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FENÔMENO DOS TRANSPORTES Cezar Augusto Schadeck Introdução ao fenômeno dos transportes OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: > Expressar a importância do estudo do fenômeno dos transportes por meio de relatos de situações cotidianas. > Exemplificar os conceitos de transferência de calor e termodinâmica. > Identificar as aplicações do fenômeno de transporte na engenharia. Introdução Você naturalmente já deve ter ouvido a seguinte frase: “Na natureza nada se perde e nada se cria, tudo se transforma”. É exatamente baseada nessa frase que se encontra a transferência de calor entre dois corpos, uma vez que não se pode dizer que um corpo ganha ou perde energia; o que ocorre é uma transformação de uma forma de energia em outra forma de energia, ou uma transferência de energia entre dois corpos. O calor é a forma de energia que está relacionada com o grau de agitação das moléculas de uma partícula, e é definido pela energia transmitida sempre de um corpo com maior temperatura para um com menor temperatura. Quando se fala de calor, os modos pelos quais um corpo transmite energia para outro podem ser: por condução, convecção ou radiação. Esses modos dependem da forma como o fenômeno se manifesta na natureza e, muitas vezes, podem ocorrer de forma combinada. Neste capítulo, você estudará sobre o fenômeno de transporte de energia e matéria na natureza e a sua importância para a engenharia. Além disso, verá como os modos de transferência de calor se dão e como diferenciá-los e calculá-los. Por fim, verá como o fenômeno dos transportes é importante para a engenharia. Os fenômenos de transporte no dia a dia A energia é uma grandeza física que pode ser avaliada quantitativamente e se manifesta na natureza através de diversas fontes: calor, trabalho, movi- mento, entre outras. Ela pode ser transferida de um corpo para o outro por meio da interação entre um sistema e suas vizinhanças, ao atravessar as suas fronteiras. Quando a energia é transferida entre sistemas ou para as suas vizinhanças, as interações são chamadas de calor e trabalho e se dão por meio das taxas de transferência de calor e massa. Os fenômenos de transporte englobam o estudo e a análise da transfe- rência de energia e matéria entre os corpos, fornecem informações sobre a natureza das interações entre eles e podem ser descritos cientificamente. Essas manifestações se dão por meio da quantidade de movimento, da energia térmica e da transferência de massa entre os sistemas. Pode-se avaliar a taxa de transferência de calor por meio do exemplo mostrado na Figura 1, em que uma garrafa térmica precisa manter o café aquecido por um longo tempo. A análise não pode ser feita somente através da termodinâmica clássica, pois faz-se necessário, também, compreender o fenômeno responsável pelo resfriamento do café ao longo do tempo, ou seja, como a transferência de calor se dá do sistema garrafa térmica–café para as suas vizinhanças. Pode-se compreender as vizinhanças como toda região que não está contida no interior do recipiente isolado termicamente e com temperatura diferente daquela do café (sistema). Introdução ao fenômeno dos transportes 2 Figura 1. Garrafa térmica de café isolada ter- micamente e suas vizinhanças. Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 2). As diversas manifestações dos fenômenos de transporte estão presentes na natureza quando há interações de calor e trabalho entre os sistemas. Além da garrafa térmica, tem-se o exemplo do gelo (quando sai da gela- deira, ele deixa o estado sólido, passando a ser líquido ao longo do tempo), das gotículas de orvalho nas plantas (secam com o passar do dia), entre outros exemplos do cotidiano. Esses fenômenos ocorrem devido à transferência de calor entre o objeto e suas vizinhanças. Os fenômenos de transporte podem ser vistos no cotidiano em diversas aplicações. O próprio corpo humano, buscando um equilíbrio térmico interno, está constantemente rejeitando ou cedendo calor para o ambiente. Da mesma forma, em dias frios, sempre buscamos controlar as taxas de transferência de calor adequando as roupas que vestimos à condição ambiental local. Portanto, as taxas temporais de transferência de calor sempre estão envol- vidas na absorção ou rejeição de calor dos corpos. O estudo da termodinâmica e da transferência de calor é atribuído aos engenheiros, com o intuito de analisar e projetar sistemas para atender às necessidades humanas, buscando melhorar o desempenho dos pro- dutos e reduzir impactos ambientais, sobretudo dos recursos naturais escassos. Introdução ao fenômeno dos transportes 3 Os conceitos de transferência de calor O calor é a fonte de energia em trânsito, sempre de um corpo com partículas mais aquecidas para um corpo com partículas menos aquecidas. A ciência que estuda essas taxas de transformação de energia é chamada de transferência de calor e se dá por três modos diferentes: condução, convecção e radiação, descritos a seguir. Condução A condução se dá por meio de interações atômicas e moleculares, em que a energia em forma de calor é transmitida de partícula a partícula através do contato entre dois corpos. Ela pode ocorrer em sólidos, líquidos e gases, sempre das partículas mais aquecidas para as partículas adjacentes menos aquecidas. A taxa de transferência de calor por condução é dada pela lei de Fourier e pode ser entendida através da análise da Figura 2, que apresenta uma parede plana com espessura L e temperatura T(x) variando linearmente com a posição x. A taxa de transferência de calor Q̇ x é proporcional à área da parede e ao gradiente da temperatura na direção x, conforme indicado na Equação 1. À medida que o gradiente de temperatura percorre a espessura da placa, o calor é transferido das partículas mais aquecidas para as menos aquecidas. Figura 2. Condução através de uma placa de parede plana. Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 64). Introdução ao fenômeno dos transportes 4 (1) Observe que, na Equação 1, existe uma constante de proporcionalidade k, uma propriedade chamada de condutividade térmica, que depende do material que compõe a placa. Quanto mais o material conduzir o calor, maior será o seu valor de k, e o mesmo vale para a situação contrária, ou seja, quanto menos o material conduzir calor, menor será o seu valor de k. Os valores de k são geralmente tabelados, e o sinal negativo na Equação 1 indica sempre transferência decrescente da temperatura. O Quadro 1, a seguir, apresenta os valores de condutividade térmica de materiais em temperatura ambiente. Ao percorrer toda a espessura da parede plana, a taxa de transferência de calor na direção x é dada pela Equação 2: (2) onde T2 indica a região com temperatura mais alta (do lado mais aquecido da parede); T1 representa a região com temperatura mais baixa (do lado menos aquecido da parede); A é a área da parede plana por onde o calor flui; e L é a sua espessura. Quadro 1. Condutividade térmica de alguns materiais em temperatura ambiente Material k, W/m · K Diamante 2.300 Prata 429 Cobre 401 Ouro 317 Alumínio 237 Ferro 80,2 Mercúrio (I) 80,54 Vidro 0,78 (Continua) Introdução ao fenômeno dos transportes 5 Material k, W/m · K Tijolo 0,72 Água 0,607 Pele humana (I) 0,37 Madeira (carvalho) 0,17 Hélio (g) 0,152 Borracha macia 0,13 Fibra de vidro 0,043 Ar (g) 0,026 Uretano, espuma rígida 0,026 Fonte: Adaptado de Çengel e Ghajar (2012). Convecção O modo de transferência de calor por convecção se dá entre uma superfí- cie sólida e um líquido ou gás em movimento adjacente a essa superfície. Considerando-se que a temperatura do sólido, Tb, é maior do que a tempe- ratura do fluido, Tf, a transferência de energia ocorre do sólido para o fluido, combinando os efeitos da condução no fluido e do movimento desse fluido adjacente à superfície do sólido. Na Figura 3, a seguir, a superfície sólida está em contato com o fluxo de ar de resfriamento.Como o sólido tem temperatura superior à temperatura do fluxo de ar, a energia é transmitida da superfície para o ar, de acordo com o sentido das setas indicadas. O processo segue a lei do resfriamento de Newton, mostrando a taxa de transferência de calor por convecção, Q̇ c, na Equação 3. A área da superfície que está trocando calor com o ar é dada por A na Equação 3, e o fator de proporcionalidade h é denominado coeficiente de transferência de calor por convecção. Q̇ c = hA(Tb – Tf) (3) onde Tb é a temperatura do corpo sólido; e Tf é a temperatura do fluido. (Continuação) Introdução ao fenômeno dos transportes 6 O coeficiente de transferência de calor h é um fator empírico que estabe- lece o padrão do escoamento do fluido nas vizinhanças da superfície sólida, as propriedades do fluido e a sua geometria. A convecção pode ocorrer de modo forçado ou natural (livre) em gases e líquidos que diferenciam os valores de h. Alguns desses valores são demonstrados no Quadro 2. Figura 3. Convecção pela lei do resfriamento de Newton. Fonte: Adaptada de BlueRingMedia/Shutterstock.com. Processo de convecção Ar frio Ar frio Ar quente Quadro 2. Valores para o coeficiente de transferência de calor por convecção Tipo de convecção h, W/m2 · K Convecção livre de gases 2–25 Convecção livre de líquidos 10–1.000 Convecção forçada de gases 25–250 Convecção forçada de líquidos 50–20.000 Ebulição e condensação 2.500–100.000 Fonte: Adaptado de Çengel e Ghajar (2012). Introdução ao fenômeno dos transportes 7 Radiação As mudanças internas na configuração de átomos e moléculas causam a radiação térmica que é emitida pela matéria. A transferência de energia se dá por ondas eletromagnéticas e não depende do meio para se propagar, podendo ocorrer até no vácuo. As taxas de transferência de calor por radiação ocorrem em sólidos, líquidos e gases quando estes emitem ou absorvem radiação térmica. Para quantificar a taxa de transferência de calor por radiação, Q̇ e, pode-se aplicar a Equação 4 da lei de Stefan-Boltzmann. Essa equação mostra que, para uma superfície de área A, existe uma associação da radiação térmica com a temperatura absoluta da superfície Tb4 (elevada à quarta potência). Q̇ e = εσATb4 (4) onde: � ε é a propriedade que indica a eficiência irradiante (0 ≤ ε ≤ 1), chamada de emissividade térmica; � σ é a constante de Stefan-Boltzmann, equivalente a σ = 5,67 × 10–8 W/m²K4 no sistema internacional de unidades (SI); � Tb é a temperatura absoluta da superfície (medida em Kelvin); � A é a área da superfície do sistema. A troca de radiação entre uma superfície submetida à temperatura ab- soluta Tb e uma superfície vizinha com temperatura Ts muito maior é dada pela Equação 5: Q̇ e = εσA[Tb4 – Ts4] (5) A taxa de transferência de calor entre as duas superfícies pode ser vista na Figura 4, na qual a radiação solar é representada por uma superfície vizinha à Ts e à Terra, com emissividade ε e temperatura Tb. Introdução ao fenômeno dos transportes 8 Figura 4. Transferência de calor por radiação. Fonte: Fouad A. Saad/Shutterstock.com. A radiação também pode incidir sobre uma superfície. Um exemplo da radiação por fonte especial é a radiação solar, na qual é designada a taxa de transferência de energia que incide sobre uma superfície de área unitária por meio da chamada irradiação. Na irradiação, a superfície absorve uma parcela ou toda a energia térmica do material por meio de uma propriedade chamada de absortividade. Os fenômenos de transporte na engenharia A transferência de calor é chamada de taxa quando se avalia a quantidade de energia transferida por unidade de tempo. Além da taxa, são consideradas as formas de transferência de calor por unidade de área, neste caso, chamadas de fluxo de calor. Os modos de transferência de calor podem ser avaliados em duas situações: em regime permanente, ou seja, quando as propriedades do sistema não variam em função do tempo; ou em regime transiente, que considera as variações no tempo. Introdução ao fenômeno dos transportes 9 Muitas análises de engenharia precisam trabalhar com sistemas em estados de desequilíbrio termodinâmico, levando-se em consideração as diferenças de temperatura entre dois sistemas ou entre um sistema e suas vizinhanças. Ou seja, a diferença entre temperaturas é considerada a força-motriz da transferência de calor. Dessa forma, quanto maior o gradiente de temperatura, maior será a taxa de transferência de calor. As máquinas térmicas são projetadas com base nos princípios dos fenôme- nos de transporte. São exemplos de máquinas térmicas: câmaras frigoríficas, trocadores de calor, caldeiras e radiadores. Alguns exemplos de utensílios eletrodomésticos que envolvem a transferência de calor em seu projeto são: fogão a convecção, aquecedor e ar-condicionado, geladeira e refrigerador e ferro de passar. Os problemas de engenharia relacionados ao fenômeno dos transportes de energia podem ser de análise ou de dimensionamento. Os problemas de análise tratam de temperaturas conhecidas e da determinação da taxa de transferência de calor para esses sistemas. Já os problemas de dimensio- namento englobam as características do projeto e o tamanho do sistema a transferir calor com taxas específicas. As análises podem ser feitas por meio de testes experimentais ou analiticamente, através de cálculos matemáticos. A diferença é que os testes experimentais apresentam as condições reais do problema, porém são bastante caros e demorados na maioria das vezes, ao passo que os métodos analíticos são mais baratos e rápidos e podem envolver modelagem matemática, porém apresentam resultados diretamente ligados às condições preestabelecidas ou de pré-projeto. Os trocadores de calor são dispositivos destinados a facilitar a troca de calor entre dois fluidos com temperaturas diferentes e são considerados máquinas térmicas. Um trocador de calor pode ser utilizado na indústria de sistemas de refrigeração, ar-condicionado, produção de potência, etc. As trocas são realizadas pelo escoamento de fluidos, normalmente sem contato entre si, através de condução na parede da tubulação interna do trocador e correntes convectivas através da superfície do dispositivo. A efetividade da troca é avaliada por meio de um coeficiente global de trans- ferência de calor, o qual também seleciona o tipo e o tamanho do trocador a ser utilizado. Introdução ao fenômeno dos transportes 10 As Figuras 5 e 6 apresentam exemplos do trocador de calor do tipo casco e tubos. Muito utilizado na indústria e em refinarias de petróleo, esse trocador de calor possui vários tubos no interior de um casco, com eixos paralelos entre si e ao próprio casco. Esses eixos permitem o escoamento de um fluido, jun- tamente ao escoamento que ocorre no interior dos tubos. Os tubos partem de uma caixa de distribuição, onde o fluido é armazenado para, posteriormente, escoar no interior do tubo. Na saída, também há uma caixa de distribuição para acúmulo do fluido antes de ele deixar o dispositivo. Com o intuito de forçar o fluxo no casco para fora dos tubos, são colocadas chicanas, o que faz a transferência de calor aumentar entre as regiões que compreendem os fluidos. A troca ocorre entre os dois fluidos em movimento. Figura 5. Trocador de calor do tipo casco e tubos. Fonte: Çengel e Ghajar (2012, p. 632). Introdução ao fenômeno dos transportes 11 Figura 6. Trocador de calor do tipo casco e tubos. Fonte: Anton Moskvitin/Shutterstock.com. Referências ÇENGEL, Y.; GHAJAR, A. J. Transferência de calor e massa: uma abordagem prática. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. MORAN, M. J. et al. Princípios de termodinâmica para engenharia. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2009. Leituras recomendadas FOX, R. et al. Introdução à mecânica dos fluidos. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2018. INCROPERA, F. P. et al. Fundamentos de transferência de calor e massa. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. Os links para sites da web fornecidos neste capítuloforam todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Introdução ao fenômeno dos transportes 12
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