Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 3 PRODUÇÃO E AVALIAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EM LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA Profª Jovania Maria Perin Santos 02 CONVERSA INICIAL Nesta aula abordaremos a produção de materiais didáticos para ensino de língua materna. Faremos uma reflexão inicial considerando direcionamentos teóricos e práticos que irão nos guiar nessa importante tarefa. Poder elaborar materiais próprios fornece aos professores grande possibilidade de adaptar suas aulas e facilitar a compreensão e assimilação dos conteúdos. Com isso, é possível atender às demandas específicas do seu contexto de ensino- aprendizagem. Sabemos que nossos alunos têm diferentes interesses e habilidades. Também há disparidade entre eles, o que até certo ponto é muito natural. Não podemos esperar que haja homogeneidade, ou seja, que todos estejam no mesmo momento de aprendizagem ou que tenham as mesmas facilidades ou dificuldades. A heterogeneidade faz parte da nossa realidade sociocultural. No entanto, grandes disparidades comprometem a qualidade das práticas de ensino e com a produção de atividades extras ou mesmo complementares, os docentes têm a possilidade de contribuir para suprir carências pontuais, seja individualmente ou em relação ao contexto ou realidade em que vivem os alunos. CONTEXTUALIZANDO Quando pensamos na produção de atividades para o ensino, logo nos deparamos com a necessidade de definir como fazer isso e qual procedimento teórico seguir. Um ponto de partida geralmente é a escolha de um texto e a partir dele pensar em perguntas de compreensão e discussão do tema proposto. Mas o que deve nos guiar na escolha de textos e como devemos explorá-los? Para melhor compreender as influências teóricas, vamos iniciar com uma reflexão sobre abordagens e teorias que vêm direcionando o ensino. Considerando a importância da utilização do texto autêntico em sala de aula, vamos fazer algumas considerações a fim de contribuir para a formação de professores e de elaboradores de materiais. Buscaremos elucidar questionamentos frequentes no momento da preparação de atividades e outros materiais. 03 TEMA 1 – AS PRINCIPAIS ABORDAGENS TEÓRICAS QUE INFLUENCIAM AS PRÁTICAS DE ENSINO DE LÍNGUAS Partimos do pressuposto de que as concepções de línguas, ou seja, a forma como entendemos a língua/linguagem e o processo de comunicação são fundamentais no direcionamento de práticas de ensino. Essas concepções também permeiam abordagens teóricas e metodológicas que visam contribuir para a aplicação em sala de aula desses fundamentos teóricos, afinal as metodologias de ensino têm por objetivo fazer a conexão entre teoria e prática. Podemos de um modo abrangente situar as principais influências teóricas no ensino como pertencentes a três fases: o pré-estruturalismo, o estruturalismo e o pós-estruturalismo. Quadro 1 – Principais influências teóricas no ensino Pré-estruturalismo Estruturalismo Pós-estruturalismo Língua como identidade nacional Língua como conjunto de regras ou sistemas; Língua como fato biológico Língua como fenômeno social; Língua como interatividade Fonte: Adaptado de Marcuschi, 2016. Essa classificação destaca a importância do estruturalismo que dominou os estudos científicos ligados à linguagem durante a primeira metade do século XX. Essas fases têm como referência diferentes concepções de língua/linguagem. Na primeira fase, a língua era vista como fator de identidade nacional; na segunda, como sistema de regras; e na terceira fase, como fenômeno social e ainda como interatividade. Essas concepções permeiam as pesquisas teóricas que, por sua vez, influenciam, de algum modo, as práticas de ensino. No século XIX, importantes estudos foram realizados pela linguística através do comparativismo, uma metodologia de trabalho descritiva e histórica. O grande legado dessa corrente teórica é a evidência de que as línguas se transformam com o tempo e que isso é um processo natural e independente da vontade dos falantes. Outro marco importante nesse século foram as pesquisas de Franz Bopp (1791-1867)1, que, em 1816, publica uma obra com estudos comparados entre o sânscrito, o grego, o latim, o persa e o germânico. Esse 1“Filólogo alemão nascido em Mainz, demonstrou a importância do sânscrito para as línguas indo-europeias e é considerado o fundador da linguística comparativa”. (Só Biografias, [s.d]). 04 estudo evidencia a relação de parentesco entre essas línguas ou uma origem comum denominada indo-europeu. A publicação de Bopp é considerada o marco inicial da linguística histórica. No entanto, a linguística só passa a ser considerada um estudo científico 100 anos depois, com a publicação do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, em 1916. Outros pesquisadores de destaque no século XIX são os alemães Wilhelm von Humboldt (1767-1835) e Jacob Grimm (1785- 1863). Na primeira metade do século XX, de acordo com Marcuschi (2016, p. 3), “dos anos 1920 aos anos 1950 predominavam os estudos no plano descritivo e explicativo das formas. Ligados à imanência e autonomia do sistema, sem a percepção dos atores e usuários da língua”. Esses conceitos dominaram as práticas de ensino de línguas, que passaram a desenvolver métodos popularizando as gramáticas pedagógicas, a fixação de estruturas, e deixando de lado a literatura, aspectos semânticos, pragmáticos, sociais, discursivos e cognitivos que só seriam incorporados mais tarde. Ressaltamos que algumas linhas teóricas não foram desenvolvidas considerando a sua aplicação para o ensino. É o caso da gramática gerativa elaborada por Noam Chomsky, que reflete sobre aspectos linguísticos como a capacidade do falante em compor e compreender frases inéditas e também a sua criatividade. Os estudos gerativistas postulam a existência de uma gramática universal, a GU, cujos princípios seriam comuns entre as línguas humanas. O olhar dos estudiosos dessa teoria é semelhante ao olhar de um biólogo que, com um microscópio, chega a partes mais minuciosas de um organismo. Ainda hoje, esses estudos têm grande importância para a linguística, principalmente nos estudos referentes à sintaxe das línguas. A partir dos anos 1960, tiveram grande importância os estudos teóricos sobre variação linguística e, com isso, houve o surgimento da sociolinguística. Esses estudos fomentaram uma “perspectiva mais sistemática de considerar a língua como fato social e engajada na realidade sócio-antropológica” (Marcuschi, 2016, p. 4) e contribuíram enormemente para o ensino de línguas, que redirecionou seu olhar colocando o aluno em lugar de destaque. Também os estudos da pragmática, sobretudo a teoria dos atos de fala, destacaram-se no meio acadêmico, evidenciando a língua como uma forma de ação, mostrando que com ela não apenas se diz, mas se age. 05 Podemos citar também a influência da psicologia cognitivista, através da qual o ensino se viu diante da necessidade de alterar o seu enfoque: de uma pedagogia centrada no método e no saber (retenção do conteúdo transmitido) para propor uma pedagogia centrada no aluno, nas suas motivações, interesses e necessidades. Por último, vamos citar a influência da linguística textual, que lentamente, a partir dos anos 1960, introduz estudos considerando a língua em contextos de usos reais. Essa linha de estudos tem tido grande influência na produção de materiais didáticos, pois textos passam a ser o ponto de partida para a criação das atividades didáticas, assim como a preocupação com a leitura e o letramento. De acordo com Mendes, não há concepções melhores ou piores, corretas ou incorretas, mas sim, adequadas aos objetivos de pesquisa e/ou de ensino tomadas como referências, bem como aos contextos em que se desenvolvem essas ações. (Mendes, 2012, p. 667) Concluímos,assim, um breve panorama sobre algumas correntes teóricas e abordagens que muito inspiraram o ensino de línguas e também a elaboração de materiais didáticos. Enfrentar a pluralidade linguística e cultural da sala de aula provavelmente demande a utilização de mais do que uma linha teórica. TEMA 2 – COMO ESCOLHER TEXTOS PARA COMPOR O MATERIAL DIDÁTICO PRÓPRIO? Vimos no tema anterior algumas das principais correntes teóricas e abordagens de ensino que trouxeram grande avanço para o processo de ensino- aprendizagem. Existem outras que poderiam ser citadas e que trariam maior entendimento das diversas linhas de estudos da linguagem, por isso convidamos a todos a continuarem com leituras para ampliar seus conhecimentos na área. Agora vamos nos concentrar nos estudos relacionados ao texto. Sabemos que, sobretudo nos anos iniciais da educação fundamental, a leitura e a escrita são conhecimentos que demandam grande tempo e esforço dos professores e dos alunos. Apropriar-se da leitura e da escrita é uma tarefa árdua e que não termina nos primeiros ciclos da aprendizagem, porém é nos primeiros anos e também no meio familiar que o despertar para essas habilidades ocorre. Embora o estímulo familiar e social à leitura e à escrita tenha grande impulso no acesso à cultura letrada, cabe à escola promover tais conhecimentos. 06 Segundo os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), durante os nove anos do ensino fundamental, cada aluno deve tornar-se “capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações”. (Brasil, 1997, p. 21). Entendemos que essa tarefa não é fácil e para que efetivamente isso se torne possível, grandes esforços e investimentos precisam ser feitos. Na citação apresentada nos PCNs, vimos que uma palavra está em destaque: textos. Conclui-se que devemos interpretá-los e produzi-los adequadamente. Vamos ver alguns conceitos para entender melhor o que significa “texto”. De acordo com os PCNs, “pode-se afirmar que texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo e acabado, qualquer que seja sua extensão”. (Brasil, 1997, p. 23). Nesse conceito, temos a visão de texto não apenas na sua forma escrita, como tradicionalmente se entende, mas na sua forma oral, ou seja, uma notícia televisiva, uma palestra ou um filme. A forma oral é considerada como qualquer manifestação comunicativa que envolva a oralidade. Concluindo, texto, na perspectiva apresentada, envolve não apenas a expressão escrita, mas a expressão falada ou mesmo cantada. Para compreendermos o sentido de texto anteriormente apresentado pelos PCNs, precisamos entender também o que significa “atividade discursiva”. Para isso, precisamos perceber que a produção de textos está associada a seus falantes e a suas intenções, mas também às esferas sociais em que o texto irá circular e aos valores ideológicos expressos no texto, sejam eles explícitos ou implícitos. Esse conjunto de elementos ou características que envolvem a produção de textos é considerado como “discurso”. Assim, o texto não é visto simplesmente como uma unidade linguística com formato superior ao de uma frase, mas como uma forma de expressão comunicativa, com um formato relativamente determinado, que é produzido por um ou mais locutores para um ou mais interlocutores em espaços físicos e temporais determinados. Conforme nos explica Rodrigues (2005, p. 158) “a constituição do homem social e da sua linguagem é medida pelo texto; suas ideias e seus sentimentos se expressam (concretizam-se) somente em forma de textos”. A autora está se baseando nos ensinamentos do círculo de Bakhtin2. Vamos agora partir para uma análise prática. Observe a figura a seguir. 2Círculo de Bakhtin é um termo usado para se referir a um grupo de intelectuais russos que desenvolveu importantes estudos relacionados à linguagem no período de 1919 a 1974. (N.A.) 07 Figura 1 – Campanha do agasalho 2017 Fonte: Prefeitura de Curitiba, 2017. Como podemos classificar o gênero do cartaz tomado como exemplo? Gênero literário, informativo ou publicitário? Percebemos que se trata de um texto do gênero publicitário devido a algumas características apresentadas e principalmente pela fonte de onde foi retirado. Agora passamos a identificar que tipo de texto temos: uma carta, um cartaz ou uma entrevista? É fácil identificarmos que é um cartaz, embora outros nomes possam ser usados em diferentes lugares do Brasil. Vamos considerar o texto apresentado como sendo um cartaz publicitário e analisar como é composto. Temos uma mensagem em texto escrito e outra em formato de desenho, além do quadro em branco com as logomarcas das instituições públicas. O que mais chama a atenção quando olhamos para o cartaz é o desenho de uma criança abraçando uma roupa “vestida” por um ser invisível. Há também alguns coraçõezinhos em torno do desenho. Tudo isso junto com as logomarcas e a mensagem de texto compõem uma atividade discursiva da qual fazemos uma leitura rapidamente (ou melhor, podemos fazer uma leitura ou várias, dependendo de como prestamos atenção e interpretamos). Os coraçõezinhos não estão ali por acaso, assim também como a imagem de uma criança branca e loira com os olhos fechadinhos e sorrindo. A linguagem publicitária usa de artifícios bastante significativos e atraentes de modo a ser persuasiva. Entende-se por discurso não apenas a mensagem veiculada, mas as intenções (do locutor) e a construção de sentidos (feita pelos interlocutores) que envolvem um texto. Podemos identificar como locutores as instituições públicas e como interlocutor o público-alvo da campanha. Esse cartaz faz sentido em uma cidade bastante fria como Curitiba e no período do ano que antecede o inverno. 08 Vamos observar duas palavras usadas no texto: “cada” e “coração”. A palavra “coração” nos remete a várias outras palavras de cunho afetivo. Não bastou o desenho de coração, mas foi necessário também haver a palavra expressa. O pronome indefinido “cada” particulariza o substantivo que vem depois, dando maior importância a cada roupa doada. Se tivesse sido usado, por exemplo, “toda roupa doada”, o efeito seria um tanto menor, pois “toda” generaliza a ideia do que vem depois. Essas opções não são por acaso e perceber essas nuanças está relacionado ao trabalho de leitura. Cabe a nós, professores e elaboradores de materiais didáticos, dar subsídios aos alunos para que desenvolvam a capacidade de serem leitores críticos e poderem produzir textos com criatividade e qualidade. No momento da escolha dos textos, precisamos analisar como é possível explorá-lo e principalmente o que esses textos nos oferecem. Também precisamos apresentar aos alunos no decorrer do ano ou do curso diferentes tipos e formatos de textos. Além disso, não podemos perder de vista o nível de conhecimento prévio necessário para compreendê-los e o grau de dificuldade a ser colocado aos alunos. TEMA 3 – EXPLORAÇÃO DE TEXTOS NA ESCOLA Vamos seguir refletindo sobre gêneros discursivos/textuais e sua importância para o ensino. Queremos primeiramente mencionar a necessidade de ler e produzir textos multimodais. Cada vez mais podemos perceber que os diferentes textos que circulam na nossa sociedade apresentam formatos diversos. Percebemos, sobretudo, como as crianças e jovens têm familiaridade com as novas tecnologias e acessam constantemente informações por esses meios. Assim, a leitura de textos realizada na escola não pode se restringir a ler apenas o texto na sua vertente escrita. A multimodalidade aplicada à comunicação traz inovações que influenciam o modo como nos relacionamos com o texto e consequentemente com o modo de ensinar. Isso não significaque devemos deixar de lado os textos impressos e passar a compor nossas aulas apenas com textos multimodais disponíveis na internet ou outros meios, por exemplo. Mas precisamos encontrar caminhos para explorar diferentes formas de linguagens que influenciam nossas práticas cotidianas. De acordo com os Parâmetros Curriculares (Brasil, 2000, p. 31), devemos explorar os conteúdos considerando a percepção da língua e da literatura como 09 práticas sociais e como manifestações culturais. Essas considerações deixam claro que ensinar a língua materna envolve levar para a sala de aula elementos que compõem as vivências em que estamos incluídos. Mas como fazer isso? Como tornar possível o ensino da língua por meio de diferentes textos? Vamos então explorar um pouco mais esse assunto com alguns exemplos. Voltando ao cartaz da Campanha do Agasalho 2017, como podemos explorar esse texto nos níveis iniciais de ensino? Primeiramente podemos fazer perguntas para identificar os objetivos do texto e mesmo para tentar entender do que se trata esse cartaz: por que uma criança está abraçando uma roupa? Que roupa é essa? O que pode estar escrito nesse cartaz? Por que alguém fez esse cartaz? Em que época do ano normalmente esse tipo de campanha ou atividade acontece? E assim por diante. Depois dessa primeira investigação, podemos partir para uma “leitura” ou identificação de palavras. O cartaz apresenta letras e números, que número é? Há o desenho de corações e a palavra coração. Quantas sílabas tem essa palavra? Quais são as vogais, quais são as consoantes? Vimos ainda que o cartaz apresenta o desenho de uma blusa (ou moletom), ou seja, é uma roupa, mas onde está no texto a palavra “roupa”? E assim por diante podemos explorar a leitura. Em níveis mais adiantados, a leitura desse cartaz pode fazer parte do trabalho de pré-leitura e discussão para em seguida ler uma notícia tratando do mesmo tema. Ainda como atividade de pós-leitura, podemos solicitar que os alunos produzam um cartaz para ser afixado na própria escola com o objetivo de recolher roupas para doação. Nesse cartaz, é importante que esteja identificado o locutor (quem está produzindo o texto e organizando a campanha). Também é fundamental o cartaz conter frases de convencimento e ilustrações para compor a ideia. No momento da produção dos textos, o professor irá perceber algumas dificuldades quanto à escrita e adequação do gênero e, assim, poderá dar mais exemplos e orientar quanto à adequação ortográfica e de composição textual. Com essa proposta, estamos diante um texto autêntico, ou seja, um texto que não foi feito para ser usado exclusivamente em sala de aula, mas que circula na mídia de uma determinada cidade e tem seu papel social definido. Foi feito para leitores “reais” e com propósitos também “reais”. A tarefa de produção de texto exemplificada também constitui uma tarefa “real”, uma vez que de fato os cartazes serão afixados e a tarefa cumprida. Nem sempre conseguimos realizar esse tido de atividade, porém escrever para um leitor que não seja o 010 professor faz com que os alunos procurem adequar seu texto para o público destinado. Isso contribui para a observação de que os textos são feitos para determinados leitores e isso irá direcionar a sua produção. Por exemplo, a escolha do léxico ou do vocabulário a ser usado, ou a adequação da linguagem: mais formal ou informal. É justamente essa relação entre locutor e interlocutor (quem escreve e quem lê) que é chamada de dialogismo ou a relação dialógica da linguagem. É claro que a escolha dos textos a serem lidos e mesmo produzidos precisa passar por uma análise quanto ao conhecimento e à possibilidade dos alunos em desenvolver essas atividades. Conhecimentos teóricos normalmente estudados nos cursos de Pedagogia e Letras sobre a ZDP (Zona do Desenvolvimento Proximal) nos ajuda a entender como devemos avançar com os conteúdos. Vamos explorar um pouco mais esse conceito: O conceito de ZDP refere-se ao nível de desenvolvimento mental de cada indivíduo. Segundo Vygotsky (1998), pode-se medir a capacidade mental tomando o desenvolvimento real, isto é, levando em conta tudo o que conseguimos fazer sem ajuda de alguém mais experiente. Dessa forma, a ZDP é uma área psicológica que se forma entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. (Ramos; Marchesan, 2013, p. 17) Solicitar a leitura de textos complexos em níveis iniciais certamente não trará grandes benefícios. Por outro lado, textos muito simples para os níveis mais adiantados também não são instigantes. Por essa razão, é necessário fazer uma avaliação do conhecimento real e do quanto podemos ampliar a possibilidade de compreensão. Esse estudo, ou mesmo percepção, está na base do desenvolvimento de materiais didáticos. Para concluir este tema, vamos mostrar outra opção de trabalho com textos. Trata-se de duas atividades de compreensão de vídeo. Vamos destacar aqui a importância de propormos atividades de pré-leitura para instigar a curiosidade sobre o que abordará o vídeo. Atividade 1 – Pré-leitura para vídeo sobre a campanha de vacinação Diante das imagens a seguir, identifique sobre o que irá falar o vídeo. (Os alunos devem primeiro ver as imagens para depois ver o vídeo. O professor deve instigar perguntando: quem são as pessoas mostradas? O que essas pessoas fazem ou estão fazendo? Que características elas têm? Sobre o que você imagina que o vídeo vai falar?) 011 Fonte: Prints do vídeo “Campanha de Vacinação Contra a Gripe | 2017”. Atividade 2 – Pré-leitura para vídeo sobre apropriação cultural Nessa atividade, o professor deverá também perguntar sobre quem são essas pessoas e o que elas estão fazendo. Além disso, é possível perguntar se eles conhecem o termo apropriação cultural. Com base nas imagens tentar entender o que isso pode significar. Depois dessa conversa, então o vídeo deve ser apresentado. Fonte: Prints do vídeo disponível na reportagem “Apropriação cultural”, TV Brasil, 2017. TEMA 4 – O QUE SÃO GÊNEROS DISCURSIVOS/TEXTUAIS? Vamos agora nos concentrar em conhecimentos sobre os gêneros discursivos/textuais3. De acordo com Carvalho (2005, p. 131), o termo gênero é usado em linguística associado aos estudos do pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975). As teorias sobre a orientação dialógica da linguagem apresentadas por esse autor e o grupo de pensadores do qual fazia parte vêm sendo tomadas 3Gêneros discursivos e gêneros textuais não estão colocados aqui como sinônimos, mas como duas linhas teóricas que, embora muito próximas, apresentam pontos de vista um tanto diferentes, pois enquanto uma se preocupa com as esferas do discurso, outra se centraliza na materialização linguística apresentada pelos textos. (N.A.) 012 como base teórica para o ensino de línguas, seja materna ou estrangeira. Os estudos de Bakhtin eram destinados à crítica literária, mas sua contribuição para os estudos da linguagem tem sido de grande importância, pois, além de sua atualidade, parecem ter preenchido uma lacuna teórica. No entanto, a aplicabilidade desses estudos ao ensino requer um complexo esforço de definição e entendimento das teorias envolvidas. Os gêneros discursivos estão associados aos aspectos sócio-históricos, enquanto que a teoria dos gêneros textuais se refere à materialidade linguística dos textos (Campos, 2016). Acredita-se que o trabalho realizado com os textos nas escolas esteja mais próximo ao contexto de gênero textual que no Brasil tem como referência os estudos do professor Luiz Antonio Marcuschi. Vamos explorar um pouco mais o conceito de gênero: o conceito de “gênero” refere-se a categorias do discurso que são convencionadas socialmente e fazem parte das situações comunicativas. As formasatravés das quais nos comunicamos apresentam características em comum, o que nos permite entender, de modo geral, do que vai tratar o texto, mesmo antes de fazermos a leitura. Podemos identificar, apenas pelo seu formato, se estamos diante do gênero literário, argumentativo ou publicitário com relativa facilidade. Nossos alunos também identificam essas características, pois estamos habituados a utilizá-los para nos comunicar. Porém, poder identificar os gêneros e mesmo o tipo de texto não nos permite necessariamente produzi-los. Para isso, um conhecimento sistematizado é necessário a fim de possibilitar a adequada produção de determinados textos pertencentes a determinados gêneros discursivos/textuais. Tomemos como exemplo os textos da área jurídica: geralmente conseguimos identificar que falam sobre leis, contratos ou regras, mas isso não quer dizer que somos capazes de escrever textos jurídicos. Falamos aqui sobre identificar os gêneros, porém devemos considerar que muitos textos se constituem de forma híbrida, ou seja, não se restringem a um único gênero. Seguimos com a apresentação dos tipos de textos sugeridos pelos PCNs para serem utilizados em sala de aula. Essa classificação segue a orientação para o trabalho direcionado à linguagem oral e à escrita. Veja a seguir. 013 Para o trabalho com a linguagem oral: contos (de fadas, de assombração, etc.), mitos e lendas populares; poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava-línguas, piadas; saudações, instruções, relatos; entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão); seminários, palestras. (Brasil, 1997, p. 72-73) Para o trabalho com a linguagem escrita: receitas, instruções de uso, listas; textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem etc.); quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, classificados etc.; anúncios, slogans, cartazes, folhetos; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-línguas, piadas; contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; textos teatrais; relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos etc.). (Brasil, 1997, p. 72-73) Essas listas são destinadas ao ensino fundamental, conforme explicitado na publicação dos PCNs de 1997. Seguimos agora com algumas observações apresentadas nos PCNs o Ensino Médio (Brasil, 2000). Conforme apresentado nessa publicação, o chamado ensino médio apresenta mudanças na organização das disciplinas. Por isso, o que antes era chamado de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, Educação Física e Informática, agora integram uma mesma área de conhecimento: a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Essa nova configuração coloca em destaque as práticas de leitura de diferentes gêneros, assim como as vivências através do meio tecnológico. O 014 conceito de texto é bastante abrangente e é visto na sua amplitude e conexão com outros conhecimentos. Os conteúdos da língua portuguesa são vistos agora como parte de um conceito maior chamado de linguagens. Esse conceito considera a comunicação em sua vertente: verbal, não verbal e digital. Tudo isso aponta para a grande necessidade de atualização e adequação às propostas de ensino. Faz-se necessário ser um observador atento das vivências e das formas de comunicação para que possamos explorá-las em nossos materiais e em práticas em sala de aula. TEMA 5 – OBSERVAÇÕES RELACIONADAS À VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E À EXPLORAÇÃO DE RECURSOS LINGUÍSTICOS O ensino de língua portuguesa tem como direcionamento específico o acesso à leitura e à escrita de textos. Durante toda a vida escolar a cultura letrada ocupa um espaço privilegiado: desde o letramento nos anos iniciais do ensino fundamental até produções textuais mais complexas do ensino médio. De acordo com os PCNs (Brasil, 2000, p. 55), as práticas de ensino atuais visam “desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, sua capacidade como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos de nossa cultural”. Nessa citação percebemos a importância das práticas de leitura e escrita na escola, mas também a preocupação em perceber as múltiplas possibilidades de expressão linguística. Entendemos que a aprendizagem pautada pela memorização mecânica de regras traz limitações para a percepção da comunicação em sua amplitude. Por isso, há a necessidade de mobilizar constantemente diversos usos da linguagem e suas características no processo de ensino. Muitas vezes é na escola que se aprende o registro mais formal da língua. Como vivemos numa sociedade letrada, em que a escrita permeia as mais diversas situações de comunicação, é natural que tenhamos regras ou normas de escrita para assim podermos nos comunicar. No entanto, o ponto de vista de que a língua é um construto homogêneo apresenta-se, atualmente, como uma perspectiva equivocada. O equívoco está em pensar que só existe uma norma correta e aceitável. Podemos observar que nos comunicamos utilizando diferentes registros da 015 língua (formal e informal). Mesmo os alunos percebem que seus professores em fala monitorada usam um determinado registro e quando estão falando de modo mais descontraído usam outro. É comum observarmos reduções como “está” para “tá”, por exemplo. Com isso, não estamos infringindo regras, ao contrário: a fala cotidiana, mesmo em situações profissionais, aceita perfeitamente esse tipo de redução. A questão é a adequação desses modos de falar e de escrever. Muitas outras línguas no mundo convivem com diferentes registros linguísticos, um modo para escrever e outro para falar. Se pensarmos no português de 100 ou 200 anos atrás, vamos ter significativas alterações. Um exemplo clássico é o pronome de tratamento “vosmicê” que foi diminuindo ou reduzindo-se até chegar no atual “você”, ou mesmo “ocê” e “cê”. Isso nos mostra como a língua vai se transformando ou se reconfigurando. A questão é como vamos lidar com essas diferenças em sala de aula e mesmo nos materiais didáticos que produzimos. Faraco (2008), refletindo sobre a escola e a variação linguística, reconhece que estamos muito atrasados na construção de uma pedagogia da variação linguística. Desse modo, entendemos que, segundo Faraco (2008, p. 31), no plano empírico, uma língua é constituída por um conjunto de variedades. Em outras palavras, não existe língua para além ou acima do conjunto das suas variedades constitutivas, nem existe a língua de um lado e as variedades de outro, como muitas vezes se acredita no senso comum: empiricamente a língua é o próprio conjunto das variedades. Trata-se, portanto, de uma realidade intrinsecamente heterogênea. Como nós sabemos, o Brasil é um país muito grande, com uma população também significativa e com variação cultural, socioeconômica, geográfica e sócio-histórica bastante acentuada, o que favorece a diversidade linguística, entre outros aspectos. Por essas razões, devemos analisar o que estamos exigindo de nossos alunos e em que contextos. Se observarmos os textos dos gêneros publicitários, vamos encontrar combinações como “pra” e “pro” (preposição para + a e para + o). Vemos aí que há adequação da linguagem ao público-alvo. Por outro lado, se tivermos como ponto de referência um texto informativo de uma revista semanal, vamos provavelmente ter um padrão de escrita mais próximo às normas das gramáticas tradicionais. Por isso a importância de entendermos o trabalho com o texto. Assim, vamos solicitar asua produção e também a avaliação de modo coerente com sua realidade de atuação social. 016 A análise de recursos linguísticos é uma forma de nos referirmos à análise gramatical, porém considerando os fenômenos linguísticos como recursos para serem aplicados em diferentes textos e discursos. A limitação de ensinar gramática está na memorização de regras sem entender para que e quando podem ser usadas. Para finalizar esta aula, vamos observar uma proposta com o objetivo de praticar os recursos linguísticos. Voltemos ao cartaz da campanha do agasalho. Inicialmente, devemos explorar a leitura do texto, seja da parte escrita e das imagens, identificando o tipo do texto e suas intenções discursivas. Depois disso, em um segundo momento, podemos então partir para a análise das questões linguísticas que se apresentam. Segue um exemplo: Prática de recursos linguísticos: 1. Observe as palavras em destaque nas frases a seguir. O que elas têm em comum? Que sentido elas apresentam nas frases? a) Cada roupa doada tem o tamanho certo: o do seu coração. b) Apesar de todas as campanhas de arrecadação, muitas pessoas preferem não doar suas roupas. c) Algumas pessoas participarão da campanha. d) Sotaques diferentes não tornam uns melhores nem piores do que outros. e) Muitos filmes brasileiros abordam situações de preconceito. 2. As palavras em destaque pertencem a uma classe de palavras. Qual? ( ) Pronomes possessivos ( ) Pronomes oblíquos ( ) Pronomes definidos ( ) Pronomes indefinidos Os pronomes apresentados nas frases como exemplo, podem ser: variáveis (combinam com um substantivo que vem depois em gênero e número); invariáveis (não combinam com substantivos ou outras palavras que vem depois). Os pronomes variáveis podem ser masculinos ou femininos e estar no singular ou no plural. 017 3. Complete a tabela com os pronomes variáveis que estão faltando: Pronomes variáveis Pronomes Invariáveis Masculinos Femininos Singular Plural Singular Plural Algum Alguns Alguma Algumas Alguém Nenhum Nenhuns Nenhuma Nenhumas Ninguém Todo Tudo Muito *Outrem Vário *Nada Outro *Cada Pouco *Algo Certo Tanto Quanto Qualquer * Esses pronomes não têm formas variáveis equivalentes. FINALIZANDO Nesta aula, fizemos algumas reflexões relativas a como se dá o processo de elaboração de atividades didáticas. Observamos que o ponto de partida para o desenvolvimento dessas atividades geralmente é um ou mais textos com a temática eleita pelo professor. Essa temática deve estar em consonância com as necessidades e interesses dos alunos, da instituição de ensino ou dos parâmetros curriculares para cada ciclo da educação. Além disso, a escolha dos textos precisa estar adequada à realidade sociocultural em que estamos envolvidos. Nestas aulas vimos que o conceito de texto difere daquele tradicional em que temos apenas o texto escrito, uma vez que um texto pode ser escrito, verbal, digital e também multimodal. Percebemos, por exemplo, que a comunicação atualmente é bastante diversificada, não se restringindo a apenas um formato ou recurso comunicativo. Refletimos também sobre o conceito de gêneros textuais e discursivos e sua importância para o trabalho com textos. Fornecemos alguns exemplos práticos de exploração de textos em sala de aula e nos materiais didáticos. Concluímos com uma reflexão sobre a heterogeneidade das línguas e em especial do português brasileiro como uma manifestação legítima e natural. Porém, destacamos a necessidade de explorar as diferentes variedades da língua, seja formal ou informal, mais monitorada ou menos monitorada, visando à adequação da comunicação nos diversos campos da comunicação e das relações sociais. 018 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2017. _____. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf>. Acesso em: 17/06/2017. _____. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2017. CAMPANHA do agasalho. Portal da Prefeitura de Curitiba, 2017a. Disponível em: <http://www.curitiba.pr.gov.br/campanhadoagasalho2017>. Acesso em: 16 nov. 2017. CAMPANHA de vacinação contra gripe 2017. Viva saúde, 17 abr. 2017b. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_YxmSFye7kc>. Acesso em: 16 nov. 2017. CAMPOS, I. M. Bakhtin e o ensino de língua materna no Brasil: algumas perspectivas. Revista Conexão Letras, v. 11, n. 16, p. 123 a 137, 2016. Porto Alegre. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/conexaoletras/ article/view/70359>. Acesso em: 16 nov. 2017. CARVALHO, G. Gênero como ação social em Miller e Bazerman: o conceito, uma sugestão metodológica e um exemplo de aplicação. In: BONINI et al. (Org.). Gêneros: teorias métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando os nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. IBELLI, L.; ABRITTA, P. Apropriação cultural. TV Brasil, 19 maio 2017. Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/caminhosdareportagem/episodio/apropriacao- cultural>. Acesso em: 16 nov. 2017. 019 MARCUSCHI, L. A. O papel da linguística no ensino de línguas. Revista Diadorim, Rio de Janeiro, Revista n.18, v 2, p. 12-31, jul./dez. 2016. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/diadorim/article/view/5358/3929>. Acesso em: 16 nov. 2017. MENDES, E. O conceito de língua em perspectiva histórica: reflexos no ensino e na formação de professores de português. In: LOBO, T. et al. (Org.). Rosae: linguística histórica, história das línguas e outras histórias [online]. Salvador: EDUFBA, 2012, p. 667-678. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/67y3k/pdf/lobo-9788523212308-47.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2017. RAMOS, A. G.; MARCHESAN, M. T. N. O ensino de PLE para fins específicos e a produção de livros didáticos. Horizontes de Linguística Aplicada, ano 12, n. 2, 2013. RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem. In: BONINI et al (org.). Gêneros: teorias métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. SÓ BIOGRAFIAS. Franz Bopp. [s.d.] Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/FranzBop.html>. Acesso em: 16 nov. 2017.
Compartilhar