Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 2 PRODUÇÃO E AVALIAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EM LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA Profª Jovania Maria Perin Santos 02 CONVERSA INICIAL Na aula anterior, refletimos sobre o que são materiais didáticos e especialmente sobre o livro didático – suas características, vantagens e limitações, entre outras questões ligadas a esse tema. Nesta aula, vamos abordar os critérios para a escolha de materiais didáticos e, em especial, de livros didáticos de língua materna. Além disso, consideraremos as análises fornecidas pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) no que se refere ao processo de escolha de tais materiais. Embora entendamos que os materiais didáticos sejam instrumentos facilitadores do ensino e tenham grande importância nesse processo, não podemos deixar de mencionar o quanto a atuação do professor em sala de aula é imprescindível. Um mesmo material pode ser valorizado ou desprestigiado, dependendo de como for explorado. A relação entre professor e materiais de ensino configura-se uma relação simbiótica, em que um se apoia no outro para que ambos atinjam seus objetivos. CONTEXTUALIZANDO Definir qual livro didático deve ser adotado é uma preocupação constante de toda a equipe de ensino. São muitos os fatores a serem observados e ainda temos as editoras utilizando estratégias comerciais que geralmente não favorecem uma escolha consciente e adequada. A questão que nos acompanha nesta aula é como devemos nos preparar para fazer a opção por um ou outro livro didático: quais conhecimentos devemos ter, ou ainda, quais reflexões devemos fazer para entender melhor o caminho a seguir? Sabemos que os livros mais vendidos não necessariamente serão os mais efetivos para o contexto de ensino em que trabalhamos. Por outro lado, livros que apresentam linguagem inovadora podem trazer resistência e dificuldade de aceitação. Se considerarmos a grande diversidade social, histórica e cultural que vivemos no nosso país, vamos perceber que um único livro ou coleção não atenderá a todos. A diversidade de opções é um fator bastante favorável que nos permite avançar e buscar adequações impensadas há 30 ou 40 anos. Por isso, procuramos entender as diferentes esferas em que estamos inseridos, além dos critérios para a escolha desses livros e o desenvolvimento de programas de distribuição de materiais de ensino. 03 TEMA 1 – COMO SE PREPARAR PARA ESCOLHER UM LIVRO DIDÁTICO? Quando escolhemos algo, estamos sempre pautados por algum interesse ou intenção. Mesmo quando escolhemos rapidamente, nossos julgamentos podem estar baseados em vários fatores como: experiências anteriores, opinião de alguém que julgamos mais conhecedor do assunto, intenção de agradar alguém, ser favorecido de algum modo, ou ainda por seguir o que a maioria está adotando. Considerando que a escolha de um livro didático irá refletir diretamente no desenvolvimento das aulas durante todo o ano ou de um determinado curso, investir tempo para essa tarefa certamente trará benefícios. Podemos então pensar em como fazer essa escolha e, para isso, devemos responder: o que nos leva a definir entre o livro A ou B? As escolhas geralmente estão pautadas em fatores mais conscientes ou menos conscientes. Sabemos que muitos livros se utilizam de recursos gráficos atraentes, os quais chamam a atenção e podem influenciar na escolha. No entanto, são os fatores estruturais de um livro que devem prevalecer. Por fatores estruturais entendemos, principalmente, a adequação dos conteúdos aos direcionamentos teórico-metodológicos, a qualidade dos textos e dos vídeos sugeridos, assim como a qualidade das propostas de produção escrita ou oral. O PNLD disponibiliza um Guia do Livro Didático (GLD), no qual estão sintetizadas as obras ofertadas a fim de fornecer subsídios para o processo de escolha. Segundo Tagliani (2009, p. 309), o guia contém um quadro-síntese das coleções analisadas, em que descreve o perfil metodológico das obras, combinando o princípio organizador da matéria ao tipo de abordagem dada aos quatro conteúdos curriculares básicos: leitura, produção de textos escritos, oralidade e conhecimentos linguísticos. Porém, conforme aponta a autora, o guia muitas vezes não é utilizado adequadamente. Embora contenha informações pertinentes e avaliação pormenorizada das obras, não é lido suficientemente por grande parte dos professores. Outras iniciativas que proporcionam a análise dos livros são vistas em alguns estabelecimentos educacionais como reuniões e discussões entre professores, coordenadores, diretores e até mesmo alunos. Também, frequentemente, editoras disponibilizam exemplares de livros para o manuseio e 04 análise. São essas algumas iniciativas práticas que contribuem para auxiliar a escolha. No entanto, outra preparação se faz necessária. Queremos nos referir à formação teórica dos docentes, a qual se dá a longo prazo e requer grandes esforços, seja de leitura, de reflexão, de atualização e até mesmo financeiros. Conhecer as principais teorias ou abordagens teóricas que norteiam as práticas de ensino e também a produção, especialmente, de livros didáticos é uma ferramenta valiosa. Com esse conhecimento o professor tem maiores condições de avaliar criticamente as opções apresentadas. Nossas escolhas, mesmo seguindo conhecimentos teóricos e práticos, estão inseridas em “espaços” interligados. Preparamos uma imagem para melhor ilustrar nossa colocação: Figura 1: Espaços em que transitam as escolhas dos materiais didáticos ... A ... B ... C ... A imagem representa três esferas principais: A = os parâmetros sugeridos em âmbito nacional, por isso mais abrangente, mas que não deixam de influenciar, de algum modo, o ensino, mesmo nas instituições que optam por métodos alternativos. B = a realidade do contexto escolar. C = a realidade do contexto em sala de aula. As reticências simbolizam outras instâncias que estão envolvidas e que influenciam de maneiras variadas esses espaços. Percebemos que as esferas estão sobrepostas. Isso simboliza a abrangência de cada uma, mais ou menos restritas ao espaço em que atuamos e também à dependência entre elas. Com isso, mostramos que a escolha de um determinado livro didático precisa estar entre aqueles que aparecem em listas 05 fornecidas previamente, seja pelo MEC (Ministério da Educação) ou pela direção da escola em que atuamos ou ainda ofertados pelas livrarias ou editoras às quais temos acesso. Nossas escolhas estão, dessa forma, pautadas por alguns direcionamentos, orientações ou até mesmo limitações. Inseridos nessa realidade, nossas opções precisam seguir critérios que possam nortear as decisões. Assim, uma resposta para a pergunta-título desta aula é: a melhor forma de nos prepararmos para a escolha de materiais didáticos é estabelecer critérios claros que possam nos guiar. Esses critérios devem ser discutidos coletivamente e estar pautados em reflexões, estudos teóricos e na observação do contexto em que estivermos inseridos. Como podemos ver, diversos fatores influenciam tais decisões. Para contribuir com todo esse procedimento, selecionamos critérios que serão analisados com o intuito de fornecer direcionamentos que possam auxiliar os educadores. Os critérios serão descritos através de considerações que serão divididas em: Considerações gerais. Considerações no plano didático. Considerações no plano pedagógico de aspectos específicos. Essa divisão se dá por questões de organização, no entanto os critérios estão pautados no guia do PNLD, segundo o qual serão eliminadas as obras que não cumprirem determinados quesitos. TEMA 2 – CONSIDERAÇÕES GERAIS: OLHAR ABRANGENTE RELACIONADO AO FORMATO DOS MATERIAIS O critério analisado neste tema não se restringea um determinado período escolar, mas deve ser observado em todas as fases da escolarização e em todos os materiais didáticos, e mesmo em cursos particulares. Esse critério está relacionado à apresentação dos materiais, em especial dos livros didáticos. Consideramos que os materiais didáticos devem adequar-se às necessidades contemporâneas de aprendizagem. Incluímos nisso o incentivo à diversidade textual, às diversas formas tecnológicas de comunicação e às muitas estratégias de ensino-aprendizagem. Para tanto, consideramos que os materiais didáticos devem conter: 06 2.1 Formato adequado Vamos explorar esse critério. Geralmente os livros didáticos são divididos por unidades e cada uma se desenvolve em torno de uma temática. É necessário verificar a quantidade de propostas e observar se são suficientes para a carga horária, assim como a relevância dos temas abordados. Além disso, esse material deve conter diagramação agradável que facilite a leitura e chame atenção para pontos específicos do conteúdo. Nesse sentido, a diagramação elaborada normalmente por profissionais do design precisa estar em consonância com propostas visuais voltadas ao ensino. Excesso de cores e poluição visual não contribuem positivamente. O livro é usado diariamente e precisa ser claro quanto à localização das diferentes atividades. A qualidade das imagens e também a organização e clareza das tabelas e gráficos devem ser observadas para que sejam de fácil percepção. Outro aspecto importante é a verificação da existência de desenhos ou ilustrações estereotipados e preconceituosos. Os materiais precisam contemplar a heterogeneidade social em que vivemos a fim de contribuir para uma visão não preconceituosa. É necessário também conter o guia ou manual do professor com informações referentes à concepção do material, sua organização, os objetivos das propostas, orientações para a avaliação e, além disso, sugerir materiais extras para a complementação. Quando utilizamos um material criado por outras pessoas, nós, professores, precisamos compreender o processo de criação e os objetivos previstos pelos elaboradores desses materiais. Com isso, é possível entender melhor o caminho a ser percorrido e os objetivos propostos. Geralmente, quando lemos esses textos, conseguimos usar o material de forma mais ampla e proveitosa. Os livros didáticos devem passar por uma rigorosa revisão ortográfica e de organização. É desejável que existam espaços adequados para respostas e anotações. Também o corpo das letras e a disposição dos conteúdos devem ser suficientemente agradáveis para leitura e compreensão. As ilustrações e textos precisam conter obrigatoriamente a sua fonte, origem ou autoria. Essas informações compõem os sentidos dos textos ou imagens, por isso são tão importantes. Veremos mais sobre essa questão nas próximas aulas. 07 Neste primeiro critério, formato adequado, percebemos, de modo geral, valores estéticos e organizacionais. Geralmente os livros didáticos publicados e disponíveis no mercado atendem satisfatoriamente a esses quesitos, mesmo porque envolvem menos tempo para serem identificados. Por outro lado, critérios relacionados a fatores didáticos, pedagógicos ou metodológicos precisam de muito mais tempo de análise para serem devidamente aplicados. Trata-se de um olhar mais detalhado e que envolve diversos conhecimentos. TEMA 3 – CRITÉRIOS DE ESCOLHA CONSIDERANDO AS PRÁTICAS DIDÁTICAS: “UM OLHO NO PEIXE, OUTRO NO GATO” Neste tema vamos refletir sobre a adequação das propostas presentes nos livros didáticos ou outros materiais considerando sua adequação às práticas de sala de aula. Nesse sentido, o olhar do professor transita entre o contexto em que atua e a observação do que oferece um determinado livro ou material. De um modo geral, os professores experientes estão bastante habituados a fazer análises dos conteúdos didáticos. Isso ocorre principalmente quando os professores conhecem o programa com a descrição dos conteúdos e dos objetivos de cada ano ou período escolar. Esses critérios envolvem práticas comuns à sala de aula e às necessidades dos alunos. Na sequência, vamos apresentar alguns critérios e reflexões sobre eles, de modo a contribuir para a sua identificação nos livros didáticos. Devem fazer parte de manuais de ensino: Conteúdos que estejam de acordo com os currículos ou programas estabelecidos pelas instituições escolares e em consonância com as diretrizes nacionais de ensino. Distribuição adequada dos conteúdos observando as necessidades de progressão das propostas. Essa distribuição envolve a conexão entre as atividades para que se perceba a continuidade e a ampliação do grau de dificuldade dos conteúdos. Situações-problema elaboradas a partir de necessidades de comunicação em condições sociais efetivas de uso da língua em situações de formalidade e de informalidade. Propostas de ensino que favoreçam a construção da visão crítica, permitindo ao aluno encontrar soluções, construir conceitos, fazer inferências e analisar conteúdos com autonomia. 08 Questões e atividades suficientes relacionadas à compreensão e produção de textos escritos e orais, também propostas de construção de conhecimento linguístico e descrição de tópicos gramaticais considerando variedades linguísticas e diferentes registros da fala (formalidade e informalidade). Diferentes gêneros textuais/discursivos, incluindo textos literários e estratégias adequadas de leitura e percepção dos propósitos de cada texto. Exercícios complementares e de reforço. Propostas que estimulem a pesquisa e a autonomia de modo a explorar espaços e realidades fora do âmbito da escola e do livro didático. Pontuamos aqui alguns critérios essenciais para as propostas de ensino. Queremos destacar, ainda, a importância do desenvolvimento da proficiência em leitura e também da escolha dos textos a serem explorados. Sabemos o quanto incentivar a ler traz benefícios à aprendizagem. As escolas têm um papel preponderante nesse sentido e os livros didáticos devem contribuir para que o gosto por conhecer novas histórias, opiniões, relatos, descrições etc. façam parte do dia a dia da educação. Para isso, há necessidade de que os livros didáticos contenham textos interessantes que atraiam a curiosidade e estimulem a vontade de ler. Escolher textos para compor os livros didáticos é um trabalho de “garimpeiro”. Muito tempo e conhecimento envolvem essa atividade. Diversos fatores estão envolvidos, desde a adequação do grau de dificuldade da leitura, o assunto ou o tema que aborda, o seu tamanho, o(s) seu(s) propósito(s) e outros. Depois do texto escolhido, inicia outra etapa, que envolve o que fazer com o texto ou como explorá-lo. A leitura pode e deve ser feita apenas pelo prazer da própria leitura. Com frequência os professores solicitam leitura de livros da biblioteca, por exemplo, aos quais não estão atreladas atividades, porém, quando colocados nos livros didáticos, os textos se constituem artefatos dos quais temos que elaborar questões de compreensão e interpretação. Aqui está uma das habilidades mais admiráveis de materiais didáticos: explorar os textos de modo instigante e não apenas com questões para reproduzir o que está explícito no texto. Para finalizar, destacamos a necessidade de propor a leitura de textos autênticos, embora no momento em que tiramos um texto de uma revista ou jornal e o colocamos em um livro para ensino, é questionável a sua 09 autenticidade. Isso acontece, pois o texto é autêntico quando está no veículo para o qual foi inicialmente destinado. Em sala de aula, uma notícia de jornal toma contornos diversos daqueles pretendidos no momento da publicação. De qualquer modo, fornecer aos alunos textos reais é uma preocupação existente em virtude da grande quantidadede textos inventados ou “fabricados” em manuais de língua portuguesa. Por isso, deve existir a preocupação em prover textos que coloquem os alunos em situações de interlocução socialmente contextualizadas. Isso significa que compreender esses textos envolve a percepção do conjunto de elementos que o constituem, como: identificar quem é o autor e suas intenções, para quem o texto foi escrito e com que objetivo, e também perceber em que espaço e tempo circula ou circulou determinado texto. TEMA 4 – CRITÉRIOS DE ESCOLHA CONSIDERANDO ASPECTOS PEDAGÓGICOS E TAMBÉM OS ESPECÍFICOS AO CONTEXTO DE ENSINO 4.1 Critérios pedagógicos Seguimos nesta aula com uma reflexão sobre critérios de ordem pedagógica e critérios específicos que devemos observar nos livros didáticos. Esses critérios estão relacionados diretamente às teorias que envolvem o processo de ensino-aprendizagem e a sua aplicação nas práticas em sala de aula e também nos materiais didáticos. Interessa-nos especialmente nesta reflexão a observação desses critérios em livros didáticos. Sabemos que as nossas escolhas como professores e elaboradores de manuais para o ensino estão pautadas em algum(ns) procedimento(s) teórico metodológico(s). É inevitável que o modo de ensinar contenha traços de determinadas linhas teóricas e também das experiências que tivemos como estudantes, pois são elas que caracterizam a constituição das práticas de ensino. Os livros didáticos de língua portuguesa de 40 anos atrás, por exemplo, em sua maioria apresentavam unidades com um formato bastante previsível. As atividades eram muito semelhantes e os textos eram sempre excertos de obras literárias. Os tópicos gramaticais eram absolutamente pautados em explicações das gramáticas normativas, ou seja, das gramáticas que traziam (e ainda trazem) as normas tidas como corretas de bem falar a língua portuguesa. A tradição ocidental de usar textos literários no ensino remonta a séculos, e 010 apenas muito recentemente é que se passou a entender a necessidade de ensinar lendo diversos outros textos. Essa necessidade surgiu por influência de estudos na área da linguística textual, da análise do discurso e de abordagens teóricas de cunho comunicativo que passaram a ter grande influência no cenário educacional. Nesse sentido, podemos citar também a virada pragmática que ocorreu no âmbito teórico ainda nos anos 1970. O ensino de línguas passou, então, por enormes mudanças. Em vez de apenas ter textos literários, passaram a compor os livros didáticos outros tipos de textos: folhetos, cartazes, notícias etc. Também houve modificação nas atividades de exploração gramatical. Pode-se perceber em muitos materiais a preocupação em não apenas analisar sentenças isoladas, mas procurar entender a gramática da língua através das frases constituintes dos textos. Estudos sobre variação linguística também refletem novas preocupações relacionadas à exploração de diferentes registros da língua e as variedades linguísticas. A repetição, automação, fixação de conteúdos vão dando lugar para análises e práticas de ensino voltadas aos usos da linguagem. Essa transformação vem ganhando espaço desde os anos 1980, mas efetivamente passa a ser exigida em livros didáticos no final dos anos 1990 em diante. Podemos encontrar nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa de 1997 e 1998 orientações voltadas à utilização de textos de diferentes gêneros, os quais passam a ser um “conceito-chave para a operacionalização do ensino em língua portuguesa” (Gomes-Santos, 2004, p. 152). Como faz pouco tempo que essa tendência teórica vem sendo discutida e aplicada, entendemos que ainda temos um caminho longo por trilhar nesse sentido. Indefinições sobre o que de fato é texto, gênero discursivo, gênero textual e o que isso representa na prática para o ensino permeiam discussões em torno do planejamento de materiais didáticos para ensino de línguas. Segundo defende Campos (2016, p. 135), os professores de língua materna estão habituados a propostas de atividades que acabam levando o aluno a ler o texto em si mesmo, procurando características de modo mecânico e abstrato, isto é, uma teoria de gêneros muito distinta da proposta pelos teóricos russos como Voloshinov, Medvedev e Bakhtin. Os autores russos, citados por Campos, desenvolveram estudos relacionados à linguagem nas ciências humanas e são frequentemente citados 011 como referência em diversos currículos e livros didáticos, além de estudos científicos no âmbito universitário. Com base nas colocações apresentadas, seguiremos com a apresentação de alguns critérios a serem observados referentes ao aspecto pedagógico. Desse modo, devemos observar se o livro didático: Apresenta correlação entre suas referências teóricas e as atividades e conteúdos propostos. Nem sempre o que encontramos na introdução ou apresentação do livro como fundamentação teórica é o que se configura explicitado no decorrer do material; Explora diferentes pontos de vista, assim como o plurilinguismo e a heterogeneidade sociocultural em que nos encontramos; É constituído de diferentes gêneros discursivos (descritivo, narrativo, argumentativo, poético etc.). Contempla conhecimentos culturais variados. Destacamos, ainda, a necessidade em desenvolver propostas que valorizem a autonomia, a curiosidade e a percepção crítica no espaço em que vivemos. 4.2 Critérios específicos Consideramos que os critérios específicos estão diretamente relacionados às práticas das disciplinas no que se refere às habilidades necessárias para atingir os objetivos dos cursos. Também observamos como critérios específicos a elaboração de materiais que se destinam a públicos específicos com necessidades e interesses particulares. Destacamos a carência desse tipo de material, embora algumas iniciativas estejam sendo percebidas. Como conhecimento para essa análise, devemos considerar o perfil do egresso, ou seja, o perfil dos alunos no final de cada ano letivo e mesmo de cada ciclo escolar. Temos como exemplo o domínio do processo de alfabetização e letramento para o primeiro ciclo e para o segundo, o “domínio da escrita, da leitura e da oralidade suficiente para as demandas básicas do mundo do trabalho e do pleno exercício da cidadania, inclusive no que diz respeito à fruição da literatura em língua portuguesa”. (Brasil, 2016a, p. 18). Os livros didáticos devem considerar especificidades relacionadas: 012 aos objetivos de cada ciclo da escolaridade ou a cada curso a que se destina o material; à realidade social em que os alunos estão inseridos; à preocupação com a atualização de temas de interesse dos alunos; às particularidades de diferentes grupos de alunos da educação especial como, os que necessitam de material em Braille. Concluímos com isso as reflexões direcionadas aos critérios de escolha de livros didáticos. TEMA 5 – OBSERVAÇÕES RELACIONADAS AO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO (PNLD) Seguimos agora com informações relacionadas ao PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) com o objetivo de entender o seu funcionamento e refletir sobre sua importância e suas limitações no âmbito do ensino do Brasil. Serão considerados os ciclos da escolarização: ensino fundamental e médio. Como já vimos em aulas anteriores, o PNLD é um programa do MEC (Ministério da Educação do Brasil), que tem por finalidade analisar, selecionar e distribuir livros didáticos para as escolas públicas de ensino fundamental, médio e também para o EJA (Ensino para Jovens e Adultos). De acordo com o portal do MEC (Brasil, 2016b), para receber os livros didáticos do PNLD, é necessário a participação da escola no Censo Escolar e fazer adesão formal ao programa ainda no ano anterior àquele em que se deseja receber os materiais. Ainda conforme explicitado pelo MEC, Os livros chegamàs escolas entre outubro do ano anterior ao atendimento e o início do ano letivo. Nas zonas rurais, as obras são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de educação, que devem efetivar a entrega dos livros. (Brasil, 2016b) 013 No entanto, sabemos que, muitas vezes, na prática, a realidade é um pouco mais complexa. Vemos, por exemplo, escolas que não recebem seus livros a tempo para o início do ano letivo. Também compreendemos que a reutilização de livros didáticos não é uma prática favorável ao aprendizado, pois não cria uma ligação de afinidade. O livro novo exerce um fascínio típico do início do ano de estudos, que instiga a vontade de usá-los. A reutilização irá depender do quanto os colegas do ano anterior foram cuidadosos ou não. Ainda existem relatos frequentes de professores que precisam dar aula para grupos sem livros e o quanto isso torna mais lenta a progressão dos conteúdos. Embora tenhamos visto nas últimas décadas maior investimento nesse campo, ainda não podemos considerar adequada e suficiente a distribuição de livros didáticos no nosso país. Na sequência, vamos discorrer sobre o processo de seleção de materiais didáticos observando os vários ciclos de escolarização segundo o PNLD. 5.1 Livros didáticos de língua portuguesa para o ensino fundamental Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) foram consolidados em etapas: em 1997 foram contempladas as diretrizes para os anos iniciais; no ano seguinte, 1998, as diretrizes para os anos finais do ensino fundamental e, no ano 2000, as do ensino médio. Vamos abordar neste tema os objetivos principais do ensino fundamental segundo o Guia de livros didáticos, de 2013 e 2017. O Letramento e a Alfabetização são considerados demandas nucleares para a organização do currículo de ensino. Será objetivo do trabalho a ser realizado nos primeiros anos da escola fundamental: • inserir a criança como sujeito pleno no universo escolar e, portanto, levá-la a compreender o funcionamento particular da escola, num processo que não poderá desconhecer nem a singularidade da infância, nem a lógica que organiza o seu convívio social imediato; • garantir o seu acesso qualificado ao mundo da escrita e à cultura letrada em que vivemos, sem, no entanto, desconsiderar sua cultura de origem; • desenvolver no jovem aprendiz a autonomia progressiva nos estudos. (Brasil, 2012, p. 14) A familiarização da criança com a cultura letrada é um dos grandes objetivos desse ciclo, o que implica despertar o interesse pela leitura e pela 014 escrita. Essas habilidades fazem parte das funções sociais cotidianas e, por isso, se apresentam como essenciais. O Guia de livros didáticos (2012, p. 12) considera prioritárias nos livros didáticos as práticas de uso da linguagem, entendendo, por isso, “as atividades de leitura e compreensão de textos, de produção escrita e de produção e compreensão oral, em situações contextualizadas de uso”. Ainda, acrescentam que as práticas de reflexão sobre a língua e linguagem, assim como a construção correlata de conhecimentos linguísticos e a descrição gramatical, na medida em que se façam necessárias e significativas para a (re)construção dos sentidos dos textos, devem se exercer sobre os textos e discursos. (Brasil, 2012, p. 11-12) Conforme explica a citação, o processo de letramento e alfabetização deve acontecer também através da percepção da escrita em textos e discursos diversos. Percebemos, então, que o texto é objeto de ensino desde os primeiros anos da escolarização. Isso porque não se entende a comunicação de forma isolada das interações sociais. O trabalho realizado nos anos iniciais da escolarização é de extrema importância para que se possa efetivamente atingir os objetivos dos anos finais. Pois, o segundo ciclo tem como finalidade “aprofundar o processo de inserção qualificada do estudante na cultura escrita”. (Brasil, 2016a, p. 14). Nesse sentido, o aprofundamento poderá se configurar se o trabalho de formação inicial for suficientemente atingido. Vale a pena citarmos alguns parâmetros a serem atingidos ao final do ensino fundamental de 9 anos: • o pleno acesso ao mundo da escrita e, portanto: • a proficiência em leitura e escrita no que diz respeito a gêneros discursivos e tipos de texto representativos das principais funções da escrita em diferentes esferas de atividade social; • a fruição estética e a apreciação crítica da produção literária associada à língua portuguesa, em especial a da literatura brasileira; • o desenvolvimento da compreensão da variação linguística e no convívio democrático com a diversidade dialetal, de forma a evitar o preconceito e valorizar as diferentes possibilidades de expressão linguística; • o domínio das normas urbanas de prestígio, especialmente em sua modalidade escrita, mas também nas situações orais públicas em que seu uso é socialmente requerido; • as práticas de análise e reflexão sobre a língua, na medida em que se revelarem pertinentes, seja para a (re)construção dos sentidos de textos, seja para a compreensão do funcionamento da língua e da linguagem. (Brasil, 2016a, p. 18) 015 5.2 Livros didáticos de língua portuguesa para o ensino médio Somente a partir de 2004 é que os livros didáticos destinados ao ensino médio passaram a ser distribuídos pelo PNLD. Mesmo assim, não integralmente para todo o país. No entanto, vem crescendo o seu alcance e a ampliação do acesso aos conteúdos que possam viabilizar a sua produção oral e escrita. É pontuado como objetivo a ser alcançado pelo aluno egresso do ensino médio o desenvolvimento “das proficiências orais e escritas, assim como a capacidade de reflexão sobre a língua portuguesa e de sistematização desses conhecimentos” (Brasil, 2011, p. 7). Tais conhecimentos visam à inserção do aluno no mundo do trabalho, na vida social republicana, na cultura letrada e na escolarização de nível superior, conforme explica o Guia do livro didático. Observamos que nessa fase o aluno irá aprimorar seus conhecimentos relacionados à leitura e produção de textos, considerando a necessidade de ingressar no mundo do trabalho e também no ensino superior. Desse modo, é importante que os alunos se apropriem da chamada “norma de prestígio”, assim considerada socialmente. No entanto, isso não significa a estigmatização de formas coloquiais ou menos prestigiadas do português brasileiro. Ter domínio da escrita formal é uma necessidade, pois esse conhecimento proporcionará maiores condições de acesso a diversas interações do âmbito social. Para concluir, queremos destacar a distribuição pelo PNLD de materiais multimídia, também de dicionários, gramáticas e livros do professor. FINALIZANDO Nas aulas apresentadas sobre avaliação de materiais didáticos para o ensino de língua materna, trouxemos reflexões destinadas a auxiliar no momento da escolha desses materiais. Para isso, analisamos os principais critérios para que se possa fazer opção consciente, adequando-se às necessidades dos alunos e às teorias de ensino. Descrevemos sucintamente as características do PNLD e os objetivos definidos pelos Parâmetros Curriculares para os níveis iniciais e finais do ensino fundamental, assim como os do ensino médio. Durante o texto, procuramos fazer algumas reflexões sobre a funcionalidade de todo esse processo. Com essas reflexões, visamos contribuir para que os profissionais da educação possam realizar escolhas mais conscientes de acordo com o contexto de ensino em que atuam. 016 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais de Língua Portuguesa: terceiro e quarto ciclos do ensinofundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Portuguesa. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. Disponível em <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld/item/2988-guia- pnld-2012-ensino-m%C3%A9dio>. Acesso em: 15 nov. 2017. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2013: letramento e alfabetização e língua portuguesa. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2012. 256 p. BRASIL. PNLD 2017: língua portuguesa – Ensino fundamental anos finais / Ministério da Educação – Secretária de Educação Básica SEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica, 2016a. 98 p. BRASIL. PNLD. Portal MEC, 2016b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12391:pnld>. Acesso em: 15 nov. 2017. CAMPOS, I. M. Bakhtin e o ensino de língua materna no Brasil: algumas perspectivas. Revista Conexão Letras, v. 11, n. 16, p. 123 a 137, 2016. Porto Alegre. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/conexaoletras/ article/view/70359>. Acesso em: 15 nov. 2017. GOMES-SANTOS, S. A questão do gênero no Brasil: teorização acadêmico- científica e normatização oficial. Tese de doutorado. Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade de Campinas, 2004. Disponível em: <file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/Gomes- Santos_SandovalNonato_D.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. 017 TAGLIANI, D. C. O processo de escolha do livro didático de língua portuguesa. Linguagem em (Dis)curso, v. 9, n. 2, p. 303 a 320, maio/ago. 2009. Palhoça, SC. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ld/v9n2/05.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017.
Compartilhar