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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Otorrinolaringologia DISFUNÇÃO TUBÁRIA Trompa de Eustáquio: A Trompa de Eustáquio, também denominada tuba auditiva, é um canal osteocartilaginoso envolvido por músculos que conecta a orelha média à nasofaringe. A tuba auditiva é dividida em porção óssea (posterolateral), que se abre na cavidade timpânica (orelha média), e em porção cartilaginosa (anteromedial), que se abre na nasofaringe por meio do óstio faríngeo da tuba auditiva. As principais funções da Trompa de Eustáquio são: - Equalizar a pressão na membrana timpânica. Ao aumentar a altitude, há diminuição da pressão atmosférica. Entretanto, a pressão no interior da orelha média ainda é maior que a pressão atmosférica, resultando em abaulamento da membrana timpânica. Aos poucos, com a abertura da tuba auditiva, a pressão atmosférica e a pressão no interior da orelha média equalizam-se. Ao diminuir a altitude, há aumento da pressão atmosférica. Entretanto, a pressão no interior da orelha média ainda é menor que a pressão atmosférica, resultando em retração da membrana timpânica. Aos poucos, com a abertura da tuba auditiva, a pressão atmosférica e a pressão no interior da orelha média equalizam-se. - Proteger a orelha média de secreções da nasofaringe. - Eliminar as secreções da orelha média. Em pacientes com otite média aguda, às vezes, é possível observar a drenagem de secreção da orelha média em direção à nasofaringe por meio da tuba auditiva na endoscopia nasal. A abertura da tuba auditiva é mediada por 2 músculos, o elevador do véu palatino e o tensor do véu palatino (músculo mais importante), que contraem ao bocejarmos ou ao deglutirmos, resultando em abertura da Trompa de Eustáquio. Outro músculo importante, que tem origem na porção cartilaginosa da tuba auditiva é o músculo tensor do tímpano que, embora não participe do processo de abertura da Trompa de Eustáquio, é importante para amortecer os sons da mastigação e da deglutição. O músculo tensor do tímpano origina-se na tuba auditiva e insere-se no cabo do martelo (orelha média). A inervação é realizada por nervo para o tensor do tímpano, que tem origem do ramo mandibular (V3) do nervo trigêmeo. A disfunção tubária é definida como a anormalidade de 1 ou mais funções da Trompa de Eustáquio. A disfunção tubária pode cursar com otalgia, sensação de plenitude auricular, perda auditiva (abafamento) e problemas de equilíbrio. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Quando a Trompa de Eustáquio permanece constantemente aberta, há ascensão de bactérias e/ou substâncias químicas em direção à orelha média, principalmente em crianças, quando há aumento da pressão na nasofaringe, ao assoar o nariz ou chorar, por exemplo. A ascensão de secreções da nasofaringe em direção à orelha média nos casos de Trompa de Eustáquio patente/patulosa é mais comum em crianças devido ao trajeto mais horizontalizado da tuba auditiva na população pediátrica. Em crianças saudáveis, geralmente, a secreção originada da nasofaringe que alcança a orelha média é eliminada por meio da Trompa de Eustáquio. Entretanto, em crianças expostas cronicamente à fumaça do cigarro (tabagismo passivo) ou que apresentam doenças sistêmicas, como Fibrose Cística, há disfunção do clearance da orelha média, não havendo eliminação da secreção por meio da tuba auditiva, resultando em estagnação da secreção e em infecção da orelha média (otite média aguda). Definição: A disfunção tubária é definida como a incapacidade da tuba auditiva de regular adequadamente a pressão do ar no interior da orelha média, ou seja, de equalizar a pressão na membrana timpânica à pressão atmosférica, e/ou a incapacidade da tuba auditiva de drenar adequadamente secreções da orelha média em direção à nasofaringe. A disfunção da Trompa de Eustáquio pode cursar com refluxo de secreções da nasofaringe em direção à orelha média. A disfunção tubária pode ser causada por várias alterações fisiopatológicas que, de alguma forma, impedem a abertura e/ou o fechamento normais da tuba auditiva. A disfunção da Trompa de Eustáquio classifica-se em: - Anatômica: cicatrizes, tumores, etc. - Fisiológica: alergias, infecções (ex. gripes e resfriados). Epidemiologia: A disfunção tubária acomete principalmente crianças < 5 anos de idade, com diminuição progressiva da frequência até a idade adulta. A disfunção da Trompa de Eustáquio apresenta frequência equivalente entre homens e mulheres, entretanto é mais comum em indivíduos com fenda palatina. Fatores de Risco: - Fenda palatina. - Hiperplasia de adenoides (tonsilas faríngeas). - Rinite alérgica. - Tumores de nasofaringe ou de fossa infratemporal. - Otite média secretora/serosa unilateral. - Trauma/traumatismo da Trompa de Eustáquio. - Compressão extrínseca da Trompa de Eustáquio. - Infecção da tuba auditiva. - Infecção de vias aéreas superiores (IVAS). - Idade < 5 anos (alteração do clearance mucociliar). - Tabagismo ativo ou passivo. - Refluxo gastroesofágico. - Exposição à radiação ionizante (cicatrizes). - História de perda de peso recente (perda de tecido adiposo que envolve a porção cartilaginosa da Trompa de Eustáquio, podendo resultar em disfunção tubária). Etiologia: - Edema do orifício de abertura (óstio faríngeo) da tuba auditiva devido à inflamação ou à infecção da nasofaringe em quadros de rinite alérgica e de infecção de 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 vias aéreas superiores (IVAS), como gripes e resfriados, causando obstrução da tuba auditiva. - Tumor de nasofaringe, causando obstrução do orifício de abertura (óstio faríngeo) da tuba auditiva. - Trauma da Trompa de Eustáquio, causando obstrução da tuba auditiva. - Hiperplasia de adenoides (tonsilas faríngeas), causando obstrução do orifício de abertura (óstio faríngeo) da tuba auditiva. - Falha dos músculos associados à abertura da tuba auditiva (músculo elevador do véu palatino e músculo tensor do véu palatino). Fisiopatologia: A inflamação e o edema da nasofaringe, geralmente causados por infecção viral das vias aéreas superiores (ex. gripes e resfriados), cursa com inflamação, edema e consequente obstrução da tuba auditiva, que perde a capacidade de transportar ar da nasofaringe em direção à orelha média, produzindo pressão negativa no interior da orelha média e resultando em retração da membrana timpânica. Quanto maior a inflamação e o edema da nasofaringe e da tuba auditiva, maior a pressão negativa no interior da orelha média e maior o grau de retração da membrana timpânica. O processo inflamatório da nasofaringe pode alcançar a tuba auditiva e a orelha média, cursando com inflamação e edema da orelha média, mas sem a presença de infecção da orelha média. Entretanto, a disfunção da Trompa de Eustáquio associada à disfunção do clearance mucociliar da orelha média pode causar a ascensão de secreção rica em microrganismos da nasofaringe em direção à orelha média, resultando em infecção (otite média aguda). Diagnóstico: O diagnóstico de disfunção tubária baseia-se em anamnese, exame físico e exames complementares. As principais características presentes na anamnese que sugerem o diagnóstico de disfunção da Trompa de Eustáquio são: - Incapacidade de compensação das mudanças de pressão (ex. avião e mergulho), ou seja, o paciente relata otalgia, sensação de plenitude auricular e perda auditiva (abafamento) quando há alterações de pressão atmosférica, devido à inabilidade de equalizar a pressão na membrana timpânica à pressão atmosférica. - Autofonia (ressonância da própria voz e de outros sons do próprio corpo), associa-se à tuba auditiva patente ou patulosa. O paciente relata resolução em decúbito dorsal ou ao inclinar a cabeça para a frente. - Plenitude auricular. - Perda auditiva (abafamento). - História de otite média secretora/serosa ou de otitemédia crônica. Os principais achados presentes no exame físico de pacientes com disfunção da Trompa de Eustáquio são: - Exame físico de cabeça e pescoço normal. - Otoscopia: → Retração da membrana timpânica ou hipermobilidade da membrana timpânica, principalmente da pars flácida. → Otite média secretora/serosa: caracteriza- se por retração da membrana timpânica associada ao acúmulo de líquido na orelha média, causando plenitude auricular e perda auditiva, ou à formação de bolhas, o que indica que a tuba auditiva está voltando a funcionar, pois está havendo a entrada de ar na orelha média. A otite média secretora/serosa desenvolve- se em resposta a quadro de otite média aguda não completamente resolvida ou a quadro de disfunção tubária. O acúmulo de líquido no interior da orelha média geralmente é estéril e a otite média secretora/serosa geralmente resolve-se 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 espontaneamente em algumas semanas. A observação de retração da membrana timpânica associada à formação de bolhas na otoscopia indica quadro de otite média secretora/serosa em resolução, não havendo necessidade de tratamento. Entretanto, em quadros de otite média secretora/serosa não resolvida, indica-se a realização de drenagem da secreção acumulada no interior da orelha média, que rapidamente alivia os sintomas de plenitude auricular e perda auditiva. Imagens: Otoscopias indicando otite média secretora/serosa. → Otite média crônica adesiva: caracteriza- se por retração grave da membrana timpânica, que adere-se às estruturas da orelha média, apresentando pior prognóstico e podendo evoluir com ruptura da membrana timpânica. Imagem: Otoscopia indicando otite média crônica adesiva. - Endoscopia nasal: → Exame de primeira linha para o diagnóstico de disfunção tubária. → Inflamação e edema da nasofaringe e do orifício de abertura da tuba auditiva. → Hiperplasia de adenoides (tonsilas faríngeas) causando obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva. Imagem: Endoscopia nasal indicando diferentes graus de inflamação e edema do orifício de abertura da tuba auditiva. Além da endoscopia nasal, que já faz parte do exame físico otorrinolaringológico, também pode-se realizar a timpanometria, exame de primeira linha para o diagnóstico de disfunção tubária. Na timpanometria, aplica-se pressão definida no conduto auditivo externo e avalia-se a mobilidade da membrana timpânica. O resultado da timpanometria é expresso por meio do timpanograma, que apresenta 3 tipos de curva (A, B e C). A curva tipo A demonstra a presença de pressão normal na orelha média, indicando que a tuba auditiva está funcionando normalmente. A curva tipo B (linha reta) demonstra a ausência de movimento da membrana timpânica, indicando a presença de líquido no interior da orelha média (otite média secretora/serosa) ou de perfuração da membrana timpânica. A curva tipo C demonstra a presença de pressão negativa no interior da orelha média, indicando a presença de disfunção da tuba auditiva e de retração da membrana timpânica. Portanto, 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 o diagnóstico de disfunção tubária é confirmado por presença de curva tipo B ou de curva tipo C na timpanometria. Além da endoscopia nasal e da timpanometria, outro exame complementar que pode ser realizado para a avaliação diagnóstica de disfunção da Trompa de Eustáquio é a fibronasofaringolaringoscopia, indicada principalmente para adultos que apresentam otite média secretora/serosa unilateral. O principal achado do exame é a presença de massa em nasofaringe, causando obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva, ou em fossa infratemporal, causando compressão e obstrução da tuba auditiva. A TC de nasofaringe também pode ser realizada em adultos que apresentam otite média secretora/serosa. O principal achado da TC também é a presença de massa em nasofaringe ou em fossa infratemporal. Diagnóstico Diferencial: O principal diagnóstico diferencial de disfunção tubária é a perda auditiva neurossensorial, que pode cursar com sinais e sintomas semelhantes aos da disfunção da Trompa de Eustáquio. Tratamento: Os sinais e os sintomas de disfunção tubária geralmente são leves e autolimitados, com duração de dias a semanas. Em casos de sinais e sintomas persistentes, deve-se realizar investigação por meio de exames complementares, como endoscopia nasal, timpanometria, TC de nasofaringe e fibronasofaringolaringoscopia. Em casos de sinais e sintomas persistentes sem causa definida, deve-se suspeitar de rinite alérgica. Não há tratamento padrão para a disfunção da Trompa de Eustáquio, pois as causas da disfunção tubária são variáveis. As principais estratégias terapêuticas são: - Corticoides tópicos intranasais: diminuição da inflamação e do edema do orifício de abertura da tuba auditiva na nasofaringe; deve-se aplicar o jato em direção à parede lateral da narina. O uso de anti-histamínicos e de descongestionantes nasais não é eficaz para o tratamento de disfunção tubária. - Cirurgia de adenoidectomia: remoção cirúrgica das adenoides em casos de hiperplasia de adenoides causando obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva. - Cirurgia: correção cirúrgica em casos de trauma da tuba auditiva. - Quimioterapia, radioterapia e, às vezes, cirurgia: tumores de nasofaringe causando obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva; a radioterapia associa-se a risco aumentado de aderências e fibrose da nasofaringe e da tuba auditiva. - Tubos de equalização de pressão (tubos de ventilação): instalação de tubo na membrana timpânica para equalizar a pressão na orelha média à pressão atmosférica; os tubos de ventilação estão indicados nos casos de retração importante da membrana timpânica, de otite média crônica adesiva e de otite média secretora/serosa, geralmente após falha do tratamento com corticoides tópicos intranasais; os principais efeitos adversos ao uso dos tubos de ventilação são infecção, perfuração timpânica persistente e perda auditiva; os tubos geralmente são eliminados em 3-6 meses. Imagem: Tubo de equalização de pressão (tubo de ventilação) na membrana timpânica. - Dilatação da tuba auditiva por balão endoscópico transnasal: introdução por via endoscópica transnasal de cateter com balão para dilatar a porção cartilaginosa da Trompa de Eustáquio. - Tuboplastia à laser ou com microdebridador: abertura cirúrgica do 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 orifício da tuba auditiva com remoção do excesso de mucosa do orifício de abertura da Trompa de Eustáquio. A disfunção tubária associada à Trompa de Eustáquio patente ou patulosa não tem tratamento específico. Imagem: Endoscopia nasal indicando Trompa de Eustáquio patente ou patulosa. Resumo do Tratamento! Disfunção tubária aguda: - Monitorização. - Cuidados de suporte: bocejar, deglutir ou mastigar podem equalizar a pressão na orelha média à pressão atmosférica (ex. avião). - A deficiência auditiva causada por Trompa de Eustáquio patente ou patulosa pode diminuir quando o paciente posiciona-se em decúbito dorsal ou inclina a cabeça para a frente. Disfunção tubária persistente: - Corticoide tópico intranasal: budesonida, fluticasona ou mometasona nasal 2 jatos em cada narina 1 vez ao dia. Disfunção tubária persistente com obstrução do orifício de abertura da tuba auditiva: - Cirurgia de adenoidectomia: indicada para pacientes com hiperplasia de adenoides associada à otite média secretora/serosa. - Cirurgia de ressecção tumoral: indicada para pacientes com neoplasia de nasofaringe; depende da resposta do tumor à quimioterapia e à radioterapia. Disfunção tubária persistente com otite média crônica adesiva, otite média secretora e/ou retração da membrana timpânica: - 1ª linha: teste terapêutico com antibióticos e corticoides tópicos intranasais. -2ª linha: tubos de equalização de pressão/tubos de ventilação. Prevenção: A prevenção secundária da disfunção tubária por meio do manejo agressivo da rinite alérgica e da rinossinusite crônica tem demonstrado benefício em diminuir a disfunção da Trompa de Eustáquio. A remoção cirúrgica da obstrução anatômica do orifício de abertura da tuba auditiva (ex. adenoidectomia em paciente com hiperplasia de adenoides) reestabelece a função normal da Trompa de Eustáquio. Os pacientes com disfunção tubária devem ser aconselhados quanto às várias opções de tratamento disponíveis para tratar a doença. Além disso, deve-se realizar acompanhamento a longo prazo dos pacientes com disfunção tubária de forma a monitorar o aparecimento de complicações crônicas associadas à doença, como retração da membrana timpânica, otite média crônica adesiva e otite média secretora/serosa. Prognóstico: O prognóstico da disfunção tubária depende da causa subjacente. Se a disfunção estiver associada à obstrução anatômica da Trompa de Eustáquio, a cirurgia geralmente soluciona o problema. Se a disfunção estiver presente desde a infância, há alta probabilidade de que, à medida que a Trompa de Eustáquio desenvolver-se e adquirir a anatomia do adulto, a disfunção tubária seja solucionada. Se a disfunção estiver associada a doenças inflamatórias alérgicas da nasofaringe, o seu tratamento provavelmente solucionará a disfunção tubária. Entretanto, se a causa da disfunção tubária for desconhecida, a probabilidade de resolução da doença é incerta e imprevisível. Considerações Finais: - A disfunção tubária resulta em pressão negativa no interior da orelha média e em retração da membrana timpânica. - A disfunção tubária persistente está associada ao desenvolvimento de otite média crônica adesiva. - A disfunção tubária frequentemente associa-se a doença inflamatória crônica da nasofaringe (ex. rinite alérgica). 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - O diagnóstico de disfunção tubária pode ser confirmado por meio do exame de timpanometria (curva tipo B ou curva tipo C). - O tratamento da disfunção tubária baseia- se em cuidados de suporte e em uso de corticoides tópicos intranasais. - A cirurgia está indicada em casos de obstrução e/ou trauma da Trompa de Eustáquio. - Os tubos de equalização de pressão ou tubos de ventilação são utilizados em casos de complicações otológicas crônicas, como retração da membrana timpânica, otite média crônica adesiva e otite média secretora/serosa, refratárias ao tratamento com corticoide tópico intranasal.
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