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TUTORIAL – CASO 02 Otávio, 46 anos, trabalho rural (São Felipe), vem com queixa de dispneia aos esforços habituais, há 01 semana. Paciente relata que há 1 semana, apresenta dispneia logo ao início do trabalho. Notou, há mais de um mês, edema em membros inferiores, que iniciaram em região de tornozelo e no momento, vai até raiz de coxa, bilateralmente. Refere dificuldade para dormir, porque após deitar, levanta com piora da dispneia, com sensação de “afogamento”. Nega perda de peso, febre, sangramentos, diarreia. Nega comorbidades e uso de medicamentos contínuos. Nega cirurgias prévias. Refere várias doenças das infâncias, como catapora, sarampo, cachumba e uma em que somente o olho esquerdo ficou bastante edemaciado. Fumante de cigarro de palha (03 ao dia). Etilista (03 doses de pinga por dia). Trabalhador rural, levanta às 04 horas da manhã, com termino às 17 horas. Só faz uma refeição ao dia. Ao exame físico, REG, idade aparente maior que a referida, LOTE, descorado (+/+4), anictérico, acianótico P: 100 bpm, PA: 80 x60, FR: 24 imp. Saturação em ar ambiente: 92% CP: Dente em precárias condições, com falta de várias unidades. Não se palpa linfonodos. Tireoide tópica, ferroelástica, indolor a palpação. Presença de estase jugular à 45º. AR: Expansibilidade diminuída. Frêmito diminuídos em base pulmonar bilateralmente, mais importante a direita. MV presente, abolido em bases pulmonares e em HTD até terço médio. ACV: Ictus ativo, visível e palpável em 6º espaço em linha axilar anterior esquerdo. Presença de sopro plurifocal, mais importante em FM III/VI, sem irradiação. ABD: Globoso às de LA, com presença de semicírculo de Skoda. Fígado à 5cm de RCD, levemente endurecido, bordas lisas. Espaço de traube livre. Sem presença de circulação colateral. EXT: Perfusão lentificada. Presença de edema em membros inferiores, com cacifo positivo até parte proximal de coxa. SÍNDROME EDEMATOSA Raciocínio diagnóstico Edema é uma condição frequente em diversas condições clinicas, sobretudo em IC, alterações renais e hepatopatias. O local mais comum de edema é nos MM. O local mais comum é nos MMII, porém fazer a investigação minuciosa da face (regiões subpalpebrais) e região pré-sacral, principalmente em pacientes acamados. O surgimento de edema decorre de alterações nas forças que mantem o equilíbrio entre o liquido que esta dentro e fora dos vasos. Seus principais mecanismos de formação são: aumento da pressão hidrostática, diminuição da pressão oncótica (hipoalbumina) ou diminuição da drenagem linfática. Quando falamos insuficiência cardíaca direita, estamos falando de redução da função das câmaras direitas do coração. Quando isso ocorre, o sangue não consegue ser bombeado adequadamente para os pulmões através das artérias pulmonares. Assim, uma síndrome congestiva se dá em direção as veias cavas por mecanismo de enchimento retrógrado, uma vez que o sangue não consegue avançar de forma adequada. A congestão do sistema venoso aumenta a pressão hidrostática no sistema venoso, dificultando o retorno do líquido do terceiro espaço novamente para a circulação na periferia e, consequentemente, tem-se a formação de edema. Na insuficiência cardíaca direita, os pacientes se apresentam com edema periférico, principalmente em membros inferiores, que tende a piorar ao longo do dia com a ortostase. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Definição Quando a bomba cardíaca falha. Insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, na qual o coração é incapaz de bombear sangue de forma a atender às necessidades metabólicas tissulares, ou pode fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento. Tal síndrome pode ser causada por alterações estruturais ou funcionais cardíacas e caracteriza-se por sinais e sintomas típicos, que resultam da redução no débito cardíaco e/ou das elevadas pressões de enchimento no repouso ou no esforço Como muitos pacientes não apresentam sinais ou sintomas de sobrecarga de volume, o termo “insuficiência cardíaca” passou a ser preferido em detrimento do antigo “insuficiência cardíaca congestiva”. Outro conceito é o que nos permite diferenciar a IC com ejeção reduzida (- 40%) e a IC com ejeção preservada (paciente tem sintomas, tem dispneia mas a FE está acima de 40%). O termo “insuficiência cardíaca crônica” reflete a natureza progressiva e persistente da doença, enquanto o termo “insuficiência cardíaca aguda” fica reservado para alterações rápidas ou graduais de sinais e sintomas resultando em necessidade de terapia urgente. Epidemiologia Afeta no mundo, mais de 23 milhões de pessoas. A sobrevida após 5 anos de diagnóstico pode ser de apenas 35%, com prevalência que aumenta conforme a faixa etária (aproximadamente de 1% em indivíduos com idade entre 55 e 64 anos, chegando a 17,4% naqueles com idade maior ou igual a 85 anos). Maior prevalência geral em homens, mas pelo menos metade dos casos ocorre em pacientes do sexo feminino em razão de sua maior expectativa de vida. Dispneia é o sintoma mais importante e limita muito a qualidade de vida Acredita-se que a prevalência total da IC esteja aumentando, em parte porque as terapêuticas atuais para as doenças cardíacas, como infarto do miocárdio (IM), cardiopatia valvar e arritmias, têm permitido que os pacientes sobrevivam por mais tempo. Já se pensou que a IC ocorreria principalmente em pacientes com diminuição da fração de ejeção (FE) ventricular esquerda (VE); entretanto, estudos epidemiológicos demonstraram que aproximadamente metade dos pacientes que evoluem com IC apresentam FE normal ou preservada (FE ≥ 50%). Por consequência, os termos históricos IC “sistólica” e “diastólica” foram abandonados, e hoje os pacientes são classificados genericamente como IC com fração de ejeção reduzida (ICFER; anteriormente insuficiência sistólica) ou IC com Thaís Silva | 6º Período 2022.1 fração de ejeção preservada (ICFEP; anteriormente insuficiência diastólica). Etiologia/fatores de risco Qualquer condição que leve a alterações na estrutura ou função VE pode predispor o paciente a evoluir com IC. Ainda que a etiologia da IC nos pacientes com FE preservada seja diferente daquela encontrada nos casos com diminuição da FE, há considerável sobreposição de etiologias para essas duas condições. Nos países industrializados, a doença arterial coronariana (DAC) tornou-se a principal causa em homens e mulheres, sendo responsável por 60 a 75% dos casos de IC. A hipertensão arterial contribui para o desenvolvimento de IC em 75% dos pacientes, incluindo a maioria daqueles com DAC. DAC e hipertensão arterial interagem para aumentar o risco de IC, assim como a diabetes melito. Redução dos fatores de risco: O alto risco de IC associado à hipertensão, diabetes, doença coronariana e obesidade os identifica como áreas prioritárias para esforços preventivos. Como exemplo, os principais ensaios de hipertensão indicam claramente que o tratamento da hipertensão reduz o risco de IC. Uma meta-análise descobriu que o controle da hipertensão em idosos pode reduzir a incidência de IC em 39%. PREVENÇÃO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA O tratamento da hipertensão, com foco na pressão sistólica, reduz a incidência da insuficiência cardíaca em 50%. Esta intervenção permanece eficaz mesmo em pacientes com mais de 75 anos de idade. Qualquer intervenção que reduza o risco de um primeiro IAM ou IAM recorrente também irá reduzir a incidência de insuficiência cardíaca. Em pacientes com frações de ejeção reduzidas, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), bloqueadores de aldosterona e os βbloqueadores previnem ou adiam a disfunção e a dilatação ventricular progressivas e o início ou agravamento da insuficiência cardíaca. Uma intervenção oportuna para a doença valvar progressiva oferece outra oportunidade para prevenir uma eventual insuficiência cardíaca. Fisiopatologia Pode resultar de muitas doenças cardíacas e sistêmicas. A insuficiênciacardíaca se inicia quando um evento-índice lesa o músculo cardíaco, resultando em perda da função dos miócitos cardíacos ou, diminuição da capacidade do miocárdio de gerar força, impedindo, assim, que o coração se contraia normalmente, ou seja, produz o declínio na capacidade de bombear do coração. Após esse declínio inicial, diversos mecanismos compensatórios são ativados. Em curto prazo, esses sistemas são capazes de manter a capacidade da função cardiovascular dentro do limite da homeostase normal, fazendo o paciente se manter assintomático. Com o passar do tempo, a ativação mantida de tais sistemas causa dano secundário no órgão-alvo do ventrículo, com agravamento do remodelamento ventricular e subsequente descompensação cardíaca. MECANISMOS COMPENSATÓRIOS (tentam manter a pressão de perfusão periférica e o debito cardíaco = reserva cardíaca) Cardíacos Possui 3 determinantes: 1. Pré-carga: relacionada ao retorno venoso. Mecanismo de Frank-Starling, no qual o aumento dos volumes de enchimento dilata o coração e aumenta a formação de pontes transversais de actinamiosina, aumentando a contratilidade e o volume de derrame (Pode ocorrer adaptações miocárdias, incluindo hipertrofia com ou sem dilatação das câmaras cardíacas; e pode ter também a ativação dos sistemas neuro-humorais para aumentar a função cardíaca e/ou regular volumes e pressões de enchimento). 2. Contratilidade, relacionada com o inotropismo, que tem relação com a quantidade de cálcio intracelular, quanto mais cálcio no sarcômero, maior a interação entre actina e miosina e mais força o coração consegue fazer. 3. Pós-carga: relacionado com a resistência vascular sistêmica, com a tonicidade dos vasos periféricos, uando o coração tem que ejetar contra vasos contraídos ele tem que fazer mais força. Um coração que tem a contração normal, tem que elevar muito a a pós-carga para o DC reduzir, corações que já tem uma deficiência de contração o DC cai consideravelmente. Sistema nervoso adrenérgico e Sistema renina-angiotensina-aldosterona. A diminuição do débito cardíaco nos pacientes com IC produz uma “descarga” dos barorreceptores de alta pressão (círculos) localizados em VE, seio carotídeo e arco aórtico. Essa descarga dos barorreceptoresperiféricos leva à perda do tônus parassimpático inibitório para o sistema nervoso central (SNC), resultando em aumento generalizado no tônus simpático eferente e em liberação não osmótica de arginina-vasopressina (AVP) pela hipófise. A AVP (ou hormônio antidiurético [ADH]) é um vasoconstritor potente que aumenta a permeabilidade dos ductos coletores renais, levando à reabsorção de água. Esses sinais aferentes ao SNC também ativam vias eferentes do sistema nervoso simpático que inervam o coração, os rins, a vasculatura periférica e os músculos esqueléticos. A estimulação simpática dos rins leva à liberação de renina, produzindo aumento nos níveis circulantes de angiotensina II e aldosterona. A ativação do sistema renina-angiotensina- aldosterona promove retenção de água e sal e leva à vasoconstrição da vasculatura periférica, hipertrofia dos miócitos, morte celular de miócitos e fibrose miocárdica. Embora os mecanismos neuro-hormonais facilitem a adaptação em curto prazo, mantendo a pressão arterial e perfusão dos órgãos vitais, acredita-se que também contribuam para as alterações observadas nos órgãos- alvo, no coração e na circulação, bem como para a retenção excessiva de água e sal nos casos avançados de IC. Sistema das citocinas Ativação de uma família de moléculas vasodilatadoras compensatórias, incluindo os peptídeos natriuréticos atrial e cerebral (ANP e BNP), as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) e o óxido nítrico (NO), os quais compensam a vasoconstrição vascular periférica excessiva. MECANISMOS BÁSICOS DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Insuficiência cardíaca com redução da fração de ejeção: O remodelamento VE ocorre em resposta a uma série de eventos complexos nos níveis celular e molecular. Tais alterações consistem em: (1) hipertrofia de miócitos; (2) alterações das propriedades contráteis dos miócitos; (3) perda progressiva de miócitos em razão de necrose, apoptose e morte celular autofágica; (4) dessensibilização β-adrenérgica; (5) alterações no metabolismo energético do miocárdio; e (6) reorganização da matriz extracelular com dissolução da estrutura organizada da trama do colágeno ao redor dos miócitos e substituição subsequente por matriz do colágeno intersticial incapaz de prover apoio estrutural aos miócitos. Os estímulos biológicos para essas alterações profundas são estiramento mecânico dos miócitos, neuro-hormônios circulantes (p. ex., norepinefrina, angiotensina II), citocinas inflamatórias (p. ex., fator de necrose tumoral [TNF]), outros peptídeos e fatores de crescimento (p. ex., endotelina), bem como espécies reativas do oxigênio (p. ex., superóxido). Acredita-se que a sobreexpressão mantida dessas moléculas biologicamente ativas contribua para a evolução da IC em razão dos seus efeitos deletérios sobre o coração e a circulação. (Essa percepção embasa o raciocínio clínico que justifica o uso de agentes farmacológicos antagonistas a tais sistemas (p. ex., inibidores da enzima conversora de angiotensina [ECA] e β-bloqueadores) no tratamento dos pacientes com IC). ALTERAÇÃO DA HOMODINÂMICA: → Resposta inadequada do débito cardíaco (que vai levar a perfusão inadequada) → Elevação da pressão pulmonar → Elevação da pressão venosa sistêmica → Inapropriada perfusão tecidual Quadro clínico Os principais sintomas de IC são fadiga e dispneia. Os sintomas da IC incluem aqueles decorrentes do acúmulo excessivo de líquidos (dispneia, ortopneia, edema, dor por congestão hepática e desconforto abdominal devido à distensão da ascite) e aqueles decorrentes da redução do débito cardíaco (fadiga, fraqueza) que é mais pronunciada com esforço. A retenção hídrica na IC é iniciada pela queda do débito cardíaco, levando a alterações na função renal, em parte devido à ativação dos sistemas renina-angiotensina-aldosterona retentores de sódio e do sistema nervoso simpático. Enquanto a insuficiência cardíaca do lado esquerdo é a principal causa de insuficiência do lado direito, a insuficiência do lado direito também tem outras causas, incluindo hipertensão pulmonar e disfunção da válvula tricúspide e da válvula pulmonar. o Ainda que a fadiga seja atribuída ao baixo débito cardíaco da IC, é provável que anormalidades musculares esqueléticas e outras comorbidades não cardíacas (p. ex., anemia) contribuam para esse sintoma. o Nos primeiros estágios da IC, a dispneia é observada apenas durante exercício; entretanto, à medida que a doença evolui, esse sintoma passa a ser provocado por atividades cada vez menores até, por fim, ocorrer inclusive durante o repouso. o A dispneia da IC provavelmente é multifatorial. O mecanismo mais importante é a congestão pulmonar com acúmulo de líquido no interstício ou dentro dos alvéolos, o que ativa os receptores J justacapilares, estimulando a respiração rápida e superficial característica da dispneia cardíaca. o Outros fatores podem contribuir para a dispneia aos esforços, incluindo redução na complacência pulmonar, aumento da resistência nas vias respiratórias, fadiga dos músculos respiratórios ou do diafragma e anemia. A dispneia pode se tornar menos frequente com o surgimento de insuficiência ventricular direita (VD) e de insuficiência tricúspide. ORTOPNEIA: dispneia ocorrendo em posição deitada, em geral é uma manifestação mais tardia de IC em comparação com a dispneia aos esforços. Causada pela redistribuição de volume da circulação esplâncnica e dos membros inferiores para a circulação central quando o paciente permanece deitado, com o consequente aumento da pressão capilar pulmonar. A tosse noturna é uma manifestação comum desse processo, sendo um sintoma muitas vezes negligenciado.Costuma ser aliviada quando o paciente senta ou dorme recostado sobre muitos travesseiros. Também pode ocorrer em pacientes com obesidade abdominal ou com ascite e naqueles com doença pulmonar cuja mecânica favoreça a postura ereta. DISPNEIA PAROXÍSTICA NOTURNA (DPN): episódios agudos de dispneia e tosse à noite e despertam o paciente, em geral 1 a 3 horas após deitar. Pode se manifestar na forma de tosse ou de sibilos, em razão do aumento da resistência nas vias respiratórias. Nos casos de DPN, a tosse e os sibilos se mantêm mesmo com os pacientes em posição ereta. A asma cardíaca está relacionada com a DPN, é caracterizada por sibilos secundários ao broncospasmo e deve ser diferenciada da asma primária, bem como das causas pulmonares para os sibilos. RESPIRAÇÃO DE CHEYNE-STOKES: Também conhecida como respiração periódica ou cíclica, a respiração de Cheyne- Stokes está presente em 40% dos pacientes com IC avançada e em geral está associada a baixo débito cardíaco. A respiração de Cheyne-Stokes é causada pela redução da sensibilidade do centro respiratório à PCO2 arterial. Observa-se uma fase de apneia durante a qual a PO2 arterial cai e a PCO2 arterial aumenta. Essas alterações nos gases arteriais estimulam o centro respiratório, resultando em hiperventilação e hipocapnia, seguidas de apneia recorrente. A respiração de Cheyne- Stokes costuma ser percebida pelo paciente ou por sua família como uma dispneia grave com suspensão transitória da respiração. EDEMA AGUDO DE PULMÃO: O edema pulmonar resulta de uma transudação do líquido para dentro dos espaços alveolares devido a elevações agudas nas pressões hidrostáticas capilares decorrentes de uma depressão aguda da função cardíaca ou de uma elevação aguda no volume intravascular. Os sintomas iniciais podem ser tosse ou dispneia progressiva. Como o edema alveolar pode precipitar o broncoespasmo, os sibilos são comuns. Se não for tratado, o paciente passa escarrar um líquido róseo (ou tinto de sangue), espumoso, tornando-se cianótico e acidótico. → As apresentações agudas e subagudas (dias a semanas) são caracterizadas principalmente por falta de ar, em repouso e/ou com esforço. Também comuns são ortopneia, dispneia paroxística noturna e, na IC direita, desconforto no hipocôndrio direito por congestão hepática aguda, que pode ser confundido com colecistite aguda. Pacientes com taquiarritmias atriais e/ou ventriculares podem queixar-se de palpitações com ou sem tontura. → As apresentações crônicas (meses) diferem em que fadiga, anorexia, distensão abdominal e edema periférico podem ser mais pronunciados do que a dispneia, pois a dispneia pode ser mais sutil e de natureza de esforço. Como os pacientes que desenvolvem IC tendem a se retirar gradualmente da atividade física, eles são menos propensos a perceber os sintomas. Com o tempo, a capacitância venosa pulmonar e a drenagem linfática se acomodam ao estado crônico de sobrecarga de volume, levando a um menor ou nenhum acúmulo de líquido nos alvéolos, apesar do aumento da água pulmonar total e das altas pressões de enchimento. Os pacientes neste cenário apresentam fadiga excessiva e sintomas de baixo rendimento, e alguns relatam dispnéia predominantemente com esforço ao invés de repouso ou na posição supina (como na IC aguda). A anorexia é secundária a vários fatores, incluindo má perfusão da circulação esplâncnica, edema intestinal e náusea induzida por congestão hepática. Classificação A IC pode ser determinada de acordo com a fração de ejeção (preservada, intermediária e reduzida), a gravidade dos sintomas (classificação funcional da New York Heart Association − NYHA) e o tempo e progressão da doença (diferentes estágios). CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A FRAÇÃO DE EJEÇÃO o Normal, preservada: ≥ 50% - (ICFEP) o Intermediaria: entre 40 e 49% eram considerados “zona cinzenta da fração de ejeção” o Reduzida: < 40% Essa diferenciação de acordo com a FEVE tem importância, uma vez que os pacientes diferem em relação às suas principais etiologias, às comorbidades associadas e, principalmente, à resposta à terapêutica. Até o momento, somente pacientes com ICFER têm demonstrado redução consistente da morbimortalidade com o tratamento farmacológico. Tanto o diagnóstico quanto o tratamento de pacientes com ICFEP são desafiadores e merecem atenção especial. Pacientes com ICFEI podem representar diferentes fenótipos, incluindo pacientes em transição da ICFEP para ICFER, ou vice-versa, quando ocorre recuperação da fração de ejeção após tratamento adequado da ICFER. Estes pacientes podem ser classificados como ICFEI ou até ICFEP, quando há recuperação total da fração de ejeção, porém devem ser avaliados com cuidado, uma vez que mantêm risco adicional de eventos clínicos adversos. CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A GRAVIDADE DOS SINTOMAS Valoriza a capacidade para o exercício e a gravidade dos sintomas da doença. Se baseia no grau de tolerância ao exercício e varia desde a ausência de sintomas até a presença de sintomas mesmo em repouso. Permite avaliar o paciente clinicamente, auxilia no manejo terapêutico e tem relação com o prognóstico. Pacientes em classe funcional da NYHA III a IV apresentam condições clínicas progressivamente piores, internações hospitalares mais frequentes e maior risco de mortalidade. *embora pacientes em NYHA II apresentem sintomas mais estáveis e internações menos frequentes, o processo da doença nem sempre é estável, e estes pacientes podem apresentar morte súbita sem piora dos sintomas. CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A PROGRESSÃO DA DOENÇA A classificação por estágios da IC enfatiza o desenvolvimento e a progressão da doença. Esta classificação inclui desde o paciente com risco de desenvolver IC, cuja abordagem deve ser feita no sentido de prevenir seu desenvolvimento, quanto o paciente em estágio avançado da doença, que requer terapias específicas, como transplante cardíaco e/ou dispositivos de assistência ventricular. IC DESCOMPENSADA Paciente que já sabe que tem IC e acaba descompensando: má adesão ao tratamento, processo infeccioso, arritmia. A partir do momento que ele descompensa ele passa a apresentar sinais de congestão ou sinais de baixo débito. Na congestão, pode ser, sistêmica: ICDireita com edema de membros inferiores, hepatomegalia dolorosa, estase e turgência de julgular, ascite, e pode ser também pulmonar: ICEsquerda, paciente tem dispneia, creptações, pode ter o não os sinais de baixo débito (pele fria, pegajosa, alterações do nível de consciência). CLASSIFICAÇÃO EM RELAÇÃO AO LADO: DIREITO X ESQUERDO A esquerda é mais comum, inclusive porque a principal causa de IC direita é a IC esquerda. A mais comum é a esquerda, depois a congestiva e depois a direita isolada. - O lactato é o exame laboratorial mais precoce que vai inferir hipoperfusão tecidual, e o dado clínico mais precoce vai ser oligoanúria. Outros dados são sonolência, TAC, extremidades frias, etc. - Na IC esquerda, a estase sanguínea pode fazer trombo, e se o paciente fizer uma arritmia, esse trombo pode ir para qualquer lugar. - Na IC direita vai ter a congestão sistêmica, causando turgência de jugular, refluxo hepatojugular, ascite, edema de MMII, hepatomegalia, etc. - As possíveis causas de IC exclusivamente direita vão estar no pulmão ou no coração direito, como TEP, DPOC, doenças pulmonares intersticiais (COR PULMONALE → Qualquer alteração nas câmaras direitas de origem pulmonar), arritmia do ventrículo direito, anomalia de Ebstein, infarto de VD, etc. CLASSIFICAÇÃO EM RELAÇÃO À FUNÇÃO o IC sistólica: é aquela em que ocorre difculdade de contrair o miocárdio e, consequentemente, de ejetar o sangue, sendo representada laboratorialmente por uma fração de ejeção REDUZIDA no ecocardiograma (FE <= 40%). o IC diastólica: ocorre restrição do relaxamento ventricular e, consequentemente, do seu enchimento diastólico, estandosua capacidade contrátil inalterada, isto é, sua fração de ejeção é PRESERVADA (FE >= 50%). CLASSIFICAÇÃO EM RELAÇÃO AO DEÉBITO É considerada de alto débito quando ocorre aumento do trabalho cardíaco na ausência de alguma alteração orgânica no coração na tentativa ineficaz de suprir alta demanda metabólica. Diagnóstico 2 critérios maiores e 2 menores que não possam ser atribuídos a outra patologia O diagnóstico é clínico pelos critérios de Framingham e Boston, mas pode utilizar exames complementares para auxiliar. Avaliação não invasiva: o BNP e NT-proBNP (diagnóstico e prognóstico) → Sempre elevado na IC, mas o exame tem que estar associado à clínica (BNP tem valor na dúvida diagnóstica). O BNP também pode servir para avaliar prognóstico e resposta ao tratamento (mas NÃO deve seriar BNP). o ECG → Pode ter BRD, BDAS (pensar em Chagas), sobrecargas ventriculares, arritmias, supra de ST, infra de ST, etc → (Vai ajudar na etiologia). o Rx de tórax → Avaliar índice cardiotorácico e diagnóstico diferencial. o ECO TT → Avaliação morfofuncional do coração. o RNM cardíaca → Solicita quando o eco for inconclusivo ou quando quiser fazer um diagnóstico diferencial entre os vários tipos de cardiopatias. o Holter 24h → Principalmente em paciente com disfunção ventricular, porque envolve fibrose e pode causar arritmias. O último sinal de congestão sistêmica a desaparecer na compensação é o refluxo hepatojugular. Supra de ST difuso com concavidade para cima, pensar em pericardite. Avaliação invasiva: o Cineangiocoronariografia (cateterismo) → Suspeita de miocardiopatia isquêmica, para revascularização. o Biópsia endomiocárdica → Menos utilizado, muito invasivo, só usa em diagnósticos diferenciais que a ressonância não ajudou. o EEF (estudo eletrofisiológico) → Vai estudar a eletrofisiologia na suspeita de arritmias malignas (como FV e TV) → Pensar em pedir em pacientes com IC recorrente ou já tiveram morte súbita abortada. Exames laboratoriais de rotina: Nos casos de início recente e naqueles com descompensação aguda de quadro crônico, devem ser realizados hemograma completo, perfil dos eletrólitos, dosagens de ureia sanguínea, da creatinina sérica e das enzimas hepáticas, bem como análise de urina. Alguns pacientes devem ser investigados para detecção de diabetes melito (glicemia em jejum ou teste de tolerância à glicose), dislipidemia (perfil lipídico em jejum) e disfunção tireoidiana (nível do hormônio estimulante da tireoide [TSH]). ELETROCARDIOGRAMA (ECG): Recomenda-se a realização de ECG de 12 derivações. Seu principal objetivo é avaliar o ritmo cardíaco, determinar a presença de hipertrofia VE ou de IM prévio (presença ou ausência de ondas Q), assim como determinar a largura do QRS para avaliar se o paciente pode ser beneficiado com a terapia de ressincronização (ver adiante). O ECG normal praticamente exclui disfunção sistólica do VE. RADIOGRAFIA DO TÓRAX: A radiografia do tórax fornece informações úteis acerca das dimensões e da forma do coração, assim como sobre o estado da vasculatura pulmonar, podendo, ainda, identificar causas não cardíacas para os sintomas do paciente. Embora os pacientes com IC aguda apresentem evidências de hipertensão pulmonar, de edema intersticial e/ou de edema pulmonar, a maior parte dos pacientes com IC crônica não apresenta quaisquer desses sinais radiográficos. A ausência de tais achados nos pacientes com IC crônica reflete o aumento da capacidade dos linfáticos de remover o líquido intersticial e/ou o pulmonar. AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO VE A imagem cardíaca não invasiva é essencial para diagnóstico, avaliação e condução dos casos de IC. O exame mais útil é o ecocardiograma bidimensional (2D) com Doppler, capaz de fornecer uma avaliação semiquantitativa das dimensões e função do VE, assim como sobre a presença ou ausência de anormalidades valvares e/ou na mobilidade da parede (indicativas de IM prévio). A presença de dilatação atrial esquerda e hipertrofia VE, junto com alterações no enchimento diastólico do VE identificadas por ondas de pulso e Doppler tecidual, são úteis para avaliar os casos de IC com FE preservada. O ecocardiograma 2D com Doppler também é inestimável na investigação das dimensões do VD e das pressões pulmonares, parâmetros fundamentais à avaliação e tratamento do cor pulmonale (ver adiante). A imagem por ressonância magnética (RM) também fornece uma análise abrangente da anatomia e da função cardíacas, sendo atualmente considerado o padrão-ouro para a avaliação da massa e dos volumes VE. A RM também vem se tornando uma modalidade de imagem útil e precisa para a avaliação de pacientes com IC, tanto em termos de investigação da estrutura do VE quanto para determinação das causas da IC (p. ex., amiloidose, miocardiopatia isquêmica, hemocromatose). O indicador mais utilizado da função VE é a FE (volume sistólico dividido pelo volume diastólico final). Como a FE é fácil de medir com exames não invasivos e fácil de conceituar, ela se tornou muitopopular na clínica diária. Infelizmente, a FE apresenta uma série de limitações para ser considerada um indicador confiável para avaliar a contratilidade, uma vez que é influenciada por alterações na pós-carga e/ou na pré-carga. De qualquer forma, com as exceções indicadas anteriormente, quando a FE é normal (≥ 50%), a função sistólica em geral está preservada, e, quando a FE está significativamente reduzida (< 30 a 40%), a contratilidade está reduzida. BIOMARCADORES: Os níveis circulantes dos peptídeos natriuréticos são ferramentas adjuntas úteis e importantes no diagnóstico dos pacientes com IC. Tanto o peptídeo natriurético do tipo B (BNP) como o fragmento N-terminal do percursor do peptídeo natriurético cerebral (NT-pro-BNP), liberados do coração insuficiente, são marcadores relativamente sensíveis para a presença de IC com redução da FE; ainda que em menor grau, também se encontram elevados nos pacientes que têm IC com FE preservada. Nos pacientes ambulatoriais com dispneia, a dosagem de BNP e de NT-pro-BNP é útil para corroborar a decisão clínica acerca do diagnóstico de IC, especialmente em quadro de incerteza clínica. Além disso, a dosagem de BNP ou de NT- pro-BNP é útil para definir o prognóstico ou a gravidade da doença em caso de IC crônica e pode ser útil para se chegar na dose ideal da terapia medicamentosa em pacientes euvolêmicos clinicamente selecionados. No entanto, é importante ressaltar que os níveis dos peptídeos natriuréticos aumentam com a idade e com a disfunção renal, são mais elevados nas mulheres e podem estar aumentados em IC de qualquer etiologia. Os níveis podem estar falsamente baixos em pacientes obesos. Outros biomarcadores mais recentes, como ST-2 solúvel e galectina-3, podem ser usados para definir o prognóstico de pacientes com IC. TESTES COM EXERCÍCIO Testes feitos em esteira ou bicicleta ergométrica não são rotineiramente recomendados aos pacientes com IC, mas podem ser úteis na avaliação da necessidade de transplante cardíaco em pacientes com IC avançada (Cap. 281). Níveis de consumo máximo de oxigênio (VO2 ) < 14 mL/kg/min estão associados a um prognóstico relativamente pior. Os pacientes com VO2 < 14 mL/kg/min têm apresentado melhor sobrevida quando submetidos a transplante do que quando tratados clinicamente. PROGNÓSTICO: - Os extremos de idade são sinal de mal prognóstico (principalmente maiores de 65 anos). - Pacientes que persistem em NYHA III ou IV mesmo em terapia otimizada. - Pacientes que chegam com caquexia cardíaca ou sarcopenia. - Sinais de instabilidade hemodinâmica. - Arritmias ventriculares malignas, BRE, fibrilação atrial. - Ter disfunção ventricular < 30% (principalmente < 15%). - Pacientes que além da disfunção do VE, também tem disfunção do VD. - Piora da função renal e hepática por baixo fluxo. - Hiponatremia dilucional persistente (quefaz lasix e não melhora – HipoNa é o principal marcador de mau prognóstico). - BNP ou NT-proBNP muito elevados. - Citocinas elevadas, podendo induzir caquexia cardíaca. Tratamento NÃO FARMACOLÓGICO: - Programa de manejo de IC, para melhorar adesão, autocuidado e qualidade de vida, e reduzir hospitalizações, mortalidade e custos hospitalares. - Reabilitação cardiovascular (exercício aeróbico regular) para ICFER e na ICFEP em NYHA II e III. - Vacinação contra influenza e pneumococo para evitar fatores agravantes na IC. - Suplemento alimentar com ômega-3 (reduz mortalidade e internações cardiovasculares) → resultados discretos. - Evitar ingesta de sal > 7g/dia. Obs: Fazer tratamento não farmacológico para qualquer tipo de IC. A vacina contra pneumococo é feita a cada 5 anos. É necessário cessar tabagismo e etilismo. FARMACOLÓGICO – COM FRAÇÃO REDUZIDA O tratamento clássico da IC, é aquele para pacientes com fração de ejeção reduzida, abaixo de 40%. Para esses pacientes o tratamento é bem estabelecido e diminui a mortalidade da doença. Terapia tripla: IECA ou BRA + Betabloqueador (carvedilol, succinato de metoprolol, bisoprolol e nebivolol) + antagonista mineralocorticoide (espironolactona). O objetivo é inativar os mecanismos adaptativos da IC para evitar a remodelação ventricular. (Mesmo em um paciente com disfunção ventricular no estágio B (sem sintomas) faz a terapia tripla). → O uso do IECA/BRA é por conta da ação vasodilatadora, fazendo o reverso da vasoconstricção que ocorre na IC que causa remodelamento ventricular. O betabloqueador vai agir inibindo a ativação adrenérgica. Depois da terapia tripla, reavaliar o paciente após 3 a 6 meses: 1. Se continuar assintomático (NYHA I), mantém a terapia tripla 2. Se fica sintomático (NYHA I e II), reavalia função do VE com eco o Se FEVE < ou igual a 35%, troca o IECA ou BRA por sacubitril-valsartana o Se FEVE < ou igual a 35%, com ritmo sinusal fazendo FC alta (maior que 70bpm mesmo com beta bloqueador em dose máxima), associa ivabradina o Outra possibilidade no lugar do sacubitrol-valsartana é usar como vasodilatador o nitrato e hidralazina, principalmente se for um paciente afrodescendente (tem benefício claro) o Em FEVE < ou igual a 45% com ritmo sinusal ou FA, pode utilizar a digoxina, que aumenta o inotropismo, mas não reduz mortalidade (por isso não é tão utilizado) o Se as medicações não estão ajudando e o paciente está refratário ao tratamento, pode lançar mão da terapia de ressincronização. 3. Se sintomático com NYHA IV, encaminha para especialista em IC para reavaliar função do VE, pelo alto risco de mortalidade Os diuréticos vão ser utilizados para os sintomas congestivos, e devem ser mantidos na menor dose necessária para o paciente. IECA: inibem a ECA → diminui angiotensina II → aumenta bradicinina (síntese de prostaglandinas, vasodilatadores e óxido nítrico → tosse e angioedema). Faz redução da pré carga e pós carga, reduzindo sintomas e mortalidade. Benefícios: Redução de sintomas, aumento da tolerância ao esforço, melhora da qualidade de vida, reduz a progressão da disfunção ventricular, reduz mortalidade por IC. Contraindicações: Cr > 3,5 ou > 50% de aumento da creatinina basal; clearance de creatinina < 20ml/min/m2; K > 5,5 e gravidez. BRA: Usa nos intolerantes ou alérgicos ao IECA (tosse ou angioedema) e tem contraindicações semelhantes aos IECA. Betabloqueador: é antagonista da atividade simpática, melhora a função ventricular e o remodelamento. Precisa ser os que tem efeito cardiomodulador, que são succinato de metoprolol, carvedilol, nebivolol e bisoprolol.Contraindicações: sinais ou sintomas de baixo débito, hipotensão (PAS>100), FC < 60bpm, PR > 0,28s, bloqueio sinoatrial ou BAV avançado. Em pneumopatas, não pode usar o carvedilol pelo risco de broncoespasmo. Usa os cardiosseletivos (seletividade B1) em doses mais baixas (porque em doses máximas perdem a cardiosseletividade). O nevibolol tem maior eficácia em idosos, porque não controla muito bem a FC em esforço, e os idosos costumam ser sedentários). Antagonistas da aldosterona (bloqueador do receptor de mineralocorticoides): é a espironolactona, que vai diminuir mortalidade e taxa de ré-hospitalização. Efeitos adversos: hipercalcemia e ginecomastia Contraindicações: Cr > 2,5; K > 5,0 (a espironolactona é mais agressiva com o rim). FARMACOLÓGICO – FE PRESERVADA - Controle dos fatores de risco - Redução de internações CARDIOMIOPATIA CHAGÁSICA Definição A doença de Chagas (DC) é causada pelo Trypanosoma cruzi, um protozoário parasita que pode causar miopericardite aguda e miocardite crônica fibrosante. A DC é a causa mais comum de cardiomiopatia não isquêmica na América Latina. FASES DA DOENÇA CARDÍACA DE CHAGAS: A história natural da cardiopatia chagásica compreende uma fase aguda e uma fase crônica.A fase crônica inclui duas formas de doença: uma forma indeterminada (latente, pré-clínica) e uma forma determinada (clínica), que é subdividida em formas cardíaca, digestiva e cardiodigestiva. A forma indeterminada é composta por pacientes com evidência de infecção por T. cruzi sem evidência clínica específica de doença cardíaca ou gastrointestinal. Aproximadamente um terço a metade dos pacientes com doença indeterminada eventualmente desenvolvem CCC. Epidemiologia É responsável por uma maior carga de morbidade e mortalidade do que qualquer outra doença parasitária no hemisfério ocidental, incluindo a malária. Chile. A transmissão vetorial ocorre exclusivamente nas Américas, onde cerca de 6 milhões de pessoas estão infectadas. Historicamente, a doença ocorreu predominantemente em áreas rurais da América Latina, onde moradores de casas infestadas estão continuamente expostos a picadas de vetores. A prevalência do T. cruzi é maior na Bolívia, Argentina, Paraguai, Equador, El Salvador e Guatemala. Quadro clínico Aspectos Clínicos: 1. FASE AGUDA SINTOMÁTICA (Tripomastigotas finas) Manifestações locais o Conjuntiva: Sinal de Romaña (edema periocular); o Pele: “Chagomas de inoculação” (lesão similares a furúnculos); o Complexo cutâneo-linfonodal; Aumento dos gânglios pré e retroauriculares, sub-maxilares e cervicais; Manifestações gerais o Febre, edema local e generalizado, comprometimento dos linfonodos; o Discreta hepatoesplenomegalia; o Pequenas alterações cardíacas: taquicardia e queda de pressão arterial; o Meningoencefalite em crianças muito jovens e imunodeprimidos; o Conjuntiva (Sinal de Romaña): Edema bipalpebral unilateral; Congestão conjuntival; Causada por um processo inflamatório; Linfonodos palpáveis; Parasitos intra e extracelulares; o Pele (Chagoma de inoculação): Inflamação aguda local na derme e hipoderme (local da inoculação do parasito); Lesão que lembra um furúnculo; 2. FASE CRÔNICA: FORMA INDETERMINADA ou latente (~ 50%): ninhos de parasitas formados, no período de 10 a 30 anos. o Os indivíduos que sobrevivem à fase agudam assintomática ou sintomática evoluem para a fase crônica e podem permanecer assintomáticos ou com infecção latente (forma indeterminada) por vários anos ou durante toda a sua vida. o Pode ter a detecção através de exames parasitológico e sorológico +, ECG normal; o Discreta cardite apesar de intensa denervação do SNA; Sintomas: normalmente ausentes; FORMA CARDÍACA (20/40%): Relacionada principalmente por fibrose, comprometendo principalmente o sistema nervoso autônomo e o processo de contração e relaxamento do coração ficará comprometido: MAIOR TROMBOSE MAIOR DISTENSÂO MUSCULAR o Cardiopatia chagásica crônica sintomática, o fato clínico principal é a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e isto se deve à diminuição da massa muscular que se encontra muito destruída devido à substituição por áreas de fibrose interrompendo fibras e fascículos; à destruição do SNA simpático e parassimpático e ao próprioexsudato inflamatório em atividade que são os responsáveis pelos sintomas. Outro fator responsável pelas arritmias é a lesão ventricular ou aneurisma de ponta, ou seja, uma lesão encontrada no ápice dos ventrículos, na qual há pobreza de células musculares com consequente hemiação do endocárdio. o O comprometimento do sistema autônomo regulador das contrações cardíacas (nódulo sinusal, nódulo átrio- ventricular e feixe de Hiss) traz como consequência uma grande variedade de perturbações, tanto na formação dos estímulos (arritmia, extrassístoles) como na sua propagação (bloqueio atrioventricular de grau variável, bloqueio do ramo direito do feixe de Hiss, esta última alteração consi-derada patognomônica da doença de Chagas). CARDIOMEGALIA Sintomas: dispneia de esforço, insônia, congestão visceral, edema de membros inferiores e morte. FORMA DIGESTIVA (7 – 11 %) - Representada pelos MEGAS: o MEGAESÔFAGO e MEGACÓLON - O megacólon compreende as dilatações dos cólons (sigmoide e reto) e são mais frequentes depois do esôfago. O diagnóstico é feito mais tardiamente porque a obstipação. Pode causar desnutrição e em casos mais graves obstrução intestinal. (1) alterações morfofuncionais das glândulas do intestino: que secretam vários tipos de hormônios; (2) alterações do reflexo peristáltico intrínseco com relação ao extrínseco; (3) alterações para mais ou para menos da neurossecreção: dos gânglios simpáticos (catecolaminas, indolaminas), que permanecem íntegros interferindo na motilidade e na con- dutibilidade das células musculares; (4) fibrose difusa; Sintomas: Disfagia, odinofagia, dor retroesternal, regurgitação, pirose, soluço, tosse, sialose; Obstipação e perfuração intestinal – peritonite e fecaloma. FORMA NERVOSA Perda ou diminuição dos neurônios – denervação. Sintomas: alterações psicológicas, comportamentais e perda da memória. FORMA CRÔNICA CARDÍACA: Condição assintomática na cardiomiopatia crônica da doença de Chagas. A ausência de sintomas é particularidade marcante nos indivíduos que se encontram em estágios incipientes da doença crônica, quando dano miocárdico – discreto - pode ser detectado apenas por alterações em exames complementares, como distúrbios de condução no ECG, alterações segmentares da mobilidade parietal do ventrículo esquerdo no ecocardiograma ou arritmias ao Holter. Nestes indivíduos pode, contudo, sobrevir a morte súbita por eventos arrítmicos, como evidenciado por estudos demonstrando pior prognóstico em indivíduos com alterações no ECG, ainda que assintomáticos. Os sintomas e sinais físicos presentes na forma crônica da cardiomiopatia da doença de Chagas derivam de quatro síndromes essenciais, que podem usualmente coexistir no mesmo paciente: insuficiência cardíaca, arritmias, tromboembolismo e manifestações anginosas. Síndrome de Insuficiência Cardíaca Nas fases iniciais da manifestação, os sintomas mais frequentes são a fadiga e a dispneia aos esforços sendo, contudo, incomum o registro de sintomas mais intensos de congestão pulmonar, como dispneia paroxística noturna e de decúbito com ortopneia. Na evolução da doença, somam-se os sintomas de congestão venosa sistêmica (turgência jugular, hepatomegalia, edema de membros inferiores e ascite), e a evolução pode ainda progredir para anasarca, adinamia, ou caquexia cardíaca, à semelhança de outras cardiopatias com disfunção ventricular avançada. Ao exame físico, há ainda sinais de cardiomegalia pelo desvio do ictus cordis; pode haver abafamento de B1 em foco mitral, desdobramento permanente de B2 pela presença de BCRD, terceira bulha e sopros regurgitativos de valvas atrioventriculares, que podem ocorrer secundariamente à dilatação das câmaras ventriculares. Os sinais de baixo débito sistêmico podem estar presentes em casos avançados, como pulsos filiformes, perfusão periférica lentificada e oligúria. Estes sinais são comuns a outras síndromes clínicas de insuficiência cardíaca. Em contraposição a estas semelhanças, na insuficiência cardíaca de etiologia da doença de Chagas, a congestão pulmonar é comumente discreta nos estágios avançados da doença, frente a mais exuberante congestão sistêmica, podendo ser a semiologia pulmonar mais afetada pelos sinais de derrame pleural que por crepitações, assim como por níveis pressóricos sistêmicos mais baixos neste grupo de pacientes. Mais rara ainda é a evolução para edema agudo de pulmão nestes casos. Estas particularidades na apresentação clínica podem estar relacionadas a mais frequente concomitância de disfunção biventricular, com insuficiência ventricular direita às vezes mais precoce e pronunciada do que a esquerda nos pacientes com a infecção por T. Cruzi. ACHADOS DO PACIENTE OTÁVIO 1. “após deitar levanta com piora da dispneia”: 2. Estase de jugulares, a 45º: 3. ACV: ictus no 6º EIE, linha axilar anterior (LAA), três polpas digitais, 4. Sopro plurifocal, mais importante em FM III/VI, sem irradiação. 5. AR: expansibilidade diminuída, crépitos finos (sons descontínuos) em bases; 6. ABD: Globoso às de LA, com presença de ascite (semi-circulo de Skoda). Fígado à 5cm de RCD, levemente endurecido, bordas lisas. 7. Ascite (sinal da macicez móvel e do ciclo de Skoda); macicez à percussão em hipocôndrio, a 4 cm do rebordo costal direito (RCD), com dor à palpação profunda do mesmo sítio. 8. Membros inferiores com edema com formação de cacifo positivo. ESTADO GERAL E SINAIS VITAIS: Na IC leve a moderada, o paciente não aparenta desconforto em repouso, exceto quando estiver deitado sem inclinação por alguns minutos. Nos casos mais graves de IC, o paciente deve sentar ereto, sendo possível que apresente dificuldade respiratória e, talvez, impossibilidade de terminar uma frase por estar ofegante. A pressão sistólica pode estar normal ou elevada na IC inicial, mas geralmente encontra-se reduzida nos casos avançados com disfunção VE grave. A pressão de pulso pode se mostrar reduzida, refletindo redução do volume sistólico. A taquicardia sinusal é um sinal inespecífico causado por aumento da atividade adrenérgica. A vasoconstrição periférica, que leva ao esfriamento das extremidades e cianose dos lábios e leitos ungueais, também é causada por atividade adrenérgica excessiva. VEIAS JUGULARES E PULSO VENOSO: O exame das veias jugulares permite estimar o valor da pressão atrial direita. A pressão venosa jugular é mais bem avaliada com o paciente deitado, com a cabeça inclinada a 45°. Nos estágios iniciais da IC, a pressão venosa pode estar normal em repouso, mas elevar acima do normal com a pressão mantida (aproximadamente 15 segundos) sobre o abdome (refluxo abdominojugular positivo). A presença de onda v gigante indica regurgitação tricúspide. EXAME PULMONAR Ruídos respiratórios adventícios (estertores ou crepitação) resultam de transudação de líquido do espaço intravascular para os alvéolos. Nos pacientes com edema pulmonar, os estertores podem ser auscultados em ambos os campos pulmonares, às vezes acompanhados por sibilos expiratórios (asma cardíaca). Quando presentes em pacientes sem doença pulmonar concomitante, os estertores são sinais específicos de IC. Os estertores com frequência estão ausentes nos pacientes com IC crônica, mesmo nos casos com pressões de enchimento elevadas, em razão do aumento na drenagem linfática do líquido alveolar. O derrame pleural é causado por elevação da pressão capilar pleural que produz transudação para a cavidade pleural. Considerando que as veias pleurais drenam tanto para as veias sistêmicas quanto para as pulmonares, o derrame pleural ocorre mais comumente quando há insuficiência biventricular. Embora o derrame pleural costume ser bilateral na IC, quando unilateral, é mais frequente no espaço pleural direito. EXAME CARDIOLÓGICO: não acrescenta informações úteis acerca da gravidade da IC. Se houver cardiomegalia, o ictus cordis estará deslocado inferiormente para umaposição abaixo do quinto espaço intercostal e/ou lateralmente para a linha clavicular média, passando o batimento a ser palpável sobre dois espaços. Em alguns pacientes, é possível ouvir e palpar uma terceira bulha (B3) no ápice cardíaco. Os pacientes com ventrículo direito aumentado ou hipertrofiado podem apresentar um impulso sustentado e prolongado na linha paraesternal esquerda, estendendo-se durante toda a sístole. Uma B3 (ou galope protodiastólico) costuma estar mais presente nos pacientes com sobrecarga volumétrica que tenham taquicardia ou taquipneia e implica comprometimento hemodinâmico. Os sopros característicos de regurgitação mitral e tricúspide com frequência encontram-se presentes nos pacientes com IC avançada. ABDOME E MEMBROS: A hepatomegalia é um sinal importante nos pacientes com IC. Quando presente, o fígado aumentado costuma ser doloroso, podendo pulsar durante a sístole nos casos em que haja regurgitação tricúspide. A ascite, um sinal tardio, ocorre como consequência de aumento da pressão nas veias hepáticas e nas veias que drenam o peritônio. A icterícia, também um achado tardio, é causada por disfunção hepática secundária à congestão do fígado e à hipoxemia hepatocelular, estando associada a aumento das bilirrubinas direta e indireta. O edema periférico é uma das principais manifestações da IC, porém constitui um sinal inespecífico e em geral está ausente nos pacientes tratados adequadamente com diuréticos. O edema periférico costuma ser simétrico e postural, ocorrendo predominantemente nos tornozelos e na região pré-tibial nos pacientes ambulatoriais. Nos restritos ao leito, o edema pode ser observado nas regiões sacral (edema pré-sacral) e escrotal. O edema de longa duração pode estar associada com pele endurecida e pigmentada. CAQUEXIA CARDÍACA (outro sintoma do paciente= perda de peso) Nos casos de IC crônica grave, pode haver perda evidente de peso e caquexia. Provavelmente há diversos fatores envolvidos, como elevação da taxa de metabolismo em repouso; anorexia, náusea e vômitos causados pela hepatomegalia congestiva, bem como pela plenitude abdominal; elevação da concentraçãodas citocinas circulantes, como o TNF; e dificuldade de absorção intestinal causada pela congestão das veias intestinais. Quando presente, a caquexia implica prognóstico reservado.
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