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Capítulo 9 CRISTO ristologia é o estudo que trata da pessoa e da obra de Cristo. É um dos principais temas da teologia. Trata daquilo que é mais central e distintivo no Cristianismo, Jesus Cristo. Além disto, a cristologia prepara nosso entendimento para o estudo da grande doutrina da redenção e da consumação escatológica. O nosso propósito neste estudo é aprofundar nosso entendimento acerca de Jesus Cristo e sua obra redentora e assim fundamentar biblica mente a nossa fé e esperança. Mas com isto queremos também ajudar outros no conhecimento de Cristo. Paulo se refere ao “mistério de Deus, Cristo, em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2.2,3). Certamente não poderemos entender tudo que está compreendido na Pessoa de Cristo. Mas podemos sim “conhecer as riquezas da glória deste mistério, a saber, Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1.27). Neste estudo vamos considerar a preparação do mundo para a vida de Cristo, a cristologia na história, a pessoa de Cristo no ensino bíblico, e os vários aspectos da sua obra, ressaltando os estados pelos quais teve que passar, seus ofícios e a obra da expiação. O nascimento de uma pessoa, normalmente envolve planejamento e preparação por parte da família. Para o nascimento de Jesus, certamente José e Maria não tiveram essa preocupação, pois eles não estavam esperando o filho Jesus, muito menos da maneira como tudo aconteceu. Mas houve sim planejamento e preparação por parte de Deus, pois durante séculos Deus foi I. PREPARAÇÃO DO M UNDO PARA A VINDA DE CRISTO preparando o mundo para o nascimento do seu Filho Jesus; e ele só nasceu “na plenitude dos tempos”, isto é, no tempo decretado por Deus, quando tudo estava preparado. Podemos ver essa preparação acontecendo em dois ambientes, que abrangem todo o mundo: entre Israel e entre as nações.138 A. A Preparação na História de Israel Essa preparação está descrita no Antigo Testamento. Os primeiros onze capítulos de Gênesis informam sobre a necessidade de um salvador. A humanidade, criada perfeita por Deus, caiu no pecado e por isto ficou sujeito à maldição, carecendo de um salvador (Gn 3). O pecado foi se alastrando na terra, e chegou ao ponto de Deus ver que toda a imaginação dos pensamentos do coração humano era continuamente má (Gn 6.5). Então Deus anunciou o seu juízo em forma de um dilúvio, para exterminar da face da terra o homem que havia criado. Contudo, Deus ofereceu a opor tunidade de salvação para os que se arrependessem e entrassem na arca com Noé. Da única família que se salvou do dilúvio, Deus recomeça a história da humanidade e, paralelamente, inicia a história do povo que daria ao mundo aquele que iria abençoar todas as nações da terra. O restante do Antigo Testamento, Genesis 12 até Malaquias 4, descreve a formação e a preparação desse povo especial de Deus. 1. O anúncio do plano. O plano da vinda de um salvador foi anunciado a Abraão: “e todas as famílias da terra serão abençoadas por meio de ti” (Gn 12.3b). Esse plano foi sendo lembrado ao longo da história de Israel e confirmado no Novo Testamento (Gn 18.18; 22.18; 26.4; 28.14; Sl 72.17; At 3.25; Gl 3.8). Deus deixou claro que a sua intenção com Abraão e sua descendência era, por meio deles, abençoar todas as nações. i6 8 | Manual de Teologia Sistemática - Revisado e Ampliado 138 Robert D. Culver, Teologia sistemática — bíblica e histórica, p. 575-586, desenvolve este tema falando de preparação entre o povo escolhido e entre as nações da antiguidade. A. B. Langston, Esboço de teologia sistemática, p. 172-175, se refere à “preparação negativa na história pagã” e “preparação positiva” na história de Israel. Cristo | 169 2. A instrução do povo. Na preparação de Israel para a vinda do Messias Deus ensinou três grandes verdades ao povo, e para isto fez uso de três grandes meios.139 a) Três grandes verdades foram ensinadas por Deus. Primeira, a majestade, a unidade, a onipresença e a santidade de Deus. Este ensino foi fundamental para Israel, para caracterizar as perfeições do Deus verdadeiro, que comandava a História, em distinção aos muitos deuses falsos das nações. Segunda, a perversidade do homem e a sua impotência moral para tomar qualquer iniciativa no tocante à própria salvação. A própria experiência de vida do povo de Israel, envolvendo-se em toda sorte de pecados e derrotas, culminando numa destruição quase total, mostrou a perversidade do gênero humano e sua impotência para salvar-se a si mesmo. Terceira, a esperança de salvação. Ao longo da história de Israel, foi sendo criada na mente dos judeus a esperança de um “Messias”, alguém enviado por Deus para redimir o seu povo. b) Três grandes meios para ensinar estas três grandes verdades. Primeiro, a Lei. A Lei despertou a consciência em relação ao pecado. Por meio dos sacrifícios e do sacerdócio, deu ao povo a esperança de paz com Deus mediante o perdão, e de um livre acesso à sua presença. Segundo, a profecia. Profecia verbal e escrita; e até profecia típica, como as de Adão, Melquisedeque, Moisés, Davi, Jonas, etc. Desde o principio, Deus começou a falar da vinda de seu Filho (Gn 3.15). Terceiro, o cativeiro. Ele trouxe dois grandes resultados: o estabele cimento firme e definitivo do monoteísmo; a mudança dos judeus de um povo agrícola numa nação habilitada no comércio. Desta maneira Deus ia preparando os seus mensageiros, que levariam o seu evangelho a toda parte. 3. Níveis de precisão na predição do AT.140 Jesus e os apóstolos consideravam todo o Antigo Testamento como uma preparação ou predição para a vinda de Jesus; não apenas algumas poucas passagens “messiânicas”. Lucas nos relata isto (Lc 24.26,27,44-47; At 3.18,21,24; 10.43; 13.27). Mas o Antigo Testamento não é todo ele prepa ratório ou preditivo exatamente da mesma maneira. Estudiosos percebem diferentes níveis de precisão na predição. 139 LANGSTON, A. B„ Op. cit., p. 174. 140 Robert D. Culver, Teologia sistemática — bíblica e histórica, p. 577-581, desenvolve bem este tópico. 170 I Manual de Teologia Sistemática - Revisado e Ampliado a) O A T como messiânico por extensão. O Antigo Testamento prescreve os ideais morais e espirituais que nenhum homem conseguiu realizar, até a chegada de Cristo. Mas Jesus afirmou que ele veio para cumprir toda a Lei e os Profetas. Um modo como ele fez isto foi realizando os ideais morais prescritos na Lei, nos Profetas e nos Salmos. Neste sentido, Provérbios e tão verdadeiramente messiânico quanto alguns versículos que falam sobre o Emanuel (Is 9.6) ou o Filho de Davi (Is 11.5). Jesus cumpriu também o Antigo Testamento realizando de modo pleno e final as três grandes instituições de Israel: o profetismo, o sacerdócio e a realeza. Nenhum profeta foi capaz de revelar perfeitamente Deus. O máximo que podiam fazer era transmitir as palavras do Senhor. Não podiam representar pessoalmente Deus, como EMANUEL, como fez Jesus (Jo 1.18; Hb 1.1-3). Nenhum sacerdote foi perfeito no seu caráter e eficaz no seu ministério, e isto apontava para a necessidade de um sacerdócio do tipo de Cristo (Hb 7.26-28). Do mesmo modo, nenhum rei foi capaz de conduzir o povo segundo os ideais de Deus, nem mesmo Davi e seu filho Salomão que receberam de Deus a promessa de vitória, prosperidade e perpetuidade no poder. Foi preciso que viesse um descendente de Davi com natureza divina (Is 9.6) para dar conta dos planos de Deus para o seu povo. b) Profecia da presença pessoal divina. Há textos que relacionam a salvação vindoura com a vinda do próprio Deus para lidar de um modo direto e final com os problemas do mundo (Mq 1.3; Sl 50.3; 93.1-3; Ml 3.1,2). c) Profecia direta. São os textos tradicionais, normalmente usados nos grandes oratórios de Natal (Gn 3.15; 12.1-3; 49.10; Mq 5.2; Is 53, e muitos outros). Por todos estes meios, Deus preparou o povo de Israel para a chegada do Messias. Mas a preparação alcançou também as nações da antiguidade, como veremos. B. APreparação entre as Nações O entendimento de muitos é que o mundo greco-romano estava preparado política, intelectual e moralmente para a chegada de uma religião universal como a que Jesus trouxe. Emil Brunner aponta cinco aspectos nessa preparação, que apresentamos resumidamente.141 141 BRUNNER, Emil. Dogmática. São Paulo: Fonte Editorial, 2006, v. 2, p. 318-321. Cristo | 17 1 Primeiro, as campanhas de Alexandre e do Império Romano quebraram as barreiras do nacionalismo e da religião que anteriormente separavam as nações umas das outras, e teria erigido barreiras insuperáveis para qualquer missão no mundo exterior. Segundo, através da filosofia grega e da civilização romana uma incerteza interna se insinuara em todos os sistemas religiosos antigos. Havia em todo lugar um questionamento e uma busca, uma insatisfação com suas próprias tradições. A ciência grega tinha elaborado uma concepção de verdade, e de padrões críticos, que mostraram que mitologias politeístas são meramente superstições. Terceiro, um dos mais importantes fatos do livro de Atos é o imenso alcance do judaísmo da Dispersão. Estes judeus estavam em todo lugar com suas sinagogas, com suas pregações do Deus da revelação dos Profetas. Paulo, em suas viagens missionárias através da Ásia Menor e da Grécia, em toda parte, primeiramente buscava estas sinagogas, e ali conquistava seus primeiros discípulos. Quarto, fatos de natureza puramente secular. O mundo daqueles dias tinha sido aberto, de um modo maravilhoso, pela civilização e pela Lei romana: o mundo tornara-se uma unidade e comparativamen te era um mundo pequeno. Pessoas viajavam de Jerusalém a Roma; havia ordem e relativa segurança. Em toda parte havia estradas que os romanos construíram. O mais importante foi o uso do grego como língua mundial. Embora fosse um “grego básico”, que cristãos de língua hebraica falavam, bem como os missionários cristãos, era uma língua entendida em toda parte. Não é por acaso que o Novo Testamento chegou a nós apenas nesta língua, a língua de Atenas e de Alexandre o Grande, e não na língua da Palestina, que Jesus falava. De muitas maneiras, os efeitos prolongados e crescentes das grandes conquistas da filosofia grega foram muito úteis para a aceitação do cristia nismo e para a sua exposição posterior. Quinto, a plenitude dos tempos. “Plenitude dos tempos” refere-se ao “processo histórico que está baseado na vontade de Deus”.142 Quando o tempo exato decretado por Deus para a vinda de Cristo, com o mundo já preparado, “Deus enviou o seu Filho” (G14.4). A vinda de Jesus reflete a chegada de um tempo que Deus mesmo esteve preparando. 142 Ibidem, p. 323. Assim, o Novo Testamento vê Jesus Cristo como sendo o cumprimento do que foi previsto no Antigo Testamento. Segundo Culver, Mateus cita ou alude diretamente o Antigo Testamento pelo menos 129 vezes; cerca de 63 em Marcos; e cerca de 100 em Lucas.143 Marcos introduz o seu Evangelho dizendo: “Conforme está escrito no profeta Isaías” (Mc 1.1,2). E Paulo fala do “evangelho de Deus, que ele antes havia prometido pelos seus profetas nas santas Escrituras” (Rm 1.1,2). E a “justiça de Deus”, que se manifestou no evangelho, é “atestada pela Lei e pelos Profetas” (Rm 3.21). Como vimos, o mundo foi devidamente preparado por Deus, ao longo de séculos, para a chegada do Senhor Jesus Cristo, o Salvador do mundo. Preparação esta que envolveu não apenas a formação e a instrução de um povo especial, mas também outras nações e diversos aspectos da cultura humana. 17 2 | Manual de Teologia Sistemática - Revisado e Ampliado 143 CULVER, Robert D. Op. cit., p.575.