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JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 3 SUMÁRIO AULA 01 AULA 02 AULA 03 AULA 04 AULA 05 AULA 06 AULA 07 AULA 08 AULA 09 AULA 10 AULA 11 AULA 12 07 18 29 40 51 62 73 83 93 104 114 124 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE IMPRENSA PARTIDÁRIA E ESFERA PÚBLICA PROFISSIONALIZAÇÃO DO JORNALISMO E FORMAÇÃO DE UM CAMPO SOCIAL AGENDAMENTO POLÍTICO E VISIBILIDADES MIDIÁTICAS ECONOMIA POLÍTICA DA INFORMAÇÃO: CONCENTRAÇÃO DE MÍDIA NO BRASIL RADIODIFUSÃO PÚBLICA E O PAPEL DO ESTADO NA COMUNICAÇÃO A MIDIATIZAÇÃO DA POLÍTICA NA SOCIEDADE EM REDE OS NOVOS ATORES E MOVIMENTOS POLÍTICOS NA ERA DA INTERNET DEMOCRACIA DIGITAL E NOVAS POSSIBILIDADES DE FAZER POLÍTICA HUMOR COMO ENGAJAMENTO POLÍTICO: MEMES, MÍDIA E OPINIÃO PÚBLICA NOTICIABILIDADE E CRITÉRIOS DE PRODUÇÃO NA PAUTA POLÍTICA COBERTURA DE CONFLITOS EM NÍVEL LOCAL, NACIONAL E INTERNACIONAL TÉCNICAS DE APURAÇÃO E COLETA DE DADOS EM JORNALISMO POLÍTICO JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 4 SUMÁRIO AULA 13 AULA 14 AULA 15 134 144 154 TÉCNICAS DE ENTREVISTA E RELAÇÃO COM AS FONTES DE PODER TÉCNICAS DE REDAÇÃO E A BUSCA PELA OBJETIVIDADE DOS FATOS A OPINIÃO DOS JORNAIS E DOS JORNALISTAS NA COBERTURA POLÍTICA JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 5 INTRODUÇÃO Olá, estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade Católica Paulista. Sejam bem-vindos ao nosso módulo de conteúdo sobre Jornalismo Político! Nesta disciplina, teremos a oportunidade de aprofundar nosso conhecimento acerca dos aspectos teóricos e técnicos que envolvem a relação entre esses dois campos de atuação que são fundamentais para o sistema democrático. Nossas discussões, assim, estarão organizadas em duas unidades de ensino: I) Reflexões teóricas sobre Jornalismo e Política; e II) Dinâmicas práticas de Jornalismo Político. Na primeira etapa do curso, vamos nos dedicar a formar uma compreensão sobre o contexto histórico e atual que atravessa a convivência entre a atividade midiática e a atividade política. Para isso, faremos um percurso de análise por uma linha do tempo: passaremos pelo período do Império Romano, ainda no século II a.C, para identificarmos a presença dos primeiros registros jornalísticos que buscavam informar assuntos políticos, e seguiremos até o século XXI, com a influência das redes digitais no exercício político e na cobertura realizada pelos meios de comunicação. Nesta travessia, faremos uma parada pelo século XVIII, para tratar da criação de jornais que serviram como instrumentos partidários e do início da influência da imprensa na opinião das pessoas e decisões do governo, dentro do conceito que o filósofo alemão Jürgen Habermas chamou de Esfera Pública. Depois disso, adentraremos o século XIX para entender algumas mudanças que ocorreram no jornalismo: nossa atividade cresce como negócio, amplia e diversifica sua produção de informação, conta com mais redatores, equipamentos de impressão, e, assim, alcança o estatuto de profissão. A partir de então, o jornalismo também se torna uma instituição, com importância para a vida e o desenvolvimento social, baseando seus trabalhos nos valores de liberdade, independência e busca pela verdade dos fatos. No século XX, período marcado pela emergência dos meios de massa, como o rádio e a televisão, o jornalismo consolida seu protagonismo enquanto esfera de visibilidade política e cultural, um agente capaz de pautar os assuntos que repercutem e são considerados relevantes para o funcionamento do todo social, tal qual indica a Teoria do Agendamento, de Maxwell McCombs e Donald Shaw. Dentro dessas reflexões teóricas, discutiremos, ainda, a configuração das propriedades de mídia, especificamente no Brasil, para identificarmos quais são os JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 6 grupos empresariais e famílias que detém os principais veículos jornalísticos no país, e como se realizam as disputas de interesses entre as emissoras de radiodifusão e o Estado, as quais atuam para ter uma cobertura política favorável aos seus gestores. Ao chegarmos no século XXI, nosso objetivo será pensar em como a internet e seus dispositivos tecnológicos têm alterado as dinâmicas jornalísticas e políticas, a partir das novas possibilidades de Democracia Digital, movimentos sociais, e mesmo de engajamento eleitoral pela difusão de memes e outros recursos de humor. Após essa primeira parte da disciplina, que nos ajudará a conhecer mais as relações e embates entre o campo do Jornalismo e o campo da Política, vamos passar ao momento prático do curso, para conversar sobre as dinâmicas de produção e as técnicas jornalísticas que fazem parte da cobertura política, no âmbito da informação e da opinião. Nosso interesse será compreender os critérios noticiosos que orientam a pauta dos poderes e como utilizar os procedimentos jornalísticos de apuração, entrevista e narração para relatar os fatos políticos em nível local, nacional e internacional. Será uma oportunidade para falarmos sobre o trabalho de investigação de dados do jornalista, pela Lei de Acesso à Informação, sobre a relação com as fontes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e o ideal de objetividade que deve ser buscado na produção das matérias políticas. Ao final, teremos um repertório teórico e prático bem fundamentado para analisarmos criticamente a cobertura política da mídia e realizarmos um trabalho jornalístico responsável e capaz de contribuir ao processo democrático de nossa realidade. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 7 Parte I - Reflexões teóricas sobre Jornalismo e Política 1. As relações históricas entre Jornalismo e Política O começo da nossa disciplina é dedicado a abordar como, ao longo da história, Jornalismo e Política mantiveram uma relação de proximidade. Desde o período romano antes de Cristo, já é possível identificar uma convivência entre essas duas áreas. Nas aulas a seguir, vamos aprofundar essa compreensão com mais detalhes e exemplos, fazendo uma retrospectiva do tempo até chegarmos na mídia política dos dias de hoje. AULA 1 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE IMPRENSA PARTIDÁRIA E ESFERA PÚBLICA Todos nós sabemos que o jornalismo tem um papel muito importante para o funcionamento do sistema democrático, já que atua na mediação entre agentes e instituições políticas e também no processamento de informações relevantes para a prática social. A nossa profissão se consolidou como um campo que tem o compromisso de atuar pela verdade, pelas liberdades e pelos direitos, fiscalizando o poder público e denunciando as irregularidades dos diferentes meios da sociedade. É importante que entendamos que essas funções foram sendo construídas historicamente. O jornalismo, tal qual nós o conhecemos, é uma atividade moderna, que se fortalece no século XIX, após a Revolução Industrial inglesa. No entanto, bem antes disso a gente já encontra evidências de registros que divulgavam informações entre os povos. Cada cultura estabeleceusuas próprias formas de expressão – como, por exemplo, o papiro egípcio e o ideograma chinês. Durante o Império do general romano Júlio JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 8 César, mais especificamente, no século II a.C, tábuas eram fixadas nos muros da região para relatar os principais acontecimentos do império. Elas ficaram conhecidas como Actas Diurnas, e serviam como um canal de comunicação oficial para informar à população sobre decretos imperiais, audiências, atos públicos, julgamentos e execuções, nascimentos e funerais de membros do império. ANOTE ISSO Desde a Antiguidade, nós já conseguimos perceber a produção de informação muito atrelada aos assuntos políticos, isto é, como os governantes se valiam de recursos narrativos e criavam os seus próprios meios para difundirem suas decisões e, assim, articularem poder junto às suas próprias comunidades. Com o advento da prensa de Johannes Gutenberg, na Alemanha do final do século XV, essa relação ganha força e o jornalismo começa a se formar enquanto atividade. A invenção da máquina tipográfica permitiu a reprodução técnica da escrita, com a impressão em escala de livros e as primeiras edições de gazetas de notícias. Apenas como curiosidade: se até então um escrivão conseguia escrever, por dia, em torno de 40 páginas, após a tipografia metálica se tornou possível produzir, em ritmo diário, cerca de 3500 páginas. A novidade técnica deu um impulso na maneira de transmitir mensagens, também à distância, por um custo menor. Os primórdios de jornais eram distribuídos, no século XVII, como folhas avulsas, que tratavam, principalmente, de ocorrências políticas, de conflitos e de crimes, tal qual explica o teórico português Nelson Traquina (2005). A primeira gazeta semanal de que se tem conhecimento foi publicada na França, em 1605, com o título, traduzido para o português, de “Comunicação de todas as histórias importantes e memoráveis”. É importante que a gente se lembre, também, que o alcance dessas informações era muito restrito, já que apenas uma parcela muito pequena da população europeia sabia ler, e a própria periodicidade dessas gazetas era esparsa, com publicação mensal ou em delimitação temporal ainda mais larga. Na maior parte dos países europeus, o funcionamento da imprensa se dava em lógica de privilégio: era necessário uma autorização prévia do governo para que os jornais pudessem ser veiculados. O regime Monárquico, assim, atuava para ter um controle e influência sobre os folhetos que circulavam na época. Além de regulamentar JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 9 as impressões, os reis dispunham de seus próprios meios para transmitir, de acordo com os seus interesses, os conteúdos referentes à Corte. É por isso que nós costumamos dizer que a formação da imprensa europeia se dá em molde político-partidário: os jornais, naquele período, eram concebidos para serem instrumentos de disputas de poder, servindo como canal de propaganda às elites políticas e culturais. Na hierarquia de composição temática desses periódicos, os assuntos políticos eram os predominantes, seguidos pela vida social da nobreza, sobretudo no que diz respeito à sua posição de superioridade e às suas atividades de lazer, religiosas e de saúde, conforme indica Jorge Pedro Sousa (2002). O tom dos textos publicados também tinha um caráter opinativo, com relatos escritos, inclusive, em primeira pessoa do singular ou do plural. O jornalismo ainda não dispunha de seus procedimentos de apuração informativa, consulta a diferentes fontes e o rigor da objetividade que hoje o caracterizam, então se limitava a configurar um aparato oficial, para tratar de discursos institucionais, ou de embate entre os posicionamentos das classes dominantes da época. Essa realidade passa a mudar de figura com a ascensão da burguesia na sociedade europeia do século XVIII, reestruturando a ordem política por conflitos com a Monarquia e demandando da imprensa outras formas de atuação. O autor inglês Peter Burke (2004, p.45), ao escrever sobre esse novo momento histórico, descreve que “nada vai ferir mais o antigo rei do que as balas de papel da imprensa”. É a partir de então que entra em cena a ideia de Esfera Pública, do filósofo alemão Jürgen Habermas, sobre a qual conversaremos adiante. 1.1 O conceito de Esfera Pública, de Jürgen Habermas Antes de aprofundarmos nossa compreensão acerca desse conceito fundamental para as reflexões sobre mídia, política e democracia, vale conhecermos alguns pontos sobre a vida de seu autor. O teórico Jürgen Habermas começou seu trabalho como filósofo no Instituto para a Pesquisa Social, da Universidade de Frankfurt, junto a outros intelectuais, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, que pertenciam a um grupo de pensadores alemães que recebeu a alcunha de Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt, como nós sabemos pelos estudos de Teoria da Comunicação, teve uma atuação dedicada a formular uma Teoria Crítica sobre a sociedade ocidental que JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 10 despontava das duas grandes guerras mundiais do século XX. Fez parte de suas obras analisar a produção cultural atravessada pelo capitalismo naquele momento, a partir do conceito de Indústria Cultural, e a influência dos meios de comunicação de massa na vida social. De maneira específica, Habermas assumiu como interesse de estudo a Democracia. Sua defesa, em síntese, é a de que o exercício da razão pode emancipar os sujeitos de amarras políticas e econômicas, desde que atrelado à comunicação, ao diálogo e à troca argumentativa. Essa noção nós identificamos por Razão Comunicativa. ANOTE ISSO Enquanto Adorno e Horkheimer (1947) falavam em Razão Instrumental para definir como o pensamento do homem se submeteu, ou se instrumentalizou, às imposições capitalistas na modernidade, Habermas aposta na Razão Comunicativa que, por uma associação da reflexão com o diálogo crítico, pode contribuir para o avanço do desenvolvimento social. Foi a compreensão sobre a Esfera Pública que ajudou Habermas a formular essa Teoria da Ação Comunicativa. No livro Mudança estrutural da esfera pública, publicado em 1962, o autor faz uma investigação histórica sobre a divisão entre público e privado, retomando a organização social da Grécia Antiga até chegar no século XVIII, período marcado pelo fortalecimento da burguesia na civilização europeia, e onde paramos em nossa discussão sobre a contextualização do exercício político da imprensa. Ao estudar a Idade Moderna, especialmente na Inglaterra, Habermas identifica como a ascensão dessa nova classe social passou a colocar em conflito o poder da Monarquia. Se, até então, o Estado Absolutista, por seus reis, detinha o controle dos acontecimentos e ações, impondo suas vontades e interesses aos outros setores da sociedade, a emergência da burguesia e o crescimento de suas atividades comerciais conferiram um destaque e rearranjo no tabuleiro político da época. Com o objetivo de ter um maior protagonismo na tomada das decisões econômicas, e assim continuar a expandir seus negócios, a burguesia atuava para formar uma Esfera Pública, isto é, um espaço social independente e capaz de pressionar as autoridades para mudanças no modo de governar. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 11 A principal reivindicação dessa nova classe era pelo direito de publicidade, isto é: de o Estado tornar público para a população suas medidas e discussões, dentro de um ideal de transparência e de prestação de contas. Enquanto poder central com influência na vida das pessoas, as autoridades deveriam submeter suas ações ao povo. Ou à esfera pública, que seria justamente um fórum de pessoas privadas para, tal qual descreve Habermas (1984, p. 87), “obrigar o poder público a se legitimar perante a opinião pública”. Percebamque aí temos o fortalecimento da ideia de que toda dominação e autoridade só têm validade se passarem pelo crivo da Esfera Pública, que todos os assuntos políticos precisam alcançar as pessoas, serem debatidos, influenciados pela opinião e pensamento da população. É neste sentido que a imprensa também ganha relevância nas reconfigurações daquele momento. Para tornar viável o princípio da publicidade, a burguesia passa a considerar os jornais como instrumento de expressão dessas novas demandas e de pressão ao Antigo Regime. De acordo com Habermas, a imprensa seria a instituição capaz de divulgar ideias e estabelecer um novo debate político nessa nascente sociedade burguesa, por uma dinâmica de comunicação que incentivaria os cidadãos a buscarem a verdade e cobrarem as autoridades políticas a agir em benefício de suas necessidades. Ao zelar pelo ideal da publicidade, os jornais trabalhariam para garantir a inclusividade dos assuntos e a acessibilidade dos indivíduos reunidos em um público. O jornalismo assume, desde aí, o papel de criar um espaço para deliberação, isto é: pela informação, dá a conhecer às pessoas os problemas de sua realidade e, assim, promove discussões no tecido social que contribuem para solucioná-los. A Esfera Pública, deste modo, conta com a atuação da imprensa em sua função de vigiar e pressionar os poderes. Ela é pensada como um espaço de diálogo entre indivíduos particulares, reunidos publicamente para argumentarem sobre as pautas que repercutem nas instâncias de poder. Por isso, Habermas é um defensor da Razão Comunicativa. O filósofo alemão acredita que, diante dos conflitos políticos e sociais, as pessoas devem buscar um entendimento mútuo orientado pelo debate, pela troca de argumentos e pelo pensamento crítico. O jornalismo tem uma atuação fundamental neste sentido já que é a instituição que dá visibilidade aos acontecimentos e, com isso, fomenta a opinião pública, o potencial de conversação entre as pessoas e de controle da autoridade do Estado, para garantir uma soberania popular. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 12 ANOTE ISSO O conceito de Esfera Pública, de Jürgen Habermas, envolve os princípios de publicidade, discursividade (ou diálogo) e argumentação, com destaque central para o trabalho da imprensa na formação da opinião pública e do processo democrático. Na década de 1990, Habermas publica um novo livro, Direito e Democracia, no qual desenvolve novas explicações sobre seu conceito seminal de Esfera Pública. Na obra, o autor esclarece que não devemos tomar a ideia de Esfera Pública como sendo um lugar físico, mas sim como uma “estrutura comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a qual tem a ver com o espaço social gerado no agir comunicativo” (HABERMAS, 1997, p. 92). Esse esclarecimento nos ajuda a compreender que, de fato, a Esfera Pública se forma sempre que há razão comunicativa, isto é, sempre que há o encontro de indivíduos que se dispõem ao diálogo, ao compartilhamento de posições, ao pensar sobre os assuntos que importam para o funcionamento de uma sociedade democrática. Para adquirir a competência cívica, os cidadãos precisam de oportunidades para expressar seus pontos de vista, aprender uns com os outros, discutir e deliberar, ler, escutar e questionar especialistas, candidatos políticos e pessoas em cujas opiniões confiem – e aprender de outras maneiras que dependem da liberdade de expressão (DAHL, 2001, p. 110). Dessa maneira, a Esfera Pública não é uma única arena, ou um espaço comunicativo totalizante, mas uma rede inclusiva, que abrange várias esferas de conversação, com fronteiras fluidas, já que nossa civilização é complexa e atravessada por múltiplos debates e pautas de interesse. Habermas organiza, assim, uma classificação de Esfera Pública em três tipos associativos: • Esfera Pública episódica: trata das nossas conversas informais, com interações mais simples e trocas argumentativas que também têm um menor alcance. Aqui, pensamos naquelas discussões que fazemos em grupos conhecidos, de modo mais pontual e no âmbito das nossas relações cotidianas. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 13 ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Podemos tomar como exemplo os debates que fazemos em uma sala de aula, na mesa de jantar com familiares, durante alguma reunião ou encontro com colegas. Faz parte de nosso dia a dia conversarmos sobre algum acontecimento político, discordarmos sobre alguma medida do prefeito ou do presidente, repercutirmos um reajuste no preço dos alimentos ou do combustível. Quando essas nossas opiniões são expressas em um ambiente coletivo, de forma ponderada, com interesse também na escuta e respeito pelo ponto de vista do outro, nos tornamos parte do que Habermas denomina de Esfera Pública Episódica. • Esfera Pública de presença organizada: refere-se às discussões que se estabelecem em ordem mais articulada e complexa, dentro de grupos sociais formais. Conversas que se iniciam em esfera episódica, por exemplo, com vizinhos ou amigos, podem alcançar um espectro mais amplo, e extrapolar para um movimento organizado referente a questões trabalhistas, de gênero, de raça, de migrações, partidárias ou ideológicas. Nesses casos, estamos diante de debates que se desenvolvem com maior regularidade, que buscam um exercício de pressão mais efetivo sobre os sistemas políticos e, assim, conseguem uma contribuição mais ativa de soluções. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Digamos que você tenha interesse em Meio Ambiente, que esteja sempre atento aos projetos de lei que versam sobre o tema e goste de conversar com outras pessoas sobre as possibilidades de atuação política e social na área. Essa Esfera Pública episódica pode se tornar uma Esfera Pública de presença organizada na medida em que você busque tornar esses diálogos permanentes. Por exemplo, com a criação de um grupo de alternativas ambientais, que conte com encontros mensais e um contato assíduo entre os membros para análise e reflexão sobre caminhos para conservação da fauna e flora brasileiras. • Esfera Pública abstrata: é relativa, em termos mais específicos, às conversações produzidas por intermédio de aparatos midiáticos. Considerando a complexidade das sociedades democráticas contemporâneas, e o protagonismo crescente dos dispositivos tecnológicos em nosso cotidiano, é preciso pensar também JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 14 nas discussões que realizamos em ambientes virtuais, como redes sociais, aplicativos de mensagens, e mesmo as análises, comentários e debates que ocorrem em rádios e televisões. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Hoje, com nosso dia a dia todo atravessado por processos de digitalização, as Esferas Públicas episódica e de presença organizada facilmente se manifestam como Esfera Pública abstrata, já que nossos diálogos, mesmo sobre assuntos políticos, deslocam-se para espaços on-line. Vale compreender, por isso, como a mídia, além de fomentar e tematizar nossas discussões, configura, por si só, um espaço de estrutura comunicativa, tal qual concebido por Habermas. A partir do século XVIII, portanto, a imprensa conquista um papel de relativa importância para a vida política e cultural das sociedades europeias: os jornais não-oficiais ganham em periodicidade e circulação, tornam-se canais para um exercício de maior participação e pressão da população em relação às autoridades e, consequentemente, uma arena de formação da opinião pública. Passa a ser frequente, conforme explica o historiador Peter Burke (2004), tais periódicos serem lidos em voz alta e discutidos nos cafés e salões literários, que se transformaram em foro político e reunião de intelectuais. Na França, a mídia, que até então era muito controlada pelo reinado absolutista de Luís XIV, experimentou essa reconfiguração de função pelos impulsos do movimento do Iluminismo, quereconhecia a opinião pública como uma entidade que precisava ser informada para contribuir com a derrubada do Antigo Regime. O destaque à razão, assumida como princípio soberano, e aos direitos e liberdades do homem, tratados como universais, eram os fundamentos da tradição iluminista, e seguiram também como norte da Revolução Francesa, que eclodiu em 1789. Mais uma vez, Peter Burke (2004, p. 62) ajuda a entender a importância da imprensa naqueles anos: “foi um instrumento indispensável para dar legitimidade à feitura das novas leis da Revolução, tornando o processo público”. Ainda que uma parcela considerável do povo francês não tivesse acesso à alfabetização, o final do século XVIII foi marcado por intensos debates e discursos, tanto na Assembleia Nacional de Paris, quanto em outros clubes políticos que se formavam na região. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 15 A Revolução na França criou em poucos anos o que a Inglaterra levou mais de um século para construir: instituições e espaços sociais para o debate crítico e público de assuntos políticos. ANOTE ISSO A relevância do pensamento de Habermas está, assim, justamente em identificar a relação muito próxima entre as práticas democráticas e os meios de comunicação, e apostar nessas articulações como forma de a sociedade buscar caminhos e alternativas políticas para os problemas que enfrenta. A democracia, segundo Noberto Bobbio (2000), é uma luta para assegurar a soberania popular, através do funcionamento de instituições e direitos que zelem para que as decisões coletivas sejam levadas em consideração, e não apenas os interesses de um regime de governo. Deste modo, quando pensamos no sistema democrático, fazemos referência ao direito de participação política de cada cidadão, pela tomada de escolhas orientadas pelo princípio da maioria. As reflexões de Habermas sobre a Esfera Pública são um passo importante no sentido desse entendimento, já que enfatiza que as autoridades e instâncias formais de poder devem reconhecer os debates e opiniões públicas. A liberdade de expressão e a troca argumentativa, muito valorizadas dentro do conceito de Esfera Pública, são capazes de gerar consenso, isto é, de promover a necessidade de diálogo entre sujeitos, grupos e comunidades para resolver problemas coletivos. É assim que decisões políticas democráticas são realizadas. A inclusão da perspectiva dos atores da sociedade civil no debate público, ampliando a definição dos problemas sociais, demanda um compartilhamento do saber social para tratar de problemas complexos, que não podem ser resolvidos sem a cooperação coletiva (HABERMAS, 1997, p. 18). Ao focalizar o século XVIII, em suas análises, Habermas desenvolve um retrospecto histórico com o objetivo de demonstrar como, ao longo do tempo, a sociedade foi percebendo a importância de pressionar os centros de poder para fazer valer suas próprias demandas. Isso vem, a princípio, como uma ação articulada pela burguesia, JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 16 que conquistava prestígio e queria expandir seus negócios e influências, mas, com o papel da imprensa, passa a tomar outras proporções. O que estava em jogo, desde esse momento, era a criação de uma opinião pública e da possibilidade de indivíduos, que foram se assumindo como cidadãos, desempenharem um papel na política do que, até então, tinha sido um Estado que era exclusivo e também excludente. A Esfera Pública, então, é essa espécie de intermédio entre o âmbito dos governos e a própria sociedade civil, que desponta como redes de comunicação que querem alcançar a dimensão das medidas e decisões políticas sobre a vida pública. Era o começo da democracia: uma abertura para as pessoas discutirem e participarem, deixarem o pensamento e a razão orientarem o funcionamento do mundo. Reunidas em volta das mesas dos cafés, nos salões de museus e bibliotecas, motivadas pelas páginas dos jornais que, com mais frequência, passaram a oferecer notícias e comentários políticos. Em relação à obra de Habermas, precisamos apontar uma crítica que é comumente feita: de que a aposta do filósofo alemão pela razão comunicativa, ou pela formação de espaços interessados no livre debate e na compreensão mútua, seriam uma idealização ou uma utopia. Para a ala teórica que discorda da visão de Habermas, é difícil considerar que as pessoas estão dispostas a ouvir, debater, chegar a um consenso com outros, sobretudo em questões políticas, já que a nossa sociedade é atravessada por conflitos de interesse e de valores entre as classes sociais. Cada um tem suas posições morais, ideológicas, e isso complica o desenvolvimento de esferas públicas livres e de conversação racional. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Vamos pensar, por exemplo, nas discussões atuais que tomam as redes sociais digitais. Diante da polarização política, de rivalidades ideológicas e disputas eleitorais que acirram confrontos, e até mesmo discursos de ódio, como podemos considerar a formação de uma Esfera Pública, tal qual pensada por Habermas? Se, em muitas ocasiões, as pessoas não aceitam dialogar, não se abrem para ouvir quem pensa diferente, para argumentar com criticidade e buscar o bem comum? Apesar dessas problematizações, o que é importante compreender é o papel da mídia que, desde esse momento, desponta como um canal de serviço público, isto é, um modo de oferecer às pessoas um acesso incomparável à vida pública e política. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 17 Esse retrospecto inicial nos ajuda a ter uma visão de contexto: perceber as mudanças que foram acontecendo no decorrer do tempo e que fizeram o jornalismo ser a instituição que nós conhecemos hoje – vital para o desenvolvimento social e de nossos processos democráticos. Isso porque, ainda nas primeiras trocas comunicativas das civilizações greco- romanas, já era possível identificar o uso de relatos para informar sobre assuntos do poder. Os governantes, para manterem seus privilégios, sempre se valeram de instrumentos narrativos para influenciarem seus povos, e com transformações tecnológicas e sociais essa realidade passa a tomar uma nova forma. Com o advento tipográfico da máquina de Gutenberg e a ascensão da burguesia como nova classe, junto ao contexto europeu, a imprensa vai perdendo sua característica político-partidária, e assumindo a responsabilidade de tornar público os assuntos de governo e abastecer as pessoas com informações para a formação de opinião sobre a vida coletiva. Assim, o jornalismo também inicia o seu processo de consolidação como profissão, ou seja, como uma instituição orientada por valores, ideais e práticas, com presença e importância crescentes na realidade. Se até então os usos da imprensa estavam voltados a disputas de poder, marcadas pelo tom da opinião e da propaganda, como instrumentos em defesa da causa de autoridades e elites da época, o final do século XVIII, e mais propriamente o século XIX, representa uma virada: jornalismo que passa a buscar informação e se colocar à serviço da sociedade. É essa a discussão que faremos adiante, em nossa próxima aula, ainda dentro de uma compreensão histórica e de contexto sobre a relação entre Jornalismo e Política. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 18 AULA 2 PROFISSIONALIZAÇÃO DO JORNALISMO E FORMAÇÃO DE UM CAMPO SOCIAL Na aula passada, nós tivemos a oportunidade de iniciar nossas conversas sobre proximidade e convivência entre as atividades jornalística e política, dentro das reflexões teóricas que são o objetivo dessa nossa primeira parte de curso. Já nesta nova unidade, nós seguimos com um trabalho de análise em uma linha do tempo: agora, nosso foco está no século XIX, especificamente pela importância deste período para a profissionalização do jornalismo e a sua configuração enquanto umcampo, ou instituição social. São essas as ideias que vão conduzir nossos estudos neste capítulo, para podermos avançar sentido a uma compreensão mais contemporânea da atuação política da mídia. Em um âmbito informal, a gente costuma dizer que o jornalismo é uma criatura burguesa e da Modernidade. É uma criatura burguesa, como nós já vimos na aula anterior, porque, de certo modo, ele resulta das reivindicações da burguesia, enquanto nova classe social que ganhava força nos regimes monárquicos europeus, pelo princípio da publicidade: tornar público as medidas e decisões do poder, para prestação de contas e debate social em relação aos assuntos importantes para o coletivo. Sendo os jornais não-oficiais os instrumentos para veiculação dessas pautas e cumprimento dessas funções. É, também, uma criatura da Modernidade porque toma forma na confluência dos processos tecnológicos e sociais que marcaram esse período histórico. Nesta fase, o capitalismo cresce em importância, até em razão das demandas da burguesia que pressionava por direitos de livre comércio e iniciativa privada, posicionando-se de maneira contrária às tentativas de controle e de taxação de impostos do Estado aos seus negócios. A Revolução Industrial é também um acontecimento muito importante para as sociedades de então e para o desenvolvimento do jornalismo. Com ela, novos fenômenos sociais despontam: a urbanização, com a transição gradual das comunidades das áreas rurais para as cidades, e o próprio avanço da educação, que, ao se popularizar JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 19 e alcançar novas parcelas da população, passa a constituir um público leitor mais amplo para o consumo da imprensa e, consequentemente, de participação nos debates e na esfera pública. Além das reconfigurações sociais, precisamos considerar os impactos tecnológicos da Revolução. Novas vias de comunicação surgiram naquelas décadas, como as estradas e caminhos de ferro que facilitavam o deslocamento das pessoas entre uma região e outra e, com isso, tornavam o mundo mais ‘pequeno’. Outros adventos técnicos também contribuíram de forma mais específica ao progresso dos jornais, transformando a elaboração jornalística de artesanal para industrial: a criação do linotipo, uma espécie de protótipo da máquina de escrever que fundia em blocos os caracteres e, assim, solucionava o problema da rapidez na composição dos textos; e a criação de máquinas rotativas, que aceleravam a impressão de exemplares e aperfeiçoavam a prensa de Gutenberg. Aqui, é importante destacarmos, principalmente, a invenção do telégrafo, em 1838, por Samuel Morse, nos Estados Unidos. O aparato viabilizou a transmissão de mensagens entre um local e outro, a princípio em distância mais curta, e depois com uma expansão por cabeamentos submarinos, através de sinais de pontuação que até hoje conhecemos como Código Morse. Portugal foi um dos primeiros países a contar com serviços desse protótipo de telefone, e no Brasil o telégrafo foi inaugurado em 1857, com a primeira linha ligando Petrópolis e a praia da Saúde, no Rio de Janeiro, por uma extensão que alcançava, ao todo, 50 km. ISTO ESTÁ NA REDE Para ilustrar o funcionamento e funções de um telégrafo, vale assistir a este vídeo explicativo, do canal “Invenções na História”: https://www.youtube.com/watch?v=_ pdhi3E_VzE Com esse novo cenário tecnológico e social, os jornais passaram a ter um caráter muito mais informativo. Era possível saber, de forma mais rápida e simples, o que se passava em outras cidades e países, e também produzir relatos com mais dinamicidade. A imprensa enviava seus homens para os portos, a fim de acompanhar a chegada e partida das embarcações, para as delegacias, com o interesse de reportar os crimes, para inaugurações de eventos, exposições artísticas, e para os Parlamentos, com a https://www.youtube.com/watch?v=_pdhi3E_VzE https://www.youtube.com/watch?v=_pdhi3E_VzE JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 20 intenção de cobrir os debates políticos. No entanto, todo esse avanço que se colocava à disposição da informação, também acarretava custos de produção que não eram compensados apenas com a venda de jornais para o público. O jornalismo que, naquele momento, nascia como indústria, era um negócio para ricos, conforme explica Miguel Alsina (2005). A pedra de toque que salvou a imprensa de ser uma empresa deficitária e a converteu em um comércio lucrativo foi a publicidade: os jornais vendiam espaços em seus exemplares para anúncios de produtos e serviços e, com isso, fazia girar mais capital para manter as suas operações. Quando se fala na expansão da informação que tomava lugar naquele período, é importante ainda mencionar a formação de agências internacionais de notícias que, não por acaso, coincidiram com as potências imperiais do século XIX, por uma relação estreita entre os domínios territoriais de cada qual e a repartição do mundo em zonas de influência consonantes. Se em um primeiro momento os jornais mais influentes buscavam a exclusividade da informação pelo envio de correspondentes a suas áreas de interesse, a concorrência entre esses periódicos, e sua permanência devido ao estabelecimento colonial, tornou insustentável economicamente a manutenção de uma rede de profissionais fixos pelo mundo. A organização de tal fluxo de informação passou a se dar, então, em função de um regime de associação entre diferentes jornais para captar e divulgar notícias. A Associated Press, por exemplo, nasceu em 1848, precisamente dentro de um modelo cooperativo entre cinco jornais de Nova York, que enviavam correspondentes para diferentes lugares dos Estados Unidos e, depois, compartilhavam as matérias que realizavam entre si. Na França, em 1835, foi criada a agência Havas, origem da atual France Press; em Berlim, a agência Wolff, formada em 1849, e fechada por ação dos nazistas em 1934; e a londrina Reuters, em 1851, considerada hoje a maior do mundo. ANOTE ISSO O século XIX foi importante para a consolidação da imprensa como uma atividade comercial. As mudanças técnicas e sociais impulsionadas pela Revolução Industrial tiveram consequências também para o jornalismo, já que novos aparatos tecnológicos contribuíram para um ritmo mais acelerado de trabalho e de acesso aos acontecimentos de diferentes partes do mundo. A formação de Agências de Notícia também teve um papel para a expansão da informação e do jornalismo como negócio, junto com os anúncios publicitários. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 21 No compasso desse crescimento econômico, que estabelecia a informação como uma mercadoria a ser vendida, assim como qualquer outra, e os leitores como um público consumidor, na lógica da livre-concorrência, o jornalismo experimentava o seu processo de profissionalização. Todo esse progresso passou a firmar a emergência de um grupo de trabalhadores, homens dedicados integralmente ao exercício de buscar acontecimentos e registrá-los em notícia. Até então, o jornalismo era praticado, em sua maioria, pelos próprios donos das máquinas tipográficas de impressão, que tinham domínio sobre a atuação e mobilizavam outras poucas pessoas para ajudar no ofício. Com o incremento da produção, e a possibilidade de fazer negócio através da venda de periódicos, a imprensa se transformou efetivamente em uma empresa, dedicada a comercializar informação com frequência e, por isso, necessitava de funcionários para se encarregar dessa função. Nas últimas três décadas do século XIX, clubes e associações exclusivas de jornalistas foram formadas, a princípio nos Estados Unidos e depois na Europa, justamente para promover as demandas do grupo, melhorar suas condições de trabalho e elevar seu estatuto e qualificações perante a sociedade. A introdução formal do jornalismo no ensino superior, ainda nos anos 1860, tambémcontribuiu para o desenvolvimento deste processo de profissionalização. A primeira escola de Jornalismo do mundo foi a “Washington College”, fundada pelo general estadunidense Robert E. Lee, na Virgínia, em 1869. Muitos destes programas de ensino em jornalismo davam ênfase ao treino da escrita e da edição, primeiro nos departamentos de inglês, depois em departamentos independentes e escolas de jornalismo. Esta formação ao nível da Licenciatura evoluiu posteriormente, no início do século XX, para a instrução a nível de Mestrado em escrita e edição em Columbia e noutras universidades (TRAQUINA, 2005, p.84). A título de curiosidade, já no século XX, os cursos universitários em jornalismo tiveram um crescimento expressivo em número e em quantidade de alunos inscritos. Enquanto em 1910 eram contabilizados quatro cursos universitários, em 1927 esse número já era de 54. Em outros países, como na Inglaterra, o desenvolvimento do ensino em jornalismo foi mais tardio. Como forma de comparação, nos anos 1960 apenas 30% dos jornalistas especializados deste país possuíam uma formação universitária. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 22 No Brasil, a primeira faculdade de Jornalismo nasceu em 1943, por meio do testamento do jornalista paulistano Cásper Líbero, então diretor-proprietário de um dos mais modernos jornais da América Latina “A Gazeta”. No entanto, devido a entraves legislativos, o curso só entrou em funcionamento quatro anos depois. Na década de 1960, outras regiões do Brasil receberam a implementação do curso em suas universidades. Desta forma, a profissionalização do jornalismo nas sociedades ocidentais está totalmente atrelada ao desenvolvimento do capitalismo e aos consequentes processos de industrialização e educação em massa, que abriram espaço para a popularização da imprensa e da consolidação do jornalismo enquanto serviço público. A partir deste elo, os jornalistas se empenharam num processo de profissionalização em busca de maior autonomia e estatuto social. A criação de associações e cursos de Jornalismo ajudaram a alavancar a ideia do jornalista como um sujeito que porta um conhecimento específico e que tem seus próprios interesses enquanto comunidade profissional. É a partir daí que podemos perceber o Jornalismo ganhando as características que até hoje nós identificamos como sendo centrais à sua atividade: a constituição de um grupo organizado de trabalhadores, que se dedica principalmente à produção de informação sobre diferentes setores da sociedade, e que desenvolveu suas próprias técnicas de serviço, isto é, procedimentos de apuração e de coleta de dados, de entrevista, de consulta às fontes, de redação de um texto claro, direto, objetivo, para contribuir com a compreensão das pessoas sobre o que se passa em seus contextos. Nesse processo histórico de profissionalização, o jornalismo se estruturou como atividade composta por um polo econômico e um polo simbólico: no lado econômico, é uma empresa que busca lucro a partir da comercialização de notícias, e que precisa buscar mecanismos para se manter enquanto negócio sustentável; no lado simbólico, é uma instituição moderna, democrática, que se orienta pelos valores de liberdade de expressão, independência, justiça social, porta-voz da opinião pública e Quarto Poder. Nosso trabalho é, neste desafio, o desafio permanente de equilibrar esses dois polos, isto é, de nos firmarmos financeiramente, pensando em despesas, vendas e lucros, sem permitir influências diretas ou prejuízos dessas necessidades econômicas na responsabilidade cívica e democrática que temos junto à população. Para podermos compreender com mais profundidade as estruturas, valores e dinâmicas de atuação da nossa profissão, portanto, e assim também conseguirmos JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 23 analisar seu papel enquanto instituição social e política, vale realizarmos uma discussão adiante sobre o conceito de campo, do autor francês Pierre Bourdieu, e que muito se relaciona às reflexões sobre Jornalismo e Política. 2.1 O conceito de Campo Social, de Pierre Bourdieu Pierre Bourdieu foi, na verdade, um professor do departamento de Ciências Sociais. Seus livros, no entanto, são muito importantes para a área da Comunicação, porque ajudam a pensar como as instituições sociais, sendo o jornalismo uma fundamental delas, são atravessadas por conflitos de interesse e relações de poder. Essas ideias fazem parte da noção de Campo Social, e é sobre isso que nós vamos conversar nestas próximas páginas. De início, precisamos entender que o pensamento de Bourdieu diz que a sociedade é composta por campos, isto é: vários microcosmos sociais, que têm autonomia relativa e suas próprias lógicas, possibilidades e disputas que se chocam entre si. Podemos pensar, então, um campo como um espaço social estruturado por dinâmicas de atuação e por sujeitos, que o sociólogo chama de agentes sociais. Neste sentido, a política, a economia, a educação, a ciência, a igreja, a medicina, o próprio jornalismo, são campos sociais. São espaços formados por seus profissionais e por lógicas específicas de funcionamento – que o autor também denomina de habitus, as ações e percepções que nos ajudam a realizar nossas tarefas rotineiras, dentro das nossas posições e funções em determinado campo. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Como jornalistas, por exemplo, temos um habitus que nos orienta nos nossos trabalhos diários: um jeito de pesquisar uma informação, de fazer perguntas para as fontes, de redigir uma notícia. O destaque do pensamento de Bourdieu é que ele defende que esses campos sociais são regidos por lutas entre seus agentes internos e externos, que disputam para manter ou alterar suas posições. Todo campo social, assim, vive em estado permanente de embates, seja pelos seus indivíduos que querem ascender ou melhorar JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 24 suas funções, seja por outros campos e sujeitos de fora que também entram em conflito e discordância em razão de interesses de poder. No interior do campo dá-se uma dinâmica de concorrência e dominação, derivada das estratégias de conservação ou subversão das estruturas sociais. Em todo campo a distribuição de capital é desigual, o que implica que os campos vivam em permanente conflito, com os indivíduos e grupos dominantes procurando defender seus privilégios em face do inconformismo dos demais indivíduos e grupos (THIRY-CHERQUES, Hermano, 2006, p.39). Se puxarmos essas ideias para a nossa área, vamos assumir, então, que o Jornalismo é um campo social permeado por disputas, entre os próprios jornalistas e concorrentes, e também por outras instituições que pressionam a mídia. Nós compreendemos, portanto, que o território jornalístico é um campo heterônomo, isto é, não é plenamente autônomo, mas um microcosmo, ou um pequeno mundo social que se insere no interior de um mundo social mais amplo. O Jornalismo, deste modo, dentro das reflexões de Pierre Bourdieu, é um campo de autonomia muito fraca, porque é suscetível a efeitos de “intrusão” diversos: pressões políticas, comerciais, mesmo culturais. O seu trabalho, consequentemente, e as próprias notícias, serão produções configuradas por essas influências: das várias forças que jogam dentro do campo jornalístico e fora dele, e que se mostram no nível das empresas, de outras instituições, do sistema ideológico no qual estamos inseridos. Aqui, considerando de maneira mais específica a relação entre Jornalismo e Política, precisamos entender que essas duas áreas são campos sociais, regidos por suas próprias lógicas, agentes, interesses e habitus. Cada um desses espaços atua e funciona para conservar seus privilégios, o que é bom e corresponde às suas necessidades e demandas específicas. O campo político, por exemplo, é formado por autoridades do poder Executivo, Legislativoe Judiciário, seus assessores e partidos, e tem a sua própria agenda: projetos de governo, convicções ideológicas, posições econômicas, ambientais e culturais, propostas de lei e de reformas, decisões sobre orçamento e investimentos. Dentro do próprio campo político, há disputas de poder: entre vereadores ou deputados, senadores, prefeitos, governadores, secretários e ministros. Fora do campo também: com outras instituições financeiras, sindicatos, movimentos sociais, eleitores, profissionais da saúde, do comércio, das indústrias, do transporte e da própria imprensa. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 25 ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Diariamente, vemos os conflitos entre políticos nas sessões parlamentares e Comissões de Inquérito, como a atual CPI da Covid-19, em que os agentes se confrontam por diferenças de posicionamento e opinião para demarcarem seus interesses governistas ou de oposição, e, assim, pressionarem uns aos outros em favor dos interesses em jogo. Além das disputas internas ao campo, observamos esses políticos em conflito com profissionais da saúde, por exemplo, no caso da Covid-19, e mesmo com outros setores da economia e do jornalismo. O campo jornalístico, como já vimos, tem, em sua configuração interna, o equilíbrio difícil entre os polos econômico e simbólico, ou as demandas financeiras e os valores e ideias de atuação, e além dessas disputas, ainda lida com relações diversas com outros setores da sociedade. Podemos pensar, por exemplo, em um nível mais restrito e pessoal, no jornalista que está exposto a diferentes situações. Cada um tem suas características particulares, de identidade, de gênero, de classe social, de etnia, de origem demográfica, de crenças religiosas, e nosso trabalho é nos valermos desses aspectos como potencialidades e não fraquezas. Para que nos ajudem em um relacionamento ético, respeitoso, honesto com as fontes e com as realidades com as quais entramos em contato, e não de forma preconceituosa. Em um nível mais amplo, de organização jornalística, consideramos que cada empresa tem suas próprias políticas e modos de conduzir suas regras e funcionários, algumas com estruturas mais rígidas, como parte de grandes corporações, outras mais segmentadas, orientadas a finalidades público-sociais. De todo modo, enquanto organização, o jornalismo lida com muitos fatores externos, que podem influenciar e até limitar suas ações: a audiência, os anunciantes, os relações públicas, e os próprios governos são apontados como grupos de interesse em uma dimensão extra-midiática, ou de conflitos entre campos sociais, que adquirem fôlego produção de informação. O Estado pode, aqui, exercer suas pressões de forma mais direta, através de financiamentos e publicidade oficial, leis e regulações de mídia, processos judiciais, licenças e impostos taxados aos meios de comunicação. Além disso, como é uma fonte importante de poder, pode atuar de forma indireta, mas ainda assim buscando uma influência sobre os jornalistas: permitindo o acesso JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 26 ou não a dados e eventos políticos, concedendo ou não entrevistas para determinadas emissoras ou repórteres, realizando críticas e ataques à cobertura da imprensa ou ao trabalho jornalístico. É claro, com efeito, que os diferentes poderes, e em particular as instâncias governamentais, agem não apenas pelas pressões econômicas que estão em condição de exercer, mas também por todas as pressões autorizadas pelo monopólio da informação legítima – especialmente das fontes oficiais. Em primeiro lugar, esse monopólio proporciona às autoridades governamentais e à administração armas na luta que as opõe aos jornalistas e na qual tentam manipular as informações ou os agentes encarregados de transmiti-las, ao passo que a imprensa tenta, por seu lado, lidar com os detentores da informação para tentar obtê-la e assegurar para si sua exclusividade (BOURDIEU, 1997, p. 103). ISTO ESTÁ NA REDE Temos exemplos de filmes e séries que retratam, a partir de episódios reais, a relação próxima, e muitas vezes conflituosa, entre o Jornalismo e a Política, e que ajudam a compreender que essas instituições são campos sociais permeados por interesses e jogos de poder. Aqui vão algumas sugestões: • Bombshell: o Escândalo (2019) • Contra a parede (2018) • The Post: a Guerra Secreta (2017) • Spotlight: Segredos revelados (2015) • Borgen (2013) • Frost/Nixon (2008) • Todos os Homens do Presidente (1976) O entendimento sobre o Jornalismo enquanto Campo Social nos ajuda a perceber que a nossa profissão está continuamente em relação com outras instituições, especialmente a Política, e que são muitos os constrangimentos que estão em jogo quando exercitamos nossas funções, no desafio de buscar a verdade dos fatos, fiscalizar os poderes instituídos e denunciar as irregularidades e problemáticas sociais. Essas reflexões nos ajudam a ponderar, por fim, sobre o que nos cabe no dia a dia para resistirmos a tantas pressões e zelarmos pelo nosso compromisso público com a democracia. Em países com tradições históricas ditatoriais, a conquista de JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 27 uma autonomia para informar envolve um embate muito mais duro, longo e, por vezes, fatal, em que a resistência pela liberdade de expressão é travada constante e coletivamente. Mesmo em contextos democráticos, existem restrições que interferem na livre iniciativa de jornalistas e em constrangimentos de gestão, de mercado e de ideologias, conforme vimos anteriormente. É por isso que devemos pensar na nossa autonomia profissional como sendo um valor continuamente negociado dentro da prática noticiosa diária. Essa autonomia não pode ser pensada como uma entidade estável, absoluta e permanente, porque precisa ser sempre conquistada, nas interações entre executivos, editores, repórteres, fontes, anunciantes, audiências e membros do governo. Quando nós pensamos no trabalho jornalístico, portanto, é importante que consigamos retomar essa discussão. Nós nos fizemos enquanto profissão, de forma mais estabelecida, no século XIX, na esteira das mudanças provocadas pela Revolução Industrial, em suas reconfigurações tecnológicas e sociais. A partir daí, crescemos enquanto atividade comercial, centrada na busca pela informação, no desenvolvimento de técnicas e valores específicos, com a incorporação de agências de notícia, anúncios publicitários, cursos de ensino superior e associações e sindicatos para defender nossos interesses e direitos de atuação. Com o avanço da Modernidade, nos tornamos uma instituição social, que Pierre Bourdieu denomina com o conceito de Campo. Somos um campo que dispõe de legitimidade, reconhecimento e prestígio social. Nos afirmamos como um ofício que defende as liberdades e cobra diferentes setores de acordo com as necessidades e demandas da população. Enquanto campo, enfrentamos disputas internas, entre os nossos polos econômico e simbólico, jornalistas e concorrentes, e também embates externos, com agentes de outras instituições sociais, especialmente do campo político. Se as pressões das esferas do poder se manifestam de formas diversas na mídia, por mecanismos de legislação e repasse financeiro, ou mesmo de relacionamento mais aberto ou complicado com os jornais e jornalistas, nosso dever é o compromisso com uma autonomia profissional, que nos permita trabalhar de modo mais independente possível, para que as notícias não sofram interferências de grupos políticos. Essa autonomia é uma conquista diária, e é importante conhecer o panorama da relação entre Jornalismo e Política, que se constrói ao longo do tempo, para entendermos sobre os desafios e responsabilidades do nosso ofício. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 28 ANOTE ISSO Se até o século XVIII, a imprensa tinhacomo característica um caráter político- partidário, e com a ascensão da burguesia houve uma virada em sua atuação por um intermédio junto à Esfera Pública, o século XIX fortalece um trabalho atrelado à informação e às notícias e o processo de profissionalização do jornalismo. Somos, a partir daí, uma instituição ou campo, com nossas próprias disputas e funções para o desenvolvimento do todo social e, de maneira especial, do sistema democrático. No próximo capítulo, adentraremos o século XX para conversarmos sobre a relação que se intensifica entre Jornalismo e Política, por meio das visibilidades que disputam. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 29 AULA 3 AGENDAMENTO POLÍTICO E VISIBILIDADES MIDIÁTICAS Esta é a terceira aula da nossa disciplina de Jornalismo Político e, a partir de agora, nossas conversas já terão um direcionamento mais atual. Ainda estamos dentro de reflexões de cunho mais teórico, com o objetivo de realizar uma contextualização sobre as relações históricas entre essas duas atividades essenciais para a vida em sociedade e o sistema democrático. Todavia, a nossa linha do tempo já alcança um período histórico mais próximo da realidade: o século XX e a emergência dos meios de comunicação de massa, sobretudo o rádio e a televisão. Nas nossas duas aulas anteriores, nossa discussão buscou entender como o jornalismo foi se estruturando como profissão e tomando a forma que nós conhecemos, com suas dinâmicas e valores. Desde aí, o nosso foco se orienta para a importância crescente que a imprensa, as emissoras de rádio e televisão foram conquistando especialmente a partir de meados de 1950. Nosso conteúdo aqui, por isso, vai tratar da intensificação da relação entre Jornalismo e Política, no contexto da sociedade de massas do século XX, pelas noções de agendamento e de visibilidade midiática. Com isso, nós poderemos analisar o papel político que o jornalismo tem enquanto instituição, sendo inclusive compreendido como ator político, e os impactos da informação e da cobertura das notícias para as decisões coletivas e a opinião pública. O autor inglês Roger Silverstone, em seu livro Por que estudar a mídia (2002), defende que devemos encarar o jornalismo como um campo que tem poder e, por isso, também uma atuação política. A mídia pode influenciar e mudar o processo político, pode enganar e destruir reputações, pode capacitar e esclarecer as pessoas, pode mudar o equilíbrio de forças entre o Estado e os cidadãos. Isso porque o seu trabalho, ao lidar com a informação, é o de criar e sustentar significados. É o de construir representações: “a habilidade de apresentar, revelar, explicar; assim como a habilidade de conceder acesso e participação” (SILVERSTONE, 2005, p. 263). JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 30 O jornalismo tem o poder de escutar outras pessoas, de falar e de ser ouvido pelo público e, deste modo, de despertar pensamentos, compreensões, opiniões, atitudes. Precisamos estudar a mídia por toda essa capacidade de se relacionar com as fontes de poder e de também exercer poder. Se, no passado, principalmente até metade do século XVIII, pensávamos na função política da mídia como uma função de dominada, já que ela era tomada como instrumento que servia a interesses e causas partidárias, o avanço de sua profissionalização e de adventos técnicos como o rádio e a televisão posicionaram o jornalismo dentro de um novo horizonte – de massa, de amplo alcance, por uma difusão muito mais veloz do que o que se tinha até então. A mídia se converteu em parte dos nossos dias e dos nossos processos. No decorrer do século XX, ela foi deixando de ser um apêndice e se tornando uma instituição fundamental. No café da manhã, homens e mulheres iniciavam suas rotinas com a leitura dos jornais. Durante o dia, escutavam as chamadas de rádio e, à noite, se reuniam na sala após o jantar para assistirem as principais notícias na televisão. Os meios de comunicação foram conquistando uma centralidade na vida social, de modo a se assumirem como força cultural e política. Pela disseminação de informações, o jornalismo tem a capacidade de incluir e excluir ao mesmo tempo, de possibilitar e impedir, de criar novas desigualdades e eliminar antigas, de promover declínios de imagem e alavancar reputações e novos postos sociais. As nossas decisões e ações, também em nível político, da escolha de representantes e avaliação de políticas públicas, por exemplo, articulam-se cada vez mais com esses veículos de informação. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Quando discutimos o poder do jornalismo, inclusive como forma de pensarmos em sua responsabilidade ética junto às pessoas, é comum revisitarmos o caso que ficou conhecido como “Escola Base”. Em 1994, os donos de uma escola infantil de São Paulo e o motorista do transporte escolar que prestava serviço para essa instituição foram acusados de assédio sexual por duas mães. A cobertura jornalística de grandes veículos da imprensa brasileira à época foi parcial e precipitada, e mesmo sem provas contundentes acerca do crime acabou gerando na opinião pública revolta e comoção, o que acarretou no encerramento das atividades da escola em seguida. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 31 ISTO ESTÁ NA REDE Mais detalhes sobre o caso podem ser acessados neste link, bem como a recomendação de leitura da obra de investigação do jornalista Emílio Coutinho: https://shortest.link/1l4T O século XX foi, assim, marcado por essa reorganização dos nossos processos de aprendizagem, de conversação cívica e de mobilização. Nós passamos a ter acesso, com a mídia de massa, a uma diversidade extensa de imagens e fluxos de notícia sobre as instâncias governamentais, culturais, os conflitos e assuntos coletivos. Nossos debates, como já vimos através do conceito de Esfera Pública, de Habermas, em nossa primeira aula, extraem elementos de reflexão das publicações dos jornais. Nosso imaginário está todo perpassado pelos conteúdos que consumimos, principalmente em audiovisual, desses canais de comunicação. Por isso, há uma função importante do Jornalismo que merece destaque nesta nova aula, já que estamos tratando do protagonismo e poder crescente da mídia em nossas vidas e, especificamente, no universo político, que é a do Agendamento Midiático. Vamos, então, seguir por essa temática nas páginas adiante. 3.1 O conceito de Agendamento Midiático, de Maxwell McCombs e Donald Shaw Dentro das Teorias do Jornalismo, que se desenvolveram com intensidade nos centros acadêmicos a partir da década de 1960, a Teoria do Agendamento tem muita aderência para se pensar em Jornalismo Político. Nós sabemos que, todos os dias, são muitos os fatos que tomam lugar na realidade social. Entretanto, é uma amostra relativamente pequena deles que conta com potencial noticiável, isto é, que de fato se converte em notícia e é veiculada pelos meios de comunicação. Isso porque, na prática, o jornalismo precisa realizar um processo de seleção ao fluxo de temas e ocorrências diárias, por questões editoriais, econômicas e ideológicas, e se orienta, para tanto, em critérios bem estabelecidos na cultura profissional construída desde meados do século XIX. Esses critérios são conhecidos em nossos estudos como valores-notícia e, segundo Nelson Traquina, abordam a novidade, o inesperado, a relevância, a notoriedade, a proximidade, a morte e o conflito. Não faz parte desta nossa aula aprofundar essa discussão, que é objeto de ensino de outras disciplinas, mas é importante retomarmos https://shortest.link/1l4T https://shortest.link/1l4T JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 32 essa ideia de seleção de noticiabilidade para compreendermos que a mídia trabalha, todos os dias, realizando escolhas – sobre o que será ou não será notícia, e como essas notícias serão tratadase divulgadas. O teórico espanhol Miguel Alsina, em seu livro A construção da notícia (2005), explica que toda escolha é também uma forma de omissão, o que nos leva a ponderar que, nas coberturas jornalísticas, determinados acontecimentos e aspectos da realidade recebem destaque de transmissão e outros não, são descartados. Esse processo pode ser descrito como um jogo de soma zero: como o espaço da mídia é limitado, o tratamento de um tema no jornalismo implica a ausência de outro na cobertura. A partir daí, os teóricos têm se colocado para pensar sobre quais seriam os efeitos que a mídia de massas, e esses tratamentos seletivos, têm sobre o público e suas formas de conhecer o mundo. De maneira específica no universo político, que é a nossa área de interesse, os estudos de Maxwell McCombs e Donald Shaw merecem maior detalhamento. Em 1972, esses dois professores norte-americanos publicaram um artigo para esclarecer sobre as implicações que a limitação de temas têm sobre a política nacional em geral e também sobre os eleitores, com o título “The agenda-setting function of mass media”. Neste trabalho, os autores realizaram uma pesquisa de opinião junto a 100 pessoas da pequena cidade de Chapel Hill, na Carolina do Norte, durante o contexto de campanha eleitoral americana de 1968, com a disputa entre o candidato republicano Richard Nixon e o democrata Hubert Humphrey. O questionário buscava identificar a importância que os entrevistados davam aos assuntos políticos que vinham sendo debatidos à época. Para desenvolver uma análise comparativa, McCombs e Shaw fizeram um estudo paralelo, com o objetivo de definir quais eram os temas de maior destaque na mídia norte-americana naquele período, nas televisões, jornais e revistas políticas. A partir de um cruzamento dos resultados dessas duas pesquisas, os autores concluíram que há uma relação muito próxima entre a importância que as pessoas conferem a determinados temas e a cobertura realizada pelos meios. Os leitores aprendem não só sobre um determinado assunto, mas também sobre quanta importância dar a esse assunto a partir da quantidade de informação em uma notícia e sua posição. Ao reportar o que os candidatos estão dizendo durante a campanha, a mídia de massa pode muito bem determinar a questões importantes, isto é, a mídia pode definir a agenda da campanha (MCCOMBS e SHAW, 1972, p.176). JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 33 Nós podemos resumir a centralidade da Teoria do Agendamento em uma frase célebre, do historiador norte-americano Bernard Cohen (1963), que acabou servindo de hipótese para a realização dos estudos de McCombs e Shaw: “a imprensa não tem muito sucesso em dizer para as pessoas o que elas têm que pensar, mas sim é bem-sucedida em dizer para seus leitores sobre o que eles têm que pensar”. Em outras palavras: nós não temos como afirmar, com precisão, o que exatamente cada indivíduo pensa, e se é a mídia quem determina esse pensar. Essa visão seria muito reducionista, como assumirmos que os meios são manipuladores e que as pessoas não têm autonomia e capacidade para elaborarem suas próprias reflexões e posições em relação à realidade. No entanto, nós temos como indicar, de acordo com a Teoria do Agendamento, que a mídia nos diz sobre quais assuntos pensar, isto é, quais são os temas relevantes e que têm importância para a nossa vida coletiva. Essa é a ideia de agendar: o jornalismo pauta temas na discussão pública, lança os fatos em nosso imaginário e, assim, acaba influenciando em nosso mapa cognitivo – o nosso conhecimento sobre o que se passa ao redor. Na definição de Malena Rodrigues (1997, p. 30), a Teoria do Agendamento nos mostra que “os eleitores aprendem não só o factual, mas o grau de importância de um assunto, através daquilo que eles leem ou veem”. Neste sentido, se destaca uma correspondência entre o conteúdo divulgado pelos meios e o que uma população considera como tema-chave de uma eleição – por exemplo: corrupção, desemprego, saúde, mobilidade urbana. Isso porque o jornalismo passa a ter um protagonismo crescente a partir da metade do século XX. Nosso repertório sobre o que se passa na arena política, e em outras, só se dá pela mediação dos meios de comunicação – que nos atualizam com frequência sobre os dados, pessoas e eventos que compõem a cena social e, consequentemente, influem na configuração do debate público. A agenda de assuntos pautada pela mídia, deste modo, se articula com a tematização considerada relevante para a opinião pública. É comum, ainda, na tradição desses estudos que buscam analisar influências e efeitos entre o campo jornalístico e político, lançar a questão sobre “quem influencia quem”, isto é: seria o jornalismo o principal agente responsável por orientar as discussões políticas, ou seriam as fontes oficiais que estabelecem a agenda dos meios de comunicação? JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 34 ISTO ESTÁ NA REDE Em 2012, o Instituto FSB Pesquisa publicou dados que mostram que os deputados brasileiros, independentemente de sua associação partidária, consideram a mídia como muito importante para a tomada de decisões dos votos na esfera do Poder Legislativo Federal. Sabemos, de igual modo, como tivemos a oportunidade de abordar na aula anterior, que as autoridades políticas exercem peso e pressão sobre a instituição jornalística, também sendo capaz de conduzir entrevistas, matérias e coberturas informativas. Como as atividades jornalística e política têm uma relação de confrontação mútua, e estão a todo momento em contato e circundando as mesmas zonas de interesse, e isso até como evidência histórica, tal qual já assinalamos em nossos primeiros encontros, mais vale pensar na Teoria do Agendamento como um processo circular. Isso quer dizer que as agendas midiática e política se retroalimentam, e que os interesses de cada campo ocupam um lugar central na definição dos efeitos desse agendamento. O processo é, portanto, constante, recíproco e simultâneo. Não há como afirmar a predominância de uma instituição sobre a outra. Como esses universos são campos sociais, de acordo com a noção que discutimos de Pierre Bourdieu, estão todos atravessados por relações de poder e jogos de interesse. Existe uma disputa permanente entre cada arena para conservar seus privilégios, demandas e funções. O jornalismo, enquanto atividade que assume por papel reportar a verdade dos fatos e fiscalizar as ações do Estado, empenha-se em desvendar irregularidades e abusos de poder, incomodar e pedir contas aos agentes políticos. As instâncias governamentais, cientes do trabalho e dos compromissos da imprensa, atuam para evitar problemas de imagem e reputação, denúncias de escândalo e desvios de conduta que possam prejudicar seus desempenhos públicos. As interações entre os campos, então, se travam sem trégua ou protagonismo. ANOTE ISSO A Teoria do Agendamento, proposta por Maxwell McCombs e Donald Shaw, resulta de uma pesquisa de opinião realizada junto a eleitores norte-americanos, em 1968, e identifica uma correspondência entre os assuntos de interesse desses indivíduos e a cobertura jornalística realizada naquele momento. A partir dela, é possível indicar que a mídia tem um papel importante em dizer para as pessoas sobre quais temas elas devem pensar. Isso não significa que o Agendamento Midiático se sobrepõe à arena política. A noção de campo, de Pierre Bourdieu, nos ajuda a lembrar que as instituições política e jornalística estão sempre em disputa, de forma que o processo do Agendamento é também circular, simultâneo e permanente. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 35 Nestas reflexões, também podemos identificar pontos em comum para com o conceito de Esfera Pública, do filósofo JürgenHabermas, temas de nossa primeira aula, quando ainda conversávamos sobre as relações históricas entre Jornalismo e Política no século XVIII. Já naquele momento, tivemos a oportunidade de ver o papel que os jornais não-oficiais conquistavam, por demanda da própria burguesia, enquanto canal para dar publicidade aos atos do governo e, assim, fomentar a formação de uma opinião pública. A Teoria do Agendamento se insere neste sentido, para consolidar o entendimento de que existe um contato de influência entre a cobertura dos meios e os assuntos que pautam o interesse das pessoas – consequentemente, que aparecem no espectro das conversações sociais, que como assinalou Habermas, podem ser de Esfera Pública episódica, Esfera Pública de presença organizada e Esfera Pública abstrata. A conexão entre essas duas discussões, do Agendamento e da Esfera Pública, nos ajuda a aprofundar nossa compreensão sobre a mídia de maneira mais completa. A partir disso, nos cabe destacar a importância de assumir o Jornalismo como uma Esfera de Visibilidade. Apenas com os estudos de Habermas nós não podemos definir que a mídia, por si, é uma Esfera Pública. Nós sabemos, conforme indica o conceito de Esfera Pública abstrata que, atualmente, a mídia tem se tornado ambiente para muitas discussões e debates públicos – nas redes sociais digitais, nos aplicativos de mensagens. No entanto, a mídia sozinha não é capaz de gerar uma conversação crítica, com razão comunicativa e argumentação. Isso porque o polo da recepção, dos indivíduos que consomem as notícias, dos leitores ou telespectadores que leem ou assistem a um jornal, é imprevisível. Nós não temos como assegurar o que acontece quando cada pessoa está exposta ou em contato a um veículo de informação. Ela pode estar prestando atenção ou não, estar interessada no conteúdo ou não, querer repercuti-lo com colegas depois ou não. Por exemplo: pode ser que você goste muito de Direito e esteja sempre ligado nos projetos de lei votados na Câmara dos Vereadores da sua cidade. Você consome conteúdos sobre o assunto e conversa sobre eles com algum familiar ou colega de trabalho. Neste caso, perceba que a mídia está fornecendo dados e elementos para a discussão que você realizará mais tarde. Ou seja, ela está contribuindo, impulsionando a formação de uma Esfera Pública episódica: agendando temas sobre os quais pensar e abrindo vias para você problematizá-los em outras ocasiões, nos seus círculos de convivência. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 36 Entretanto, pode ser que você não se desperte para esse tipo de assunto. Que você assista ao telejornal diário da sua cidade, com interesse em ver matérias de Cultura ou de Esportes, por exemplo. Aí, então, as notícias sobre as sessões de vereadores e a legislação do seu município passaram despercebidas para você. Elas serão veiculadas, mas não ficarão retidas em seu pensamento. Consequentemente, não serão capazes de gerar um diálogo, de iniciar uma estrutura comunicativa ou uma Esfera Pública. Percebam, assim, que o Jornalismo, em si mesmo, não consegue, sempre, configurar plenamente uma Esfera Pública. A dinâmica da imprensa pode estimular os cidadãos a reivindicarem participação política e exercerem pressão sobre os poderes. Enquanto instituição que divulga informações, o seu papel é fundamental para a constituição da Esfera Pública, mas não é absoluto. Por isso, neste momento do curso, é importante que façamos uma distinção entre “Visibilidade midiática” e “Esfera Pública”, na linha do que sugere a autora brasileira Rousiley Maia (2003). Entendemos Esfera Pública, dentro do pensamento de Habermas, como uma estrutura ou rede de ação comunicativa, que se forma sempre que há discursividade, diálogo e argumentação entre sujeitos em reuniões ou associações. A mídia, neste sentido, como destacamos anteriormente, é na verdade um fórum potencial na sociedade – o que significa dizer que ela pode ou não fomentar uma Esfera Pública, na medida em que difunde conteúdos, tanto em relação à política institucional quanto ao universo público em sentido amplo, que oferecem material para a discussão e ação dos cidadãos, para o próprio sistema democrático. Quando dizemos, portanto, que mais vale assumir o jornalismo como um espaço, ou esfera, de Visibilidade midiática, queremos reforçar que é a mídia que torna a vida social e política “visível, acessível, disponível ao conhecimento e domínio público” (GOMES, 1998, p.08). Essa oferta de informações ao conhecimento comum pode ou não gerar uma rede comunicativa, de troca de argumentos. Tornar um tema visível é, antes de tudo, conferir-lhe existência. E essa é uma das condições para que um processo comunicativo seja estabelecido. [...] É o primeiro passo para o estabelecimento de um processo comunicativo entre os sujeitos (MAFRA, 2006, p. 37). Neste sentido, nós atribuímos aos meios de comunicação a função de fazer conhecer os acontecimentos, instituições e sujeitos sociais às pessoas, considerando a mídia como uma espécie de referência à existência social – que podemos resumir em uma JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 37 frase de sentido comum ‘o que existe é o que está na mídia’. Essa é uma discussão importante para as Teorias do Jornalismo, e suas relações com o campo político, porque justamente nos coloca para pensar sobre como o jornalismo constrói a realidade, a partir das escolhas que realiza e dos fatos e representações que faz circular em domínio coletivo. No início da aula, nós abordamos a reflexão de que o jornalismo aciona procedimentos para selecionar os fatos que serão noticiados, já que não é possível dar conta de todas as ocorrências que tomam lugar no nosso dia a dia. Para a autora brasileira Marcia Benetti (2004, p. 161), a razão de ser do jornalismo é justamente essa: “dar aos fenômenos sociais o estatuto de acontecimento, segundo critérios de notabilidade”, e articular, com sua prática, “a percepção de fenômenos e a construção discursiva de acontecimentos”. Esse entendimento pode parecer simples e lógico, mas é muito importante para podermos fazer problematizações acerca da atuação da mídia. Isto é, precisamos falar sobre visibilidade midiática para também discutirmos o silenciamento midiático, que é o seu oposto e também uma forma de Agendamento. ANOTE ISSO A discussão sobre a Teoria do Agendamento pode ser conectada ao conceito de Esfera Pública de Habermas. A mídia, em si mesma, não é uma Esfera Pública, mas é capaz de fomentar estruturas comunicativas a partir da dinâmica de Visibilidades, isto é: ao tornar visíveis determinados temas, o jornalismo pode gerar debate público e pode também pautar, ou agendar, a tematização de diálogos entre as pessoas e instituições sociais. Nesta linha de raciocínio, tal qual pensamos em Visibilidade e Agendamento, podemos pensar em não-Visibilidade, ou Silenciamento, e não-Agendamento. É importante, então, destacar que quando a mídia não veicula determinados fatos ela deixa de agendar determinadas conversas, ou então, agenda debates sobre assuntos distintos, podendo limitar ou mesmo simplificar o mapa cognitivo coletivo e a opinião pública. Nós precisamos estar muito atentos a esses jogos de visibilidade e silenciamento, principalmente no que diz respeito às questões políticas, para entender as responsabilidades e falhas éticas do jornalismo nas coberturas informativas que desenvolve. JORNALISMO POLÍTICO PROF.a TAYANE AIDAR ABIB FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 38 O que o jornalismo não diz, as angulações que ele descarta, as vozes que ele ignora – ou a forma como ele marginaliza o que parece perigoso e acomoda o diferente na ordem de um regime discursivo – terminam por estabelecer, indiretamente, um suposto consenso social (BENETTI, 2004, p. 161). Se um jornal deixa de noticiar algum acontecimento, ou se deixa de entrevistar alguma personalidade,
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