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1 PSICOLOGIA, SAÚDE E DOENÇA 1 SUMÁRIO Introdução .............................................................................................. 2 Conceito de saúde .............................................................................. 4 Saúde física ..................................................................................... 5 Saúde mental .................................................................................. 6 Saúde social .................................................................................... 7 Saúde mental e saúde física............................................................ 8 História do desenvolvimento da saúde no Brasil ................................. 9 Desenvolvimento do conceito de saúde e doença ............................ 13 Período pré-cartesiano .................................................................. 15 Desenvolvimento do modelo biomédico ........................................ 17 Primeira revolução da saúde ............................................................. 19 Segunda revolução da saúde ............................................................ 21 Principais conceitos da segunda revolução da saúde .................... 23 Promoção da saúde .......................................................................... 23 Estilo de vida ..................................................................................... 25 Representações sociais da saúde e da doença ................................ 26 REFERÊNCIAS .................................................................................... 29 2 Introdução Saúde e doença não são estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a constante avaliação e mudança. Num passado ainda recente a doença era frequentemente definida como "ausência de saúde", sendo a saúde definida como "ausência de doença" - definições que não eram esclarecedoras. Algumas autoridades encararam a doença e a saúde como estados de desconforto físico ou de bem-estar. Infelizmente, perspectivas redutoras como estas levaram os investigadores e os profissionais de saúde a descurar os componentes emocionais e sociais da saúde e da doença (Bolander,1998). Definições mais flexíveis quer de saúde quer de doença consideram múltiplos aspectos causais da doença e da manutenção da saúde, tais como fatores psicológicos, sociais e biológicos. Contudo, apesar dos esforços para caracterizar estes conceitos, não existem definições universais. Por outro lado, e apesar de todos os avanços na pesquisa biomédica, o nosso sonho de atingirmos ou mantermos uma saúde física e mental permanece exatamente isso - um sonho que, além de tudo, vale a pena prosseguir face aos efeitos da doença nos indivíduos e na sociedade (Diener,1984). Isto é, a presença ou ausência de doença é um problema pessoal e social. 3 É pessoal, porque a capacidade individual para trabalhar, ser produtivo, amar e divertir-se está relacionado com a saúde física e mental da pessoa. É social, pois a doença de uma pessoa pode afetar outras pessoas significativas (p.ex.: família, amigos e colegas). A promoção da saúde é fator fundamental na melhoria da qualidade de vida, pois contribui com as políticas públicas de saúde e visa a capacitação da comunidade, enfatizando a responsabilidade coletiva. Em políticas públicas, diversas técnicas são importantes para lidar com diferentes necessidades entre os distintos grupos sociais, pois as desigualdades em saúde refletem as desigualdades sociais, e igualdades no acesso e uso de serviços de saúde são insuficientes na diminuição das desigualdades de adoecimento. Nesse sentido, o princípio de equidade reconhece que as diferenças individuais necessitam de tratamento diferenciado que possa eliminar ou reduzir a desigualdade, sendo que o tratamento desigual é justo quando é e m benefício ao indivíduo que mais necessita. Considerando, que os modernos sistemas de saúde são o resultado da complexa interação de processos econômicos, políticos e sociais entende-se que as relações entre saúde e desenvolvimento é um processo dinâmico e virtuoso que combina, ao mesmo tempo, crescimento econômico, mudanças fundamentais na estrutura produtiva e melhora do padrão de vida da população. Saúde e desenvolvimento estão intimamente ligados, uma vez que o processo de desenvolvimento envolve a consolidação do direito à saúde. 4 Conceito de saúde Saúde significa o estado de normalidade de funcionamento do organismo humano. Ter saúde é viver com boa disposição física e mental. Além da boa disposição do corpo e da mente. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Direito social inerente à condição de cidadania, que deve ser assegurado sem distinção de raça, de religião, ideologia política ou condição socioeconômica, a saúde é assim apresentada como um valor coletivo, um bem de todos. Entretanto, o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural. Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas. Os conceitos de saúde e de doença são analisados em sua evolução histórica e em seu relacionamento com o contexto cultural, social, político e econômico, evidenciando a evolução das ideias nessa área da experiência humana. A saúde de um indivíduo pode ser determinada pela própria biologia humana, pelo ambiente físico, social e econômico a que está exposto e pelo seu estilo de vida, isto é, pelos hábitos de alimentação e outros comportamentos que podem ser benéficos ou prejudiciais. 5 Uma boa saúde está associada ao aumento da qualidade de vida. É sabido que uma alimentação balanceada, a prática regular de exercícios físicos e o bem-estar emocional são fatores determinantes para um estado de saúde equilibrado. Por outro lado, as pessoas que estão expostas a condições precárias de sobrevivência, não possuem saneamento básico (água, limpeza, esgotos, etc.), assistência médica adequada, alimentação e água de qualidade, etc., têm a sua saúde seriamente afetada. As ciências da saúde formam profissionais com conhecimentos na prevenção de doenças, prática assistencial e promoção do bem-estar da população. Já á saúde pública é um conceito que remete para a integridade física e mental dos elementos constituintes de uma comunidade. A saúde pública abrange medidas e políticas relacionadas com a higiene, para a manutenção da saúde, sendo que também são promovidas medidas para a prevenção de doenças. Saúde física A saúde física diz respeito à condição geral do corpo em relação a doenças e ao vigor físico. A pessoa saudável é aquela que não tem doenças e cujo metabolismo se encontra em bom funcionamento. Existem alguns fatores que influenciam a saúde de um indivíduo, como uma infância saudável, status social, gênero, cultura, educação, genética, como também os ambientes que frequenta e as condições de seu trabalho. As necessidades mais importantes do corpo são: sol, água, alimentos, exercícios, repouso e higiene. A saúde física enfraquece quando algumas dessas necessidades não são atendidas. A saúde pode ser cultivada com a troca de hábitos ruins por bons. Caminhar, por exemplo, é uma atividade simples que, além de exercitar o corpo, combate o colesterol ruim, estimula a capacidade cardiorrespiratória, estimula a circulação sanguínea e controla doenças como diabetes e hipertensão. 6 Saúde mental Segundo a OMS não existe uma definição oficial para saúde mental. Coisas como diferenças culturais, teorias concorrentes e julgamentos subjetivos afetam em como a saúde mental é definida. Saúde mental pode ser descrito como qualidade de vida emocional e cognitiva de uma pessoa. Percepção da realidade, integração social e emocional, entre outros itens são avaliados para definir a saúde mental de uma pessoa. A maior parte das pessoas, quando ouvem falar em “Saúde Mental” pensam em “Doença Mental”. Mas, a saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais. Pessoas mentalmente saudáveis compreendem que ninguém é perfeito, que todos possuem limites e que não se pode ser tudo para todos. Elas vivenciam diariamente uma série de emoções como alegria, amor, satisfação, tristeza, raiva e frustração. São capazes de enfrentar os desafios e as mudanças da vida cotidiana com equilíbrio e sabem procurar ajuda quando têm dificuldade em lidar com conflitos, perturbações, traumas ou transições importantes nos diferentes ciclos da vida. 7 A Saúde Mental de uma pessoa está relacionada à forma como ela reage às exigências da vida e ao modo como harmoniza seus desejos, capacidades, ambições, ideias e emoções. Ter saúde mental é estar bem consigo mesmo e com os outros, aceitar as exigências da vida, saber lidar com as boas emoções e também com aquelas desagradáveis, mas que fazem parte da vida e reconhecer seus limites e buscar ajuda quando necessário. Saúde social As relações sociais ajudam a diminuir a probabilidade do surgimento de doenças crônicas, deficiência ou doença mental. Como também, aumenta a autoconfiança e autoestima da uma pessoa. A união entre pessoas que visam o bem-estar do outro, proporciona companheirismo e apoio emocional. Essas associações ocorrem de forma benéfica à saúde física e ao bem-estar psicológico. Pois a harmonia entre os familiares proporciona um ambiente saudável. Além de aumentar a imunidade contra hábitos prejudiciais ou doenças. 8 A saúde social está relacionada com a interação com outras pessoas. É a capacidade de conseguir prosperar em ambientes sociais e interagir com a sociedade. A saúde social está também relacionada com a saúde individual. Pois, a interação com outras pessoas beneficia o bem-estar do próprio indivíduo. É imprescindível relacionar a saúde física e mental ao meio social. Seria uma regra proporcional a todos os fatores. Ou seja, quanto maior a interação interpessoal, maior a saúde social e, consequentemente, mais qualidade na saúde física e mental. Saúde mental e saúde física A saúde é considerada o bem mais precioso que os seres humanos precisam preservar. Somente por intermédio dela é que podemos exercer as diversas atividades do dia a dia. Apesar de muitos tratarem a saúde mental e física separadamente, elas estão ligadas. Ao olharmos superficialmente, a saúde mental e física parecem ser assuntos diferentes. Porém, se analisarmos mais a fundo, torna-se nítida a relação entre ambas. Os problemas de saúde física, podem impactar negativamente a saúde mental e o bem-estar das pessoas. Da mesma forma, problemas de saúde mental podem causar ou agravar problemas de saúde física. 9 Promover equilíbrio entre o corpo e a mente é importante para possuir uma boa saúde mental e física. Assim, para mantermos o organismo pleno e saudável é preciso haver equilíbrio entre a saúde mental e física. Somente sua integridade manterá o corpo e mente sadio. As relações sociais positivas na família ajudam a diminuir a probabilidade do surgimento de doenças crônicas, deficiência ou doença mental. Como também, aumenta a autoconfiança e autoestima da pessoa. A união entre pessoas que visam o bem-estar do outro, proporciona companheirismo e apoio emocional. Essas associações ocorrem de forma benéfica à saúde física e ao bem-estar psicológico. Pois a harmonia entre os familiares proporciona um ambiente saudável. Além de aumentar a imunidade contra hábitos prejudiciais ou doenças. História do desenvolvimento da saúde no Brasil No Brasil, a saúde como direito (e dever do Estado) surgiu na derrocada do projeto desenvolvimentista, que se conformou a partir de 1930 e foi responsável pelo processo de industrialização e modernização da sociedade brasileira. De fato, o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação, garantido pela Constituição Federal de 1988, foi introduzido quase meio século após os sistemas de saúde europeus, exatamente quarenta anos depois do sistema inglês, criado logo no início do longo período de fortalecimento das economias europeias e de políticas 10 intencionais, objetivando associar desenvolvimento econômico ao desenvolvimento social. A universalidade do sistema de saúde brasileiro, ao contrário, foi concebida em um período de crise, de estagnação econômica, seguido da adoção de políticas econômicas de cunho liberal, que impuseram barreiras e limites para a efetiva implantação de um sistema mais universal, redistributivo e igualitário. A convenção liberal tornou-se hegemônica no Brasil nos anos 90, em substituição à convenção nacional-desenvolvimentista. São duas convenções radicalmente opostas, pois o desenvolvimentismo parte da sociedade para chegar ao agente individual, enquanto o liberalismo realiza o percurso inverso; para a convenção desenvolvimentista, o desenvolvimento está relacionado com a transformação da estrutura produtiva, ao passo que a liberal privilegia a alocação eficiente de recursos. Para os desenvolvimentistas, o Estado é o motor do desenvolvimento, enquanto para os liberais o motor é o mercado. Por fim, os desenvolvimentistas entendem o subdesenvolvimento como processo histórico e não etapa do percurso dos países avançados. A força das ideias associadas ao desenvolvimentismo no Brasil, em comparação com outros países periféricos, é evidenciada pelo atraso com que a convenção liberal chegou ao país e pela relativa parcialidade e lentidão com que foi implantada. As políticas liberais, voltadas, em sua maioria, para promover o ajuste macroeconômico dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades, entraram em vigor no Brasil a partir do início da década de 1990 e contribuíram para o deterioramento do quadro social, reunindo baixo crescimento econômico com o agravamento das desigualdades sociais, somente estreitadas na década seguinte, a partir da combinação de uma série de políticas e programas governamentais, com destaque para o aumento do salário mínimo, a queda no preço dos alimentos via isenções fiscais e a adoção de extensos e vigorosos programas de transferência de renda. Observa-se, portanto, que as políticas liberais não lograram proporcionar uma articulação positiva entre política econômica e política social, impedindo o avanço da construção da cidadania e de um quadro de inclusão marcado pela sustentabilidade. 11 No âmbito da saúde, algumas dificuldades se colocam como obstáculo importante à construção de um sistema universal nesse contexto de hegemonia do pensamento econômico liberal. Uma primeira dificuldade diz respeito à questão do financiamento, pois a criação de fundos de estabilização fiscal (hoje Desvinculação das Receitas da União - DRU) representa menor disponibilidade de recursos para serem aplicados nas ações e serviços de saúde, recursos esses que são direcionados, em sua maioria, para o pagamento de juros da dívida pública. Esse desfinanciamento federal da política de saúde foi de certa forma, compensado pela descentralização setorial, apoiada pela descentralização fiscal, o que não impediu, contudo, o agravamento do quadro de desigualdades regionais na saúde. Quadro - As três dimensões da saúde A descontemporaneidade dos processos de desmercantilização do acesso (saúde como direito), mercantilização da oferta (saúde como bem econômico) e formação do complexo industrial da saúde (saúde como espaço de acumulação de capital) produziu, no Brasil, uma situação que não foi capaz de romper com a natureza dual do sistema de saúde brasileiro, caracterizado pela segmentação de clientela e predomínio de interesses ligados às duas últimas dimensões, impedindo a constituição de um sistema que efetivamente garanta o acesso à saúde como direito social. 12 O esgotamento das políticas liberais como base para o desenvolvimento econômico dos países provocou uma revisão sobre a estratégia de implementação de um único modelo de desenvolvimento, baseado numa receita universal e no Estado regulador. Alguns autores alertam para o surgimento de uma Nova Economia do Desenvolvimento, baseada em experiências acumuladas e em uma nova ideia de desenvolvimento. Seu objetivo principal seria dar contribuições para aumentar as opções disponíveis à ação do Estado em contestação ao consenso único e à receita universal proposta pela convenção liberal. Para esses autores, há necessidade, nos tempos atuais, de se criar alternativas ou modelos de desenvolvimento econômico que sejam, ao mesmo tempo, economicamente dinâmicos, politicamente democráticos e socialmente inclusivos. Por conta da estagnação do crescimento econômico e do aumento das desigualdades sociais nos países que adotaram as receitas liberais no atual período da globalização, estão surgindo diversos questionamentos sobre o viés econômico predominante no conceito de desenvolvimento. Esses questionamentos vêm sendo propostos a partir do ressurgimento dos estudos sobre desenvolvimento associando política econômica e política social, sendo que muitos desses estudos se baseiam também na discussão de conceitos que estão em voga na política mundial, como: democracia, equidade e promoção social. O Brasil entra nessa nova fase de debate sobre o desenvolvimento e o papel do Estado com uma perspectiva muito interessante, pois sua escola estruturalista deixou importantes bases teóricas para se pensar um desenvolvimento genuinamente brasileiro. Um dos principais autores que vem discutindo o novo modelo de desenvolvimentismo no Brasil é Bresser-Pereira (2007), que coloca a necessidade de uma estratégia nacional de desenvolvimento pautada nos seguintes elementos: aumento da capacidade de poupança e investimentos da nação, forma pela qual incorpora progresso técnico na produção; desenvolvimento do capital humano; aumento da coesão social nacional que resulta em capital social ou em sociedade civil mais forte e democrática; e uma política macroeconômica que garanta a saúde financeira do 13 Estado e do Estado-nação, levando a índices de endividamento interno e externo dentro dos limites. A discussão de um novo modelo de desenvolvimento tem sido retomada tanto pelos intelectuais independentes, como pelos organismos internacionais. Entretanto, é importante atentar para a importação de modelos e para os impactos e condicionamentos que essas ideias, na sua maioria advinda de países com grande força política e econômica, podem ter nos países periféricos. Aponta-se a necessidade de avançar na concepção de desenvolvimento não só como modernização, mas também como políticas que embasem um verdadeiro projeto nacional de enfrentamento das desigualdades sociais e de construção de uma cidadania plena. Ao mesmo tempo, há quase uma unanimidade no sentido de resgatar a questão da inovação tecnológica como base para um novo modelo de desenvolvimento. Desenvolvimento do conceito de saúde e doença A história da saúde e da doença é, desde os tempos mais longínquos, uma história de construções de significações sobre a natureza, as funções e a estrutura do corpo e ainda sobre as relações corpo-espírito e pessoa-ambiente. A história da medicina mostra que essas significações têm sido diferentes ao longo dos tempos, constituindo, pois, diferentes narrativas sobre os processos de saúde e doença. 14 Duas concepções têm marcado o percurso da medicina (Myers e Benson,1992). A concepção fisiológica, iniciada por Hipócrates, explica as origens das doenças a partir de um desequilíbrio entre as forças da natureza que estão dentro e fora da pessoa. Esta medicina, segundo Myers e Benson (1992), centra-se no paciente, como um todo, e no seu ambiente, evitando ligar a doença a perturbações de órgãos corporais particulares. A concepção ontológica, por seu lado, defende que as doenças são "entidades" exteriores ao organismo, que o invadem para se localizarem em várias das suas partes. Estas entidades não têm sempre o mesmo significado. Na medicina da Mesopotâmia e do Egito Antigo eram conotadas com processos mágico-religiosos ou com castigos resultantes de pecados cometidos pelos pacientes (Dubos,1980). Na medicina moderna, com vírus . A concepção ontológica tem estado frequentemente ligada a uma forma de medicina que dirige os seus esforços na classificação dos processos de doença, na elaboração de um diagnóstico exato, procurando identificar os órgãos corporais que estão perturbados e que provocam os sintomas. É uma concepção redutora que explica os processos de doença na base de órgãos específicos perturbados (Myers e Benson,1992). Assume que a doença é uma coisa em si própria, sem relação com a personalidade, a constituição física ou o modo de vida do paciente (Dubos,1980). A história da medicina não se resume, contudo, a estas duas concepções. Ribeiro (1993) refere que se podem considerar quatro grandes períodos para descrever a evolução dos conceitos de saúde e de doença que se fez sentir ao longo do percurso histórico da humanidade: um primeiro, período pré-cartesiano, até ao século XVII; um período científico ou de desenvolvimento do modelo biomédico, que se começou a instalar com a implementação do pensamento científico e com a revolução industrial; a primeira revolução da saúde com o desenvolvimento da saúde pública, que começou a desenvolver-se no século XIX; finalmente, a segunda revolução da saúde, iniciada na década de 70. 15 Período pré-cartesiano A fonte inspiradora da ciência médica ocidental localiza-se na tradição hipocrática, um sistema de pensamento e prática médicas que floresceu na Grécia Antiga, cerca de 400 anos A.C.. A Grécia Antiga constitui um período marcante pois está ligada a propostas de libertação da medicina das suas influências mágico-religiosas, estabelecendo, pois, uma ruptura em relação à medicina da Mesopotâmia e do Egito. Hipócrates, médico grego, foi quem deu expressão a essa revolução. Com efeito, defendeu um conjunto de princípios teóricos e metodológicos que lhe granjearam a classificação de "pai da medicina". De facto, Hipócrates, acompanhando o racionalismo e o naturalismo dos filósofos da época, defendeu que as doenças não são causadas por demónios ou por deuses, mas por causas naturais que obedecem a leis também naturais. Propôs, por isso, que os procedimentos terapêuticos se baseassem numa base racional, com o objetivo de corrigir os efeitos nocivos das forças naturais. Com ele, a medicina afastou-se do misticismo e do endeusamento e baseou-se na observação objetiva e no raciocínio dedutivo. Considerou que o bem estar da pessoa estava sob a influência do seu ambiente, isto é, o ar, a água, os locais que frequentava e a alimentação. A saúde era a expressão de um equilíbrio harmonioso entre os humores corporais, os quais eram representados pelo sangue, pelas bílis negra e amarela e pela linfa ou fleuma. Estes quatro fluidos primários eram constantemente renovados pela comida que é ingerida e digerida. O sangue originava-se no coração, a bílis amarela, no fígado, a bílis negra, no baço e a fleuma, no cérebro. A doença podia resultar de um desequilíbrio destes quatro humores, devido à influência de forças exteriores, como é o caso das estações do ano. De facto, propôs a existência de uma relação direta entre os humores e os quatro elementos: o fogo, o ar, a terra e a água. Neste sentido, a fleuma, o humor frio e húmido, era mais evidente no inverno enquanto que a bílis amarela prevalecia no calor seco do verão. 16 A saúde relacionava-se não apenas com os humores contidos no corpo humano, mas também com o resto do universo no qual estava incluído. Considerava-se que o ambiente e o estilo de vida da pessoa influenciavam o seu estado de saúde. É de salientar que na sua origem etimológica - em grego, em germânico, latino, judaico - saúde e doença não apresentam qualquer relação de sentido. A saúde significava mente sã em corpo são e só podia ser mantida se a pessoa seguisse um estilo de vida consonante com as leis naturais. Só assim seria possível assegurar um equilíbrio entre as forças do organismo e as do seu ambiente. Estas asserções representam um princípio básico da medicina hipocrática: a natureza tem um papel formativo, construtivo e curativo (Nuland, 1988). O corpo humano tende a curar-se a si próprio. Apenas sob circunstâncias muito especiais as causas mórbidas podem sobrepor-se à tendência natural de restabelecer os ritmos e equilíbrios próprios da saúde (Noack,1987). Assim, no tratamento das doenças, o médico devia respeitar um princípio fundamental e imperativo: primum non nocere, isto é, primeiro, não fazer mal . Mas Hipócrates não se centrou apenas no paciente e no seu ambiente pois realçou ainda a importância da relação médico-doente e as suas consequências sobre o bem-estar deste. A este propósito referiu: "Alguns pacientes, embora conscientes de que o seu estado de saúde é precário, recuperam devido simplesmente ao seu contentamento para com a humanidade do médico" (Nuland,1988,p.59). Talvez pela primeira vez na história da medicina e com Hipócrates se tenha chamado a atenção para a importância da qualidade da relação entre o médico e o paciente no processo de cura. A prática médica de então implicava a compreensão da natureza do ecossistema: o próprio médico era mais do que um técnico, era também filósofo, professor e sacerdote, o que facilitava a compreensão holística da relação doente-saúde. 17 Desenvolvimento do modelo biomédico Os princípios metateóricos do modelo biomédico atual baseiam-se na orientação científica do séc. XVII, consistindo numa visão mecanicista e reducionista do Homem e da Natureza que surgiu quando filósofos como Galileu, Descartes, Newton, Bacon e outros conceberam a realidade do mundo como uma máquina. Newton imaginou o Universo a partir de um modelo mecânico. Os seus elementos são partículas materiais, objetos pequenos, sólidos e indestrutíveis, que se movem no espaço e no tempo. E a partir dos quais toda a matéria é feita. Na mecânica newtoniana, todos os acontecimentos físicos são reduzidos ao movimento dessas partículas materiais (Mayer,1988). Esse movimento é o resultado da força da gravidade, a qual é traduzida em equações matemáticas, que constituem a base da mecânica clássica. O mundo é considerado como uma máquina e, à semelhança desta, formado por um conjunto de peças. Deste modo, para o compreender, basta utilizar o mesmo método que se utiliza para perceber uma máquina, isto é, desmonta-se e separam-se as peças. 18 Esta concepção do mundo físico foi generalizada aos seres vivos (Mayer,1988). Assim, tal como se faz com as máquinas, estudam-se os seres vivos desarticulando as suas partes constituintes (os órgãos). E cada parte é estudada separadamente. Cada uma destas partes desempenha uma determinada função observável. O conjunto, que representa o organismo, é explicado pela soma das partes ou das propriedades. Nesta perspectiva, Descartes concebeu também o corpo humano como uma máquina, comparando um homem doente a um relógio avariado e um saudável a um relógio com bom funcionamento. A ideia de um mundo concebido à maneira de um modelo mecânico, e a utilização da metáfora do relógio para o caracterizar, constituem a metateoria a partir da qual as Ciências da Natureza se fundamentam. A natureza é vista como sendo exterior ao Homem e com uma existência objetiva e independente dele; constituída por peças que se movem segundo leis fixas. Salientamos que esta visão mecanicista do Mundo, tendo sido acompanhada pelo médicos e fisiologistas mais célebres da época, fez com que, de facto , o corpo humano fosse conceitualizado como um grande engenho cujas peças se encaixam ordenadamente e segundo um processo racional. Em síntese, Galileu, Newton e Descartes enunciaram os princípios básicos da ciência, também conhecidos por Modelo Cartesiano ou Mecanicista (Engel,1977). Este sistema de pensamento defendia que o universo inteiro (incluindo o Homem) era uma máquina prodigiosa funcionando como um relógio, de acordo com as leis matemáticas. Para descobrir tais leis aplicava-se o método analítico e estudavam-se as partes componentes deste conjunto mecânico. O modelo biomédico tradicional baseia-se, em grande parte, numa visão cartesiana do mundo e considera que a doença consiste numa avaria temporária ou permanente do funcionamento de um componente ou da relação entre componentes. Curar a doença equivalia, nesta perspectiva, à reparação da máquina (Engel,1977; Noack,1987). 19 O modelo biomédico respondeu às grandes questões de saúde que se manifestavam na época, definindo a teoria do germe. Esta, dentro do espírito cartesiano, postulava que um organismo patogénico específico estava associado a uma doença específica, fornecendo assim as bases conceptuais necessárias para combater as epidemias. O novo modelo, segundo Ribeiro (1993), permitiu enormes progressos na teoria e na investigação, reorientando a prática e a investigação médicas à volta de três critérios: a) a ênfase anterior, no princípio de que todos os sistemas corporais funcionavam como um todo, foi substituída pela tendência a reduzir os sistemas a pequenas partes, podendo cada uma delas ser considerada separadamente; b) simultaneamente, o indivíduo, com as suas características particulares e idiossincráticas, deixou de ser o centro da atenção médica, sendo substituído pelas características universais de cada doença; e c) finalmente, um forte materialismo substitui a tendência anterior de considerar significativos os fatores não ambientais (morais, sociais, comportamentais). Primeira revolução da saúde O início da revolução industrial nos finais do século XVIII teve consequências nefastas para a saúde. Exemplos maciços de desequilíbrio ecológico foram, por exemplo, as grandes epidemias decorrentes das mudanças sociais e das alterações do sistema de produção. Grande quantidade de pessoas migravam e aglomeravam-se nas grandes cidades, com fracas condições de salubridade e habitabilidade, facilitadoras da difusão de microorganismos causadores de grande morbilidade e mortalidade. A tuberculose foi uma das doenças mais conhecidas da época e a que mais vítimas provocou, tendo-se verificado o mesmo padrão de mortalidade elevada para outras doenças infecciosas, tais como: a pneumonia, o sarampo, a gripe, a escarlatina, a difteria e a varíola (entre outras). 20 A primeira revolução da saúde foi um dos ramos do modelo biomédico que conduziu ao desenvolvimento das modernas medidas de saúde pública (Bolander,1998). Tais medidas foram essenciais para as mudanças dos padrões de saúde e doença do mundo desenvolvido de então, e foram suficientes até meados do presente século. O modelo biomédico, aplicado à saúde pública, desenvolveu-se, segundo Ribeiro (1997), devido ao reconhecimento de que: a) as doenças infecciosas eram difíceis senão impossíveis de curar e, uma vez instaladas no adulto, o seu tratamento e a sua cura eram dispendiosos; b) os indivíduos contraíam doenças infecciosas em contato com o meio ambiente físico e social que continha o agente patogénico; c) as doenças infecciosas não se contraíam a não ser que o organismo hospedeiro fornecesse um meio favorável ao desenvolvimento do agente infeccioso. E acrescenta. Para prevenir as doenças era necessário controlar os agentes patogénicos, o que foi feito, por exemplo, controlando a sua mobilidade através da construção de sistemas de esgotos e de distribuição de água potável e da gestão de migrações, ou destruindo esses agentes, por exemplo, através da clorificação das águas de consumo, e finalmente, já bem dentro do presente século, produzindo vacinas. Quando essas medidas falhavam, intervinha a medicina curativa que, a partir de meados do século XX, encontrou nos antibióticos um auxiliar eficaz na destruição desses microorganismos. Os princípios do modelo biomédico definidos pela teoria do germe, que a princípio se referiam apenas aos microorganismos, estenderam-se depois ás toxinas, ao neoplasma, à desregulação endócrina, à deficiência nutricional, etc., caracterizando-se por considerar a existência de uma relação causal linear entre uma causa simples e uma doença (Noack,1987). Uma das evoluções para uma concepção mais atual passou pela aceitação de que a etiologia da doença é multicausal. 21 O modelo biomédico teve tanto sucesso que, no final da década de 70, nos Estados Unidos, rareavam os indivíduos com menos de 75 anos, cuja morte fosse devida a doenças infecciosas (Ribeiro,1993). Contudo, o modelo biomédico negligencia a autonomia conceitual e as representações que as pessoas fazem sobre o seu estado de saúde. É o caso, por exemplo, das avaliações subjetivas sobre os sintomas, das interpretações ou das significações sobre as causas e as evoluções de uma determinada doença, da implementação e da modificação de estilos de vida ou da decisão em aderir às recomendações feitas pelo médico (Laderman,1987). E esta atividade conceitual tem uma influência marcante na evolução do estado de saúde. Com efeito, diversas investigações empíricas têm demonstrado que as significações pessoais estão na base do bem-estar psicológico e na facilitação dos processos de promoção da saúde, assim como nos de reabilitação (Antonovsky,1979; Aron e Aron,1987; Laderman,1987). Como seria de esperar, a omissão que o modelo biomédico faz da autonomia conceitual da pessoa é consistente com as definições de saúde e doença com ele conotadas: a saúde é concebida como sendo a ausência de doença e esta é conceitualizada considerando exclusivamente as perturbações que se processam na dimensão física da pessoa (Engel,1977). Segunda revolução da saúde A expressão "segunda revolução da saúde" foi utilizado por Richmond, em 1979, no seu relatório sobre a saúde dos americanos, e propõe-se qualificar as mudanças cuja implementação é necessária para responder ás novas exigências de saúde. Globalmente, pode afirmar-se que o desenvolvimento do modelo biomédico se centrara na doença, que a primeira revolução da saúde se centrara na prevenção da doença, e que a segunda revolução da saúde se centra na saúde. Os aspectos mais radicais desta segunda revolução são: a) centrar-se na saúde ao invés de na doença; b) preconizar o retorno a uma perspectiva ecológica. 22 Acreditara-se que, com a primeira revolução da saúde, os problemas de saúde estariam resolvidos. No entanto, a partir de meados do século XX, surge nova epidemia: uma epidemia comportamental (McIntyre,1994). Com efeito, constatou-se que, nos países desenvolvidos, as doenças que mais contribuíam para a mortalidade eram doenças com etiologia comportamental. Com base nesta evidência, a segunda revolução da saúde teria de se centrar numa nova concepção, em novos princípios: dado as novas epidemias não terem origem em organismos patogénicos, a teoria do germe deixou de ser aplicável. O equivalente ao germe, nesta epidemia, é o comportamento individual (Ribeiro,1993). A vacina, agora, teria de ser a modificação do comportamento, tomando este um sentido lato . Assim, esta constatação chama a atenção dos profissionais da saúde e da doença para a importância de alterar o estilo de vida da população. A modificação de alguns comportamentos, tais como, deixar de fumar, cuidar da alimentação, controlar o stress, praticar exercício ou atividade física regularmente, dormir um número de horas adequado, verificar periodicamente a saúde, permitiria reduzir drasticamente a mortalidade. Além da mudança na etiologia da morbilidade e mortalidade, outros fatores contribuíram para a emergência da nova concepção de saúde. Ramos (1988) refere os seguintes: alterações demográficas, tais como, envelhecimento da população, diversificação da família, a que se podem acrescentar a mobilidade social dos indivíduos e as migrações; revolução tecnológica, que, aumentando as possibilidades de intervenção na doença, exigem mais e melhores especialistas aumentando os custos da assistência médica; aproximação dos serviços de saúde à comunidade. Pode-se, ainda, acrescentar o aumento do poder do consumidor que, tornando-se mais exigente e com mais capacidade crítica, força os políticos a serem mais sensíveis à opinião pública. 23 Principais conceitos da segunda revolução da saúde Os conceitos da segunda revolução da saúde foram difundidos, primeiro por Marc Lalonde, depois por Julius Richmond e pela Organização Mundial da Saúde na declaração de Alma-Ata, em 1978. Os conceitos foram divulgados e implementados universalmente no documento "Metas da Saúde para Todos", com edição original de 1984 e tradução portuguesa do Ministério da Saúde, de 1986. São conceitos particularmente importantes para os países desenvolvidos, onde os benefícios da primeira revolução da saúde já eram visíveis. Embora toda a filosofia deste novo modelo estabeleça uma ruptura com o modelo anterior, salientam-se dois conceitos centrais, específicos e inovadores: "promoção da saúde" e "estilo de vida". Estes conceitos encerram implicitamente, na sua definição, todos os princípios da segunda revolução da saúde. Promoção da saúde A promoção da saúde é um conceito multidisciplinar de que têm sido produzidas inúmeras definições (Breslow,1987; Kaplan,1984; Noack,1987). A definição adoptada na carta de Otawa, em 1986, e que tem sido utilizada, é a seguinte: processo de "capacitar" (enabling) as pessoas para aumentarem o controlo sobre a sua saúde e para a melhorar. 24 O Working Group on Concepts and Principles of Health Promotion (WGCPHP,1987) salienta dois grandes objetivos principais para a promoção da saúde: 1) melhorar a saúde; 2) dominar (por parte do cidadão) o processo conducente à melhoria da saúde. Na análise da definição, Green e Raeburn (1990) consideram que a chave está na palavra "capacitar": esta palavra deriva do verbo "to enable " (no original) que significa "fornecer os meios e as oportunidades, tornar possível, prático, simples, e dar poder legal, capacidade ou autorização para". Consideram que significa devolver à população o poder em matéria de saúde, retirando-o ás instituições, aos dirigentes, aos profissionais e à tecnologia. O objetivo primordial da promoção da saúde no futuro poderia, assim, ser o de facilitar a transferência de recursos importantes na saúde, tais como: conhecimentos, técnicas, poder e dinheiro para a comunidade. Estes mesmos autores explicam que a adopção de estratégias de promoção da saúde e dos princípios a ela subjacentes encerra um conflito potencial. Embora muitos profissionais e gestores da área da saúde afirmem defender a ideia de devolver mais poder à comunidade, na prática poucos estão dispostos a fazê-lo. A justificação destes profissionais é a de que eles é que "sabem melhor" o que fazer, podendo afirmar-se que esta constitui a filosofia dominante entre estes profissionais. Segundo Noack (1987), a promoção da saúde parece ter substituído o conceito de higiene e, sem ser sinónimo, sobrepõe-se parcialmente ao de prevenção de doença (Rosenstock,1987; Dean,1990). Rosenstock (1987) considera que a distinção entre prevenção das doenças e promoção da saúde tem três implicações distintas, que incluem: a) implicações acerca da atribuição de responsabilidade pela saúde; b) implicações ao nível da seleção dos alvos da intervenção para maximizar a saúde e; c) implicações para a ética da promoção da saúde. 25 Finalmente, salientamos que a promoção da saúde surgiu, entre outras razões, porque trazia vantagens económicas diretas (menos gastos com a doença) e indiretas (mais dias de trabalho, mais energia no trabalho). Estilo de vida A noção de Estilo de Vida é um conceito antigo para a psicologia que foi adaptado pelo novo modelo de concepção da saúde próprio da Segunda Revolução da Saúde. Lalonde (1974) definiu Estilo de Vida como: "o agregado de decisões individuais que afetam a vida (do indivíduo) e sobre as quais tem algum controlo" (p.32). A Organização Mundial de saúde define estilo de vida como "conjunto de estruturas mediadoras que refletem uma totalidade de atividades, atitudes e valores sociais" (WHO,1986, p.43), ou como: "um aglomerado de padrões comportamentais, intimamente relacionados, que dependem das condições económicas e sociais, da educação, da idade e de muitos outros fatores" (WHO,1988, p.114). 26 Ribeiro (1994) salienta que o Estilo de Vida tem sido interpretado desde uma forma ampla, até uma forma estrita. E acrescenta. Se, por exemplo, Lalonde o qualifica como padrões de decisões, o que subentende toda uma cadeia de cognições, expectativas, emoções e comportamentos, interligados com antecedentes, consequentes e colaterais susceptíveis de os influenciar, McQueen (1987) reduzia-o a uma constelação de comportamentos conducentes a uma boa saúde. Este conjunto de definições reflete, assim, mudanças sofridas pelo conceito e os aperfeiçoamentos que lhe foram introduzidos nos 14 anos que separam a primeira da última. Refletem, igualmente, a variedade de perspectivas que lhes estão subjacentes, com um peso mais social e comunitário nas duas últimas definições e um peso mais individualista da primeira. Representações sociais da saúde e da doença Também no campo das representações, alguns autores têm investigado, num contexto psicossociológico, a forma pela qual as pessoas leigas em medicina têm representado a saúde e a doença ao longo dos tempos (Blaxter,1990; Cornwell,1984; Helman,1978; Herzlich,1973; Stacey,1988). Um dos estudos mais importantes foi efetuado em 1973, em França por Claudine Herzlich, que entrevistou 8000 pessoas da classe média que viviam em Paris e na região rural da Normandia. As significações leigas sobre o que significa ter saúde foram classificadas de acordo com três metáforas ou categorias: 1) Saúde no vácuo. A saúde é concebida como ausência de doença; a pessoa não tem consciência do próprio corpo ou, simplesmente, não é aborrecida por sensações corporais. Há uma espécie de "silêncio corporal". 2) Reserva de saúde. A saúde é vista como um recurso ou um investimento em vez de um estado. Caracteriza-se por robustez ou força física e resistência a ataques externos, a estados de fadiga e de doença. A saúde é qualquer coisa que "possuímos" e que nos permite trabalhar e fazer a nossa vida e defender-nos contra a doença ou recuperar dela (Herzlich,1973). 27 É uma característica pessoal, pois a pessoa pode sentir ter mais ou menos desta "reserva" . Algumas pessoas referiram que a sua "reserva" de saúde é herdada da família, outras, que foi a consequência de uma boa infância. O nível da "reserva" de saúde é deduzido, por exemplo, da comparação com outras pessoas ("sou mais saudável do que a minha mulher, ela está sempre a apanhar constipações"). 3) Equilíbrio. Refere-se, segundo Herzlich (1973), à noção de "saúde real" ou saúde no seu sentido mais elevado; transporta consigo a noção de bem-estar positivo ou "bem-estar ao mais alto nível". Um substrato de harmonia e equilíbrio essencial na vida espiritual, psicológica e corporal - do qual deriva um sentimento funcional de confiança, vigília, liberdade, energia e resistência . Este equilíbrio é algo que podemos perder ou voltar a ganhar e, enquanto que a "reserva de saúde" se caracteriza por uma presença (de saúde), e a "saúde-no-vácuo" por uma ausência (de doença), o "equilíbrio" é contingente aos eventos do dia-a-dia. Quando as coisas correm bem, o equilíbrio existe e pode comprovar-se através, por exemplo, "das boas cores, e sentirmo-nos bem quando estamos com os amigos". Relativamente às concepções leigas sobre o que significa ter doença, salientamos que também estas foram classificadas por Herzlich (1973) em três metáforas ou categorias: 1) Doença como destruidora. Refere-se a concepções de pessoas particularmente ativas ou envolvidas na sociedade e para as quais qualquer interferência com o seu papel familiar ou profissional constitui um problema importante. Medida em que a doença pode limitar a capacidade pessoal para assumir as responsabilidades e a concomitante perda de posição social e isolamento social. A pessoa sente que tem responsabilidades importantes perante os outros, e depender de outros pode fazê-la sentir-se "menos pessoa". Estas pessoas salientam, pois, os aspectos positivos da saúde, nomeadamente porque lhes permite manter o seu papel sócio profissional. A sua atitude de confronto face à doença é paradoxal, quer tentando assumir o controlo (negando-a ou comportando-se como se nada tivesse acontecido) quer sentindo-se impotente ("desistindo de lutar"). 28 2) Doença como libertadora. Concepção de doença como libertadora das responsabilidades ou das pressões que a vida coloca: "Quando estou muito cansado, quem me dera ficar doente... a doença é uma espécie de descanso, que nos pode libertar das preocupações do dia-a-dia..." (Herzlich,1973,p.114). A doença traz benefícios e privilégios, incluindo os cuidados e a simpatia dos outros. A doença traduz, pois, um ganho secundário. 3) Doença como desafio. Doença concebida como um desafio ou algo com o qual devemos lutar com todos os nossos poderes e recursos. É necessário muita energia e empenharmos toda a nossa capacidade no sentido de ficarmos melhor. Não nos devemos preocupar com os nossos deveres mas concentrarmo- nos na nossa recuperação. As pessoas com esta concepção da doença acreditam nos poderes da mente sobre o corpo. Apesar de estas categorias representarem descrições diferentes de concepções de processos de doença, Herzlich (1973) verificou que apenas algumas pessoas podiam ser classificadas claramente numa determinada categoria. A maior parte das pessoas "flutuava" pelas três, verbalizando concepções com conteúdos mais ou menos misturados das várias categorias. Como síntese geral de outros estudos realizados neste âmbito é possível referir que: 1) as concepções das pessoas leigas em medicina estão intimamente ligadas a significações mais latas sobre si próprias, sobre o mundo e a vida e imbuídas em sistemas culturais locais; 2) as pessoas frequentemente constroem concepções para os processos de saúde, que são bastante diferentes daquelas que constroem para os processos de doença e, 3) as concepções leigas coexistem e competem, no sentido de concepções alternativas às significações médicas ou dos profissionais de saúde. 29 REFERÊNCIAS Antonovsky, A. (1979). Saúde, estresse e enfrentamento: novas perspectivas sobre o bem-estar físico e mental. São Francisco: Jossey-Bass. Aron, E., & Aron, A. (1987). A influência do estado interno na felicidade autorrelatada de longo prazo. Journal of Humanistic Psychology, 27, 248-270. Blaxter, M. (1990). Saúde e estilos de vida. Londres: Tavistock. Bolander, V.B. (1998). 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