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1 U n id a d e 1 INTRODUÇÃO 1.1 SURGIMENTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO O homem para viver em sociedade necessitou abrir mão de parte de sua liberdade, em contrapartida, exigiu que normas e regras garantissem a sua segurança e os seus direitos. O Direito surge então pela necessidade da existência de um conjunto de normas de conduta, impostas de modo coativo por um Estado organizado politicamente, revelando-se em princípios reguladores do convívio social para realização da justiça. Esses princípios de conduta social foram sistematizados em normas legais, constituindo na denominada ordem jurídica. A existência do Estado se estabelece pela adoção de um sistema legal assegurador da convivência social e pacífica dos seus indivíduos. Esse sistema legal, denominado ordenamento jurídico se elabora sob dois aspectos: o da ordem jurídica interna, estabelecida por princípios jurídicos de soberania frente a sociedade desse Estado, e ordem jurídica internacional, constituindo-se regras superiores formuladas e aceitas reciprocamente pelos Estados, visando à harmonia entre as Nações e as diferentes e diversas relações externas que possam existir entre os seus indivíduos. Nessa formação de um Estado de Direito1, houve o momento em que esse era totalmente autoritário e nessa concepção, o seu povo não tinha como promover qualquer tipo de controle sobre a sua atuação. O povo não podia exigir qualquer direito básico como: o de liberdade e o de propriedade. Nesse regime de Estado Absolutista não existia o Direito Administrativo. Para fins didáticos o Direito foi dividido, em dois grandes ramos, consoante a sua destinação: ramo do direito público e ramo do direito privado. O ramo do direito público compõe-se predominantemente de normas que disciplinam as relações jurídicas, tendo o Estado como parte, seja nas questões internas, seja nas internacionais, visando regular, precipuamente, os interesses estatais e sociais, cuidando só reflexamente da conduta individual. O surgimento desse ramo do direito público ocorre no surgimento do Estado Democrático de Direito com a finalidade de regular a atuação do Estado e junto com o Direito Constitucional lhe impor limites e restrições. O ramo do direito privado rege as relações entre particulares, tutelando, sobretudo, os interesses individuais, de modo a assegurar a convivência harmônica das pessoas em sociedade, além da fruição de seus bens, pensando nas relações de indivíduo a indivíduo. A disciplina surge com base no próprio conceito de Estado. Assim nada mais é que a gestão administrativa desse Estado mediante um regramento ao qual esse é submetido. Direito administrativo – surge com o Estado Democrático de Direito com o objetivo de regular a atuação da Administração Pública. 1.2 OBJETO DE ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Como foi visto o objeto do direito administrativo se incumbe em estudar a função administrativa exercida pelo Estado na busca de seus fins. O Estado, corresponde a um conceito abstrato, uma vez que é fruto cultural da sociedade. Embora abstrato, contudo, o Estado se propõe à consecução de objetivos concretos. Nesse sentido, lembra-se que o Estado se obriga a garantir a saúde pública (art. 196, da CF2), a segurança pública (art. 144, da CF3), a prestação de serviços públicos em geral (art. 175 da CF4), além dos objetivos fundamentais previstos no art. 3° da CF5, dentre outros. Ora, embora não se pretenda, 1 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo,. – 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017; p.39. 2 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.>. Acesso em: 20.01.2016. 3 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. BRASIL. Constituição (1988). Idem. 4 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. BRASIL. Constituição (1988). Idem. 5 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. BRASIL. Constituição (1988). Idem. Estado de direito, noção que se baseia na regra de que ao mesmo tempo em que o Estado cria o direito deve sujeitar-se a ele. A fórmula do rule of law no mundo jurídico ocidental foi guindada a categoria de postulado fundamental. 2 nesse momento, analisar como se dá o modus operandi de realização de tais fins, é inegável que sejam objetivos concretos. A função estatal de administração pública é objeto nuclear do Direito Administrativo. Pode-se afirmar, nesse sentido, que esta função serve de instrumento concreto, do Estado, para a consecução dos fins a que se encontra constitucionalmente vinculado. O Direito Administrativo é um ramo científico que estuda as normas que disciplinam o exercício da função administrativa. Direito Administrativo objeto imediato os princípios e as normas que regulam a função administrativa. objeto mediato a disciplina das atividades, dos agentes, das pessoas e órgãos da Administração Pública 1.3 PRESSUPOSTOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO O Direito Administrativo é entendido como complexo de regras disciplinadoras da atividade administrativa, e se tornou possível devido a dois pressupostos fundamentais: a. a subordinação do Estado às regras jurídicas, característica surgida com o advento do Estado de Direito e; b. a existência de divisão de tarefas entre os órgãos estatais. Dito de outro modo, a noção de Estado de Direito e a concepção da Tripartição de Poderes têm status de conditio sine qua non para a existência do Direito Administrativo. 1.4 O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO RAMO DO DIREITO PÚBLICO Quando se trata de um ramo do direito, a indagação sobre sua natureza jurídica resume-se em classificá-lo como ramo do Direito Público ou do Direito Privado. O Direito Privado é um ramo do direito voltado à compreensão do regramento jurídico dos particulares. Atualmente, enquadram-se nessa categoria o Direito Civil, o Empresarial e o do Trabalho.6 O Direito Público é o ramo do direito composto predominantemente por normas imperativas e indisponíveis, que tem por matéria a realização do interesse público. (a ordem e segurança, a paz social, etc.) Tais normas regulam as relações entre o Estado e os particulares, visando sempre a concretização do interesse público, conforme as previsões da lei. O interesse público se concretiza por meio da atuação da Administração Pública, com a organização e a prestação de serviços públicos com base na utilização de recursos financeiros que veem exclusivamente os da receita dos impostos públicos. O estabelecimento de normas para a realização do interesse público gera à relação entre o administrador público e seus administrados, um tratamento próprio e peculiardiferente daquele travado entre os particulares. Desta relação entre administrador público e particulares surge um conjunto de direitos (prerrogativas) e deveres (limitações) que a lei confere à Administração Pública, tendo em vista que ela atua em busca do bem-estar coletivo. Esse conjunto de direitos e deveres, isto é, prerrogativas e restrições advindas da norma pública, formam o chamado regime jurídico administrativo. Entenda-se por regime jurídico administrativo. o conjunto de características de direito administrativo que colocam a Administração em uma posição de supremacia em face do particular, em razão de suas prerrogativas e observadas as restrições pertinentes. Direito Administrativo é ramo do Direito Público na medida em que seus princípios e normas regulam o exercício de atividades estatais, especialmente a função administrativa. Logo os ramos do Direito Público são os estudados no Direito Administrativo, Tributário, Constitucional, Eleitoral, Penal, Urbanístico, Ambiental, Econômico, Financeiro, Internacional Público, Internacional Privado, Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho. O Direito Administrativo no Brasil possui quatro características técnicas fundamentais: - é um ramo recente; - não está codificado, pois sua base normativa decorre de legislação esparsa e codificações parciais; - adota o modelo inglês da jurisdição una como forma de controle da administração; - é influenciado apenas parcialmente pela jurisprudência, uma vez que as manifestações dos tribunais exercem apenas influência indicativa. 1.5 DIREITO ADMINISTRATIVO VERSUS CIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO É importante não confundir Direito Administrativo com a Ciência da Administração. 6 Há quem sustente, entretanto, que o Direito do Trabalho seria ramo do Direito Público. Mas tal posição é minoritária. 3 A Ciência da Administração consiste no estudo das técnicas e estratégias para melhor planejar, organizar, dirigir e controlar a gestão governamental. O Direito Administrativo define os limites dentro dos quais a gestão pública (Ciência da Administração) pode ser validamente realizada. Quadro comparativo entre Direito Administrativo e Ciência da Administração Direito Administrativo Ciência da Administração Ramo jurídico Não é ramo jurídico Estuda princípios e normas de direito Estuda técnicas de gestão pública Ciência deontológica (normativa) Ciência social Fixa limites para a gestão pública Subordina-se às regras do Direito Administrativo O modelo de administração burocrática e de administração gerencial é propriamente tema da Ciência da Administração. Os institutos tradicionais do Direito Administrativo brasileiro refletem o modelo de administração burocrática,7 marcado pelas seguintes características: a. toda autoridade baseada na legalidade; b. relações hierarquizadas de subordinação entre órgãos e agentes; c. competência técnica como critério para seleção de pessoal; d. remuneração baseada na função desempenhada, e não pelas realizações alcançadas; e. controle de fins; f. ênfase em processos e ritos. A reforma administrativa promovida pela Emenda Constitucional n.º 19/988 e fortemente inspirada em uma concepção neoliberal de política econômica, implementou o outro modelo de administração pública, a administração gerencial. A administração gerencial (ou governança consensual) objetiva atribuir maior agilidade e eficiência na atuação administrativa, enfatizando a obtenção de resultados, em detrimento de processos e ritos, e estimulando a participação popular na gestão pública. Diversos institutos de Direito Administrativo refletem esse modelo de administração gerencial como o princípio da eficiência, o contrato de gestão, as agências executivas, os instrumentos de parceria da Administração, a redução de custos com pessoal, descentralização administrativa etc. A noção central da administração gerencial é o princípio da subsidiariedade pelo qual não se deve atribuir ao Estado senão as atividades de exercício inviável pela iniciativa privada. QUADRO COMPARATIVO ENTRE A ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA E A ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL Período-base Antes de 1998 Após 1998 Norma- padrão Lei nº 8.666/93 Emenda nº 19/98 Paradigma A lei O resultado Valores- chave Hierarquia, forma e processo Colaboração, eficiência e parceria Controle Sobre meios Sobre resultados Institutos relacionados Licitação, processo administrativo, concurso público e estabilidade. Contrato de gestão, agências executivas e princípio da eficiência. Característica Autorreferente Orientada para o cidadão 1.6 CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO Entre os doutrinadores não existe um senso comum quanto ao conceito de Direito Administrativo Hely Lopes Meirelles9 - "o conceito de Direito Administrativo Brasileiro, sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado". Ele destaca os órgãos, agentes e atividades administrativas como instrumentos para realização dos fins desejados pelo Estado - o elemento finalístico. Celso Antônio Bandeira de Mello10 - "o direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como 7 O mais importante estudioso do modelo de administração burocrática foi o sociólogo alemão Max Weber. 8 Promulgada no governo Fernando Henrique Cardoso na onda do processo de privatizações, a Emenda Constitucional n. 19/98 promoveu mudanças no Direito Administrativo constitucional pautadas pela lógica empresarial da eficiência e pelo modelo neoliberal do Estado mínimo. Abaixa qualidade técnica das reformas propostas e a antipática insistência em reduzir controles legais tornaram a Emenda n. 19/98 um diploma malvisto pelos administrativistas. 9 Direito Administrativo Brasileiro, p. 38. 10 Curso de direito administrativo, p. 37. 4 pessoas e órgãos que a exercem". Enfatiza a ideia de função administrativa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro11 - "o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas Jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exercer e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública". No campo jurídico não contencioso, evidência como objeto: órgãos, agentes e as pessoas integrantes da Administração Pública. José dos Santos Carvalho Filho12 - "o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir". Inova ao revelar que gira em torno das relações jurídico-administrativas: O conceito mais adequado parece ser o que combina os três elementos mencionados pelos referidos autores: - a natureza de direito público; - o complexo de princípios e normas; - e a função administrativa, que engloba os órgãos, agentes e pessoas da Administração. Assim, Direito Administrativo é o ramo do direito público que estuda13 princípios e normas reguladoras do exercício da função administrativa. O direito administrativo é um conjunto de normas e princípios sistematizados que regem a atividade administrativa, bem como os órgãos e agentes que integram a Administração Pública, de sorte a realizar concretamente as suas finalidades. Analisando cada um dos elementos desse conceito: a) conjunto de normas e princípios - o direito é uma ciência e, como tal, implica uma sistematização harmónica de normas e princípios próprios; b) que regem a atividade administrativa - são os atos praticados pela Administração Pública, agindo nessa qualidade. Se atuar, como excepcionalmente atua,em igualdade de condições ao particular, sujeita-se às normas do Direito Privado; c) bem como os órgãos e agentes que integram a Administração Pública - o direito administrativo, além de ordenar as atividades administrativas, ordena também a estrutura e o pessoal da Administração Pública; d) de sorte a realizar concretamente as suas finalidades - a realização concreta afasta a atuação legislativa e judicial em razão de se tratar de atividade administrativa. 1.7 FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO No Direito, as fontes são os fatos jurídicos de onde as normas emanam. As principais fontes do direito administrativo são: a lei, a doutrina, a jurisprudência e os costumes. A LEI constitui fonte primária na medida em que as demais fontes (secundárias) estão a ela subordinadas. DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA e o COSTUME são fontes secundárias. A lei, enquanto regra geral, abstrata e impessoal, é a fonte principal (primordial ou primária) do direito administrativo. A lei14 é o único veículo habilitado para criar diretamente deveres e proibições, obrigações de fazer ou não fazer, no Direito Administrativo. Entendemos que lei é qualquer veículo normativo que expresse a vontade popular: Constituição Federal, emendas constitucionais, Constituições Estaduais, Leis Orgânicas, leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, decretos legislativos, resoluções e medidas provisórias. Somente tais veículos normativos criam originariamente normas jurídicas, constituindo as únicas fontes diretas do Direito Administrativo. A doutrina é o conjunto de construções teóricas produzidas pelos estudiosos do direito, é fonte secundária do direito administrativo. Especialmente quando o conteúdo da lei é obscuro, uma nova interpretação apresentada por estudiosos renomados tem um impacto social similar ao da criação de outra norma. O pensamento dos doutrinadores influencia não só a produção das leis, como também as próprias decisões de natureza administrativa ou judicial. A jurisprudência, entendidas como reiteradas decisões dos tribunais sobre determinado tema, não tem a força cogente de uma norma criada pelo legislador, mas influencia decisivamente a maneira como as regras passam a ser entendidas e aplicadas. A jurisprudência tem um caráter mais prático do que a doutrina e a lei. Outra característica da jurisprudência é o seu nacionalismo. Segundo Hely Lopes Meirelles, “enquanto a doutrina tende a universalizar-se, a jurisprudência tende a nacionalizar- se, pela contínua adaptação da lei e dos princípios teóricos ao caso concreto”15. 11 Direito administrativo, p. 47. 12 Manual de direito administrativo, p. 39. 13 Ao afirmar que o Direito Administrativo "estuda" os princípios e normas, adotei uma postura metodológica que considera o ramo do direito como uma ciência explicativa das regras jurídicas. Há quem prefira falar do Direito Administrativo como o próprio conjunto de princípios e normas, destacando o objeto da ciência (é a opção feita por Hely Lopes Meirelles no conceito acima referido quando assevera que o Direito Administrativo "é o conjunto de princípios jurídicos"). A possibilidade de adoção dessas duas posturas revela a dualidade entre o direito como ciência e o direito como objeto. 14 Esse é o sentido da regra estabelecida no art. 5º, II, da CF: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". 15 Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, p. 47. 5 A jurisprudência, em regra, não tem efeito vinculante (não obriga que seja adotada em futuras decisões). A EC 45/2004 (CF, art.103-A) introduziu no direito brasileiro a figura da súmula vinculante, que consiste na possibilidade de o STF, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar súmulas que terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, em todas as esferas. Os costumes, que são regras não escritas observadas pelo grupo social de maneira uniforme, também são considerados fontes secundárias do direito administrativo. Conforme observa Hely Lopes Meirelles, “no Direito Administrativo Brasileiro o costume exerce ainda influência, em razão da deficiência da legislação”.16 Os costumes exigem dois elementos: 1.º) o uso; e 2.º) a convicção generalizada da necessidade de sua obrigatoriedade (cogência). Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto17 não se confunde a rotina, a simples praxe administrativa com o costume porque falta a segunda característica convicção generalizada da necessidade de sua obrigatoriedade. Para ele a praxe administrativa é basicamente uma prática burocrática rotineira adotada por conveniência procedimental, desprovida do reconhecimento de sua indispensabilidade. A praxe administrativa, na opinião da maioria dos autores, não se constitui em fonte do Direito Administrativo. 1.8 ESTADO, GOVERNO, PODERES O conhecimento dos conceitos de "Estado" "Governo" "Poder Executivo" "Administração Pública" "administração pública" (com minúscula) e "poder executivo" (com minúscula) é indispensável para compreensão de diversos temas do Direito Administrativo. Estado é um povo situado em determinado território e sujeito a um governo. Nesse conceito despontam três elementos: a. povo18 é a dimensão pessoal do Estado, o conjunto de indivíduos unidos para formação da vontade geral do Estado. b. território é a base geográfica do Estado, sua dimensão espacial; c. governo19 é a cúpula diretiva do Estado. Indispensável, também, lembrar que o Estado organiza-se sob uma ordem jurídica que consiste no complexo de regras de direito cujo fundamento maior de validade é a Constituição. Conforme a Organização Política identificamos duas formas de Estado: o Estado unitário e o Estado federado (complexo ou composto). O Estado unitário é aquele em que há um único poder político central, sendo marcado, portanto, pela centralização política. Já o Estado federado é aquele em que há uma descentralização política, coexistindo diversos poderes políticos distintos. O Estado brasileiro é organizado sob a forma federativa, composto pelas pessoas políticas da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios; todas, pessoas jurídicas de direito público interno. Assim, temos a coexistência no território nacional de um poder político central (União), de poderes regionais (Estados-membros), de poderes locais (municípios) e do Distrito Federal, que, em razão de não ser dividido em municípios, acumula poderes regionais e locais (CF, art. 32, § 1.º). Respeitados os preceitos estabelecidos na Constituição Federal, a relação entre os entes políticos da federação brasileira é de coordenação. Com efeito, todos os entes que compõem a federação possuem autonomia para editar suas próprias leis e prover sua organização política, administrativa e financeira (não há qualquer subordinação entre a União, Estados, DF e Municípios). 16 Idem 17 Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, p. 75. 18 Povo não se confunde com população, conceito demográfico que significa contingente de pessoas que, em determinado momento, estão no território do Estado. É diferente também de nação, conceito que pressupõe uma ligação cultural entre os indivíduos 19 A soberania refere-se ao atributo estatal de não conhecer entidade superior na ordem externa, nem igual na ordem interna (Jean Bodin). 6 Governo em sentido subjetivo, é a cúpula diretiva do Estado, responsável pela condução dos altos interesses estatais e pelo poder político, e cuja composição pode ser modificada mediante eleições. Nesse sentido, pode-se falar em "governo FHC", "governo Lula", “governo Temer”. Na acepção objetiva ou material, governo é a atividade diretiva do Estado. O Governo tem natureza política, tendo a atribuição de formular as políticaspúblicas, enquanto a Administração é responsável pela execução de tais decisões. Por intermédio dos denominados Poderes do Estado a vontade estatal se manifesta. Consoante a tripartição de Montesquieu, até hoje adotada, nos Estados de Direito, os poderes são: Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si e com funções reciprocamente indelegáveis. A tripartição dos Poderes, de Montesquieu, não gera absoluta divisão de poderes e de funções, porque o poder estatal é uno e indivisível, mas sim a distribuição de três funções estatais fundamentais. Os Poderes são elementos estruturais, também denominados elementos orgânicos ou organizacionais do Estado, com funções próprias. A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função. Assim, ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional. A função é a atividade exercida em nome e no interesse de terceiros, a atividade da função pública deverá ser prestada em nome e no interesse do povo. Essas funções do Estado podem ser divididas em: função típica, aquela pela qual o Poder foi criado, a principal ou precípua e; função atípica, função estranha àquela para a qual o poder foi criado, função secundária. PODER FUNÇÃO TÍPICA FUNÇÃO ATÍPICA EXECUTIVO Função administrativa Função jurisdicional a) julgamento de processos administrativos. Função normativa a) editar medida provisória (CF, art. 62); b) elaborar leis delegadas (CF, art. 68); c) expedir decretos e regulamentos (CF, art. 84, IV); LEGISLATIVO Função legislativa (normativa) Função jurisdicional: a) processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (CF, art. 52, I); b) processar e julgar os Ministros do STF, os membros do CNJ e do CNMP, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, II). Função administrativa a) realizar concursos e licitações, conceder licenças, férias e afastamentos a seus servidores; JUDICIÁRIO Função jurisdicional Função administrativa a) organizar suas secretarias e serviços auxiliares (CF art.96, I, “ b”); b) prover os cargos dos seus quadros (CF art. 96, I, “ e”); c) conceder afastamentos, licenças e férias aos servidores dos seus quadros (CF art. 96, I, f). Função normativa: a) elaborar seu regimento interno (CF, art. 96, I, “ a”); Esses Poderes não podem ser confundidos com poderes administrativos que são instrumentos ou prerrogativas que a Administração possui para a persecução do interesse público, como é o caso do poder disciplinar, poder hierárquico, poder regulamentar e poder de polícia. Poder Público em sentido orgânico ou subjetivo, segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, é "o complexo de órgãos e funções, caracterizado pela coerção, destinado a assegurar uma ordem jurídica, em certa organização política considerada".20 Pode-se dizer que o autor considera Poder Público, em sentido subjetivo, como sinónimo de Estado. Porém, na acepção funcional ou objetiva, poder público significaria a própria coerção característica da organização estatal. O Poder Executivo é o complexo de órgãos estatais verticalmente estruturados sob direção superior do "Chefe do Executivo" (Presidente da República, Governador ou Prefeito, dependendo da esfera federativa analisada). 1.9 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 20 Curso de direito administrativo, p. 8. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (CF, art. 2º) 7 Administração é todo o aparelhamento do Estado pré-ordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. Não pratica atos de governo; pratica atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional. Administração Pública (com iniciais maiúsculas) designa o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício da função administrativa, independentemente se são pertencentes ao Poder Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário, ou a qualquer outro organismo estatal (como Ministério Público e Defensorias Públicas). Assim, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal constitui comissão de licitação para contratar determinado prestador de serviços, a comissão e seus agentes são da Administração Pública enquanto exercem essa função administrativa. Administração Pública é o conjunto de órgãos e agentes estatais no exercício da função administrativa, independentemente do Poder a que pertençam. A administração pública (com iniciais minúsculas) ou poder executivo (com minúscula) são expressões que designam a atividade consistente na defesa concreta do interesse público. Con cessionários e permissionários de serviço público exercem administração pública, mas não fazem parte da Administração Pública. A expressão "Administração Pública" pode ser empregada em diferentes sentidos:21 1. Administração Pública em sentido subjetivo ou orgânico é o conjunto de agentes, órgãos e entidades públicas que exercem a função administrativa; 2. Administração Pública em sentido objetivo, material ou funcional, mais adequadamente denominada "administração pública (com iniciais minúsculas), e a atividade estatal consistente em defender concretamente o interesse público. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ASPECTO SUBJETIVO (FORMAL OU ORGÂNICO) ASPECTO OBJETIVO (MATERIAL OU FUNCIONAL) SENTIDO AMPLO Órgãos constitucionais de Governo e órgãos administrativos subordinados Formulação de políticas públicas (função de Governo) e execução dessas políticas (função administrativa) SENTIDO ESTRITO Órgãos administrativos subordinados Execução das políticas públicas (função administrativa) 1.10 TAREFAS FUNDAMENTAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MODERNA A doutrina identifica as três tarefas fundamentais da Administração Pública moderna, diante da diversidade e do grande número de atribuições em que o Estado se obriga nos dias atuais da chamada pós-modernidade.22 As três tarefas fundamentais da Administração Pública moderna são: poder de polícia, serviço público e fomento. o exercício do poder de polícia: é função negativa, limitadora pois consiste na limitação e no condicionamento, pelo Estado, da liberdade e da propriedade no âmbito privado em favor do interesse público; a prestação de serviços públicos: são atribuições consideradas como funções positivas onde o Estado se obriga a prestar serviços tidos como públicos, exemplo: energia, Tabelionato de notas, Ofícios de registros, transporte coletivo, energia elétrica e agua canalizada; a realização de atividades de fomento: a Administração Pública passou também a incentivar setores sociais específicos, estimulando desenvolvimento da ordem social e econômica. 1.11 SISTEMAS ADMINISTRATIVOS Dois são os sistemas de controle das atividades administrativas: a) sistema da jurisdição una (modelo inglês); e b) sistema do contencioso administrativo (modelo francês). 1.11.1 Sistema da jurisdição una No sistema da jurisdição una todas as causas, mesmo aquelas que envolvem interesse da Administração Pública, são julgadas pelo Poder Judiciário. Conhecido como modelo inglês, por ter como fonte inspiradora o sistema adotado na Inglaterra, é a forma de controle existente atualmente no Brasil. E o que se pode concluir do comando previsto no art. 5o, XXXV, da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". O referido preceito atribui ao Poder Judiciário o monopólio da função jurisdicional, não importando se a demanda envolve interesse da Administração Pública. E mais: como a separação de Poderes21 Adotamos, aqui, a classificação proposta por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, p. 54-58. 22 Para estudo e aprofundamento do conceito de pós-modernidade, vide David Lyon, Pós-modernidade. & Paulo: Editora Paulus, 1998. Escrita com iniciais maiúsculas "Administração Pública" é um conjunto de agentes e órgãos estatais; grafada com minúsculas, a expressão "administração pública" designa a atividade consistente na defesa concreta do interesse público. 8 é cláusula pétrea (art. 60, § 4o, III, da CF), podemos entender que o art. 5o, XXXV, do Texto Maior, proíbe, definitivamente, a adoção do contencioso administrativo no Brasil, pois este último sistema representa uma diminuição das competências jurisdicionais do Poder Judiciário, de modo que a emenda constitucional que estabelecesse o contencioso administrativo entre nós tenderia a abolir a Tripartição de Poderes. 1.11.2 Sistema do contencioso administrativo O sistema do contencioso administrativo, ou modelo francês, é adotado especialmente na França e na Grécia. O contencioso administrativo caracteriza-se pela repartição da função jurisdicional entre o Poder Judiciário e tribunais administrativos. As decisões proferidas pelos tribunais administrativos não podem ser submetidas à apreciação pelo Poder Judiciário. O modelo do contencioso administrativo não tem qualquer paralelo com órgãos e estruturas atualmente existentes no Brasil. Aqui em nossa nação as decisões dos tribunais administrativos sempre estão sujeitas a controle judicial. Assim, constitui grave erro referir-se a qualquer modalidade de contencioso administrativo em nosso país. Aqui, não há dualidade de jurisdição. 1.12 FUNÇÃO ADMINISTRATIVA O Direito Administrativo pode ser conceituado como o ramo do Direito Público que estuda princípios e normas reguladores do exercício da função administrativa. Compreender a função administrativa é o meio para compreender o Direito Administrativo. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello23, o termo "função" no direito designa toda atividade exercida por alguém na defesa de interesse alheio. Nas palavras do autor: "Existe função quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem". O direito regula basicamente dois tipos de atividades: a) atividades comuns: exercidas em nome próprio na defesa de interesse próprio; b) atividades funcionais ou simplesmente funções: desempenhadas em nome próprio na defesa de interesse de terceiros. O Direito Administrativo só estuda atividades funcionais, isso porque o agente público exerce função, pois atua em nome próprio na defesa dos interesses da coletividade (interesse público). A expressão "interesse público" pode ser compreendida em dois sentidos diferentes: a) interesse público primário; b) interesse público secundário. A diferença entre interesse público primário e secundário foi difundida por Renato Alessi24, sendo adotada pela totalidade dos administrativistas brasileiros. Interesse público primário é o verdadeiro interesse da coletividade, enquanto interesse público secundário é o interesse patrimonial do Estado como pessoa jurídica. COMPARAÇÃO ENTRE INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO INTERESSE PÚBLICO SECUNDÁRIO Verdadeiro interesse da coletividade Mero interesse patrimonial do Estado como pessoa jurídica Deve ser defendido sempre pelo agente Só pode ser defendido quando coincidir com o primário Tem supremacia sobre o interesse particular Não tem supremacia sobre o interesse particular Exemplo: não postergar pagamento de indenização Exemplo: recursos protelatórios e demora no pagamento de precatório Somente o interesse público primário tem supremacia sobre o interesse particular. Interesse público secundário não tem supremacia. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Estado Elementos do Estado: a) povo, b) território, c) governo soberano. Poderes e Funções do Estado (função típica e função atípica): a) função legislativa; b) função judiciária; c) função administrativa; d) função política. Governo É uma atividade política e discricionária, representando uma conduta independente do Administrador ao exercer um comando com responsabilidade constitucional e política, mas sem 23 Curso de direito administrativo, p. 71. 24 Renato Alessi: conhecidíssimo administrativista italiano, é para os doutrinadores brasileiros talvez o mais influente autor estrangeiro do século XX. A Constituição Federal de 1988 adotou o sistema da jurisdição una (art. 5º, XXXV). A função administrativa é aquela exercida pelos agentes públicos na defesa dos interesses públicos. 9 responsabilidade profissional pela execução. Administração a) critério formal, orgânico ou subjetivo: é o conjunto de órgãos, a estrutura estatal, que alguns autores até admitem como sinônimo de Estado quando pensado no aspecto físico, estrutural. Nesse sentido, a expressão “Administração Pública” deve ser grafada com as primeiras letras maiúsculas; b) critério material ou objetivo: é a atividade administrativa exercida pelo Estado, ou ainda, função administrativa. Nesse sentido, a expressão “administração pública” deve ser grafada com as primeiras letras minúsculas. Função Administrativa É a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade, de âmbito federal, estadual e municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum. Representa um munus publico. 1.13 PRINCÍPIOS E NORMAS JURÍDICAS A expressão "regra jurídica" é adotada como um gênero que comporta duas espécies: os princípios e as normas.25 Assim, a regra jurídica seria todo comando de conduta estabelecido pelo Direito. Tais regras, por sua vez, seriam de dois tipos: a) princípios - regras gerais norteadoras de todo o sistema jurídico; b) normas - comandos específicos de conduta voltados à disciplina de comportamentos determinados. Autores mais modernos, entretanto, têm preferido abordar o problema de forma diversa.26 Norma jurídica seria um gênero, dividido em duas espécies: a. a regra (norma específica disciplinadora de comportamentos específicos) e; b. o princípio (regra geral de conteúdo mais abrangente do que o da norma). A divergência não tem grande importância prática, mas é preciso reconhecer que esta última forma de classificar os comandos jurídicos tem uma vantagem: reforçar a ideia de que, assim como as regras específicas, os princípios administrativos também são normas dotadas de força cogente capaz de disciplinar o comportamento da Administração Pública. Comparação entre princípios e normas Princípios Normas Força cogente Força cogente máxima Força cogente máxima Abrangência Atingem maior quantidade de casos práticos Disciplinam menos casos Abstração do conteúdo Conteúdo mais geral Conteúdo mais específico Importância sistémica Enunciam valores fundamentais do sistema Somente disciplinam casos concretos Hierarquia no ordenamento Hierarquia superior Hierarquia inferior Técnica para solucionar antinomias Cedência recíproca Lógica do tudo ou nada Modo de criação Revelados pela doutrina Criadas diretamente pelo legislador Conteúdo prescritivo Podem não ter modal deôntico Sempre têm no conteúdo um modal deôntico: "permitido", "proibido" ou "obrigatório" BIBLIOGRAFIA: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito administrativo. 21.ed. São Paulo: Atlas, 2014. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 19. ed. São Paulo: Método, 2011. MEIRELLES, Hely Lopes; Azevedo, Direito administrativo brasileiro - Editora Malheiros, 2014. Celso Antonio Bandeira de Mello - Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade -Editora:Malheiros, Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo,– 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017; 25 Vide, por exemplo, Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurídico. 26 É o caso de José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo, p. 18.
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