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Padre Pio_ O mistério do Deus próximo - Saverio Gaeta

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ÍNDICE
Capa
Rosto
Apresentação
PRIMEIRA PARTE - A VIDA
Sob o olhar de São Francisco
Uma vocação precoce
A primeira bilocação
Sacerdote e vítima
Em diálogo com Francisco
O surgimento dos estigmas
As suspeitas dos céticos
Intervenção do Santo Ofício
Uma casa para os sofredores
A festa dos últimos dias
SEGUNDA PARTE - A MENSAGEM
Jesus e Maria no centro de tudo
Os sustentáculos da Missa e do rosário
Portador de almas a Cristo
Um pobre frade que reza
A purificação do sofrimento
Aprender a carregar a cruz
TERCEIRA PARTE - A ATUALIDADE
O seguro de vida... eterna
A visão dos seus “filhos”
Perto dos vivos e dos mortos
A herança da oração
Um olhar sobrenatural
Os milagres da santidade
Coleção
Ficha Catalográfica
Notas
3
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APRESENTAÇÃO
Laura Bellomi entrevista o ator Sergio Castellitto
“Eu ainda sonho com ele; a sua forma de viver sem desprezar o destino provoca,
continuamente, questionamentos dentro de mim.” Vários anos após o filme Padre
Pio, produzido por Angelo Rizzoli, pela Videotrade Audiovisivi e transmitido na
Itália no ano 2000, o ator Sergio Castellitto não esqueceu o frade de Pietrelcina. Pelo
contrário, ainda sente uma enorme familiaridade com ele.
Castellitto, quem é padre Pio para você?
“Um homem. Um homem da terra, capaz de chorar, que se tornou um homem de
Deus, do Céu. Um homem que me marcou tanto que ainda sinto a sua presença perto
de mim. Nos sonhos, muitas vezes, os significados passam através de um pedaço de
pão, um passeio, mas depois tenho sempre a sensação nítida de ter tido alguma
relação com ele. Interpretar padre Pio me transformou. O filme se tornou uma ocasião
preciosa para eu me embasar, ler livros, falar com pessoas que o tinham conhecido. E
assim, é como se tivesse nascido uma aproximação especial... Pode parecer
desrespeitoso, mas me senti escolhido por ele.”
Como se o tivesse chamado... Para você, então, interpretar padre Pio não foi só um
trabalho?
“Na minha profissão, representar nunca pode ser apenas um trabalho. Interpretar
padre Pio foi um caminho dentro da espiritualidade, além das convicções religiosas,
das perguntas que cada um de nós se coloca.”
Quando padre Pio morreu, em 1968, você tinha 15 anos. Do que você se lembra?
“Eu era muito jovem. Mas padre Pio sempre me foi familiar; somos ambos do Sul
da Itália: ele era da província de Benevento; a minha família, de Campobasso. Eu
conhecia a sua popularidade, contada pela minha mãe e pelas minhas irmãs. Não
chegava a ser seu devoto, mas era fascinado pela sua figura e pela devoção natural,
incondicional, que ele conseguia despertar em todos. Padre Pio era como o pão da fé,
sobretudo para os últimos.”
Depois, no ano 2000, você interpretou o frade, a partir dos vinte anos até a sua
morte. O que você pensou quando lhe propuseram este papel?
“Eu me recordo bem daquele dia: percebi logo que seria uma ocasião irrepetível,
porque o personagem continha em si mais do que um mistério, muito além dos
estigmas.”
Aos seus olhos, qual era o mistério de padre Pio?
“O mistério da proximidade de Deus na cotidianidade de uma vida simples, rústica.
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Padre Pio não experimentou a fé só como luz e inteligência, mas também como
concretude física. Isso o tornava e o torna muito humano, próximo.”
O que você fez para conhecer melhor Francisco Forgione, que se tornou o
capuchinho frei Pio?
“Passei alguns dias em Morcone, o primeiro convento, onde ele fez o noviciado, e
onde recebeu o nome de frei Pio. Eu desejava saborear os hábitos de vida e as regras,
a paisagem formada pelos campos, silêncio e auroras, para tentar entender como tinha
vivido o frade.”
Que responsabilidade você sentia ao representar um homem tão extraordinário?
“A expectativa do público era altíssima: um daqueles casos em que se é obrigado a
estar à altura, senão se é devorado”.
Você se sentia à vontade com túnica e cordão?
“Eu sentia a túnica não como uma vestimenta, mas como o meu corpo. Eu me
lembro da lã áspera, que não aquece. Ao cordão, que padre Pio usava também para
dar pequenos açoites, eu me sentia apegado por simbolizar a essencialidade.”
Foi difícil para você apropriar-se dos óculos, da barba e do caminhar cansado do
frade?
“Interpretar padre Pio na velhice exigiu de mim um grande trabalho sobre o corpo.
Perdi vários quilos e para entender a dor que ele sentia ao caminhar, coloquei
pedrinhas nos sapatos... A elaboração do sofrimento fez o resto. Um dia fui
submetido a cinco horas de maquiagem para envelhecer. No final, quando me olhei
no espelho, na penumbra, tive o privilégio de me ver no fim da vida, com uma
semelhança incrível ao meu pai.”
Como foi a sua relação com os estigmas?
“Eu os aceitei como um mistério. Depois de tudo, o próprio padre Pio dizia: ‘São
um mistério para mim mesmo’. Eu partilhava a reação humana de padre Pio, que
diante das feridas sentia medo e se perguntava: ‘por que logo comigo?’.”
Você se sentia mais próximo do padre Pio jovem ou idoso?
“A fase madura da vida de padre Pio tem uma potência enorme, sobretudo pela
forma como atraiu as pessoas. Interpretando o padre Pio agonizante, me dei conta da
sua capacidade de cativar ainda hoje, e da qual eu era, então, apenas o mediador.
Lembro-me de que, depois de ter gravado a cena da última Missa, da qual existem
documentários impressionantes, um assistente de direção que se declarava ateu me
disse que tinha ficado profundamente comovido.”
Durante as gravações, você esteve por muito tempo em San Giovanni Rotondo,
onde o frade viveu por mais de cinquenta anos e onde morreu. Quais emoções evoca
esse lugar?
5
“San Giovanni é um lugar extraordinário: emana ainda o mistério e a grandeza do
frade.”
Apesar do comércio que se desenvolveu ao redor do santuário?
“Sim, eu me refiro em particular à Casa Alívio do Sofrimento, que é o legado maior
do frade. Não em termos de estrutura hospitalar, que é certamente muito importante
para o Sul da Itália, mas pela mensagem: o homem que baseia toda a sua existência
sobre a resignação ao sofrimento é o mesmo homem que constrói um hospital como
lugar para cuidar da alma e do corpo. Um gesto revolucionário, mesmo que, aos olhos
de muitos, padre Pio possa parecer tudo menos um revolucionário.”
Há quem diga que com padre Pio o catolicismo corria o risco de voltar à Idade
Média. Qual a sua visão sobre a relação entre padre Pio e a Igreja?
“Padre Pio foi muito vetado pelas hierarquias; os maiores obstáculos, certamente,
ele os encontrou dentro da Igreja. Pensemos, por exemplo, em padre Agostino
Gemelli [médico, conselheiro do Santo Ofício e, depois, fundador da Universidade
Católica do Sagrado Coração de Milão], que definiu o capuchinho como um
impostor. Era um “papa” que se contrapunha ao outro papado de maneira
desconcertante, surpreendente, com uma força que vinha do imenso crédito que lhe
era dado pela base. Algum problema efetivamente deve ter-lhe causado. Não acredito
que outros papas amaram padre Pio como João Paulo II.”
O filme sobre padre Pio agradaria ao papa Francisco?
“Digamos que eu ficaria muito feliz se ele o assistisse; muitíssimo, seria realmente
uma grande emoção e uma grande honra. Mas sabe, em vez disso, a quem o filme
poderia não agradar?”
Não. Quem torceria o nariz?
“Padre Pio! Ríspido como era, certamente me reprovaria em alguma coisa.”
No dia 16 de junho de 2002, quando padre Pio foi proclamado santo, que efeito lhe
provocou a canonização?
“Ver na Praça São Pedro o enorme retrato de padre Pio sendo desvelado foi uma
emoção imensa. Foi como se naquele momento o encontro entre o padre polonês e o
frade rude se concretizasse.”
Em sua opinião, por que o frade de Pietrelcina é santo?
“É santo porque o mundo o quis, o povo. É santo porque encontrou no seu caminho
outro santo, um jovem padre polonês que depois se tornaria papa. Gosto de lembrar
uma anedota da relação entre padre Pio e Karol Wojtyla: o pedido de graça do
sacerdote polonês para a amiga Wanda Póltawska e a resposta que teria dado o frade:
‘A este não se pode dizer não’. Milhões de pessoas depositaram e continuamdepositando nele suas dores e esperanças. Padre Pio foi e é como um fígado: deixa-se
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transpassar e assim filtra as dores dos outros.”
O filme “Padre Pio” foi transmitido diversas vezes na televisão italiana. Como
você se sente revendo-se no papel do frade?
“Fico muito emocionado. A última vez que revi o filme, estava comigo o mais novo
dos meus quatro filhos. César tem sete anos, e não conseguiu me reconhecer. Assistir
ao filme com ele foi o último presente daquela experiência. Os filhos maiores já o
tinham visto, e conversamos a respeito como de uma obra bonita, da qual se
orgulhar.”
Qual foi a maior satisfação que lhe trouxe interpretar padre Pio?
“Ter conseguido desmistificar o ‘santinho’ para apresentar um homem, um frade e
um santo verdadeiro na sua complexidade.”
Castellitto, você tem fé?
“Definiria a minha fé como disse, falando de si, Leonardo Mondadori [editor
falecido em 2002, que lançou como escritora Margaret Mazzantini, esposa do ator]:
acreditar sem pertencer. Acreditar nos homens, nas pessoas, na vontade de mudança
da Igreja. E é justamente a essa Igreja que tem uma centralidade absoluta na história
da humanidade e que é também a minha Igreja que peço que tenha coragem de
renovar-se, de tentar ser sempre mais à altura dos homens que, como padre Pio, a
representaram grandiosamente.”
A arte continua sendo um tipo de ponte que leva à fé, um apelo ao mistério. Com
esses pensamentos, João Paulo II, na Carta aos artistas, de 1999, explicava por que
“a Igreja precisa da arte”. Isso é verdade também hoje em dia?
“A essa pergunta teria respondido melhor Michelangelo [que por volta de 1500
pintou os afrescos na Capela Sistina, no Vaticano]. De qualquer forma, acredito que a
arte seja sempre um gesto de espiritualidade, um gesto de esperança. E justamente
porque, a meu ver, o cristianismo deveria ser uma oportunidade, uma esperança, a
Igreja tem ainda necessidade da arte.”
O que diria padre Pio ao homem de hoje?
“Ora et labora, reze e trabalhe. Onde trabalhar deve ser entendido no sentido
humano, o trabalhar sobre si mesmo e sobre a própria vida. Todos deveriam conhecer
padre Pio: crentes, ateus, adultos e jovens. Cada religião concede ao mundo grandes
homens, que no fundo dizem algo semelhante. Como Madre Teresa, padre Pio é um
deles, o seu lugar é no Pantheon dos grandes.”
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PRIMEIRA PARTE
A VIDA
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SOB O OLHAR DE SÃO FRANCISCO
Um humilde quartinho com o piso de pedra e o teto de tábuas esfumaçadas, mal
iluminado por um lampião a querosene e uma luminária de argila cheia de óleo de
oliva. Nesse quadro de digna pobreza, sobre um colchão de palha de milho, vem à luz
em Pietrelcina, no interior da Campania, a uma distância de cerca de setenta
quilômetros em linha reta do mar de Nápoles, aquele que hoje é famoso no mundo
todo como o santo padre Pio.
Eram 17 horas de 25 de maio de 1887, mesmo se no registro paroquial foi escrito
“às 22 horas”, seguindo o costume popular de começar a contagem das horas do dia a
partir do pôr do sol do dia precedente. Na manhã seguinte, foi batizado com o nome
de Francisco, pelo pároco Nicolantonio Orlando, na igreja de Santa Maria dos Anjos.
Uma comovente anedota referente a esse momento foi contada pelo próprio padre
Pio, em 22 de janeiro de 1965, aos coirmãos reunidos na sua cela, aos quais
improvisamente solicitou uma oração que o ajudasse a pedir perdão pela sua
ingratidão ao Senhor. Começou a chorar e, diante das tentativas dos coirmãos para
consolá-lo, quis fazer uma confissão pública daquilo que definiu ser um seu “grande
pecado”. E explicou: “Meus irmãos, eu errei de verdade! Tive a graça de receber o
batismo às 8 horas do dia 26 de maio. Até o dia da minha vestição religiosa, por
dezesseis anos, nunca tinha agradecido ao Senhor o dom do batismo e a graça
recebida tão cedo, depois de apenas quinze horas do nascimento. Eu errei feio, errei
feio!...”. E continuou a chorar copiosamente.
O recém-nascido era o quarto de sete filhos de Grazio Maria Forgione (1860-1946)
e de Maria Josefa De Nunzio (1859-1929), que tinham se casado em 1881. Antes dele
tinham nascido Miguel (1882-1967), Francisco (1884, morto depois de vinte dias) e
Amália (1885-1887). Depois dele vieram Felicidade (1889-1918), Peregrina (1892-
1944) e Graça, que se tornou religiosa em 1917, com o nome de irmã Pia (1894-
1969).
Desde os primeiros anos de vida, o corpo do pequeno Francisco foi um campo de
batalha sobre o qual anjos e demônios se enfrentavam com todos os meios, em uma
luta sem exclusão de golpes. Na década de 1960, uma mística teve uma surpreendente
visão, durante uma peregrinação à gruta de São Miguel no Gargano: viu o padre Pio
criança, deitado em um berço, envolvido e protegido pelas asas do arcanjo. Padre
Mariano Paladino, que havia recebido tal confidência e pensava que pudesse se tratar
de uma alucinação, contou o episódio ao coirmão e dele recebeu uma resposta clara:
“Ai de mim, se não tivesse sido São Miguel: a essa hora você teria visto padre Pio aos
pés de Lúcifer”.
Junto às consolações das aparições angélicas, o capuchinho foi perseguido desde a
infância pelas opressões diabólicas. À filha espiritual Cleonice Morcaldi ele revelou:
“Eu lembro que muitos monstros rodeavam o berço para me assustar, e eu gritava”. A
esses momentos é atribuído o episódio transmitido pelo padre Agostino de San Marco
in Lamis: “Quando Francisco estava ainda em faixas, chorava continuamente,
deixando seus pais desesperados. Certa noite, o pai não aguentava mais. Enraivecido,
pegou o menino enfaixado e o atirou na cama com fúria, exclamando: ‘Mas será que
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me nasceu um diabo em casa, em vez de um cristão?!...’. O menino, rolando sobre a
cama, veio a cair no chão, do outro lado. A mãe, vendo o filho caído e pensando que
estivesse morto, zangou-se com o marido, exclamando: ‘Você matou nosso filho!’, e
correu para pegá-lo. Por sorte, não só estava vivo, como também sem nenhuma
lesão”.
Também ao seu diretor espiritual, padre Bento de San Marco in Lamis, padre Pio
descreveu as contínuas aparições do diabo: “Minha mãe apagava a luz e muitos
monstros se aproximavam de mim e eu chorava; ela acendia a luz e eu me acalmava,
porque os monstros desapareciam. Novamente apagava a luz e eu voltava a chorar
por causa dos monstros”. Mas até de dia o pequeno era perseguido por um homem
vestido de padre, que na volta da escola o esperava na soleira da casa e não o deixava
entrar. Então, Francisco parava; surgia um menino descalço, fazia o sinal da cruz, o
padre desaparecia e ele, sereno, podia finalmente entrar.
A família Forgione vivia do cultivo de um pedaço de terra na zona de Piana
Romana, a meia hora de caminhada do vilarejo de Pietrelcina, e da criação de
algumas ovelhas, que até o pequeno Francisco, por volta dos sete anos de idade,
levava a pastar, na companhia do seu amigo coetâneo, Baldino Vecchiarino. A este se
deve a terna lembrança: “Enquanto as ovelhas pastavam, Francisco montava umas
cruzes, apoiava-as no terreno limpo, ajoelhava-se em frente e rezava devotamente.
Para o lanche, tinha sempre um pedaço de pão e um belo guardanapo branco:
estendia-o sobre o terreno, fazia o sinal da cruz e começava a comer. Depois que
terminava, repetia o sinal na fronte, dobrava o guardanapo e agradecia ao Senhor”.
Naquele período, Francisco começou também a frequentar a escola fundamental,
com o mínimo objetivo da época: aprender a ler, escrever e calcular. E exatamente
dois companheiros e uma companheira de classe combinaram de fazer-lhe uma
brincadeira maldosa, escondendo no seu bolso um bilhete apaixonado escrito pela
menina. Chamando a atenção do professor, Angelo Caccavo, disseram-lhe:
“Professor, o Francisco está namorando!”. “Não é verdade!”, replicou Francisco,
ignorando o plano dos colegas. O professor encontrou o bilhete e, ofendido e nervoso,
repreendeu o menino. Mas, no dia seguinte, a menina, arrependida do ocorrido e
desgostosa pela punição que Francisco tinha recebido, confessou a verdade.
Padre Carmelo Durante escutou padre Pio contar que, quando seus irmãos e irmãsbrigavam em casa, o pai batia-lhes e a mãe “lançava-se como uma hiena” contra o
marido, para justificar a vivacidade dos filhos. Quando, ao invés, era a mãe que batia
pelos mesmos motivos, o pai incitava a esposa no seu gesto de correção. Francisco,
porém, nunca foi repreendido pelos pais, porque geralmente se comportava bem. No
máximo, alguma vez a mãe lhe dizia: “Venha aqui, seu pequeno sem vergonha”. “Por
quê?”, lhe perguntaram. “Pequenas brincadeiras com as irmãs”, respondeu padre Pio;
como quando ele afundou a cabeça da irmã Felicidade na água, enquanto ela estava
se lavando.
10
UMA VOCAÇÃO PRECOCE
Já perto dos cinco ou seis anos, o menino sentiu a necessidade de dar-se
inteiramente a Deus, quando junto ao altar-mor da igreja paroquial teve a visão do
Coração de Jesus, que lhe fez sinal para aproximar-se e lhe colocou a mão sobre a
cabeça, mostrando apreciar e querer confirmar a oferta que Francisco lhe havia feito
de consagrar-se ao seu amor.
O pároco Salvador Pannullo contou que, desde criança, padre Pio era
particularmente propenso à oração diante de Jesus Sacramentado, renunciando ao
jogo e ao repouso. Algumas vezes, entrava em acordo com o sacristão para
permanecer fechado na igreja a noite toda. Com frequência participava da Missa com
a avó materna, Joana Maria Gagliardi, disputando com outros meninos para servir ao
altar como coroinha.
Durante toda a sua existência, padre Pio protagonizou muitíssimos milagres e
eventos sobrenaturais. Mas já por volta de 1896, aconteceu um episódio que foi
considerado por muitos o primeiro gesto da sua vida de intercessor. Na companhia do
pai, o pequeno Francisco dirigiu-se ao santuário do mártir São Pelegrino, venerado
em Altavilla Irpina (província de Avellino), onde, entre tantos devotos, havia uma
mãe que rezava ao santo para que curasse o menino disforme que carregava nos
braços. Francisco, comovido ao ver a intensidade da fé e das lágrimas, uniu-se à
oração da mulher, que, porém, a certo ponto, estourou com o santo: “Já que você não
me atende, pegue-o!”, e arremessou o filhinho sobre o altar. O menino, mal tocando o
chão, sarou, deixando surpresos e exultantes todos os presentes.
Desde quando tinha apenas dez anos de idade, Francisco desejara experimentar em
sua própria carne o que tinha sido a Paixão para Jesus. Mamãe Josefa o descobriu
certo dia, enquanto ele se flagelava as costas desnudas com uma corrente de ferro.
Perplexa, perguntou-lhe: “O que você está fazendo? Enlouqueceu?”. E o menino:
“Preciso me bater como os judeus bateram em Jesus e lhe fizeram sangrar. Eu
também quero ter as costas ensanguentadas como as teve Jesus”.
Em 1899, com onze anos de idade, como era costume naquela época, Francisco
recebeu a primeira comunhão e, em 27 de setembro do mesmo ano, o arcebispo de
Benevento, Donato Maria dell’Olio, administrou-lhe a crisma na igreja de Pietrelcina.
Era o tempo em que, como contará em um escrito autobiográfico, sentia crescer
dentro de si a dúvida sobre qual fosse o seu verdadeiro caminho: “A vocação, de um
lado, que se fazia sentir forte nesta alma, e o doce, mas falso, prazer deste mundo
começavam uma luta impetuosa entre si e talvez sim, talvez não, com o decorrer do
tempo, os sentidos teriam certamente triunfado sobre o espírito e sufocado a boa
semente do divino chamado”.
No verão de 1902, Francisco enviou ao superior da província capuchinha de Santo
Angelo (Foggia) o pedido para entrar no noviciado, mas, por falta de lugar, foi-lhe
comunicado que deveria esperar até o ano seguinte. No final de dezembro desse ano,
o jovem teve improvisamente a aparição de um homem majestoso e resplandecente
como o sol, que o conduziu em um amplo campo e o incitou a lutar contra um
espantoso ser, dizendo-lhe: “Tenha ânimo: entre na luta com confiança, avance
11
corajosamente que eu estarei ao seu lado; eu o ajudarei e não permitirei que ele o
abata”.
Que toda a sua futura existência viria a ser uma contínua luta contra o demônio,
segundo o que foi mostrado nessa visão, ele teve confirmação através de outra
iluminação puramente intelectual, em 1º de janeiro de 1903. Sua alma compreendeu
“que sua entrada na religião, para dedicar-se ao serviço do Monarca celeste, não era
nada senão expor-se à luta com aquele misterioso homem do inferno” e que “embora
os demônios estivessem presentes aos seus combates para rir das suas derrotas, por
outro lado não havia o que temer, porque aos combates estariam assistindo os seus
anjos, para aplaudir as derrotas de Satanás”.
Segundo o relato da sua sobrinha Pia Forgione, mesmo depois da partida de
Francisco aconteciam fatos estranhos na casa de Pietrelcina, com ruídos inexplicáveis
ou fragmentação improvisa de objetos. Seus familiares temiam ser arrasados por
causa de todos aqueles danos: “Então, meu pai procurou meu tio e lhe contou o que
acontecia na casa da família. E padre Pio respondeu: ‘Vê-se que aquele maligno ainda
está lá. Chamem um padre e peçam que abençoe a casa’. Assim foi feito e voltou a
tranquilidade!”.
A escolha de ingressar entre os seguidores de São Francisco tinha amadurecido nele
desde a adolescência, quando fora tocado pela figura do frade “esmoleiro”, Camilo de
Sant’Elia a Pianisi, que periodicamente passava pelos vilarejos e aldeias pedindo
doações. Certo dia, em Piana Romana, mamãe Josefa o interpelou: “Frei Camilo,
devemos fazer deste rapaz um mongezinho!”. E o frade: “Que São Francisco o
abençoe e o ajude a se tornar um bom capuchinho”. Por isso, foi grande a alegria de
ambos quando o jovem Francisco foi acolhido no convento justamente pelo porteiro
frei Camilo: “Francisco, muito bem, parabéns! Você foi fiel à promessa e ao chamado
de São Francisco!”.
Algumas solicitações tinham sido feitas, por parte dos familiares, para que ele
escolhesse famílias religiosas mais “abastadas”, como os Frades Menores de
Benevento, os Redentoristas de Sant’Angelo a Cupolo ou os Beneditinos de
Montevergine. Mas o rapaz, conforme foi transmitido pelo patrimônio familiar, tinha
as ideias claras: “Quero ser monge de Missa, monge com a barba”. Para lhe pagar os
estudos e manter a numerosa família, papai Grazio emigrou duas vezes além do
oceano: aos Estados Unidos, de 1898 a 1903, e à Argentina, de 1910 a 1917.
“Onde melhor poderei servir-te, ó Senhor, se não no claustro e sob a bandeira do
Pobrezinho de Assis?” Numa carta à filha espiritual Nina Campanile, padre Pio
indicou essas palavras como as que ele dirigira diretamente a Jesus enquanto se
interrogava sobre a própria vocação: “E ele, vendo o meu constrangimento, sorria,
sorria muito”, prosseguiu o capuchinho.
Nos primeiros dias de janeiro de 1903, Francisco obtém do prefeito de Pietrelcina o
certificado de boa conduta moral e política, e do arcebispo de Benevento, através do
seu pároco, a carta testemunhal para a entrada no noviciado. Na noite precedente à
partida, uma última visão reconfortante: “[A alma] viu Jesus e a sua mãe que, em
toda a sua majestade, começaram a encorajá-la e a assegurar-lhe a sua predileção.
Jesus, enfim, pousou a mão em sua testa, e foi o bastante para torná-la forte na parte
superior da alma, a ponto de não derramar nenhuma lágrima na dolorosa separação,
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apesar do torturante martírio que a machucava na alma e no corpo”.
No amanhecer de 6 de janeiro de 1903, Francisco foi à igreja rezar. Voltando para
casa, aproximou-se da mãe para abraçá-la, mas ela desmaiou. Logo que voltou a si,
disse-lhe: “Meu filho, perdoe-me. Sinto meu coração despedaçado, porém São
Francisco o chama, e você deve ir”. Depois, pegou um terço no bolso do avental e lhe
deu dizendo: “Este lhe fará companhia no lugar da mãe”.
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A PRIMEIRA BILOCAÇÃO
O noviciado começou no convento de Morcone, distante cerca de 30 quilômetros de
Pietrelcina, onde o rapaz foi acompanhado pelo professor Caccavo. Em 22 de janeiro,
Francisco vestiu o hábito de aspirante e recebeu o nome de frei Pio, talvez em
memória de um mártir dos primeiros séculos, venerado em Pietrelcina (mas, desde
então, festejou o onomástico em 5 de maio, festa do santo papaPio V). Muitos anos
depois, no aniversário da vestição, presentearam-lhe uma túnica de caxemira, que
padre Pellegrino Funicelli fora encarregado de fazê-lo usar durante a noite. Padre Pio,
informado do valor do tecido, rindo, contou ao coirmão: “Se estes loucos soubessem
que hábito vesti naquele 22 de janeiro da minha vestição! E que camisa! Sentia-me
raspar todo”.
Padre Livio Dimatteo, utilizando as respostas dadas por padre Pio aos exercícios
escolares sobre a Regra franciscana, desenhou a figura ideal de capuchinho: “O frade
deve ser, antes de tudo, obediente ao superior; deve amar e respeitar as leis
eclesiásticas, a Regra, as Constituições e as Normas”. Padre Pio queria então que o
frade fosse “pobre à imitação de Cristo crucificado e afastado de toda riqueza;
responsável por todos os atos que executa na própria vida, suportando as suas
consequências, às vezes penosas; bom exemplo aos outros e caridoso com os
coirmãos”.
O hábito franciscano era para padre Pio o símbolo de tudo isso. Todo ano recordava
e festejava o aniversário da vestição religiosa e a agradecia sinceramente ao Senhor.
Grande foi a sua alegria quando, em 4 de outubro de 1957, chegou ao convento de
San Giovanni Rotondo a relíquia da túnica de São Francisco. Em março de 1965, o
padre guardião, Carmelo da San Giovanni in Galdo, deu-lhe a permissão de dormir
sem hábito, dado que de noite transpirava muito. Mas padre Pio irrompeu em um
pranto copioso e entre soluços repetia: “São 62 anos e nunca deixei o hábito
religioso...”.
No noviciado, a jornada era marcada pelo silêncio, pela oração e pelo constante
sacrifício, com o objetivo de verificar quanto a vocação dos aspirantes era sólida.
Pouco tempo depois do ingresso, o companheiro Joãozinho lhe propôs saírem juntos,
já que era uma vida muito difícil. Mas Francisco respondeu: “O que você diz?
Fizemos tanto para chegar aqui e agora devemos ir embora? E o que dirão os nossos
pais e todos aqueles que nos conduziram até aqui? Ah, nunca! Devagar, com a ajuda
da Nossa Senhora e de São Francisco, nos habituaremos como fizeram os outros. E
quem sabe todos esses que estão no convento, e mesmo outros, não eram como nós?
Ninguém nasceu monge pronto!”. A exortação fez efeito, tanto que Joãozinho resistiu
e poucos anos depois se tornou padre Anastácio da Roio.
Considerado pelo padre professor, Tomás da Monte Sant’Angelo, “exemplar,
pontual na observância e exato em tudo, sem nunca dar motivo de repreensão”, no
término do ano de noviciado frei Pio — depois das necessárias três votações
favoráveis da comunidade capuchinha — foi admitido à profissão dos votos simples,
celebrada em 22 de janeiro de 1904, na presença também da mãe Josefa, que no final
lhe disse: “Meu filho, agora sim você é todo filho de São Francisco; e que ele possa
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abençoá-lo!”.
Em 25 de janeiro de 1904, três dias após a admissão aos votos religiosos, frei Pio
partiu do convento de Morcone rumo a Sant’Elia a Pianisi, primeira etapa do curso de
preparação ao sacerdócio. No início de maio desse ano, houve um encontro com o
ministro geral dos capuchinhos, padre Bernardo da Andermatt, ao qual pediu para ser
enviado em missão ao Extremo Oriente, mas o pedido não foi atendido.
Justamente em Sant’Elia a Pianisi, em 18 de janeiro de 1905, com pouco mais de
17 anos, viveu sua primeira experiência de bilocação, que ele mesmo relatou em
seguida: “Eu estava distante, em uma mansão, onde o pai morria enquanto uma
menina nascia. Então, apareceu-me Maria Santíssima, que me disse: ‘Confio a você
esta criatura; é uma pedra preciosa no estado bruto; lapide-a, burile-a, torne-a o mais
reluzente possível, porque um dia quero adornar-me com ela’. E acrescentou: ‘Não
duvide, será ela que lhe virá ao encontro, mas antes a encontrará em São Pedro, em
Roma’”. Tudo que foi preanunciado por Nossa Senhora obviamente aconteceu alguns
anos mais tarde: Giovanna Rizzani, esse era o nome da estudante que esteve na
basílica vaticana e se confessou com o capuchinho (também ali em bilocação), e que
depois o reconheceu quando esteve em San Giovanni Rotondo, tornando-se uma de
suas mais devotas filhas espirituais.
Para padre Pio, será tão frequente a bilocação que o administrador da Casa Alívio
do Sofrimento, o comendador Angelo Battisti, quando o deixava de noite, desejando-
lhe bom descanso, ouvia a resposta: “Boa e santa noite para você, meu filho, porque
para mim começa outro dia...”. “Mas, padre, então quando o senhor dorme?”,
perguntou certa vez Battisti. E ele: “Se durmo cinco, seis horas por ano já é muito!”.
E a padre Paolino da Casacalenda, que questionava como acontecia a bilocação e se o
protagonista era consciente do fato, padre Pio respondeu quase extasiado: “Sabe o
que quer, sabe aonde vai, mas não sabe se é apenas com a mente, ou com o corpo e
com a alma”.
Ainda em Sant’Elia a Pianisi, depois de um período de trégua nos assaltos
diabólicos, o silêncio foi interrompido bruscamente. O próprio capuchinho contou o
que aconteceu em setembro de 1905: “Uma noite escutei rumores que me pareciam
vir da cela vizinha. ‘O que estará fazendo a esta hora frei Anastácio?’, perguntei-me;
e pensando que velasse em oração, comecei a rezar o rosário. Havia, de fato, entre
nós, um desafio para ver quem rezava mais, e eu não queria ficar atrás dele. Porém,
continuando os rumores, ou melhor, tornando-se sempre mais insistentes, quis
chamar o coirmão. Enquanto isso, havia um forte cheiro de enxofre. Inclinei-me
através da janela para chamá-lo: as nossas janelas eram tão próximas que podíamos
trocar livros ou outras coisas esticando a mão. ‘Frei Anastácio, frei Anastácio!’,
chamei, sem aumentar muito a voz. Não obtendo resposta, recuei. Mas qual não foi a
minha surpresa quando vi entrar pela porta um grande cachorro, de cuja boca saía
muita fumaça. Caí para trás sobre a cama e ouvi que dizia: ‘É ele’. Enquanto eu
permanecia naquela posição, vi o grande animal dar um salto sobre o parapeito da
janela, do qual se lançou sobre o telhado defronte, desaparecendo depois”.
Nos tempos do noviciado, quando ainda não tinham se manifestado os seus
particulares dons espirituais, os companheiros observavam admirados o seu
comportamento. Padre Leão de San Giovanni Rotondo testemunhou que “na escola
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ele sabia sempre a lição, apesar de estarmos convencidos de que estudasse pouco. Eu,
de fato, como bedel do estudo, ora por uma desculpa, ora por outra, entrava com
frequência na sua cela e o encontrava quase sempre rezando, de joelhos e com os
olhos vermelhos pelo choro. Poderia dizer que ele era um estudante de oração
contínua, feita entre lágrimas, porque bastava olhar os seus olhos para entender que
as lágrimas eram coisa habitual”.
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SACERDOTE E VÍTIMA
No final de outubro de 1905, transferiu-se para San Marco la Catola (província de
Foggia), para frequentar o primeiro ano de Filosofia. Ali encontrou padre Bento de
San Marco in Lamis, que foi seu diretor espiritual até 1922. No final de abril de 1906,
retornou a Sant’Elia a Pianisi para completar os estudos filosóficos, que
compreendiam matérias como psicologia, ontologia, ética e teologia natural. Em 27
de janeiro de 1907, emitiu a profissão dos votos solenes. Em outubro, depois de ter
sido promovido nos exames de Filosofia, transferiu-se a Serracapriola (Foggia) para
estudar Teologia, sob a orientação de padre Agostino de San Marco in Lamis, seu
novo diretor espiritual. Em novembro de 1908, ocorre a transferência do seminário
teológico capuchinho para Montefusco (província de Avellino) e frei Pio tem que
mudar mais uma vez.
Em 19 e 21 de dezembro de 1908, recebeu, respectivamente, na catedral de
Benevento, as ordens menores, pelo arcebispo Bento Bonazzi, e a ordem do
subdiaconato, pelo arcebispo Paulo Schinosi. No entanto, sua saúde tinha começado a
manifestar problemas, tanto que, na primavera de 1909, foi autorizado a voltar a
Pietrelcina (onde permanecerá, entre altos e baixos, até 17 de fevereiro de 1916),
“porque os médicos diziam que tinha necessidade dos ares nativos”, conforme se lê
no Diário de padreAgostino de San Marco in Lamis. No início do verão, transferiu-se
para o convento de Morcone, onde, em 18 de julho de 1909, recebeu a ordem do
diaconato pelo bispo Bento Maria Della Camera. Depois de poucos dias, retornou a
Pietrelcina. Nos últimos três meses desse ano, os superiores capuchinhos, desejando
ajudá-lo a resolver os problemas físicos que o torturavam, fizeram-no mudar para
quatro conventos: Montefusco, Campobasso, Morcone e Gesualdo (província de
Avellino).
Padre Tarcísio Zullo escuta padre Pio dizer: “Se eu voltasse a nascer, seria
novamente capuchinho, mas sacerdote, não”. E à reação: “Padre espiritual, mas o
sacerdote é outro Cristo”, ele acrescenta: “Por isso não seria sacerdote. Você acha
pouca coisa a responsabilidade que um sacerdote assume, de ser outro Cristo para as
almas?”. Foi esse mesmo o compromisso assumido por padre Pio, em 10 de agosto de
1910, quando foi ordenado sacerdote pelo arcebispo Paulo Schinosi, na catedral de
Benevento. No santinho de lembrança escreveu de próprio punho: “Jesus / meu
suspiro, minha vida / hoje, que trêmulo / te elevo / em um mistério de amor / contigo
eu seja para o mundo / caminho, verdade, vida, / e para Ti sacerdote santo / vítima
perfeita”.
Naquele tempo, a lei canônica requeria a idade de 24 anos completos para a
ordenação sacerdotal. Mas, desde 22 de janeiro de 1910, frei Pio tinha escrito ao
padre provincial, Bento de San Marco in Lamis, suplicando-lhe que pedisse à Sagrada
Congregação dos Religiosos a dispensa por motivos de saúde, concedida em 1º de
julho de 1910. Que os superiores capuchinhos considerassem iminente a morte do
coirmão, o testemunha a dedicatória que lhe enviou padre Bento por ocasião da
ordenação: “No dia feliz da primeira Missa, desejando que Deus o tenha no Céu
como ele o tem entre suas mãos na Terra, rezando para que se lembre de quem tem
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direito aos seus afetos”.
Em 14 de agosto, houve grande festa em Pietrelcina. Todos os habitantes foram
acolhê-lo na entrada da cidade e o acompanharam em procissão, com a banda, até a
igreja, onde padre Pio celebrou a primeira Missa solene. Começaram assim os quase
seis anos de ministério sacerdotal entre os seus conterrâneos, que o apreciaram a
ponto de esperar que ele nunca fosse embora. Mas, ao arcipreste Salvador Pannullo,
que lhe pedia para ficar na paróquia deixando a Ordem capuchinha, padre Pio
respondeu: “Quando alguém deu a palavra a São Francisco, não pode retirá-la”.
O extraordinário fenômeno dos estigmas começou a acontecer de maneira invisível
em 8 de setembro de 1910, festa da Natividade da Nossa Senhora, enquanto o novo
sacerdote se encontrava na planície de Piana Romana, onde tinha construído uma
cabana de palha para isolar-se em oração. Certo dia, a mãe Josefa foi chamá-lo para o
almoço e o encontrou agitando as mãos: “Meu filho, o que você está fazendo? Agora
aprendeu a tocar também a guitarra?”. E o capuchinho: “Que guitarra, que nada, mãe;
se você soubesse...”, mas não lhe explicou nada.
Somente um ano depois, na carta de 8 de setembro de 1911, ao padre Bento de San
Marco in Lamis, começou a confidenciar: “Ontem à noite me aconteceu uma coisa
que não sei explicar nem compreender. No meio da palma das mãos apareceu um
pouco de vermelhidão, quase do tamanho de uma moeda de um centavo,
acompanhado também de uma forte e aguda dor no meio da vermelhidão. A dor era
mais sensível no meio da mão esquerda, tanto que dura até agora. Também sob os pés
senti um pouco de dor. Esse fenômeno se repete há quase um ano, porém agora faz
algum tempo que não acontece”.
Do relato feito em 10 de outubro de 1915 ao padre Agostino de San Marco in
Lamis, compreendemos algo mais: “A primeira vez que Jesus quis conceder-lhe esse
seu favor, [os estigmas] ficaram visíveis, principalmente em uma mão, e como essa
alma ficou estarrecida com tal fenômeno, rezou ao Senhor para que retirasse o
fenômeno visível. Desde então, não apareceram mais; porém, desaparecidas as
feridas, nem por isso desapareceu a dor penetrante que se faz sentir, especialmente,
em algumas circunstâncias e em determinados dias”.
Toda terça-feira e de quinta-feira à noite até sábado, conforme detalhou o próprio
padre Pio, o coração, as mãos e os pés lhe pareciam transpassados por uma espada.
Ao mesmo tempo, toda semana experimentava sobre a carne também a coroação de
espinhos e a flagelação sofridas por Jesus. Além disso, no dia 16 de abril de 1912,
tinha experimentado o fenômeno místico da “fusão dos corações” com Jesus, que
assim descreveu ao padre Agostino: “Não eram mais dois corações que batiam, mas
um só. O meu coração tinha desaparecido, como uma gota d’água que se perde no
mar”. Em 23 de agosto seguinte sentiu, por sua vez, o coração transpassado por um
dardo de fogo: “Parecia-me que uma força invisível me imergisse inteiro no fogo”,
escreveu ainda ao padre Agostino. Enquanto isso, era constantemente agredido pelos
demônios, que procuravam até impedi-lo de ter contato por cartas com o padre Bento
e padre Agostino, manchando as folhas escritas: mas toda vez intervinha o anjo da
guarda, que as tornava legíveis novamente.
Satanás compreendeu que havia perdido a batalha e começou a aplicar uma
estratégia mais refinada, transformando-se em dezenas de formas diferentes para
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amedrontar e enganar o jovem frade. Padre Agostino de San Marco in Lamis enumera
em um relatório: “No início, aparecia-lhe na forma de um gato preto e feio. A
segunda vez, sob a forma de jovenzinhas desnudas que dançavam sensualmente. A
terceira, sem aparecer, cuspia-lhe no rosto. A quarta, ainda sem lhe aparecer,
torturava-o com barulhos ensurdecedores. A quinta vez lhe apareceu na forma de
carnífice, que o flagelou. A sexta, em forma de crucifixo. A sétima, sob a forma de
um jovem, amigo dos frades, que pouco antes tinha ido visitá-lo. A oitava, sob a
forma do padre espiritual (isto é, o próprio padre Agostino). A nona, sob a figura do
padre provincial. A décima, sob a forma de papa Pio X. Outras vezes ainda, sob a
forma do seu anjo da guarda, de São Francisco e de Nossa Senhora. E, enfim, nas
suas verdadeiras feições, horríveis, com um exército de espíritos infernais”.
Nessas ocasiões, padre Pio desmascarava a mentira diabólica, convidando a figura
que estava diante de si a gritar com ele: “Viva Jesus!”. Mas, em alguma ocasião,
divertia-se até insultando Satanás, como quando este o exortou a cortar toda relação
com o diretor espiritual e a empregar o tempo rezando pela própria salvação. E padre
Pio lhe respondeu sarcasticamente: “Lamento não poder assumi-lo como meu diretor,
porque o meu padre espiritual exerce essa função há tanto tempo e as nossas relações
chegaram a tal ponto que cortá-las assim de repente, não conseguirei. Vire-se, vire-se,
que você encontrará almas que o assumirão como diretor do seu espírito, sendo você
especialista nesta matéria!”.
Como reação, os demônios começaram a usar artifícios ainda mais fortes. E uma
dessas agressões deu ao padre Pio a deixa para uma discussão com o próprio anjo da
guarda: “Sábado tive a impressão de que queriam mesmo acabar comigo; não sabia a
qual santo recorrer; pedi ajuda ao meu anjo da guarda e, depois de me fazer esperar
por muito tempo, ei-lo, enfim, protegendo-me e, com sua angélica voz, cantava hinos
à divina majestade... Reclamei, asperamente, por ter-me feito esperar tanto tempo,
enquanto eu o tinha chamado em meu socorro; para castigá-lo, eu não queria fitá-lo
nos olhos, queria distanciar-me, queria afastá-lo; mas ele, coitadinho, aproximou-se
de mim quase chorando, abraçou-me, até que, erguendo o olhar, fixei-o na face e o
encontrei todo tristonho”.
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EM DIÁLOGO COM FRANCISCO
Depois da ordenação sacerdotal, padre Bento tinha se rendido sem demora à
necessidade de deixar frei Pio na sua cidade natal, depois de diversas tentativas
frustradas de reconduzi-lo ao convento. Em 2 de janeiro de 1910, escrevia-lhe:
“Quais sejam os divinos desígnios em querer você perto da família, quase obrigado,
eu os ignoro; mas os amo também, esperando com confiança que a crisese resolverá.
Jesus e Maria estejam com você, consolem-no e lhe concedam a graça de levar a cruz
de modo a ser coroado de mérito”.
Outra tentativa foi feita no outono de 1911, em Venafro, onde, porém, padre Pio
esteve muito mal. Entre os momentos de êxtase que teve, houve um diálogo com São
Francisco de Assis, do qual padre Agostino de San Marco in Lamis anotou algumas
passagens: “Sublime pai meu, você me expulsa da sua Ordem?... Não sou mais seu
filho?... A primeira vez que me apareceu, pai São Francisco, você me disse para ir
àquela terra de exílio?... Ah, pai meu, é vontade de Deus?... Pois bem, fiat!...”. Em
seguida, sempre ao padre Agostino, dirá que não podia revelar a razão pela qual o
Senhor o retivera em Pietrelcina, caso contrário “faltaria com a caridade”.
Por três anos, continuou sempre do mesmo jeito, a ponto de forçar o ministro geral
a pedir à Santa Sé a permissão para ficar fora do convento, consentindo-lhe,
entretanto, a possibilidade de conservar o hábito capuchinho. A exclaustração foi
concedida em 25 de fevereiro de 1915 e padre Pio, quando soube, escreveu ao padre
Bento: “Já que Jesus não permitiu que eu consagrasse à minha querida província mãe
toda a minha pessoa, ofereci-me ao Senhor, qual vítima para todas as necessidades
espirituais dela”.
Poucos meses mais tarde, em 24 de maio de 1915, a Itália entrou em guerra contra a
Áustria e também padre Pio recebeu a convocação para as armas. Durante a consulta
médica para o alistamento, sobre o formulário de matrícula foi assim preenchida a
identidade do soldado Francisco Forgione: um metro e sessenta e seis centímetros de
altura, oitenta e dois centímetros de tórax, cabelos e olhos castanhos, pele rósea e
dentição sadia. Em 6 de novembro se apresentou ao distrito militar de Benevento e,
um mês depois, foi designado à 10ª Companhia de Saúde de Nápoles. Mas já em 18
de dezembro foi enviado em licença de convalescença por um ano. Novas
reapresentações ao corpo militar aconteceram em 18 de dezembro de 1916, em 19 de
agosto de 1917 e em 5 de março de 1918: toda vez, depois de poucos dias, era
reenviado em licença de convalescença, até a dispensa definitiva em 16 de março de
1918.
Em 3 de janeiro de 1917, padre Pio foi pela terceira vez em peregrinação a
Pompeia, para venerar a tão querida Virgem do Rosário (ele já tinha ido em 1901,
com alguns colegas de escola, e em novembro de 1911, com padre Evangelista,
superior no convento de Venafro). Através de constantes novenas a Nossa Senhora de
Pompeia, padre Pio invocou as graças que considerava mais importantes, incluídas
três pessoais, das quais apenas duas foram atendidas.
Em primeiro lugar, o retorno ao convento, durante a longa doença em Pietrelcina:
“Deus e a querida Mãe minha de Pompeia, a quem as novenas foram se sucedendo às
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novenas, agora já são mais de três anos, sabem o que eu fiz para ser ouvido por causa
de uma provação tão difícil. Somente eles compreendem e são testemunhas da dor
que me angustia e que me oprime o coração”, escreveu em 24 de janeiro de 1915 ao
diretor espiritual, padre Bento. Depois, a exoneração do serviço militar, para a qual
solicitou a colaboração de padre Agostino de San Marco in Lamis: “Venho para lhe
pedir, ó padre, um favor: este seria de fazer a caridade de começar o mais rápido as
três novenas à Virgem de Pompeia com a reza diária do Rosário inteiro, durante este
período”.
Não foi atendido, porém, quanto ao pedido de morrer em jovem idade, como
confidenciou a um coirmão em 1960: “Rezei por 35 anos a novena a Nossa Senhora
de Pompeia, pedindo-lhe a graça de que me levasse consigo ao Paraíso. Mas depois
desisti”. E ao coirmão que ficara surpreso pelo fato de que ele tivesse desistido de
rezar, justamente ele que amava tanto a Virgem, replicou: “Meu filho, pedi a Nossa
Senhora a graça de fazer-me morrer, mas ela não me ouviu. E quando é uma mãe que
não o escuta, não há mais nada a fazer”.
Mesmo gozando de imensos dons espirituais, padre Pio não foi, contudo, isento de
dúvidas, de escrúpulos, da sensação de inadequação ao chamado de Deus. Em
numerosos períodos da vida experimentou aquela que todos os místicos definiram
como “a noite escura”, e que ele mesmo descreveu ao padre Agostino, em janeiro de
1916, em termos poéticos: “Há tempos, a minha alma se encontra imersa, dia e noite,
na alta noite do espírito. As trevas espirituais permanecem por longas horas, longos
dias e, muitas vezes, por semanas inteiras. [...] É um contínuo deserto de trevas, de
abatimento, de insensibilidade, é a terra natal da morte, a noite do abandono, a
caverna da desolação; aqui se encontra a pobre alma longe do seu Deus e sozinha
consigo mesma”.
Nos primeiros tempos da vida religiosa, padre Pio considerava os eventos
sobrenaturais como algo rotineiro, que acreditava serem percebidos por todas as
almas. Padre Agostino de San Marco in Lamis, no seu Diário, conta que um dia padre
Pio lhe disse: “E o senhor não vê a Nossa Senhora?”; e, à sua resposta negativa, ele
acrescentou: “O senhor não admite por santa humildade”. Particularmente, durante a
permanência de padre Pio no convento de Venafro, coube ao padre Agostino assistir a
numerosos êxtases do coirmão estigmatizado, durante os quais ele falava com Jesus,
com Nossa Senhora, São Francisco e outros santos.
Mas a visão mais comovente para ele era a do Menino Jesus, da qual pelo menos
duas pessoas foram testemunhas privilegiadas. Na noite de 19 a 20 de setembro de
1919, padre Rafael de Sant’Elia a Pianisi, que se encontrava em visita no convento de
San Giovanni Rotondo, não conseguia dormir: “Perto da meia-noite, levantei-me da
cama, quase assustado. O corredor estava na penumbra, quebrada apenas pela luz de
uma lamparina a querosene, e eis que passa padre Pio, que voltava do coro, onde
estivera em oração, todo luminoso, com o Menino Jesus nos braços”. A mesma
experiência foi reservada, na noite de 24 de dezembro de 1922, à filha espiritual
Lucia Iadanza, que viu o capuchinho parado junto a uma janela: “De repente, em uma
auréola de luz, aparece o Menino Jesus e se aconchega entre os braços de padre Pio,
cuja face se torna radiante”.
21
O SURGIMENTO DOS ESTIGMAS
No início de 1916, padre Agostino e padre Bento tinham amadurecido um “plano”
para forçar a volta de padre Pio ao convento. Em 17 de fevereiro, o frade foi
convidado a se transferir para Benevento, onde, com padre Agostino, pegou o trem
para Foggia. O objetivo declarado era fazê-lo assistir a alma da nobre senhora
Raffaelina Cerase, com quem o frade tinha feito uma intensa troca de cartas, e que já
estava no fim da vida (de fato, ela morreu poucas semanas mais tarde, em 25 de
março). Algumas semanas antes, ela mesma havia sugerido ao padre Agostino:
“Faça-o voltar ao convento e convença-o a se confessar, que lhe fará muito bem”.
Chegando ao convento de Sant’Ana em Foggia, padre Pio encontrou padre Bento
de San Marco in Lamis, o qual lhe ordenou definitivamente que permanecesse ali
“vivo ou morto”, e o capuchinho obedeceu sem nenhuma objeção. Em 28 de julho,
subiu pela primeira vez a San Giovanni Rotondo, acompanhado pelo padre Paulino
da Casacalenda, para procurar um pouco de alívio do calor sufocante da planície.
Alguns dias depois, voltou a Foggia, mas em 4 de setembro de 1916 foi transferido de
vez, com o cargo de diretor espiritual do seminário seráfico, para San Giovanni
Rotondo, de onde se afastou pouquíssimas vezes, até a morte, a não ser pelas
convocações militares.
Padre Pio tinha, então, quase trinta anos (que alguém comparou aos “anos ocultos”
de Jesus de Nazaré, antes de iniciar a atividade pública). E toda a sua vida, precedente
e sucessiva, teve lugar entre a região de Benevento e a zona do Gargano: exatamente
o território onde — como um feliz presságio — São Francisco apareceu em espírito
ao bispo de Assis, na noite da própria morte (3 de outubro de 1226), para lhe dizer
que deixava o mundo e ia para o céu ao encontro de Cristo. O próprio São Francisco
tinha estado em San Giovanni Rotondo em 1216, descendo do monte Sant’Angelo, etinha previsto a construção de um convento, cujas ruínas foram visíveis até o século
XVIII, na área chamada das “casas novas”.
Na noite de 5 de agosto de 1918, enquanto se encontrava no confessionário, o
capuchinho viu improvisamente um personagem celeste que tinha nas mãos uma
longa lâmina de ferro, com uma ponta bem afiada, da qual saía uma chama. “Ver tudo
isso e observar o referido personagem arremessar com toda violência a tal lança na
alma foi tudo uma coisa só”, escreveu em 21 de agosto ao padre Bento e ao padre
Agostino, descrevendo assim o fenômeno que a mística define como
“transverberação”, que em padre Pio se prolongou até a manhã de 7 de agosto.
Depois de poucos dias, na manhã de 20 de setembro de 1918, o capuchinho se
encontrava absorto em oração no coro da igrejinha. Sob pressão de padre Bento, em
22 de outubro colocou por escrito o ocorrido: “Encontrei-me diante de um misterioso
personagem, semelhante ao visto na noite de 5 de agosto, que diferenciava dele
somente porque tinha as mãos e os pés e o lado que gotejavam sangue [...]. A visão
do personagem se apaga e eu me percebo com mãos, pés e lado perfurados e
pingando sangue”. Ao padre Rafael de Sant’Elia a Pianisi definirá, muitos anos
depois, que o celeste personagem era Jesus: “Em um momento de torpor e profunda
contemplação sobre Cristo crucificado, recebi os estigmas nas mãos e nos pés, através
22
de lanças ou flechas luminosas que partiam do Crucifixo, transformado em um
grande personagem”.
Os estigmas sobre as mãos e os pés eram de forma circular, com um diâmetro de
dois centímetros. Quanto à ferida do lado, situada na direção do coração, padre
Eusébio Notte, um dos pouquíssimos que puderam vê-la, descreveu-a em forma
“quase de uma cruz, com a haste vertical mais longa, a ponta inferior da qual,
inclinada, era dirigida para fora do lado esquerdo de padre Pio. As medidas,
aproximadamente, podiam ser de 6-7 centímetros, a parte vertical, e 3-4 centímetros,
a parte horizontal”.
Somente após a morte do estigmatizado, frei Modestino de Pietrelcina descobriu o
último segredo, colocando em ordem as camisetas de lã utilizadas por padre Pio. No
lado direito, na altura da clavícula, aparecia uma mancha de sangue de cerca de dez
centímetros de diâmetro: era a sexta chaga que Cristo havia sofrido carregando a
pesada cruz sobre as costas. Alguns lenços, salpicados de vermelho, revelaram-lhe,
por sua vez, que, como Jesus no horto das Oliveiras, o capuchinho tinha também
suado e chorado sangue.
Por alguns meses, foi possível manter a discrição e não deixar vazar notícias sobre
padre Pio. Mas, improvisamente, em 9 de maio de 1919, no Giornale d’Italia,
apareceu o primeiro artigo que falava do “frade com os estigmas” — uma nota
anônima intitulada Os milagres de um capuchinho em San Giovanni Rotondo — e a
notícia começou a dar a volta ao mundo. Preocupados com a evolução da situação, os
superiores capuchinhos pediram a um médico de confiança, o professor Luiz
Romanelli, diretor do hospital civil de Barletta, para fazer um reconhecimento, que
foi feito entre 15 e 16 de maio.
No relatório, lê-se: “Aplicando o polegar na palma da mão e o indicador no dorso e
fazendo pressão, o que pode ser extremamente doloroso, tem-se a percepção exata do
vazio existente entre os dois dedos, somente separados pelas duas membranas e pelo
tecido fino e macio. [...] Deve-se excluir que a etiologia das lesões de padre Pio seja
de origem natural, mas o agente produtor deve ser buscado, sem medo de errar, no
sobrenatural, considerando que o todo constitui em si mesmo um fenômeno
inexplicável apenas com a ciência humana”.
Em 26 de julho, o professor Amico Bignami, titular de patologia médica na
Universidade de Roma, deu, ao contrário, uma avaliação muito crítica: “Podemos
pensar que as lesões começaram como produtos patológicos e tenham sido, talvez
inconscientemente e por um fenômeno de sugestão, completadas na sua simetria e
mantidas artificialmente com um meio químico”.
Enfim, o professor Giorgio Festa, encarregado pelo ministro geral da Ordem
capuchinha, chegou a San Giovanni Rotondo em 9 de outubro de 1919, com o
objetivo de desmascarar o engano, mas precisou, ao contrário, concluir que as lesões
“não são o produto de um traumatismo de origem externa, nem são devidas à
aplicação de substâncias químicas poderosamente irritantes”. Nos dias 15 e 16 de
julho de 1920, Luiz Romanelli e Giorgio Festa voltaram a San Giovanni Rotondo
para fazer uma visita conjunta e compartilharam o julgamento sobre a
sobrenaturalidade do fenômeno.
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AS SUSPEITAS DOS CÉTICOS
Tão logo a notícia do “frade com os estigmas” se tornou pública, entraram em
campo os céticos que acusavam padre Pio, aliás sem nunca tê-lo visto pessoalmente,
de utilizar meios traumáticos ou substâncias químicas para provocar as lesões. Já em
30 de junho de 1919, certo professor Enrico Morrica publicou, no jornal napolitano Il
Mattino, um comentário intitulado A aventura franciscana em San Giovanni Rotondo
— Qual a opinião do cético acerca disso, no qual se insinua suspeitas veladas
indicando a presença de tintura de iodo e de ácido carbólico na cela do capuchinho.
Além disso, também os médicos que tinham feito os primeiros reconhecimentos
não se abstinham de tais questionamentos, como documenta, em particular, o
relatório elaborado pelo professor Amico Bignami, em julho de 1919. O médico
romano contestou ao padre Pio o uso da tintura de iodo e citou a resposta do frade
que “a utiliza como desinfetante umas duas vezes por semana, e até com mais
frequência; e também a usa porque, caso contrário, as lesões sangram facilmente.
Também resulta que ele aplica, desde setembro, sempre a mesma tintura, isto é, um
preparado velho”.
Sublinhando que “a tintura de iodo velha torna-se poderosamente irritante e
cáustica, pela formação do ácido iodídrico”, o professor deu ordem para eliminar
todos os medicamentos do quarto de padre Pio e enfaixar e vedar as feridas na
presença de duas testemunhas. Por oito dias, três coirmãos executaram tais
disposições; ao final, atestaram que o estado das chagas tinha permanecido o mesmo
e que todos os dias houve sangramento em todas elas.
A deter-se novamente sobre a questão, depois da visita em outubro de 1919, foi o
doutor Giorgio Festa. Ele declarou, explicitamente, a exclusão da hipótese de que as
lesões pudessem ser determinadas pela aplicação de substâncias químicas irritantes,
“porque a ação delas nunca se limita à região lesionada, como teria acontecido no
nosso caso, mas se estende além dos seus limites, alastrando-se, gradativamente, nos
tecidos normais limítrofes, com uma reação cujo expoente é dado sempre por um
grau mais ou menos considerável de vermelhidão, de edema, de infiltração”.
Eliminada a suspeita sobre a tintura de iodo, surgiu uma nova e ainda mais grave, a
ponto de colocar em alarme o próprio Santo Ofício, acionado pelo bispo de Foggia,
dom Salvador Bella, com uma carta de 24 de julho de 1920. Com a missiva, seguia
anexado o testemunho juramentado do farmacêutico de Foggia, Valentino Vista, que
narrava ter recebido uma estranha solicitação da prima Maria De Vito: em nome de
padre Pio, queria uma garrafinha de ácido carbólico puro. Interrogada a mulher,
apurou-se que o antisséptico servia para a desinfecção das seringas que padre Pio
usava para aplicar injeções aos noviços, dos quais era professor.
Uma segunda ilação, também apresentada por Valentino Vista, referia-se a outra
substância pedida por padre Pio através de Maria De Vito: quatro gramas de
veratrina, um pó com efeitos irritantes para as mucosas nasais, capaz de provocar
violentos espirros. Bem diferente do que originar os estigmas, como foi também
recentemente insinuado, sem qualquer comprovação! E o mesmo padre Pio o admitiu
abertamente ao visitador apostólico Raffaelo Carlo Rossi, no interrogatório de 15 de
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junho de 1921: “Eu o requisitei porque o padre Inácio, secretário do convento, certa
vez me deu uma pequena quantidade do tal pó para colocá-lo no tabaco e, agora, eu o
procureiapenas para fazer uma brincadeira aos coirmãos, oferecendo-lhes tabaco com
pequena dose deste pó, que provoca espirros subitamente”.
Num relatório oficial para o Santo Ofício, o bispo Rossi analisou todas as hipóteses,
descartando principalmente aquelas relativas ao uso de agentes químicos. Em
seguida, detalhou: para a manifestação de um estado patológico, “é inexplicável
como um neuropático pudesse resistir às fadigas do ministério”; para a autossugestão,
“está longe de ser demonstrado que, por efeito de autossugestão, possam ser
produzidos estigmas”; para o fenômeno histérico, “padre Pio não é nada histérico; é
normalíssimo, por tudo que se vê e que se sabe”. Portanto, no fim da longa
investigação, dom Rossi concluiu responsavelmente: “Não creio que haja razão para
duvidar da sinceridade de padre Pio, chamado a juramentos que deveriam
impressionar a sua alma sacerdotal, e sob a santidade dos quais ele atestou de não ter,
de forma alguma, procurado ou completado, artificialmente, os estigmas”.
No total, foram cerca de setenta os visitadores apostólicos, os inspetores
capuchinhos e os enviados oficiosos da Santa Sé que chegaram a San Giovanni
Rotondo entre os anos 1920 e 1960. De todas essas investigações, guardam a
memória as pastas conservadas na Cúria Geral dos Capuchinhos e os mais de três mil
documentos armazenados em vinte e três pastas no Arquivo Secreto do Santo Ofício
(hoje, Congregação para a Doutrina da Fé).
Em toda circunstância, como testemunhou o então prefeito da cidade, Francisco
Morcaldi, padre Pio “continuava na sua vida de recolhimento, de oração e de
apostolado, sem qualquer aparente perturbação”. E aos que lhe manifestavam
preocupações e temores, ele sugeria: “Tenhamos confiança na Providência!”. Para
padre Pio, as provas a que era submetido faziam, na verdade, parte do plano que o
Senhor tinha sobre ele e sobre a sua obra: “A Igreja é nossa mãe; mesmo quando nos
bate, ela nos quer bem”, era a consideração que ouviu dele o coirmão Onorato
Marcucci.
A data à qual remonta grande parte dos problemas vividos por padre Pio foi 18 de
abril de 1920, quando chegou ao convento padre Agostino Gemelli (o fundador da
Universidade Católica do Sagrado Coração). A sua intenção era ver os estigmas.
Porém, não tendo sido autorizado pelos superiores capuchinhos, padre Pio não lhe
permitiu. Depois de alguns minutos, Gemelli foi embora, inaugurando o registro dos
visitantes com uma frase que parecia manifestar amizade: “Todo dia constatamos que
a árvore franciscana dá novos frutos e isso é o maior conforto para quem extrai
alimento e vida desta maravilhosa árvore”.
Na realidade, ofendido pela resposta negativa, no dia seguinte padre Gemelli
enviou ao Santo Ofício um relatório no qual alegava ter visto os estigmas, fazendo
um julgamento muito crítico sobre eles. A sua tomada de posição serviu para
robustecer as acusações que, por sua vez, tinham sido enviadas ao Vaticano pelo
arcebispo de Manfredonia, dom Pasquale Gagliardi, incitado pelos sacerdotes de San
Giovanni Rotondo, que estavam enciumados pelo fato de que muitos fiéis do lugar
iam se confessar com o capuchinho. Além disso, a vigilância do Santo Ofício tinha
sido inaugurada em 1919, quando tinham começado a chegar ao Vaticano cartas que
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descreviam os milagres operados por padre Pio.
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INTERVENÇÃO DO SANTO OFÍCIO
Na sequência desses acontecimentos, a Santa Sé enviou o primeiro visitador oficial,
o bispo Raffaele Rossi, que entre 1921 e 1922 esteve diversas vezes em San Giovanni
Rotondo. No relatório, ele referiu que tivera uma boa impressão de padre Pio,
criticando, em vez disso, as chamadas “fidelíssimas”[1] e notando escassas
capacidades de direção espiritual em padre Bento de San Marco in Lamis.
Em 2 de junho de 1922, chega ao ministro geral dos Capuchinhos uma disposição
do Santo Ofício, com a qual se ordenava que fosse interrompida toda comunicação
entre padre Pio e padre Bento. Além disso, previa afastar imediatamente padre Pio
em um convento distante, de modo a impedir o fanatismo de alguns dos seus devotos.
Mas a notícia da sua transferência se difundiu imediatamente e a população se
insurgiu, conseguindo fazer suspender a iniciativa.
Em julho de 1922, novas notícias difamatórias contra padre Pio e os coirmãos
convenceram o ministro geral a enviar a San Giovanni Rotondo um colaborador de
extrema confiança, padre Celestino de Desio, para uma rigorosa visita canônica. O
resultado foi de completa absolvição: “Das investigações feitas conscienciosamente
por mim, resultou que os tais padres são puramente vítimas da inveja de alguns mal-
intencionados, que enxergam com maus olhos o grande bem que fazem aqueles
religiosos, e, para paralisá-los, divertem-se inventando coisas totalmente falsas”.
Mas o Santo Ofício prosseguiu na própria ação. Em 31 de maio de 1923, declarou
“não confirmar a sobrenaturalidade daqueles fatos” atribuídos a padre Pio e exortou
“os fiéis a conformar os próprios atos a esta declaração”. Em 17 de junho do mesmo
ano, enviou ao padre reitor do convento duas severas ordens a serem comunicadas a
padre Pio: não celebrar mais em público e em hora fixa, nem responder mais as cartas
que lhe enviavam pessoas devotas. Imediatamente houve uma insurreição espontânea
dos fiéis, que fizeram revogar a imposição. Em 30 de julho chegou uma nova ordem
de transferência do frade, mas um novo protesto popular, que ameaçava se tornar
revolta, conseguiu diferir também essa determinação.
Ao término da bênção eucarística de 10 de agosto de 1923, demonstrando o clima
que existia naqueles meses em San Giovanni Rotondo, por causa do receio de que
padre Pio pudesse ser transferido, um rapaz parou diante do frade, apontando-lhe um
revólver sobre o peito, e gritou: “Melhor morto por nós que vivo para os outros!”. Por
sorte, os fiéis presentes conseguiram desarmá-lo.
De 1924 a 1931, manifestou-se uma escalada de providências vaticanas. Em 24 de
julho de 1924, o Santo Ofício advertiu “com palavras mais graves os fiéis, para que
se abstivessem de manter qualquer relação com padre Pio, seja mesmo por carta, com
o escopo de devoção”. Em 15 de julho de 1925, ordenou que todo bimestre o padre
provincial de Foggia enviasse um relatório sobre o frade. Em 11 de julho de 1926,
renovou aos fiéis o dever “de absterem-se de visitá-lo, ou de manterem relações com
ele, mesmo simplesmente epistolares”.
Entre 1927 e 1928, ocorreram, finalmente, duas visitas apostólicas na diocese de
Manfredonia, a cargo dos monsenhores Felice Bevilacqua e Giuseppe Bruno, para
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apurar a verdade sobre o comportamento do arcebispo Gagliardi, do arcipreste
Giuseppe Prencipe e dos cônegos Domenico Palladino e Michele De Nittis, também
eles objeto de acusação por parte dos coirmãos da região. Em seguida às duas
investigações, dom Gagliardi foi obrigado a se demitir e dom Palladino foi afastado
do lugar. Apesar disso, a situação para padre Pio não melhorou muito, tanto que o
sucessor na diocese, o bispo Alessandro Macchi, solicitou novamente ao Santo Ofício
a transferência do frade e sentenciou: “Deve ter sido um santo, mas agora é um
iludido, falta-lhe humildade, usa água perfumada que lhe presenteiam as beatas”.
Em 23 de maio de 1931, o Santo Ofício decidiu que padre Pio deveria celebrar a
Missa sozinho, na capela interna do convento. A disposição, que previa também o
impedimento de confessar, foi executada a partir de 11 de junho. Padre Rafael de
Sant’Elia a Pianisi testemunhou: “Quando lhe comuniquei a notícia, padre Pio
levantou os olhos ao céu e disse: ‘Seja feita a vontade de Deus’. Depois cobriu os
olhos com as mãos, inclinou a cabeça e não disse mais nada”.
Começou, então, uma luta clandestina e sem trégua entre os inimigos de padre Pio,
que queriam enterrá-lo no silêncio, e os seus apoiadores, entre os quais se destacava
Emanuel Brunatto, que chegou até a chantagem, ameaçando publicar um livro
escandaloso se o Santo Ofício não revisse as próprias posições. Enquanto isso, dom
Alfredo Cesarano tornou-se arcebispo de Manfredonia e procurou, mesmoem meio
às adversidades, amenizar a contenda. Em 16 de julho de 1933, padre Pio voltou a
celebrar a Missa em público, mas foi preciso aguardar diversos meses antes que
pudesse retornar a confessar os homens, em 25 de março de 1934, e as mulheres, em
12 de maio do mesmo ano.
Da sua parte, o capuchinho não se deixava condicionar pelos acontecimentos
externos e prosseguia a vida em clima de desapego total. Inclusive a cela onde vivia
era o espelho disso, como se pode constatar até hoje, visitando o convento de San
Giovanni Rotondo. Até 1935, testemunhou padre Torquato Cavaterri, padre Pio tinha
um saco de palha que, de quando em quando, nivelava com um bastão. Mais tarde,
teve um colchão de crina, porque assim decidiram os superiores. Somente nos últimos
anos lhe foi colocado um colchão mais moderno e a sua cela recebeu uma pia.
A cela número 5 era uma das mais frias no inverno e mais abafadas no verão. Por
isso, os superiores decidiram, num determinado momento, equipá-la, primeiro com
um aquecedor, depois com um aparelho de ar condicionado doado por um filho
espiritual de Roma. Ele, porém, sempre se opôs a utilizá-los, e em particular dizia ao
padre Mariano Paladino: “Como posso me apresentar diante de São Francisco com
esses aparelhos? São Francisco não ficará contente comigo...”.
Todo aspecto da cotidianidade de padre Pio “tinha sabor de pobreza”. Enquanto
caminhavam juntos, dom Pierino Galeone notou sobre o hábito do capuchinho, do
lado direito do peito, um grande remendo, malfeito. O amigo sacerdote ficou chocado
e perguntou: “Padre, quem lhe fez esse remendo?”. “Eu mesmo”, respondeu, “e fiz o
meu melhor!”. Dom Galeone se calou, ainda mais surpreso e admirado, enquanto
padre Pio, sereno e indiferente, continuou a caminhar rezando. A delicadeza de padre
Pio em não dar trabalho aos coirmãos, mais um sinal de profundo espírito de pobreza,
pôde testemunhá-la ainda mais eloquentemente padre Inocêncio Cinicola Santoro, o
qual conseguiu ouvir, enquanto lavava as próprias roupas íntimas, o coirmão dizer:
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“Abençoado é você que pode fazer sozinho as suas coisas. Eu não posso...”, e olhava
as próprias mãos doloridas.
Embora convencido, conforme se lê na carta de 3 de junho de 1919 a padre Bento
de San Marco in Lamis, que “a maior caridade é a de arrancar almas possuídas pelo
Satanás para ganhá-las para Cristo”, padre Pio não poupava nenhuma energia, mesmo
quando se tratava de atender os necessitados de ajuda material. Como havia
confidenciado, sempre ao padre Bento, em 26 de março de 1914, “a enorme
compaixão que a alma sente diante de um pobre faz nascer no seu próprio centro um
imenso desejo de socorrê-lo, e se considerasse a minha vontade, me apressaria a
despir-me até mesmo dos panos para vesti-lo”.
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UMA CASA PARA OS SOFREDORES
A primeira realização na qual o capuchinho se empenhara diretamente, com a
colaboração local da Congregação de Caridade, tinha sido a transformação do antigo
convento das Clarissas no hospital de São Francisco. A inauguração foi feita por
padre Pio em janeiro de 1925, mas o terremoto de 1938 provocou sérios prejuízos nas
suas dependências e foi preciso interditar a estrutura.
Depois de alguns anos, o antigo desejo do frade de responder às necessidades de
saúde da população do Gargano se fortaleceu. Na cela de padre Pio, na noite de 9 de
janeiro de 1940, o médico Guglielmo Sanguinetti, o farmacêutico Carlo Kisvarday e
o veterinário Mário Sanvico contaram ao capuchinho que haviam criado um comitê
para a fundação do novo hospital. Como narrou o próprio Sanvico no Diário daqueles
dias, padre Pio os escutou com atenção e depois disse: “A partir desta noite, começa a
minha grande obra terrena. Abençoo vocês e todos os que farão doações à minha
obra, que será sempre mais bela e maior”. Então, vasculhando em sua túnica,
encontrou uma moeda de ouro que lhe tinha sido doada para a sua caridade, e
exclamou: “Eu também quero oferecer o meu óbolo”.
A Segunda Guerra Mundial forçou o adiamento dos trabalhos, embora já houvesse
a área para a construção: um terreno de propriedade estatal concedido à senhorita
Maria Basílio para uma obra de beneficência, situado a pouca distância do convento
capuchinho. O mesmo lugar, quase como uma singular profecia, onde Camilo de
Lellis — fundador da ordem religiosa hospitaleira dos Camilianos e, depois, santo —
tinha se convertido em 2 de fevereiro de 1575.
Finalmente, em 16 de maio de 1947, é abençoada e colocada a primeira pedra e,
três dias depois, alguns operários já davam os primeiros golpes de picareta. Mas, se
os eventos militares e a crise econômica tinham feito perder sete anos de tempo,
justamente as ajudas pós-guerra fizeram decolar a obra. Providencial mediadora foi a
jornalista britânica Barbara Ward, cujo noivo, assessor de um órgão assistencial das
Nações Unidas, conseguiu aprovar um consistente orçamento.
Entre diversos altos e baixos, na manhã de 26 de julho de 1954 foi aberto o
poliambulatório, dotado de pronto socorro, medicina geral, pediatria,
otorrinolaringologia, odontologia e laboratório de análises clínicas, e em 10 de maio
de 1956 entrou na clínica o primeiro doente. Poucos dias antes, em 5 de maio, padre
Pio tinha assim descrito, no discurso de inauguração da Casa Alívio do Sofrimento:
“Cidade hospitaleira, tecnicamente adequada às mais ousadas exigências clínicas e
em harmonia com a ordem ascética do franciscanismo militante. Lugar de oração e de
ciência, onde o gênero humano se reencontra em Cristo crucificado como um só
rebanho com um só pastor”. A quem lhe objetava que era muito luxuosa, o frade
replicava: “Se fosse possível, eu faria a Casa de ouro, porque o doente é Jesus e tudo
que se faz para o Senhor é pouco!”.
A Ordem Capuchinha preferiu não entrar na gestão da Casa Alívio do Sofrimento,
temendo não ser capaz de sustentá-la, economicamente, depois da morte do
estigmatizado. Por isso, através de um testamento, padre Pio nomeou a Santa Sé
“herdeira universal de todos os bens móveis e imóveis”. Ao cardeal Domenico
Tardini, que o fez perguntar ao comendador Angelo Battisti o que aconteceria depois
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da sua morte, o frade respondeu: “A obra desafiará os séculos”.
Até 1960, mesmo continuando as visitas de reconhecimento de enviados romanos,
padre Pio foi liberado para exercer o ministério sacerdotal. Na primavera daquele
ano, começaram os tempos da perseguição mais dura. Com o aval oficioso do cardeal
Alfredo Ottaviani, responsável pelo Santo Ofício, monsenhor Umberto Terenzi e
alguns frades de San Giovanni Rotondo gravaram numerosas conversações de padre
Pio, e em particular aquelas com o administrador da Casa Alívio do Sofrimento,
Angelo Battisti, e com as chamadas “pias senhoras”: as filhas espirituais Cleonice
Morcaldi, Caterina Giostrelli Telfner e Clementina Belloni.
Segundo a acusação, pelas gravações emergia que padre Pio tratava com Battisti
negócios discutíveis da clínica, enquanto com as mulheres trocava manifestações
impróprias de afeto. Uma comissão pontifícia examinará, em seguida, as fitas
magnéticas (pelo menos 25, segundo uma testemunha direta): como confidenciou um
dos membros ao padre Carmelo Durante, “do exame atento e repetido das gravações
não resultou nada incriminável para o padre Pio”. Entretanto, às insinuações de
Terenzi tinham dado crédito tanto o cardeal Ottaviani quanto seu vice, monsenhor
Pietro Parente, os quais falaram a respeito com o papa João XXIII, pedindo-lhe que
enviasse um ulterior visitador apostólico a San Giovanni Rotondo.
Até o ministro geral dos capuchinhos, padre Clemente da Milwaukee (também ele
conhecedor do caso das gravações), tinha por sua vez solicitado uma inspeção da
Santa Sé para verificar a exatidão na gestão administrativa da Casa Alívio do
Sofrimento e para controlar a justa repartição das doações entre o convento e a
clínica. Nessa ocasião, já era conhecida a falência do financiador Giuffrè, por causa
da qual a província capuchinha de Foggia havia perdido cifras consideráveis, e para
cuja cobertura tinha sido pedido empréstimo à própriaCasa Alívio do Sofrimento.
Em 30 de julho de 1960, chegou a San Giovanni Rotondo o visitador apostólico
monsenhor Carlo Maccari, com a missão de “regularizar alguns aspectos do
funcionamento do convento dos Frades Menores Capuchinhos de Santa Maria das
Graças, em San Giovanni Rotondo, e da Casa Alívio do Sofrimento, bem como de
todas as associações e obras dependentes das duas instituições acima nominadas”.
Durante os cerca de cinquenta dias da sua presença no lugar, Maccari encontrou
nove vezes padre Pio e dez vezes Angelo Battisti, além de numerosos capuchinhos e
outras diversas pessoas, entre as quais as três filhas espirituais “incriminadas”. Em 5
de novembro, consignou ao cardeal Ottaviani um relatório de 208 páginas, mais duas
pastas de documentos. Alguns anos depois, incumbido pelo mesmo Santo Ofício,
monsenhor Mário Crovini releu e sintetizou o texto, e o seu comentário foi: “A
elaboração do trabalho é tendenciosa, enquanto procede mais como uma tese a
demonstrar algo, que como um fato a ser investigado”.
Evidentemente, porém, nesses tumultuados dias, os pareceres do Santo Ofício eram
orientados em diversos sentidos, tanto que, em 31 de janeiro de 1961, o cardeal
Ottaviani assinou a carta que indicava seis providências a serem executadas com
urgência: reconduzir padre Pio, com a caridade devida às suas condições de idade e
de saúde, à regular observância conventual; proibir os sacerdotes e os bispos de
servirem à Missa do capuchinho; variar, quanto possível, o horário da Missa dele;
fazer respeitar a distância entre o confessionário de padre Pio e os fiéis em espera
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para a confissão; evitar a assiduidade excessiva dos devotos, e especialmente das
devotas, de San Giovanni Rotondo, ao confessionário do frade; proibi-lo de receber
mulheres, sozinho, no parlatório do convento ou em outro lugar.
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A FESTA DOS ÚLTIMOS DIAS
Somente em 1963, depois da eleição do papa Paulo VI, começou a definitiva
reabilitação de padre Pio. Em 20 de julho, o cardeal Ottaviani dirige por escrito ao
padre reitor de San Giovanni Rotondo, Rosario d’Aliminusa, o convite a “ser
benévolo, o mais possível” com as pessoas que visitavam padre Pio. Em 30 de janeiro
de 1964, o mesmo cardeal convocou o provincial de Foggia, padre Clemente de Santa
Maria in Punta, para lhe comunicar, sob ordem do papa Montini, que padre Pio estava
autorizado a desenvolver o próprio ministério em plena liberdade.
A partir de 29 de março de 1968, padre Pio começou a utilizar muitas vezes a
cadeira de rodas para se locomover, dado que, como se lê na crônica histórica do
convento, “move com muita dificuldade as pernas: não lhe doem, mas diz que não as
sente”. Em 7 de julho, teve um grave colapso e, desde então, começou a preferir ficar
sozinho, para rezar e se preparar “à grande passagem”, como dizia aos coirmãos.
Padre Alberto D’Apolito recordou: “Padre Pio era consciente do fim iminente e aos
que lhe desejavam ‘Cem anos de vida’ respondia: ‘Vocês não me querem bem; quero
ir logo para o Paraíso’”.
Faltavam poucos dias para 20 de setembro de 1968, quinquagésimo aniversário da
estigmatização visível, e diversos coirmãos tiveram a precisa sensação de que padre
Pio conhecesse a data da própria morte e os estivesse preparando. Por exemplo, padre
Eusébio Notte tinha se aproximado dele para lhe pedir a bênção, já que no início de
agosto devia se transferir ao exterior por motivo de estudo, e padre Pio quis saber
quando ele estaria de volta. Tendo a confirmação de que o retorno seria na metade de
setembro, olhou nos olhos de padre Eusébio e disse: “Se é assim, então está bem”.
A partir de 19 de setembro, começou a engrossar sempre mais a fileira de filhos
espirituais que vinham de todo o mundo a San Giovanni Rotondo para o encontro
internacional dos Grupos de Oração e, às 5 horas de 20 de setembro, uma multidão de
devotos preencheu todo o espaço da igreja e se amontoou também fora, para a
costumeira Missa de padre Pio. À noite, uma procissão de tochas se deslocou pela
região, tendo à frente o prefeito e a administração municipal, para homenagear o
ilustre concidadão. Mas padre Pio já estava em sua cela e nem imaginou que
aplausos, corais e fogos pirotécnicos fossem em sua honra, tanto que na manhã
seguinte perguntou aos coirmãos: “O que eram todos aqueles barulhos ontem à
noite?”.
No dia 21 de setembro, padre Pio já não estava em condições de celebrar a Missa,
por causa de um fortíssimo ataque de asma que por meia hora lhe causara graves
dificuldades respiratórias. No refeitório, o padre reitor o exortou a encorajar-se: “O
senhor deve ficar bem: veio tanta gente para a festa de amanhã!”. Mas padre Pio
respondeu, com ar de tristeza: “Que festa, que nada! Deverei fugir e desaparecer pela
confusão que experimento!”. À tarde, tendo recuperado um pouco as forças,
conseguiu ainda assistir às funções vespertinas e dar a bênção aos fiéis presentes.
No amanhecer de 22 de setembro, descendo à igreja, padre Pio queria celebrar a
Missa, lendo-a, como todas as manhãs, mas o superior o encorajou a celebrá-la
cantada e o capuchinho obedeceu, como sempre, mesmo que com muita fadiga. O
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esforço lhe custou, porém, um colapso, justamente no final da liturgia. Por volta das
10h30 se aproximou da janela do coro e, agitando um lenço branco, saudou e
abençoou a multidão. Outra bênção deu à noitinha, no final da Missa vespertina, à
qual tinha assistido, e em seguida se apresentou ainda na janela da cela, agitando o
lenço em sinal de saudação.
Naquela noite, quis se confessar com seu assistente, padre Pellegrino Funicelli, e ao
término lhe disse: “Se o Senhor me chamar hoje, peça perdão por mim aos coirmãos
por todos os aborrecimentos que causei; e peça aos coirmãos e aos filhos espirituais
uma oração pela minha alma”. Perto da uma hora da madrugada, pediu-lhe que o
ajudasse a levantar-se da cama, para respirar melhor. Padre Pellegrino contou: “Notei,
maravilhado, que ele caminhava ereto e expedito como um jovem, tanto que não foi
preciso sustentá-lo. Chegando à porta da sua cela, disse: ‘Vamos um pouco até o
terraço’. Eu o segui, segurando-lhe a mão embaixo do braço; ele mesmo acendeu a
luz e, chegando perto da poltrona, sentou-se e olhou ao redor pelo terraço, curioso,
como se procurasse algo com os olhos”.
Depois de cinco minutos, quis voltar ao quarto, já que as forças o tinham
abandonado novamente. Acomodado na poltrona, na sua cela, começou a
empalidecer: era 1h30 de 23 de setembro e a situação começava a se precipitar.
Apesar das tentativas de reanimação, imediatamente praticadas pelo médico pessoal,
Giuseppe Sala, e pelos doutores Giuseppe Gusso e Giovanni Scarale, padre Pio
morreu às 2h30, depois de ter recebido o sacramento dos enfermos, pronunciando os
nomes de Jesus e de Maria.
Às 8h30, o esquife foi exposto na igreja, na qual uma multidão incalculável acorreu
imediatamente. A triste peregrinação dos devotos prosseguiu até o meio-dia de 26 de
setembro. Às 15h30, partiu do convento o cortejo fúnebre, que percorreu toda a
cidade. Às 19h, foi celebrada a Missa fúnebre, e a sepultura, na cripta da igreja de
Santa Maria das Graças, aconteceu às 22h do mesmo dia. Cumpria-se, assim, o desejo
manifestado desde 12 de agosto de 1923: “Recordarei sempre este povo generoso nas
minhas orações, implorando paz e prosperidade para ele. E como sinal da minha
predileção, nada mais podendo fazer, expresso o desejo de que, caso os meus
superiores não se oponham, os meus ossos sejam colocados em um tranquilo cantinho
nesta terra”.
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SEGUNDA PARTE
A MENSAGEM
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JESUS E MARIA NO CENTRO DE TUDO
O coração do pensamento de padre Pio está preservado nas dezenas de cartas
enviadas aos seus filhos espirituais, sobretudo nos primeiros anos de ministério,
quando ainda não tinha sido atacado pelas proibições do Santo Ofício. Páginas
escritas com as mãos ensanguentadas pelos estigmas, das quais fluía, continuamente,
na sua intensidade o ideal supremo proposto pelo capuchinho: “É ótima prática
almejar a extrema perfeição na vida cristã”, “Pedir a Jesus que nos

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