por ocasião da sessão do conselho diretor da liga redentora, reuniram se varios membros da sociedade que ahi fizeram por diversas formas comemorar o grande facto pedido da abolição, apresentado ao parlamento pela augusta princeza imperial regente. Durante a sessão, que foi concorridíssima, distribuíram se perto de 30 cartas a maior parte d’ellas dadas em homenagem aos generosos sentimentos da excelsa princeza. Muitos quarteirões e ruas foram considerados livres pelas comissões no meio de constantes applausos e vivas. Duas bandas de músicas tocavam a porta da casa. O honrado comerciante Domingo José Dias declara que os vapores da cia Pará e Amazonas estão (SIC) do movimento libertador no interior da província. Declara mais que o commercio de Belém vai declarar não possuir mais escravos, nem servir-se de escravos. Calorosos aplausos e vivas cobrem a palavra do distinto cidadão. Decidia-se mandar cunhar medalhas de ferro para comemorar o 13 de maio que vai ficar redimida a cidade de Belém. Em seguida, foi lido o topico da falla do trhono relativo a abolição, levantando-se vivas a princeza, ao ministerio, a todos os trabalhadores da causa da liberdade, ao som do hyno nacional executado pelas bandas e enquanto uma basta girandola de fogos levava as saudações ao ar livre da Amazonia. Depois dirigiram se todos ao palacio da presidencia para cumprimentar a primeira autoridade (...) Para a noite foi desde logo anunciada uma passeata (...) Estudos Amazônicos 7º ano 11 | P á g i n a Nesse sentido, concebemos a tradição das festas de redenção da cidade de Belém como uma tentativa de transformação social apoiado numa ideologia que se afastava das tradições do império liderado por Pedro II. Nesse ínterim, as tradições inventadas realmente necessitaram “criar” novos acessórios ou linguagens ampliando o seu vocabulário, trabalhando a continuação histórica que é recorrente para que as “tradições inventadas” possam estabelecer-se. As festas de liberdade refletem bem a forma como as tradições inventadas são utilizadas com o propósito principal de socialização e a inculcação de ideias ou sistemas de valores e até mesmos padrões de comportamento. As tradições inventadas de festas preenchem um pequeno espaço cedido pelas velhas tradições. Nesse sentido, podemos observar que as pessoas só tomam consciência da sua cidadania através da assimilação de símbolos ou práticas aliada a participação de pessoas que representam o Estado e o povo em si, contemplando a ação. Além disso, o próprio discurso do abolicionismo colocava-se como uma “imagem” que se configurava no sentido de perceber que a extinção do trabalho escravo no Grão-Pará e, consequentemente no Brasil se deu sem nenhum trauma e que tal processo era uma prova de que a nação estava totalmente “redimida” de seu passado escravista, mas que a partir desse ato de “humanidade”, o país escalava um cume bastante difícil e alcançava o seu topo no qual a nação elevou-se sobre todos os outros países da América e da Europa. Amazônia colonial: exploração da mão de obra indígena (Ouro Vermelho) O escambo de pau-brasil, intensamente praticado no litoral, foi a primeira atividade importante onde se utilizou a mão-de-obra indígena. Na região amazônica, o uso da força de trabalho dos índios era importante, pois estes conheciam e região, sendo utilizados na navegação nos rios, na orientação na mata, assim como no trabalho na floresta, na extração das chamadas “drogas-do-sertão”. O uso da mão-de-obra indígena no Brasil, como no Pará, determinou a adoção de diversas medidas legais em relação aos indígenas e o uso de sua força de trabalho. A liberdade era garantida para os índios aldeados e aliados, ou seja, os que viviam nos aldeamentos e foram convertidos e aculturados. Livres, eram senhores de suas terras nas aldeias, passíveis de serem requisitados para trabalharem para os moradores mediante pagamento de salário. Aos olhos dos colonizadores,o Vale Amazônico apresentava-se com possibilidades incalculáveis, inclusive dando a impressão de que seus produtos podiam substituir as especiarias das Colônias perdidas no Oriente. A colonização que ali se impôs, portanto, fundamentou-se nas atividades extrativas, compondo um sistema original e peculiar que constituiu e marcou a vida econômica da região. Para o Estado português, a prioridade era assegurar a participação dos indígenas nas atividades produtivas e sua colaboração na defesa do território. Estudos Amazônicos 7º ano 12 | P á g i n a A Legalidade A disputa ao acesso e controle desses índios marcou a história política de toda a região amazônica. Vários conflitos entre colonos e missionários foram inevitáveis pela disputa da mão de obra indígena. Diversas formas de recrutamento foram utilizadas para obter essa força de trabalho. Assim, diversas leis foram criadas, ora beneficiando os colonos leigos na exploração da mão-de-obra indígena e, em outras, aos colonos religiosos. A lei de 1595 previa um único motivo para escravizar o índio: somente a prisão, feita durante alguma guerra, e efetuada por ordem direta da Coroa Portuguesa. Os decretos de 1605, 1608 e 1609 suprimiram inteiramente a escravidão do índio, declarando por princípio a liberdade indígena e a igualdade dos seus direitos políticos ao dos brancos. Mas essas leis não puderam ser instauradas, devido à pressão dos colonos leigos, os quais alegavam falta de mão-de-obra para continuar seus negócios. Os indígenas entre os colonos leigos e os missionários A expansão do mercantilismo europeu transformou a Amazônia num palco de batalhas, onde os principais protagonistas eram estrangeiros que disputavam a posse do território e as riquezas nele contidas. Colonos de diferentes nacionalidades, armados, instalaram-se na área, realizando um intenso comércio e a exploração da força de trabalho indígena. Processo de Recrutamento Descimentos Eram expedições, em princípio não militares, realizadas desde o início da colonização do Brasil pelos missionários, com o objetivo de convencer os nativos para que "descessem" de suas aldeias de origem para os aldeamentos dos religiosos. Os descimentos eram feitos através do convencimento dos nativos para saírem de suas terras por livre e espontânea vontade. Os missionários, para conseguirem tal objetivo, faziam inúmeras promessas de melhorias nas condições de vida dos nativos caso fossem viver nos aldeamentos; quando isso não funcionava, usavam a coação, obrigando-os, através do medo, a aceitarem a convivência indesejada nos aldeamentos. Após o descimento os nativos eram armazenados em "aldeias de repartições", pois eram considerados "livres", para daí serem alugados e distribuídos entre os colonos, os missionários e o serviço real. O aldeamento era um projeto da colonização portuguesa para garantir a conversão dos índios ao catolicismo, a ocupação do território, sua defesa e ainda servia como uma reserva da mão-de-obra para o desenvolvimento da colônia. A repartição da mão-de-obra era estabelecida pela “terça parte”: um terço permanecia na aldeia, um terço servia à Coroa (guerras, descimentos), o restante era repartido entre os moradores, para atividades remuneradas. Representação de uma Tropa de Resgate Estudos Amazônicos 7º ano 13 | P á g i n a O comércio de escravos ficou tão intenso que se estima que até meados do século XVIII cerca de 20 mil índios foram apresados e descidos do Alto Rio Negro. Nas listas dos escravos retirados dessa região, já estão incluídos em grande número índios Tukano, Baniwa, Baré, Maku, Werekena e outros que vivem hoje em dia nesta mesma área, trazidos para trabalhar em Belém e São Luís. Índios de Repartição Também chamados de índios "livres" em oposição aos escravos, eram todos aqueles que aceitavam ser descidos sem oferecer resistência armada. Tropas de Resgate Eram expedições armadas realizadas pelas tropas de resgates, com o objetivo de fazer uma troca comercial entre os portugueses e as tribos consideradas aliadas. Os colonos trocavam quinquilharias (espelhos, facões, miçangas, colares, panelas, etc.), por nativos prisioneiros de guerras intertribais, os chamados "índios de corda". Os índios resgatados podiam ser escravizados durante dez anos em retribuição ao seu salvador, que os livrava da morte. No entanto, 1626, quando completaria os dez primeiros anos de presença portuguesa na Amazônia e os primeiros escravos deveriam ser libertados, a legislação foi modificada, estabelecendo que pudessem ser escravizados por toda vida. Guerras Justas Eram expedições armadas, realizadas pelas tropas de guerra. Invadiam os territórios indígenas com o objetivo de capturar o maior número possível de índios, inclusive mulheres e crianças. De acordo com o conjunto de leis de 1611, a guerra só era considerada justa quando: Os nativos atacavam e roubavam colonos; Se os nativos se negassem a ajudar os portugueses na luta contra outras tribos ou na defesa de suas vidas; Fossem contra o Cristianismo, impedindo a pregação do Santo Evangelho; Se os nativos se aliassem a outros povos europeus como holandeses, franceses, ingleses e irlandeses. Enfim, qualquer demonstração de independência e vontade própria poderia servir de pretexto para a guerra justa. Além dos pontos já mencionados, podemos citar como causas legítimas para a realização de uma guerra justa a recusa à conversão, a prática de hostilidades contra os portugueses e a quebra de pactos celebrados. O impedimento à pregação era apontado como causa justificada de guerra, para punir e castigar aqueles que punham obstáculo à propagação da fé cristã. As hostilidades das tribos também eram causas das guerras justas. Era então estabelecida a hostilidade, a guerra devia destruir as aldeias inimigas, matando ou escravizando a todos a quem de algum modo resistir. Os nativos presos eram conduzidos ao mercado de escravos da aldeia, onde também eram repartidos entre os colonos, os religiosos e os serviços da coroa portuguesa. Estudos Amazônicos 7º ano 14 | P á g i n a Foram incontáveis as expedições que penetraram no sertão amazônico com o objetivo de capturar nativos forçados. Porém, a lei de 1655, profundamente influenciada pelo padre Antônio Vieira, exímio combatente da causa da liberdade indígena na região amazônica, estabeleceu com grande moderação sérios esforços para acomodar, de um lado, as vantagens materiais dos colonos, e de outro, a proteção dos índios. Apesar disso, a escravidão particular continuou a existir; em se tratando de índios prisioneiros de guerra, ela devia, inclusive, ser vitalícia e hereditária. A escravidão dos índios resgatados, contudo, devia durar somente cinco anos. Com essa lei a situação dos índios livres mudou, pois, a fiscalização deles, antes atribuída a funcionários civis, foi designada aos jesuítas. A atuação dos funcionários civis era geralmente prejudicial aos “índios livres”, pois compactuavam com os colonos que os tinham sob guarda, fazendo os índios prestar serviços aos portugueses por prazos maiores que os estabelecidos. Pela lei de 1655 foi organizado um tribunal que tinha como função sentenciar os índios apanhados, prisioneiros de guerra ou resgatados. Este tribunal era composto pelo governador do Estado, ouvidor- geral, vigário do Maranhão ou Pará, e pelos preladosde quatro ordens religiosas: carmelitas, franciscanos, mercedários e jesuítas. Mas deve-se ressaltar que quase todos membros do tribunal estavam comprometidos com o sistema colonial e geralmente votavam pela escravidão vitalícia e hereditária por “guerra justa”. O Padre Antônio Vieira e o então governador, André Vidal - que apoiava os preceitos do padre jesuíta quanto à proteção dos índios -, geralmente viam-se derrotados, em particular, pelos mercedários e carmelitas. O fato é que a aplicação do conceito de guerra justa variou, não só ao sabor da discussão empreendida entre teólogos e juristas, mas também, e principalmente, devido a considerações econômicas e políticas conjunturais. No que se refere às expedições de resgate dos “índios de corda”, a legislação da Coroa reconhecia a legalidade da compra dos índios condenados pelas tribos ao sacrifício ritual. O Estado português apenas tentou coibir as fraudes dos colonos e garantir que o resgate constituísse uma prática efetivamente espontânea por parte dos vendedores indígenas. Com a Lei de 28-4-1688, o próprio Estado tornava-se empresário dos resgates, que a partir de então seriam feitos pela Fazenda Real: duas tropas – uma para o Pará e outra para o Maranhão – deveriam ser anualmente enviadas ao sertão. A Fazenda Real forneceria 3000 réis para a compra de quinquilharias necessárias ao resgate de escravos, devendo ser empregados dois mil para o Pará e mil para o Maranhão. Cada índio escravizado seria taxado em 3000 réis, e a renda desses impostos formaria um fundo intitulado “Tesouro dos Resgates”, para ser aplicado em benefício das missões, de novas entradas, e de outros itens relativos à obtenção da mão-de-obra. O Estado intervinha, assim, em seu próprio benefício, desde que sobre a venda de escravos resgatados por tropas oficiais era possível cobrar dízimos, enquanto o apresamento por particulares, no mais das vezes clandestino, deixava invariavelmente vazios os cofres régios. Continuando a tratar das leis vemos, aqui mais um exemplo do posicionamento ambíguo da Coroa: pela lei de 1663, a fiscalização sobre as reduções indígenas voltava as câmaras de Belém e São Luís, e o cuidado das almas dos índios perdia o monopólio jesuíta, agora repartido entre as ordens. A escravidão desenfreada não tinha agora obstáculos, já que os membros escolhidos para a Câmara eram os mesmos interessados na escravidão. Totalmente contrária aos preceitos da lei anterior, a lei de 1680 suprimia quase que por completo a escravidão dos índios, declarava libertos todos os prisioneiros resgatados de tribos indígenas e ordenava que fossem agasalhados nos aldeamentos; somente os prisioneiros de guerra permaneciam escravos. A fiscalização temporal e das almas retornava assim ao monopólio dos jesuítas. Poucos anos mais tarde o rei voltou atrás e novamente concedeu o direito de escravizar os índios nos casos de “guerra justa”, com a justificativa que o plano de substituir o índio pelo escravo negro não dera certo, devido principalmente ao preço. Estudos Amazônicos 7º ano 15 | P á g i n a Cabo das Canoas Encarregado de dirigir as primeiras expedições de exploração da mão de obra indígena, usava esta para a coleta das drogas do sertão, assim como a função de remeiros, sua função daria a coroa de Portugal o entendimento de que seria preciso a criação de uma legislação que melhor controlasse o processo de exploração das riquezas da região daí em 1611 foram implantados os sistemas de chefia: 1- Sistema de Capitães de Aldeia (1616-1686) - quando Portugal decidiu ocupar a Amazônia, enquadrou-a no sistema legal de organização do trabalho indígena vigente na época: o sistema de "capitães de aldeia". Tarefas do Capitão de aldeia: Representar e fazer cumprir as atribuições impostas pela Coroa portuguesa à aldeia; Comandar as formas de recrutamento e escravização de mão-de-obra indígena; Empreender a distribuição e aluguel dos índios entre colonos, missionários e o serviço real da Coroa portuguesa; Atuar como juiz, civil e criminal, julgando e estabelecendo penas; Fiscalizar o pagamento dos "salários" aos índios, a fim de impedir que esses fossem enganados pelos colonos. Os Colonos Missionários Os missionários constituam uma categoria de colonos que, além dos interesses econômicos e materiais, tinham objetivos espirituais declarados: converter os índios à religião e a disciplina para que aceitassem as novas condições de trabalho. Nesta época, a igreja não estava separada do estado como agora. E os missionários das três ordens religiosas carmelitas, capuchinhos e jesuítas eram funcionários da Coroa Portuguesa que lhes pagava o Côngrua, uma espécie de salário pelos serviços prestados. Como os colonos leigos controlavam os dois sistemas de trabalho: os índios repartidos e dos índios escravos, os missionários estavam descontentes e começaram a luta contra os colonos, para tentar obter o controle da força de trabalho indígena. O Regimento das Missões (1686) O Regimento fez crescer o poder das ordens religiosas, que passaram a ter não só importância no trabalho espiritual, mas também no político e temporal, das aldeias sob sua administração. Com o Regimento, os episódios se precipitaram e os missionários de diversas ordens adquiriram uma liberdade maior, uma força de contestação que o sistema não pôde suportar. Os religiosos puderam então obter a posse exclusiva das aldeias, com a exclusão dos moradores brancos e mestiços, e, além disso, o controle de toda a vida econômica e social das aldeias. Os missionários, portanto, passaram a funcionar como centro e articuladores de todas as atividades nas aldeias, e como intermediários entre as aldeias e o sistema colonial. Incluía, afora a conversão católica dos gentios, sua incorporação ao domínio político da coroa mediante o aprendizado da língua portuguesa, a organização das tribos em núcleos de caráter urbano e, sobretudo, o aproveitamento racionalizado de sua força de trabalho em atividades extrativas e agrícolas. Estudos Amazônicos 7º ano 16 | P á g i n a As Missões Religiosas e a Ocupação do Vale Amazônico O papel do indígena na ocupação do Vale do Amazonas era de extrema importância. Não se dava um passo sem ele, pois conhecia o território, sabendo se movimentar naquela área desconhecida pelo europeu. Os nativos eram os guias pela floresta ou pelos rios. Canoeiros, conduziam as embarcações nas longas expedições fortemente escoltadas, em meio a milhares de quilômetros, pelos cursos emaranhados d'água. Eram também caçadores, identificando a variada fauna, e coletores das "drogas do sertão", pois conheciam como ninguém a flora local. A coleta se organizou no Vale sob a coordenação dos missionários. Os padres, que monopolizavam o trabalho indígena, usavam um artifício para que os nativos extraíssem elementos da flora em grande quantidade. Alegavam que, além das partes destinadas aos adultos, aos velhos e às crianças, deveriam extrair outra, destinada a Tupã. Esta fração - "Tupã baê" - acumulada nos depósitos das missões, era, posteriormente, exportada para a Europa onde seria comercializada com grande lucro. Conduzido pelos nativos, o "homem branco" penetrava pelo coração pulsante da mata espessa, formada por imenso e heterogêneo verde, onde não bastava querer para efetivamente ocupar. Era uma tarefa complexa, em meio a terrenos submetidos a chuvas constantes que provocavam um aumento no nível das águas que, por sua vez, arrastavame deslocavam grandes porções de terra próximas aos cursos dos rios. Por conta disto, a exploração detinha- se no que a floresta oferecia e possibilitava espontaneamente. O isolamento de alguma canoa significava extremo risco; por isto, iam em grupos pelos igarapés, sob a copa de árvores gigantes, geralmente de folhas largas, cercados pelo silêncio cortado pelo zumbido dos insetos e pelo canto das aves. Assim, pouco a pouco, estes aventureiros divisavam, no lusco-fusco da floresta equatorial, um vale repleto de diferentes espécies animais e vegetais vivendo em equilíbrio. Pelos cursos d'água - "estradas líquidas", segundo o historiador Caio Prado Júnior -, vias de comunicação natural, iam sendo coletadas especiarias diversas, aproveitadas e utilizadas no comércio: plantas alimentícias e aromáticas como cravo, canela, castanha dita do Maranhão, salsaparrilha, cacau etc. Também eram extraídas madeiras valiosas e produtos de origem animal, desconhecidos, como uma espécie de óleo utilizado na alimentação e na iluminação, obtido dos ovos da tartaruga, ou o "manacuru" (peixe-boi), exportado salgado e seco. Regulada a divisão do território entre as ordens, por meio de cartas régias (1687-1714), vários grupos de religiosos iniciaram a tarefa sistemática de colonização, espalhando suas missões num raio de milhares de quilômetros pelo vale amazônico. Estudos Amazônicos 7º ano 17 | P á g i n a Foram os carmelitas, acompanhados de perto pelos inacianos e mercedários, que mais aprofundaram a colonização nos antigos domínios espanhóis, ocupando a área atual do estado do Amazonas. As missões jesuíticas espalharam-se pelo vale contíguo do Tapajós e, mais a oeste, pelo do Madeira, enquanto os mercedários se estabeleceram próximo à divisa com o Pará, nos cursos do Urubu e do Uatumã. Os carmelitas disseminaram seus aldeamentos ao longo do Solimões, do Negro e, ao norte, do Branco, no atual estado de Roraima. Assim distribuídas, as missões entregaram-se a diligente trabalho de exploração econômica em suas circunscrições. A própria metrópole incentivou tal empreendimento, uma vez que perdera seu império asiático e necessitava dar continuidade ao comércio de especiarias, de que o Amazonas se mostrava muito rico. Os religiosos corresponderam de imediato a essa solicitação, iniciando as primeiras atividades extrativas de vulto. Firmou-se, dessa maneira, a exportação regular de cravo, cacau, baunilha, canela, resinas aromáticas e plantas medicinais, toda ela sob o controle dos missionários, que dispunham do indígena como mão-de-obra altamente produtiva. No empenho de converter os gentios à fé católica e de ampliar o comércio de especiarias, ou "drogas do sertão", os religiosos com frequência transferiam suas missões de um ponto a outro, seguindo sempre a margem dos rios. Da multiplicidade desses aldeamentos surgiram dezenas de povoados, a exemplo de Cametá, no deságue do Tocantins; Airão, Carvoeiro, Moura e Barcelos, no rio Negro; Santarém, na foz do Tapajós; Faro, no rio Nhamundá; Borba, no rio Madeira; Tefé, São Paulo de Olivença e Coari, no Solimões; e em continuação, no curso do Amazonas, Itacoatiara e Silves. Os sertanistas acompanharam os missionários na intensa atividade de exploração do Amazonas. Sua ação, em geral estimulada pelas autoridades coloniais, devia facilitar o trabalho dos provedores da fazenda, sob a direção dos quais corriam os serviços do fisco. Os Franciscanos Os Franciscanos da Província de Santo Antônio chegaram a Belém em 1618, mas já estava a mais tempo no Maranhão. Os da Província da Piedade e da Província da Conceição da Beira do Mecho chegaram a Belém nos anos 1693 e 1706, respectivamente. Esses missionários, até o século XVIII, administraram cerca de 20 aldeamentos indígenas distribuídos por diversas áreas do baixo Amazonas: La do Marajó, região entre a margem esquerda do rio Amazonas e a fronteira da Guiana Francesa, adjacência de Gurupá, distritos do Amazonas até Nhamundá, inclusive o Xingu e Trombetas. Os Jesuítas Antes mesmo de ser iniciada a colonização da Amazônia, os Jesuítas já tinham se apresentado na parte norte da América Portuguesa. Em 1607, estiveram na serra de Ibiapaba, no Ceará, sob a liderança do padre Luís Figueira. Outros chegaram a São Luís nos anos de 1615, 1622 e, em 1636 e 1643, chegaram até Belém. Mas suas obras missionárias, propriamente ditas, iniciam-se com a chegada do padre Antônio Vieira na Amazônia, em 1653. Essa obra passou por várias fases, perdurou até 1759, quando foram expulsos definitivamente da Amazônia e de todos os domínios portugueses. No tempo do padre Vieira, os jesuítas defenderam veementemente a liberdade dos índios, o que lhe custou duas expulsões da região (1661 e 1684). Esses atos foram liderados por colonos leigos descontentes com a política indigenista que praticavam. A partir de fins do século XVII, atuaram como administradores espirituais e temporais em cerca de dezenove aldeamentos indígenas ao longo Estudos Amazônicos 7º ano 18 | P á g i n a do rio Amazonas. Pela margem direita e seu sertão azul, no trecho compreendido do delta do rio até a região do rio Madeira. Os Carmelitas Os primeiros carmelitas chegaram a Belém em 1627. Esses missionários administravam todos os aldeamentos indígenas do Solimões a partir do século XVIII quando os portugueses expulsaram os espanhóis da região. Administraram também os aldeamentos do Rio Negro e Branco. A grande maioria desses núcleos coloniais foi transformado em vilas, que atualmente são cidades e municípios. Alguns dos aldeamentos missionários do Solimões administrados pelos carmelitas foram fundados em fins do século XVII e início do XVIII pelo padre Samuel Fritz, jesuíta a serviço do governo espanhol. Os Mercedários Os mercedários espanhóis da ordem de Nossa Senhora das Mercês chegaram a Belém, com expedição de Pedro Teixeira, em 1639, oriundo do vice-reino do Peru. Administraram uns poucos aldeamentos no delta do Amazonas, mas atuaram, principalmente, na porção territorial que compreende o Rio Urubu até o baixo Rio Negro. O extermínio dos indígenas Em consequência do contato com os portugueses, uma epidemia de varíola devastou o Alto Rio Negro em 1740, matando grande número de índios, pois é muito provável que ela tenha se alastrado por certas partes da região sem contato direto com os "brancos", por meio de tecidos e roupas de algodão. Entre 1749 e 1763, epidemias recorrentes de varíola e sarampo continuaram assolando a região, sendo que a de sarampo de 1749 foi tão terrível que passou a ser chamada "o sarampo grande". A revolta indígena mais famosa desse período foi a de 1757, liderada pelos principais de Lamalonga no Médio Rio Negro. Esta rebelião marca a revolta dos índios contra os missionários, pela ênfase dada à destruição das igrejas e paramentos religiosos e o assassinato do padre carmelita. O projeto pombalino para a Amazônia: a intervenção do estado português na economia da Amazônia e a doutrina do índio cidadão A Amazônia Colonial sempre se constituiu num grande problema para a Metrópole portuguesa, no que dizia respeito a sua ocupação efetiva. O constante assédio de estrangeiros tornava imperiosa a sua conquista e ocupação. As dificuldades para deslocar colonos para a Amazônia tornaram-na celeiro de degredados que, com a justificativa de virem cumprir suas penas, eram enviados para as Capitanias do Grão-Pará e Rio Negro, onde assumiram a condição de colonos. Aescassa população branca sempre presente nas referidas capitanias tornava quase impossível a organização de sua defesa, coisa que só seria conseguida com sua efetiva ocupação. Nesse sentido, a política pombalina traçada para a Amazônia procurava superar os obstáculos colocados à sua colonização, através da execução de um projeto que visava transformar o índio em colono. Assim, Pombal formulou uma política indigenista que objetivava emancipar os índios, retirando-os da tutela Estudos Amazônicos 7º ano 19 | P á g i n a das ordens missionárias e procurava integrá-los à população branca. Nesse esforço de fazer do índio colono, a estratégia chave foi a implantação do regime do Diretório. A era do Marquês de Pombal e Antônio Landi (1750) Durante aproximadamente 30 anos, o primeiro ministro de Portugal, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699-1782), foi muito atuante em Portugal e em suas colônias. Político português, verdadeiro dirigente de Portugal durante o reinado de José I, o Reformador, Pombal nasceu em Lisboa no dia 13 de maio de 1699. Estudou na Universidade de Coimbra. Em 1738, foi nomeado embaixador em Londres e, cinco anos depois, embaixador em Viena, cargo que exerceu até 1748. Em 1750, o rei José nomeou-o secretário de Estado (ministro) para Assuntos Exteriores. Quando um terremoto devastador destruiu Lisboa em 1755, organizou as forças de auxílio e planejou a reconstrução da cidade. Foi nomeado primeiro-ministro neste mesmo ano. A partir de 1756, seu poder foi quase absoluto e realizou um programa político de acordo com os princípios do Século das Luzes ou Iluminismo. Aboliu a escravidão, reorganizou o sistema educacional, elaborou um novo código penal, introduziu novos colonos nos domínios coloniais portugueses e fundou a Companhia das Índias Orientais. Além de reorganizar o Exército e fortalecer a Marinha portuguesa, foram desenvolvidos a agricultura, o comércio e as finanças, com base nos princípios do mercantilismo. No entanto, suas reformas suscitaram grande oposição, em particular dos jesuítas e da aristocracia. Quando ocorreu o atentado contra a vida do rei em 1758, conseguiu implicar os jesuítas, expulsos em 1759, e os nobres; alguns destes foram torturados até morrer. Em 1770, o rei lhe concedeu o título de marquês. O estabelecimento de fronteiras. Em 1751, o Marquês de Pombal deu início a três importantes projetos que deveriam marcar o novo governo absolutista: o projeto militar, o projeto econômico e o projeto social. Francisco Xavier de Mendonça Furtado (irmão do Marquês de Pombal) recebeu a delicada missão de demarcar as fronteiras de Portugal e Espanha, estando à frente desses projetos. Em 1751, ao pôr em O Marquês de Pombal expulsando os jesuítas (pintura de Louis-Michel van Loo e Claude-Joseph Vernet, 1766). Estudos Amazônicos 7º ano 20 | P á g i n a prática o projeto militar, percorreu o território do Grão-Pará e sugeriu a sua divisão, visando uma administração com maior controle territorial. Decidido a defender seu direito sobre essas terras, o rei de Portugal fez vários acordos com o rei da Espanha. O mais importante deles foi o Tratado de Madri, em 1750. Nesse acordo, Portugal foi representado pelo diplomata brasileiro Alexandre de Gusmão, que defendeu a ideia de que as terras deveriam ser de quem as conquistou. Assim, terras que hoje formam a região Amazônica (oeste do Pará, Amazonas. Rondônia, Amapá, Roraima, Mato Grosso e Parte do Estado do Tocantins), como áreas de outras regiões foram anexadas ao território brasileiro. Este tratado estabeleceu ainda uma linha divisória da província do Pará e o Maranhão (Rio Gurupi), e os limites do Pará e Amazonas. O projeto militar do Marquês de Pombal se consolidaria, portanto, administrando todas as fronteiras, ao norte e ao extremo oeste, reaparelhando, também antigas fortalezas já existentes ao longo do rio Amazonas e de seus afluentes. Uma política de maior controle sobre o território do Grão-Pará O grande objetivo da política de Pombal era retirar Portugal do atraso econômico e da dependência da Inglaterra, através do desenvolvimento industrial e da intervenção do Estado na Economia. Para tanto, Pombal empreendeu uma série de reformas, que iam desde a reorganização econômica do reino até ao reordenamento da cultura, através de reformas na educação. Assim, o ministro tratou de impor uma nova política para a Amazônia (política de controle econômico), principalmente, dando ao Estado português maior autoridade e impedindo, portanto, qualquer tipo de concorrência que viesse prejudicar os interesses da metrópole na região. Ou seja, o Projeto de Regeneração portuguesa centrava-se na necessidade de reavaliar e modificar as relações Metrópole-Colônia, na medida em que a elite lusitana observava o sub aproveitamento e/ou desperdícios de suas potencialidades econômicas, devido a completa ausência de um projeto político de base científica, daí o interesse de Pombal pela Amazônia. A criação de uma política econômica. Como desde a colonização da Amazônia (século XVII), os jesuítas detinham o privilégio de comercializar as drogas do sertão sem pagar impostos à metrópole e, neste período (segunda metade do século XVIII), essas especiarias brasileiras estavam cada vez mais escassas, o extrativismo na floresta amazônica surgia como uma nova possibilidade de ganho para a metrópole portuguesa. Em virtude disso, não demorou muito para que Pombal executasse um plano, radical, no sentido de quebrar o privilégio dos religiosos, passando assim, o controle do comércio para a iniciativa privada (companhia de comercio do Grão-Pará e Maranhão). A criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão tinha como finalidade aumentar fiscalização da Coroa sobre as atividades mercantis da colônia. Organizada por negociantes portugueses, a Companhia exercia o monopólio comercial e administrativo, tanto da importação de mercadorias europeias como da exportação de produtos da colônia. Além disso, era a única empresa oficialmente autorizada a trazer negros para serem vendidos na região Amazônica. Esta companhia só foi extinta em 1778, depois que o Marquês de Pombal deixou de ser ministro. Assim, para que o Estado português lucrasse com o comércio das Drogas do Sertão, o Marquês de Pombal resolveu acompanhar de perto tudo o que acontecia nas regiões da colônia Nesse período, os portugueses procuraram dar uma finalidade econômica mais clara para a região. Embora o extrativismo da coleta das drogas do sertão tenha convivido com as tentativas agrícolas realizadas pelos missionários, apenas com Pombal, e na companhia do rio Negro é que iria ser realizada uma experiência agrícola e pecuária de grande importância para a região. Na verdade, os Estudos Amazônicos 7º ano 21 | P á g i n a portugueses não tinham um interesse mercantil ligado à exploração das drogas do sertão. Eles pensaram numa alternativa econômica fixadora que garantisse a posse da área conquistada. É claro que o extrativismo, além de lucrativo, era um meio de usar as possibilidades econômicas naturais da região. Mas não era suficiente para formar uma sociedade permanente. Era preciso implementar uma política econômica que garantisse a posse territorial da região e pudesse gerar lucros à metrópole. Projeto de ordem social Pombal enviou seu irmão Francisco Xavier de MendonçaFurtado para ser governador do novo Estado do Grão-Pará e Maranhão e aplicar sua política de transformação da colônia. Mendonça Furtado organizou uma expedição com físicos, astrônomos, geógrafos, engenheiros, o arquiteto Landi, entre outros. Seu interesse era conhecer a região amazônica de perto. O então governador possuía seus objetivos específicos para a região. A política pombalina ordenou a criação de novos fortes em toda a Amazônia, a fim de que esta se tornasse de fato um território português. Para isto, havia a necessidade de uma organização militar permanente na região. Um segundo grande objetivo era incentivar o povoamento na região. Sua política incentivou a vinda de portugueses para a região e o casamento destes com índias. Em meados do século XVIII, o marquês de Pombal fez aprovar, em 4 de abril de 1755, o alvará com força de lei, concedendo privilégios aos portugueses que casassem com índias. O governador também procurou reorganizar a administração regional. Em 1751, foi criado o Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará foi subdividido em duas capitanias, à do Grão-Pará e a do Rio Negro. O novo Estado continuava a receber ordens diretamente de Lisboa (e não da capital do Estado do Brasil, o Rio de Janeiro). O regime do diretório Ponto culminante da política pombalina, a instituição do Regime do Diretório que representou a completa laicização (exclusão do elemento religioso) da administração das povoações indígenas existentes no Grão- Pará e Maranhão, a partir do reconhecimento da incapacidade dos próprios índios de gerirem seus próprios interesses, devido à rusticidade e a ignorância de que são portadores, havendo, por isso, a necessidade da presença em cada povoação de “um Diretor, que nomeará um Governador, e Capitão General do Estado, o qual deve ser dotado de bons costumes, zelo, prudência, verdade, ciência da língua, e todos os mais requisitos necessários para Estátua do Marquês de Pombal, na praça de mesmo nome, em Lisboa. Estátua do Marquês de Pombal, na praça de mesmo nome, em Lisboa. Estudos Amazônicos 7º ano 22 | P á g i n a poder dirigir com acerto os referidos índios”. Um dos fundamentos ideológicos centrais de tal regime era o de levar os índios à civilização através de sua cristianização, pois só a absorção dos preceitos cristãos os libertaria do estado de selvageria e barbárie em que se encontravam. Por isso, esta “civilização” era a principal tarefa do diretor, que deveria utilizar-se para o seu cumprimento do instrumento considerado mais eficaz, ou seja, a língua portuguesa, que deveria ser disseminada entre os índios, com o objetivo de acabar com a prática de utilizarem a chamada língua geral indígena, o “nheengatu”. Essa introdução da língua dos dominadores sobre os dominados é um dos meios mais eficazes de consolidação das conquistas, na medida em que possibilita aos dominantes, reduzindo-se, assim, a resistência à dominação. Fazer com que mentalmente o índio passasse de colonizado a colonizador significava, ao menos retoricamente, tratá-lo como igual, atribuindo-lhe os direitos naturais dos quais todos os seres humanos seriam portadores, principalmente o de nascer livre. Para que os índios pudessem se reconhecer como iguais aos portugueses, identificando-se como eles, precisavam se sentir diferentes dos outros trabalhadores escravos com os quais sempre conviveram, os africanos. Na Amazônia Colonial o conjunto de elementos despossuídos – índios forros, índios escravos, negros forros, negros escravos, homens brancos pobres, mestiços – era genericamente denominado de “pretos” ou “negros”, termo este iminentemente pejorativo pelo sentido discriminador. Destruir a identidade por eles construída com os outros expropriados exigia que não mais se vissem como “negros” e foi nesse sentido que o estatuto do Diretório determinou que os diretores das povoações “... não consentirão (...) daqui por diante, que pessoa alguma chame de Negro aos Índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam para que (...) possam conceber aquelas nobres ideias, que naturalmente infundem aos homens a estimação e a honra”. Invertendo a lógica que sempre se fez presente na colonização – a de conceber os dominados como naturalmente destinados a escravos dos brancos. A política indigenista pombalina procurava produzir no imaginário colonial a imagem do índio-cidadão, enfatizando que tal situação foi reconhecida pelo próprio rei que “foi servido nobilitar, e declarar (os índios) por isento de toda, e qualquer infâmia, habilitando-os para todo o emprego honorífico...” Parece não haver dúvida que o regime do Diretório pretendia desfechar o golpe de misericórdia sobre a cultura indígena, através da reforma dos costumes, no sentido de substituí-la pelo do colonizador. Talvez o mais grave dos problemas enfrentados pelas autoridades portuguesas na Amazônia fosse a do abastecimento de alimentos das tropas e da cidade, devido as dificuldades de mão de obra, sendo a base da alimentação a farinha de mandioca produzida em pequenas lavouras. Não só o controle missionário sobre os aldeamentos era a causa da dificuldade de obtenção de mão de obra pelos colonos, mas principalmente a resistência indígena em se submeter ao tipo de exploração do trabalho utilizado pelos mesmos, fundado em jornadas exaustivas, causadoras de inúmeras mortes entre os trabalhadores. Como na sociedade colonial o ser livre estava diretamente associado ao proprietário, e o ser proprietário implicava em uma situação de não trabalho, tornava-se bastante difícil convencer os índios de que a liberdade não era incompatível com o trabalho em suas roças nos moldes da concepção capitalista de trabalho, que significa realizar trabalho excedente para se obter uma produção de excedentes. Habituados a uma produção de subsistência que exigia apenas a realização de trabalho necessário, os índios nunca demonstraram ter absorvido a disciplina de trabalho capitalista e, ao contrário, sempre impuseram tenaz resistência a ela. Nesse sentido, o estatuto do Diretório procurou demonstrar aos índios “o quanto lhes será útil o honrado exercício de cultivarem as suas terras...”, pois só assim garantiriam o seu bem-estar e de suas famílias, associando a isso toda uma argumentação que mostrava quão perniciosa era a ociosidade. A violência que parece ter marcado as relações de trabalho dos índios com os colonos tornava pouco eficiente os estímulos previstos no Regimento do Diretório para convencê-los das “vantagens” que Estudos Amazônicos 7º ano 23 | P á g i n a teriam de trabalhar para os moradores. A exploração excessiva a que comumente eram submetidos, tornava-os arredios ao trabalho e levava-os a constantes fugas. Afinal, não devemos esquecer que os índios preferiam o trabalho nas missões, pois consideravam o convívio com os missionários muito menos pernicioso para si do que com os colonos leigos, na medida em que ser catequizado implicava não só em trabalhar, mas também em outras atividades mais suaves. Mesmo assim, a vida com os missionários não era um mar de rosas, já que, sentindo-se violentados no seu modo de vida tradicional, não perdiam oportunidades para internar-se no mato. As experiências vivenciadas pelos trabalhadores indígenas nas suas relações cotidianas com os colonos e autoridades locais tornavam inúteis os esforços de persuadi-los dos benefícios que poderiam tirar do trabalho, pois sempre significou para eles violência e morte. Na visão de Pombal, a garantiada posse da terra era, entre os argumentos, o mais sólido para tentar persuadir os índios a se tornarem colonos, embora isso pudesse funcionar às avessas. Aportuguesar os índios não implicava apenas e levá-los a se pensar como tais. Havia também a necessidade de fazer com que os próprios portugueses os vissem dessa forma e deixassem de tratá- los como seres inferiores, desprovidos de humanidade e, consequentemente, de direitos de vontade própria. Entendia Pombal que o meio mais eficaz de fazer com que índios e brancos se sentissem iguais era estimular o casamento entre brancos e índios. Além de orientar os diretores a trabalhar ideologicamente os colonos, no sentido de demonstrar-lhes não serem os índios inferiores em nada a eles, o estatuto estabelecia que todos que casarem com índios portadores de honras e privilégios passariam a ter igual gozo dos mesmos. Procurava-se, assim, atrair os brancos para um tipo de convívio diferente com os índios, cuja base era o reconhecimento e o restabelecimento da sua condição de pessoa. Ao pretender emancipar os índios através da institucionalização do Regime do Diretório, Pombal tinha claro a fundamental importância que isso tinha para a efetivação de seu projeto para a Amazônia, na medida em que, transformados em colonos, os índios garantiriam a ocupação efetiva da terra e a consequente consolidação da dominação portuguesa, já que não havia qualquer possibilidade que isto pudesse ser feito com os colonos portugueses. Dar “liberdade” aos índios significava aprisioná-los às necessidades do governo colonial, que passaria a ter liberdade para deslocá-los para áreas que lhes fossem mais convenientes como soldados, completando o processo de destribalização iniciado pelos missionários e utilizá-los como trabalhadores nas obras públicas e distribuí-los com vantagens financeiras aos colonos. Tal esforço demonstrou ser infrutífero, pois a laicização das povoações facilitou a ação dos colonos portugueses no que dizia respeito à exploração do trabalho indígena, tornando, em grande medida, os artigos do estatuto do Diretório, letra morta. A substituição da tutela dos religiosos pela tutela laica dos diretores significou para os indígenas uma mudança trágica, na medida em que os deixou totalmente à mercê dos colonos já que os diretores, interessados em auferir vantagens pessoais comumente criavam inúmeras facilidades para o acesso dos colonos ao seu trabalho e encontravam inúmeras maneiras de burlar as normas a que estavam submetidas pelo Regimento do Diretório. O Diretório representou um esforço estupendo de integração do índio à sociedade colonial, contribuindo decididamente para intensificar a desorganização do seu antigo modo de vida e para tornar as suas condições de sobrevivência praticamente insuportáveis, aproximando-os ainda mais dos outros seguimentos de não proprietários presentes na população. Contraditoriamente, a destribalização iniciada pelos missionários com os descimentos e intensificada pelo Regime do Diretório, contribuiu para aproximar as tribos indígenas existentes na Amazônia, possibilitando a construção de uma identidade de interesses que inúmeras vezes se exteriorizou em ações de resistência coletiva. Estudos Amazônicos 7º ano 24 | P á g i n a Em resumo, o Diretório enunciava, ao longo dos 95 parágrafos, os principais objetivos a atingir: expandir a fé cristã, abolir os costumes gentílicos, civilizar os índios, desenvolver a agricultura, incrementar o comércio, introduzir a moeda metálica em circulação e fortalecer o Estado. O Diretório definia as regras para a instauração do governo temporal e espiritual nas aldeias indígenas e enumerava as medidas preconizadas: interdição das línguas nativas, obrigatoriedade do uso da língua portuguesa, criação de escolas separadas para meninos e meninas, nomeação e pagamento de professores, utilização de sobrenomes lusitanos, introdução de vestuário, hábitos e costumes do reino e proibição de apelidar os indígenas de “negros”. Continha, também, disposições relativas à distribuição de terras pelos ameríndios, intensificação de produções agrícolas (plantações de mandioca, feijão, milho, arroz, algodão, tabaco e café), ao comércio de drogas do sertão (cacau e salsaparrilha), às atividades da pesca e extrativas, ao pagamento de dízimos e à política de repartição e pagamento da mão-de-obra nativa. Estipulava, ainda, as regras referentes à organização das aldeias, atribuição do estatuto de vila ou lugar, à entrada de colonos nas povoações indígenas e aos casamentos entre brancos e índias. Definia, finalmente, a responsabilidade dos diretores dos aldeamentos indígenas. No entanto, a aversão dos índios em trabalhar para os colonos fazia com que a alternativa de os transformar em trabalhadores assalariados não parecesse a mais correta. Assim, a alternativa do índio-colono tornava-se mais viável e, para isso, não bastava conceder-lhe apenas a liberdade. Junto com esta, havia a necessidade de reconhecer-lhe direito à terra, no sentido de transformá-lo num agricultor produtivo à Metrópole. Por isso, a referida lei também reconhecia serem os índios senhores de suas terras, mesmo daquelas que estivessem em poder de particulares. A obra de Pombal foi aprovada pelo governo metropolitano que a mandou publicar (Lisboa, 1758) e tornar extensiva ao estado do Brasil. Em pouco tempo, concedeu o estatuto de vila a 40 aglomerados e de lugar a 23, conferindo-lhes nomes de povoações do reino (Barcelos, Tomar, Melgaço, Santarém, Óbidos, Porto de Mós, Chaves, Soure, Bragança, Guimarães, Viseu, etc.). O objetivo era institucionalizar o espaço onde os índios estavam reunidos. Uma das principais preocupações de Pombal em relação à Amazônia era de garantir sua eficaz proteção do seu território contra investidas estrangeiras (franceses e espanhóis). No sentido de atenuar a resistência dos índios ao serviço militar, Mendonça Furtado, encarregado do governo do Pará e da missão de executar o projeto pombalino na Amazônia, em carta de 20 de julho de 1755, propõe ao rei: “Que (...) mande, por uma lei, declarar que todos os descendentes de índios estão habilitados para todas as honras sem que aquele sangue lhes sirva de embaraço, e que os Principais, seus filhos e filhas, e quem casar com elas, são nobres e gozarão de todos os privilégios que como tais lhe competem”. Fiel a “doutrina do índio-cidadão”, o governador procurava igualar brancos e índios em direitos, com o objetivo de estimular o casamento entre eles, pois considerava que “habilitados assim os índios, se irão sem dúvida os europeus misturando com eles sem embaraço, e ficará mais fácil o povoar-se este larguíssimo país, que, sem aproveitarmos a gente da terra, é moralmente impossível”. Para o governador havia a necessidade de se criar condições para que os índios pudessem se sentir Palácio do Governo do Grão-Pará ou Palácio Lauro Sodré Estudos Amazônicos 7º ano 25 | P á g i n a iguais aos portugueses e, assim, assumirem os interesses dos últimos como seus, cumprindo seu papel de vassalos da Coroa portuguesa. Contraditoriamente, o governador não os reconhecia como iguais, como mostra sua carta: “Que aqueles índios que passassem a oficiais e chegassem a capitães, e daí para cima, gozarão dos privilégios que competem aos seus postos, ainda que não sejam confirmados, pela razão de que são uma miserável gente, e não cabe na sua possibilidade o mandar ao Reino confirmar as ditas patentes”. A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão foi criada com o objetivo de
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