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AULA 1 PRODUÇÃO E AVALIAÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EM LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA Profª Jovania Perin Santos 02 CONVERSA INICIAL Nesta primeira aula, temos como objetivo introduzir conceitos sobre o que são materiais didáticos, suas características e sua importância para o trabalho em sala de aula. Com isso, visamos fomentar uma reflexão que irá servir de base para o desenvolvimento das aulas seguintes. Ao final desta aula, visamos à compreensão do papel dos materiais didáticos para as práticas de ensino e, principalmente, as vantagens e limitações da utilização de livros didáticos. CONTEXTUALIZANDO A prática pedagógica está estreitamente ligada à tomada de decisões quanto à(s) metodologia(s) de ensino a ser(em) adotada(s) e ao material a ser utilizado. Independente da disciplina, o planejamento das aulas é primordial para que o trabalho tenha coerência e maior possibilidade de bons resultados. Podemos considerar que muitas coisas podem ser usadas como material didático. Mas o que torna um objeto qualquer em instrumento viabilizador da aprendizagem? Questões como essas serão tratadas nesta aula, assim como uma reflexão sobre quais materiais podem ser mais adequados à realidade de ensino na qual atuamos. Esses tópicos serão considerados durante a aula a fim de fornecer maior autonomia aos professores quanto às suas escolhas e também para dar subsídios para que possam produzir seus próprios materiais ou atividades. TEMA 1 – O QUE TRANSFORMA UM MATERIAL QUALQUER EM MATERIAL DIDÁTICO A palavra “didática” nos remete à habilidade de viabilizar conhecimentos. Nessa linha de pensamento, a didática envolve tanto questões práticas quanto questões psicológicas ou emocionais para o desenvolvimento de nossas aulas e com isso da aprendizagem. Ensinar está relacionado a diversas capacidades que envolvem desde técnicas simples até à sensibilidade ou percepção do professor quanto às necessidades dos alunos. Encontrar soluções para tornar um conteúdo acessível ou para diminuir ou sanar determinadas carências são preocupações constantes de todos que estão envolvidos do processo de ensino-aprendizagem. É por isso que a utilização de diversos objetos ou mesmo de um conjunto de práticas se faz necessária. Levar 03 para a sala de aula frutas e folhas, por exemplo, pode ser uma estratégia para aguçar a curiosidade ou a percepção de diferentes texturas e sabores. Estratégias como essas não são restritas às crianças, mas podem ser exploradas com alunos de qualquer idade. A lista de exemplos é bastante grande, e podemos ter muitas possibilidades, seja em qualquer disciplina ou curso, para incrementar nossas aulas e com isso permitir maior compreensão dos conteúdos. Mas o que torna um simples objeto em material didático? Percebemos aqui uma transformação, que é resultado da criatividade de quem ensina ou de quem elabora a proposta de ensino. Essa transformação é como um motor que faz tudo funcionar melhor. Chegamos, então, à habilidade criativa ou inventiva, as quais são muito necessárias para a prática de ensino. No entanto, essas habilidades tornam-se mais efetivas quando associadas ao conhecimento teórico e munidas de informações quanto ao público-alvo. Com essas colocações, percebemos que fazer “pontes” é uma das principais (talvez a principal) função de quem elabora materiais didáticos. É justamente o olhar do professor ao planejar suas aulas e também do elaborador de materiais que, com sua sensibilidade, percebe maneiras de viabilizar os conteúdos de modo mais eficaz. Nas palavras de Almeida Filho (2013, p. 14), certos materiais em sala de aula vão servir como “deflagradores de interação motivada e relevante” para o ensino da língua-alvo. Poderíamos até considerar que muitos professores não gastam tempo com planejamento e mesmo assim conseguem dar aulas. Ou o oposto disso: professores que passam longo tempo planejando, porém, os resultados em sala de aula não são suficientemente satisfatórios. Devemos observar que existem situações mais ou menos favoráveis no processo de ensino-aprendizagem. Professores com muita experiência e que já desenvolveram habilidades diversas normalmente precisam de menos tempo para planejar suas aulas. Também os que conhecem muito bem o perfil dos seus alunos e que já testaram, diversas vezes, a mesma atividade sabem prever as dificuldades. Dessa forma, estamos considerando um cenário bastante positivo: professores experientes, conhecimento do perfil dos alunos, atividades interessantes etc. No entanto, sabemos que o processo de ensino-aprendizagem é complexo e que precisamos refletir sobre nossa prática e estarmos preparados para desafios que acompanham a realidade do ensino. Estar ciente das nossas escolhas é um passo muito importante para o desempenho dos nossos alunos e de nós mesmos enquanto docentes. 04 Um fator preponderante se faz necessário para que possamos fazer boas escolhas. Trata-se da formação de qualidade para os professores. A formação acadêmica deve possibilitar o desenvolvimento da conscientização quanto à importância da relação entre teoria e prática. Isso possibilita que eles, professores, pesquisadores e atuantes no espaço em que trabalham, sejam, desse modo, não apenas aplicadores de atividades, mas quem reflete sobre o que estão utilizando e de que modo podem fazer isso melhor. Para concluir, vamos citar um trecho do livro “O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa” de Bortoni-Ricardo. A autora nos explica que o professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se propõe também a produzir conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua prática. O que distingue um professor pesquisador dos demais professores é seu compromisso de refletir sobre a própria prática, buscando reforçar e desenvolver aspectos positivos e superar as próprias deficiências. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias. (Bortoni-Ricardo, 2008, p. 42) TEMA 2 – O QUE SÃO MATERIAIS DIDÁTICOS Geralmente os materiais didáticos são conceituados de forma abrangente, como podemos encontrar em Salas (2004). Para a autora, material didático é “Qualquer coisa empregada por professores e alunos para facilitar a aprendizagem” (Salas, 2004, p. 2). Para Tomlinson (1998 citado por Salas, 2004), “material didático é tudo o que é feito por escritores, professores ou alunos para fornecer fontes de conhecimento da linguagem e para explorar essas fontes de modo a maximizar o aprendizado”. De acordo com Nelken e Vilaça (2012, p. 950), a compreensão de materiais didáticos é bem mais abrangente e pode se referir a todo material empregado com fins didáticos pelo professor ou pelo aprendiz de forma a contribuir para a aprendizagem, o uso e o contato de uma língua. Os autores resumem que “material é tudo aquilo que for usado para enriquecer e facilitar o aprendizado” (Nelken; Vilaça, 2012, p. 951). Esses conceitos admitem a utilização de diversos recursos como material didático, seja uma letra de música, um filme, uma notícia de jornal, um texto literário, um jogo. Nesse sentido, materiais didáticos são artefatos que servem de guia ou de apoio para professores e alunos no processo de ensino- aprendizagem. Podemos entender que um conjunto bastante amplo de objetos 05 podem ser usados para essa finalidade e que, durante a história do ensino, vêm se transformando. Embora a universalização do ensino ainda seja apenas um desejo em muitos países, a produção de manuais para o ensino e, principalmente, para alfabetização vem sendo desenvolvida há alguns séculos. Foi com o início da impressa no século XVI que surgiram, no Ocidente, os primeiros manuais. Um exemplo é a cartilha intitulada Bokeschen vor leven ond kind, publicada na Alemanha em 1525. Naquelaépoca, a produção de manuais estava muito ligada à Igreja e aos ensinamentos cristãos. Outro marco para a didática moderna foi o filósofo e pedagogo Comênio, que publicou, entre outras obras, A Didática Magna em 1631. Sua obra trouxe grandes avanços para a pedagogia ao propor a “racionalização de todas as ações educativas, indo da teoria didática até as questões do cotidiano da sala de aula” (Ferrari, 2008). No Brasil, uma política educacional importante foi criada em 1929, o atual Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Embora tenha quase um século de existência, foi apenas nas últimas décadas que houve um significativo investimento na aquisição e distribuição de livros didáticos. Saiba mais Para conhecer mais informações sobre o Programa Nacional do Livro Didático, acesse o link a seguir: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico> A seguir temos uma classificação que separa os materiais compilados em unidades, os quais são chamados aqui de materiais guia, e os materiais avulsos que servem de apoio para diversas atividades. Não estamos considerando propriamente que uns sejam melhores do que os outros. É possível que com apenas uma foto, por exemplo, o professor consiga mobilizar a atenção dos alunos e desenvolver sua aula de maneira bastante efetiva, atingindo plenamente seus objetivos. Tabela 1 – Classificação de materiais didáticos Materiais guia Materiais de apoio • Livro didático publicado • Material apostilado publicado ou elaborado por professores da • Filmes • Livros • Dicionários 06 instituição de ensino • Unidades didáticas ou temáticas • Atividades que exploram várias habilidades, podem ser a partir de textos, vídeos, imagens ou áudios. • Propostas de trabalho da pedagogia de projetos • Jogos • Músicas • Fotos • Revistas • Folhetos • Jornais • Vídeos/áudios • Aplicativos de internet como hot popatoes, padlet etc. • Sites, blogs, redes sociais etc. A classificação acima está baseada na separação entre propostas que foram compiladas pensando em uma sequência de atividades com determinados objetivos e conectadas em unidades (didáticas ou temáticas). Por outro lado, temos uma gama variada de materiais que podem estar contidos na primeira classificação ou não. Algumas vezes são utilizados separadamente em determinados momentos da aula e sem um desmembramento de propostas. Muitas outras classificações de materiais didáticos também são possíveis. No quadro apresentado neste tópico separamos o que é elaborado previamente, considerando uma sequência de atividades que exploram diferentes habilidades e artefatos que são usados mais esporadicamente e servem como complementação ou apoio. A decisão sobre utilizar determinados materiais para uma aula específica acontece, geralmente, no momento do planejamento da aula. Curiosamente, plano de aula e livro didático ou outros materiais andam juntos, pois um pode influenciar o outro. Muitas vezes, os professores fazem o planejamento das aulas ao mesmo tempo em que preparam o material didático. Ou elaboram as aulas com base no que o livro didático está contemplando. É bem provável que a não dependência de um livro ou método proporcione maior autonomia e instigue a criatividade do professor, mas a elaboração de plano de aula permite, além de tudo, maior aproximação com os alunos. Parar e refletir sobre o que ensinar, para quem, com que objetivo e de que forma, certamente contribuirá para que o trabalho em sala de aula flua melhor. Essa perspectiva está mais próxima do que defende Almeida Filho (2013, p. 16). Para o autor, “os materiais são uma forma de codificação de ação futura nas salas ou em outros lugares de aprender”. O pesquisador explica que os materiais preveem aquilo que irá formar o método ou as práticas em sala de aula, ou quais serão em algum momento utilizadas como experiência de ensino. Para Almeida Filho (2013), não se trata 07 de um apoio, mas de instrumentos de ensino que contêm a base codificada ou a partitura a ser “regida” para transformar a ação de ensinar e de aprender. Outra prática importante é a análise do plano de aula depois da aplicação. Refletir sobre o que deu certo e o que não deu certo traz benefícios diversos. Muitas vezes fazemos escolhas equivocadas de textos e vídeos devido ao nível de proficiência dos alunos. Por exemplo, imaginamos um tempo longo para determinada atividade e na prática acontece em pouco tempo e assim por diante. Essas reflexões contínuas permitirão renovação crescente e ampliação da adequação das estratégias. Desse modo, visamos não seguir um modelo linear de ensino da linguagem, mas um formato contínuo e mais abrangente, o qual podemos representar por uma espiral centrífuga. TEMA 3 – QUAL É O MELHOR FORMATO PARA OS MATERIAIS DIDÁTICOS Nós, professores, frequentemente nos perguntamos o que é melhor: adotar um livro didático, fazer atividades avulsas, organizar atividades em apostilas, não seguir um livro didático e sempre utilizar propostas variadas? Questionamentos nesse sentido acompanham o dia a dia das práticas didáticas. O que devemos ter em mente é a preocupação em desenvolver um bom trabalho considerando a realidade em que estamos inseridos. Produzir materiais, como unidades didáticas, especificamente para o público-alvo das nossas aulas, a princípio seria o ideal. Com isso, nos enquadraríamos no que destaca Santos (2017) ao se referir aos materiais didáticos de uso genérico. Segundo a autora, pensar que um único material possa ser utilizado por diferentes públicos é pensar em um material genérico e, assim, “corre-se o risco de querer atender a todos e acabar não atendendo ninguém. Por isso, há a necessidade de se produzirem materiais específicos para públicos específicos” (Santos, 2017). Embora a proposta acima seja de grande importância, precisamos considerar as condições que os professores têm para produzir esses materiais para o seu público específico. Cursos com alta carga horária podem inviabilizar a produção de propostas a cada aula, devido ao tempo para preparação. Em geral, os cursos com esse procedimento iniciam com um material mais bem elaborado e depois sua qualidade vai diminuindo, pois o cansaço ou outros afazeres, como a correção de textos e de provas, vão tomando o tempo do professor. Então, é necessário estar ciente do tempo que envolve a confecção 08 de atividades a cada aula para atender a um público específico. Outra observação a ser feita, relacionada à produção de atividades, é a qualidade desses materiais, pois são geralmente fotocopiados. Isso faz com que sejam eliminadas as cores e, além disso, as folhas soltas, entregues aos alunos, não favorecem a percepção da progressividade dos conteúdos. Relacionada à linha de metodologias específicas para públicos específicos está a pedagogia de projetos. Vamos ver brevemente uma definição dessa metodologia segundo Andrighetti (2006). De acordo com a autora, esse procedimento de trabalho constitui-se em um plano de ação sem passos rígidos e delimitados a serem seguidos ao longo de sua realização. É justamente essa flexibilidade que possibilita a dinâmica de busca, de interesse e das necessidades que surgem para responder a questões pertinentes ao momento. Para tanto, os projetos têm como base lançar-se em busca de temas a serem definidos de acordo com a vontade, necessidade e interesse do(s) participante(s), assegurando o caráter investigativo pela busca do que se propuseram fazer. (Andrighetti, 2006, p. 7) Esse plano de ação tem grande dependência da consciência por parte dos professores e dos alunos quanto ao seu papel em sala de aula. Esses papéis estariam envolvidos com o desempenho de mediador, de viabilizador de conhecimentos e, por parte dos alunos, de indivíduos mais autônomos, críticos e atuantes. Com as mudanças tecnológicasque vivenciamos, os projetos pedagógicos podem viabilizar novas dinâmicas de ensino. No entanto, para essa prática, é necessário também planejamento e reflexão sobre os passos a serem seguidos e os resultados a serem almejados. A mudança está no fato de que o planejamento e as decisões estão em grande parte nas mãos dos alunos. Isso visa, principalmente, não seguir a educação bancária, como nos explica Paulo Freire (1996), em que o professor é quem transmite ou “deposita” conhecimentos. Além disso, a pedagogia de projetos coloca os alunos mais próximos a situações reais de comunicação, procurando solucionar problemas e usando a criatividade. Como exemplo de materiais didáticos específicos para públicos específicos, podemos citar a publicação de livros didáticos voltados à realidade de quem vive no campo ou na área rural. Também são exemplos os livros destinados ao EJA (Educação de Jovens e Adultos). Gradualmente percebemos alternativas que consideram as necessidades específicas de determinados grupos de alunos. 09 Na sequência, vamos refletir sobre os materiais didáticos mais populares: o livro didático e o material elaborado pela instituição de ensino ou pelos professores. TEMA 4 – LIVROS DIDÁTICOS: VANTAGENS E LIMTAÇÕES Embora várias práticas de ensino possam ser utilizadas em sala de aula, sabemos que livros didáticos e apostilas têm grande aceitação nos mais diversos institutos de ensino pelo país afora. Adotar um livro didático publicado e disponível no mercado pode ser favorável por várias razões, dependendo do ponto de vista, isto é, dependendo dos interesses ou intenções de quem está envolvido no processo de ensino. Podemos apontar como os envolvidos nesse processo: o Ministério da Educação como representante do Estado brasileiro, a instituição de ensino (particular ou pública), os professores, os alunos e outros. A lista poderia ser mais longa se detalhássemos cada um dos envolvidos citados, por exemplo, os pais ou responsáveis dos/pelos alunos. As razões frequentemente apontadas como favoráveis são as seguintes: Estar de acordo com diretrizes estabelecidas nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) ou nos programas de cursos. Apresentar progressão das atividades ao longo do período escolar ou do curso. Ter passado por análise e avaliação de uma comissão editorial durante o período de elaboração. Ter compilado no mesmo material uma variedade de propostas que explorem diversos gêneros textuais/discursivos, diferentes mídias e habilidades. Ter preocupação com a atualização, seja de teorias de ensino, da parte gráfica, dos temas propostos etc. Permitir aos alunos terem acesso a abordagens diversas, em vez de se restringirem ao direcionamento específico de um ou alguns professores a que eles têm acesso. Favorecer a prática didática, pois apresenta de forma ordenada várias unidades de trabalho com objetivos específicos. Tudo isso facilita a vida do professor com alta carga de trabalho e principalmente os professores iniciantes. 010 Apenas destacamos aqui algumas vantagens, geralmente apontados por professores e por instituições de ensino, que defendem a utilização de um livro didático. Diante das razões apresentadas nesta aula, entendemos que o livro didático tem um importante papel a cumprir na organização e no funcionamento das práticas de ensino. O que é necessário observar é se de fato tais quesitos são efetivamente atendidos. As desvantagens em adotar um livro didático, por outro lado, em geral estão ligadas à não satisfação dos tópicos apresentados anteriormente. Nesse caso, o que era para ser uma importante ferramenta passa a ser uma camisa de força, da qual só conseguimos nos libertar quando termina o curso ou ano letivo. Nelken e Vilaça (2012, p. 952), apoiando-se em Tomlinson (2004, p. 8), argumentam que o material didático deve ser pensado de forma a manter o aluno tranquilo, pois muitos deixam de aprender quando estão ansiosos, desconfortáveis ou tensos. Para que isso aconteça, é necessário tomar alguns cuidados em relação ao planejamento das atividades. Por exemplo, a maioria dos alunos não se sente muito à vontade com folhas abarrotadas de exercícios. Mas muitos se sentem mais tranquilos quando trabalham com textos ilustrados relacionados a assuntos de sua cultura e a sua rotina; com discurso informal; com a voz ativa ao invés da passiva; com temas trabalhados de forma concreta (com exemplos, anedotas) e inclusiva. Por isso, a escolha do material e da proposta de ensino a ser adotada deve ser cuidadosamente analisada. Em muitos casos, o livro didático acaba engessando as práticas pedagógicas. Quando o livro é visto como um manual a ser seguido sistematicamente, corre-se o risco de utilizá-lo como uma fonte de saber pronta e acabada. O professor torna-se guiado pelo material e isso contribui para uma visão alienante também para os alunos. O livro didático foi tomando o espaço do cenário educacional de modo que frequentemente é visto como o ponto de partida para o planejamento de aulas e de programas de curso. De acordo com Ota (2009, p. 213), com a expansão da educação no Brasil, o livro didático “passa a assumir um papel preponderante na sala de aula”. A autora faz referência ao grande número de estudantes que ingressaram nas escolas nas últimas décadas e também à formação deficitária de muitos professores. A formação precária é resultado principalmente da falta de embasamento teórico, o que foi contribuindo para a desvalorização do trabalho docente. Em muitos casos, o livro didático torna-se a fonte de atualização profissional. Assim, 011 segundo Ota (2009, p. 214), “um instrumento que deveria ser visto de forma crítica acaba por orientar o trabalho docente”. A autora destaca também a importância de as atividades permitirem várias leituras, ao invés de direcionarem ou induzirem o olhar do aluno e mesmo dos professores. Sabemos que os livros didáticos, assim como todo texto, são concebidos por discursos que podem ser vistos como “certos” ou “ideais” devido à sua importância no contexto escolar. De acordo com Almeida Filho (2013, p. 16), todo e qualquer material está em primeiro lugar marcado por um conceito, por uma filosofia de ensino, por uma abordagem de ensinar que também contempla um conceito de língua, de aprender língua(s) e uma expectativa de como devem proceder professores de línguas. O excerto de Almeida filho está se referindo especialmente ao ensino de línguas estrangeiras, no entanto podemos considerá-lo aplicável também para os materiais didáticos destinados ao ensino de língua materna. Gostaríamos apenas de fazer uma ressalva, destacando que os materiais em geral estão marcados não por um conceito, mas por conceitos, por filosofias de ensino e por abordagens de ensinar. Ou seja, é comum encontrarmos diversas influências nos livros ou materiais, mesmo porque foram produzidos por vários profissionais e, além de tudo, tendem a atender a diretrizes comerciais solicitadas por editoras. Ao analisarmos os materiais e especialmente livros didáticos a serem adotados, precisamos observar se trazem a explicação conceitual na qual foram desenvolvidos. Entendemos por explicação conceitual a definição dos direcionamentos teórico-metodológicos seguidos, assim como o conceito de língua e de aquisição de língua utilizado. Para finalizar, queremos observar que, mesmo tendo fatores negativos associados aos livros didáticos, sabemos que a compilação de atividades de ensino e sua organização em capítulos ou unidades trouxeram à realidade escolar grande possibilidade de avanço. Se pensarmos em 30 ou 40 anos atrás, mesmo em escolas de centros urbanos, os materiais didáticos mais comuns eram o quadro, o giz e um plano de aula baseado em conteúdos geralmente retirados de livros ou manuais. Os professores geralmentepassavam no quadro ou ditavam esses conteúdos, e os alunos gastavam longo tempo copiando. Os conteúdos disponíveis atualmente em livros didáticos proporcionam maior contato com diversos conhecimentos e maior velocidade no acesso à informação. 012 TEMA 5 – ELABORAR O PRÓPRIO MATERIAL: ALTERNATIVA VIÁVEL? Anteriormente falamos sobre as vantagens e limitações em adotar um livro didático. Agora vamos abordar a opção por elaborar o próprio material, refletir sobre as implicações dessa escolha e observar uma proposta que considera etapas para a confecção de materiais. Já falamos sobre a produção de materiais específicos para públicos específicos. Esse propósito é adequado à produção de materiais, considerando as particularidades dos alunos com os quais temos contato. Vamos explorar um pouco mais essa ideia com algumas perguntas: É possível um mesmo livro didático ser usado por alunos de diferentes classes e de moradores de áreas rurais e urbanas? É possível produzir materiais didáticos que explorem diferentes realidades sociais e culturais e que, ao mesmo tempo, não apaguem as características particulares, ou seja, as vivências situadas? Essas perguntas não são fáceis de serem respondidas. Elas fazem parte de um rol de desafios enfrentados por professores, pesquisadores, elaboradores de materiais didáticos, editoras etc. Sabemos que alguns livros didáticos e também apostilas apresentam-se de forma “pasteurizada”, ou seja, de forma padronizada devido a limitações relacionadas aos direitos autorais ou ao formato comercial solicitado pelas editoras. Por essas e outras razões é que muitos professores e escolas preferem criar os seus próprios materiais. Quando professores, coordenadores e diretores de instituições optam por produzir o próprio material, estão considerando a necessidade de materiais diferenciados. Certamente um grande empenho envolve a confecção de material próprio. Funcionários precisam ser destinados especialmente para esse objetivo. Deve-se pensar na sistematização das atividades e em uma apresentação atraente para que estimule os alunos. Pesquisas relacionadas à leitura, aos gêneros textuais/discursivos e a cursos de formação nessa área vêm fornecendo embasamento teórico que permite aos professores ter mais autonomia para produzir suas atividades. Além disso, a relação conflituosa entre o pensamento do professor e a proposta de ensino contida em livros didáticos também é um estímulo para os docentes se aventurarem nesse trabalho. Podemos citar também a familiaridade maior entre 013 o professor e o material que ele próprio criou. Isso proporciona maior domínio dos conteúdos explorados, tornando-o mais confiante em sala de aula. Diante do que foi exposto nessas aulas, podemos nos questionar sobre o que é melhor. É possível que uma composição variada entre livro didático, material apostilado, atividades confeccionadas pelos professores e outras opções de materiais, possam contribuir para uma formação mais diversificada. Essa composição “híbrida” permite que os alunos tenham acesso a textos, vídeos, áudios que não podem fazer parte dos livros didáticos devido aos direitos autorais. É necessário que as editoras, ao publicarem textos, imagens ou vídeos disponíveis na mídia paguem para os autores de tais obras para que com isso possam ter a autorização para publicá-los em seus manuais. Por esse motivo, parece ser bastante favorável que o professor utilize, além do livro didático, materiais variados como forma de ampliar o contato com textos de diferentes fontes de informação. Com isso pode-se ampliar a prática de conteúdos e proporcionar aos alunos maior percepção do mundo à sua volta, bem como melhorar a sua inclusão social. Algumas perguntas podem auxiliar a identificação de textos que proporcionem melhorias para o ensino, por exemplo, o que pode me ajudar a: Gerar maior interação? Estimular a produção oral ou escrita? Ampliar o vocabulário? Aumentar o interesse por conhecimento cultural? Instigar a pesquisa e a análise crítica? Essas perguntas vão instigar e afinar o olhar do professor, porém é necessário que sejam seguidas algumas etapas, embora totalmente imbricadas, no processo de elaboração de propostas de ensino. 5.1 Etapas para a elaboração de propostas de ensino Santos (2014, p. 60) sugere duas etapas: Etapa preliminar ou de planejamento, que consiste na adequação ao contexto de ensino e ao programa do curso; na sondagem quanto ao perfil dos alunos e suas necessidades; e no processo de seleção de textos que irão compor a proposta de ensino. 014 Etapa de confecção, que consiste em compilar atividades de leitura, discussão, análise, compreensão de textos, vídeos e áudios, análise linguística ou gramatical, ampliação de vocabulário e tarefas de produção de textos, de um modo suficientemente interessante e eficaz. Acrescentamos também a esta etapa a elaboração do guia de aplicação do material e, por entender que a elaboração de propostas de ensino não termina após a sua confecção, sugerimos que mais uma etapa seja acrescentada: Etapa de aplicação e revisão, que consiste em analisar os resultados obtidos no momento da aplicação em sala de aula e reestruturação da proposta. Para isso, a opinião de outros professores e dos alunos é essencial. Deve-se considerar também que os materiais didáticos, sejam atividades em folhas avulsas, apostilas ou livros didáticos, precisam continuamente ser avaliados e atualizados. Como parte da primeira etapa, a escolha dos textos se constituiu um dos momentos mais importantes, pois diversos fatores devem ser levados em conta durante a escolha. O conceito de texto nesse trabalho é de uma unidade de sentido com um propósito e para atingir determinado(s) interlocutor(es), podendo ser um texto escrito, oral ou uma imagem. A professora Júdice (2013, p. 162) destaca a necessidade de utilizar textos de fontes diversas, que incluam diferentes pontos de vista e vozes sociais, e recorrer a exemplares que ofereçam todo o insumo necessário, caso sua compreensão seja o ponto de partida para o desenvolvimento de uma tarefa de produção textual. A escolha dos textos, entre outros fatores, deve ser guiada pelo seu grau de dificuldade, considerando a sua complexidade linguística e temática. Propor textos muito complexos ou muito fáceis pode comprometer o desenvolvimento de toda a proposta. Além disso, é importante proporcionar ao aluno estratégias de leitura através de perguntas de pré-leitura para que identifique a fonte (autor) do texto, data de publicação e as marcas do gênero textual/discursivo e também fornecer perguntas de pós-leitura que levem à inferência em vez de apenas fornecer questões com respostas óbvias que possam ser facilmente copiadas do texto. 015 FINALIZANDO Nesta aula, vimos o que pode ser considerado como material didático e o que torna um texto ou objeto qualquer como facilitador do processo de ensino. Discorremos sobre a importância de planejarmos as aulas e refletirmos constantemente sobre o processo de ensino-aprendizagem. Questionamentos sobre a utilização ou não de livro de didático também fizeram parte dessa seção, assim como também houve uma reflexão sobre qual é o melhor formato de manuais de ensino e suas etapas de confecção. A conclusão apontada como a alternativa mais adequada é a composição híbrida entre diferentes formatos de materiais didáticos. Com isso, é possível proporcionar aos alunos maior acesso a diferentes fontes de informação e possibilitar a exploração da realidade social em que vivem. 016 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J. C. P. Codificar conteúdos, processo, e reflexão formadora no material didático para ensino e aprendizagem de línguas. In: PEREIRA, A. L.; GOTTHEIM, L. (Org.) Materiais didáticos para ensino de línguasestrangeiras: processos de criação e contexto de uso. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2013. ANDRIGHETTI, G. Pedagogia de projetos: reflexão sobre a prática no ensino de Português como L2. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura em Letras) – UFRGS, Porto Alegre. 2006. BORTONI-RICARDO, S. M. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Guia de Livros Didáticos. PNLD 2012: Língua Estrangeira Moderna. 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