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ANOTAÇÕES SOBRE O DELÍRIO

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Trainer Internacional 
 Eunice Rodrigues 
 
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Horizontes Orgonômicos 
 
Genovino Ferri 
 
 
 
ANOTAÇÕES SOBRE O DELÍRIO 
 
 
 
Tento abordar de modo sintético e também circular um dos nós centrais da psiquiatria, procurando 
esclarecer-me e esclarecer qualquer dúvida - perplexidade que encontro freqüentemente nesta temática. 
O delírio, que vem de “de - lira”, literalmente “fora do sulco”, significa pensar ou conceber ou fazer 
qualquer cousa fora do “normal” própria de cada cultura. 
A psiquiatria tradicional, para definir o delírio, na maior parte das vezes, só utiliza parâmetros objetivos 
que tendem a fechar o significado em uma série de rótulos racionais; fazendo assim, fatalmente se passa 
por sobre a vivência subjetiva da pessoa e fatalmente se entra em uma situação extremamente caótica, 
cujo porquê vou ilustrar. 
Cito duas definições clássicas, uma de Bini e Bazzi, que afirma que o delírio é um “erro de julgamento 
que não se deixa corrigir nem pela refutação crítica, nem pela experiência”; a outra definição, mais 
extensa e profunda, de Jaspers que baseia a diagnose do delírio sobre três discutíveis parâmetros: 
 
- “absoluta certeza subjetiva; 
- impenetrabilidade do convencimento frente a toda experiência e toda a refutação lógica; 
- “inverosimilhança dos conteúdos” 
 
Tenho a sensação que nos encontramos em frente a uma dinâmica que é uma armadilha, na qual um 
mamífero óptico observa apenas o aspeto óptico de um mamífero. Em outras palavras, o que nos chama 
a atenção é só o “aspeto psíquico”, certamente muito importante, mas também de superfície e periférico 
do vivente- homem. 
Paradoxalmente, se utilizamos somente as duas definições acima lembradas, podemos estender o delírio 
a qualquer sistema de “pensamento linear”, seja esse filosófico, religioso, político, etc. , na qual não 
está presente a metacomunicação. Acho que, ao menos do ponto de vista clínico, não se possa falar de 
delírio, mas apenas de possível redução espaço - temporal do campo da consciência, “visual” se assim o 
quisermos, desses sistemas. 
Para compreender um pouco e mais um tanto o delírio, penso que se devem introduzir também outros 
parâmetros. “Deixo-me mover” por várias perspectivas: clínica, analítica, energética e submeto a exame 
o “terreno” no qual se desenvolve o aspeto psicológico delirante. Em clínica, ele é definido como 
“humor delirante”, ou Wahnstimmung dos autores alemães; o vocábulo “Stimmung” pode ser bem 
traduzido em língua italiana, podendo ser entendido como “atmosfera” ou como “humor”, isto é, possui 
uma dupla significação: o termo “atmosfera” de fato faz clara referência ao ambiente, ao mundo 
externo; o segundo, porém, tem mais relação com o mundo interior do sujeito. 
“O humor delirante se manifesta como um sentimento complexo e vago, de uma tonalidade totalmente 
particular e indescritível: é constituído de pressentimentos estranhos, arcanos e singulares; é estado de 
desânimo, de incerteza; é um experimentar como se o mundo estivesse adquirindo um significado novo, 
indefinível, caótico, de desastre iminente, de ameaça que paira sobre as cabeças, como se já fosse o fim 
do mundo” (Bunke, Barison, Callieri). 
O que acima foi descrito constitui parte de uma bouffée delirante, ou experiência delirante primária. 
Sobre esse terreno, se organiza o delírio, expressão de um organismo que tenta inverter a própria 
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 Eunice Rodrigues 
 
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tendência entrópica positiva, “para o nível de vigilância e “em razão de uma organização biográfico – 
biológica insuficiente, irrompe de uma maneira cataclimática, desintegrando justamente “a 
organização” que não pode mais conter a pressão expansiva da energia variada e, consequentemente, 
também a arquitetura funcional do campo da consciência. 
Tudo isso provoca uma “dispersão energética” e, consequentemente, restabelece uma baixa densidade 
“precedente e basilar” “daquele” biosistema. Verifica-se definitiva e objetivamente um reassentamento 
a níveis reduzidos do “potencial energético” de uma pessoa. 
Ora, se o pensamento, como acho absolutamente, é função do estado energético, não pode senão 
exprimir esse estado, e uma baixa densidade de energia não pode senão produzir uma reorganização 
quando possível; organização essa cuja expressão cortical é o delírio, frágil tanto em função de uma 
questão de conteúdos e de uma possível inverosimilhança dos mesmos quanto também, e 
fundamentalmente, em razão da baixa densidade de energia do biosistema. Isso é extremamente 
evidente nos delírios paranóides e nos delírios parafrênicos e muito menos nos delírios paranóicos. Os 
primeiros são caracterizados por uma experiência delirante primária que se repete numerosas vezes em 
manifestações repentinas e o delírio se enriquece, se modifica, se estende e se complica 
incessantemente enquanto não consegue neutralizar a dispersão psicótica. 
Em primeiro plano estão os aspetos dissolutivos da personalidade; o componente alucinatório é 
marcante e invasivo; predomina a síndrome xenopática; o tema é prevalentemente persecutório; a 
estrutura lógica é muito deficiente; a angústia de aniquilamento, que eu traduziria como 
impossibilidade que a contração tem de frear a dispersão expansiva, é mal controlada. 
Os delírios parafrenéticos coexistem com uma atividade social sensivelmente normal; neles a atividade 
delirante e o componente alucinatório (sempre presente) estão sujeitos a um processo defensivo de 
isolamento e de enquistamento, que apesar dos temas megalomaníacos e fantásticos (ou talvez 
justamente esses permitem uma forte canalização organizativa energética?) deixam lugar a um contato 
suficientemente síntono com a realidade. O componente dissolutivo de personalidade é fraco. As 
alucinações se amalgamam no âmbito de temáticas cósmicas ou de qualquer forma mística, em cujo 
círculo o paciente se insere como protagonista ou interlocutor privilegiado. A estrutura lógica não se 
apresenta muito coerente. A angústia aparece totalmente blindada. 
Para o delírio paranóico sinto densidades energéticas diferentes. O paranóico constitui um biosistema 
capaz de forte densidade de energia. 
Verifica-se a impossibilidade de encontrar a pista de experiência delirante primária, e eu avento a 
hipótese até de sua possível ausência . em outras palavras, o paranóico, poderia não ter chegado nunca à 
desestruturação profundíssima (solar- diafragmática?): é como se o sujeito ficasse preso 
desesperadamente a circuitos elétricos fechados e coesos, frente ao “abismo”, enquadrar a angústia 
psicótica de aniquilamento. 
No delírio paranóico predomina uma organização pseudo - lógica, estreita e quase inamovível. Não são 
fenômenos dissociativos da personalidade que possam ser evidenciados, nem fenômenos alucinatórios. 
Evidenciam-se temáticas polimórficas (persecutórias, de ciúmes, de grandeza), todas mancomunadas 
com uma obstinada atitude reivindicativa. 
O componente prevalente forçado - fálico do paranóico sobressai, e provavelmente é justamente esse 
estágio, estruturado com boa densidade energética que impede a dissolução - dispersão profunda, 
empenhando-se na solidificação da “barreira delirante”. Está claramente presente uma estrutura lógica, 
coerente, lúcida e sistematizada que garante um suficiente controle da realidade.

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