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Direit� Previdenciári� � d� Seguridad� Socia� 1. A Seguridad� Socia� 1.1. Noçõe� Gerai� Em termos objetivos, em sua acepção ampla, a "previdência social" abarca todos os regimes previdenciários existentes no Brasil (básicos e complementares, públicos e privados). Entretanto, a expressão "Previdência Social" também é utilizada no sentido subjetivo, com iniciais maiúsculas, como sinônima dos órgãos e entidades responsáveis pela gestão previdenciária, a exemplo do Ministério da Previdência Social e do INSS, bastando lembrar que as agências da referida autarquia federal estampam essa nomenclatura. Com efeito, a sua disciplina constitucional é ditada em especial pelos seguintes artigos da Constituição Federal de 1988: - Artigo 40 (previdência dos servidores públicos efetivos e militares - Regime Próprio de Previdência Social); - Artigo 201 (previdência dos trabalhadores em geral - Regime Geral de Previdência Social); - Artigo 202 (previdência complementar privada). 1.2. Evoluçã� Históric� A evolução socioeconômica faz com que as desigualdades se acentuem entre os membros da mesma comunidade e da comunidade internacional. Insta salientar que a pobreza não é um problema apenas individual, mas, sim, social. A concentração da maior parte da renda nas mãos de poucos leva à miséria da maioria, que se ressente da falta dos bens necessários para sobreviver com dignidade. No entanto, o homem sempre se preocupou em garantir seu sustento e o de sua família em situações de carência econômica, enfermidades, diminuição da capacidade de trabalho, redução ou perda de renda. Dessas situações o homem não consegue sair apenas com o seu esforço individual, necessitando do amparo do Estado para prevenir e remediar suas necessidades. Todos esses fatores levaram à busca de instrumentos de proteção contra as necessidades sociais, com reflexos na ordem jurídica. A evolução histórica da proteção social é dividida em três etapas: assistência pública, seguro social e seguridade social Aponta-se majoritariamente como o marco inicial mundial da previdência social no mundo a edição da Lei dos Seguros Sociais, na Alemanha, em 1883, perpetrada pelo chanceler Otto Von Bismarck, que criou o seguro- -doença, seguida por outras normas que instituíram o seguro de acidente de trabalho (1884), o de invalidez (1889) e o de velhice (1889), em decorrência de grandes pressões sociais de época. Era um sistema equilibrado, de capitalização, compulsório e bastante restrito, pois se tratava de um seguro celebrado entre patrões e empregados por imposição do Estado, com contribuição de ambos, mas limitado a estes trabalhadores. Ficou conhecido como sistema de capitalização ou bismarckiano, pois era custeado apenas com as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores, exigindo-se cotizações durante certo prazo para que os beneficiários fizessem jus aos benefícios. Por sua vez, em termos constitucionais, destacam-se as Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919) como as primeiras no mundo a preverem a proteção previdenciária dos trabalhadores. Já em 1942, a Inglaterra chamou a atenção do mundo ao adotar um sistema previdenciário diverso do germânico, através da aprovação do Plano Beveridge, idealizado pelo economista Sir William Henry Beveridge, em que a previdência social era custeada primordialmente com recursos dos tributos em geral, inexistindo apenas contribuições específicas para a sua manutenção, a serem pagas pelas empresas e trabalhadores, efetivamente implantado em 1946. Esse formato de previdência social tem a vantagem de ser verdadeiramente universal e solidário, pois inclui todo o povo, mas é de difícil equilíbrio financeiro e atuarial, ficando conhecido como sistema inglês ou beveridgiano. Outros países têm planos previdenciários públicos e privados, a exemplo do Brasil, ao passo que o Chile adotou uma posição extremada de apenas oferecer ao seu povo a previdência privada, em adoção à política neoliberal sob o incentivo do Banco Mundial, para criar um sistema previdenciário substitutivo. No Brasil, registre-se, inicialmente, que a Constituição de 1891 foi a primeira brasileira a prever diretamente um benefício previdenciário, pois o seu artigo 75 garantia a aposentadoria por invalidez aos funcionários públicos que se tornaram inválidos a serviço da nação, mesmo sem existir o pagamento de contribuições previdenciárias. Deveras, a Constituição Imperial (1824) apenas garantiu formalmente os "socorros públicos" (artigo 179, inciso XXXI), de pouca regulamentação em razão da doutrina liberal de época. Em 1821, o Decreto de 1° de outubro concedeu aposentadoria aos mestres e professores após 30 anos de serviço. Já em 1888, criou-se a Caixa de Socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado (Lei 3.397) e o Decreto 9.912-A previu a aposentadoria dos empregados dos Correios, após 30 anos de serviço e 60 anos de idade. Em 1919 foi editada a Lei de Acidentes de Trabalho (Lei 3.724), que criou o seguro de acidente de trabalho para todas as categorias, a cargo das empresas, introduzindo a noção do risco profissional. No Brasil, prevalece doutrinariamente que a previdência social nasceu com o advento da Lei Eloy Chaves, em 24 de janeiro de 1923 (Decreto-lei 4.682), que determinou a criação das caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários, mantidas pelas empresas, e não pelo Poder Público, tanto que o dia 24 de janeiro é considerado oficialmente como o dia da previdência social no Brasil. Crê-se tratar-se de uma meia verdade. A Lei Eloy Chaves pode sim ser considerada como o marco inicial da previdência brasileira, mas do sistema privado, pois as caixas dos ferroviários eram administradas pelas próprias empresas privadas e não pelo Poder Público, que apenas regulamentava e supervisionava a atividade. A Lei Eloy Chaves determinou a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões em cada uma das empresas ferroviárias, visando tutelar os seus empregados, assim considerados não só os que prestavam os seus serviços mediante ordenado mensal, como também os operários diaristas, de qualquer natureza, que executavam serviço de caráter permanente, desde que tivessem mais de seis meses de serviços contínuos em uma mesma empresa. As principais receitas das CAP's dos ferroviários vinham de uma contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3ok dos respectivos vencimentos; de uma contribuição anual da empresa, correspondente a 1ok de sua renda bruta e da soma que produzir um aumento de 1 1/2 ok sobre as tarifas da estrada do ferro. Na realidade, a previdência pública brasileira apenas iniciou-se em 1933, através do Decreto 22.872, que criou o Instituto de Previdência dos Marítimos - IAPM, pois gerida pela Administração Pública, surgindo posteriormente os seguintes Institutos: dos comerciários e bancários (1934); dos industriários (1936); dos servidores do estado e dos empregados de transportes e cargas (1938). De efeito, os Institutos, ao contrário das Caixas de Aposentadorias e Pensões, tinham maior abrangência, pois abarcavam categorias profissionais inteiras, e não apenas os empregados de determinada empresa, além de estarem sujeitos ao controle e administração estatal. A Constituição de 1934 deu a sua contribuição ao prever o tríplice custeio da previdência social, mediante recursos do Poder Público, dos trabalhadores e das empresas, passando, em termos constitucionais, do plano apenas da assistência social para o seguro social, lançando mão da expressão "Previdência". Por sua vez, a Constituição de 1946 contemplou pela primeira vez no país a expressão "Previdência Social", tratando da sua cobertura no artigo 157· Em 1960, foi promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS (Lei 3.807), que unificou o plano de benefícios dos Institutos. Já em 1965, a Emenda 11 alterou a Constituição de 1946 para criar o Princípio da Precedência de Fonte de Custeio para a instituição ou majoração dos benefícios previdenciários e assistenciais, existente até hoje e aplicávela toda a seguridade social. Em 1967, ocorreu a unificação da previdência urbana brasileira, vez que os Institutos foram fundidos, nascendo o INPS - Instituto Nacional de Previdência Social, através do Decreto-lei 72/1966, que também trouxe o seguro de acidente do trabalho para o âmbito da Previdência Pública. Mais adiante, em 1971. ocorreu a inclusão previdenciária dos trabalhadores rurais, que passaram a ser segurados previdenciários com regência pela Lei Complementar 11, que instituiu o Pró-Rural (Programa de Assistência ao Trabalhador Rural), mantido pelos recursos do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, que ganhou natureza jurídica de autarquia federal. Na previdência rural foram previstos os seguintes benefícios: I- aposentadoria por velhice; II - aposentadoria por invalidez; III - pensão; IV - auxílio-funeral; V - serviço de saúde; VI - serviço social. As aposentadorias correspondiam à metade do salário mínimo vigente, ao passo que a pensão por morte a 3ook do salário mínimo. Já o auxílio-funeral era no valor de um salário mínimo. Ou seja, naquela época coexistiam dois regimes previdenciários em paralelo: o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Lei Complementar 11/1971) e a Previdência Social Urbana (Lei 3.807/1960). Os empregados domésticos tiveram a sua vez em 1972, passando a ser segurados da previdência por força da Lei 5.859. Em 1977, foi permitida a criação da previdência complementar privada, através das entidades abertas e fechadas, por intermédio da Lei 6.435, começando a nascer os grandes fundos de pensão das empresas estatais, a exemplo da PREVI (Banco do Brasil) e da PETROS (Petrobrás). Ainda em 1977 foi instituído o SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, que abarcava as seguintes entidades: A) IAPAS (Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - arrecadação e fiscalização das contribuições); B) INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social); C) INPS (Instituto Nacional de Previdência Social - responsável pela gestão dos benefícios previdenciários); D) LBA (Fundação Legião Brasileira de Assistência - cuidava dos idosos e gestantes carentes); E) FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - responsável pelos menores carentes); F) CEME (Central de Medicamentos - fabricação de medicamentos de baixo custo); G) DATAPREV (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social - controle de dados). Finalmente, em 1988, a Constituição Cidadã evoluiu para a seguridade social, que no Brasil engloba a assistência, a previdência social e a saúde pública (Título VIII, Capítulo II, artigos 194/204), contemplando as regras e princípios basilares que regulam a previdência brasileira. É possível enumerar as principais conquistas sociais com o advento do atual ordenamento constitucional: - A saúde pública passou a ser gratuita a todos os brasileiros, pois não mais depende do pagamento de contribuições específicas; - Garantia de um salário mínimo ao idoso ou deficiente carente no campo da assistência social; - Os benefícios previdenciários que substituem a remuneração dos trabalhadores passaram a ser de, pelo menos, um salário mínimo, o que beneficiou os povos rurais; - Os trabalhadores rurais, os garimpeiros e o pescador artesanal passaram a ter direito a uma redução de os anos na idade para gozar do benefício da aposentadoria por idade; - O homem passou a ter direito à pensão por morte, pois anteriormente apenas tinham direito os maridos inválidos. Posteriormente, houve a necessidade política de alterar e inserir várias regras constitucionais na previdência social, tendo a via reforma sido aprovada pela Emenda 20, publicada em 16.12.1998. Dentre outras, podem ser destacadas as seguintes inovações: - Exigência de idade mínima para a aposentadoria voluntária integral no serviço público (60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres); - Desconstitucionalização do cálculo da renda mensal inicial das aposentadorias, que passou a ser regido pela Lei 9.876/99; - Concessão do salário-família e do auxílio-reclusão apenas aos beneficiários de baixa renda; - Elevação do teto do Regime Geral de Previdência Social para R$ 1.200,00; - Vedação de percepção de duas aposentadorias pelo regime previdenciário dos servidores públicos, salvo na hipótese de acumulação de cargos autorizada constitucionalmente; - Extinção do tempo de serviço e criação do tempo de contribuição; - Proibição de contagem de tempo de contribuição fictício; - Extinção da aposentadoria por tempo de contribuição proporcional no RGPS para os novos segurados; - Instituição de novas fontes de custeio para a seguridade social; - Previsão de competência da Justiça do Trabalho para executar; de ofício, as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir; - Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; Vedação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. O Brasil não adotou uma reforma estrutural em seu regime previdenciário, ao contrário de vários países da América do Sul nas décadas de 1980 e 1990, que eliminaram o sistema público ou colocaram o sistema privado como regra geral. De efeito, pela Emenda 20/98, inúmeras alterações foram perpetradas em nosso regime previdenciário, mas a sua essência foi mantida, pois os planos básicos brasileiros continuaram a ser públicos e com o regime de repartição (fundo único). Já a Emenda 41, publicada em 31.12.2003, aprovou a 2ª reforma da previdência social, com foco no regime previdenciário dos servidores públicos efetivos e militares, destacando-se as seguintes previsões: - Fim da paridade remuneratória entre ativos e inativos, prevendo regra de transição para os antigos servidores; - Autorizou a cobrança de contribuições previdenciárias sobre aposentadorias e pensões pagas no serviço público, desde que em valor acima do teto dos benefícios pagos pelo INSS; - Previsão de redutor da pensão por morte no serviço público equivalente a sobre a quantia que exceder o valor máximo dos benefícios pagos pelo INSS; Criação do abono de permanência no serviço público para os servidores que preencheram os requisitos para a aposentadoria voluntária com proventos integrais, mas optaram em permanecer na ativa, equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária; Vedação de existência de mais de um regime próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal. 1.2.1. Assistênci� Públic� A primeira etapa da proteção social foi a da assistência pública, fundada na caridade, no mais das vezes, conduzida pela Igreja e, mais tarde, por instituições públicas. O indivíduo em situação de necessidade — em casos de desemprego, doença e invalidez — socorria-se da caridade dos demais membros da comunidade. Nessa fase, não havia direito subjetivo do necessitado à proteção social, mas mera expectativa de direito, uma vez que o auxílio da comunidade ficava condicionado à existência de recursos destinados à caridade. A desvinculação entre o auxílio ao necessitado e a caridade começou na Inglaterra, em 1601, quando Isabel I editou o Act of Relief of the Poor — Lei dos Pobres. A lei reconheceu que cabia ao Estado amparar os comprovadamente necessitados. Surgiu, assim, a assistência pública ou assistência social. Cabia à Igreja a administração de um fundo, formado com a arrecadação de uma taxa obrigatória. “(...) o Poder Público tornava cogente o binômio igualdade-solidariedade”. A preocupação com o bem-estar de seus membros levou algumas categorias profissionais a constituírem caixas de auxílio, com caráter mutualista, que davam direito a prestações em caso de doença ou morte. Havia uma semelhança com osseguros de vida, feitos principalmente por armadores de navios. A assistência pública, no Brasil, foi prevista pela Constituição de 1824, cujo art. 179, § 31, garantia os socorros públicos. As desigualdades sociais marcantes, denunciadas pela Revolução Francesa, levaram à criação de outros mecanismos de proteção social contra os abusos e injustiças decorrentes do liberalismo. 1.2.2. Segur� Socia� Já não bastava a caridade para o socorro dos necessitados em razão de desemprego, doenças, orfandade, mutilações etc. Era necessário criar outros mecanismos de proteção, que não se baseassem na generosidade, e que não submetessem o indivíduo a comprovações vexatórias de suas necessidades. Surgiram as empresas seguradoras, com fins lucrativos e administração baseada em critérios econômicos, com saneamento financeiro. O seguro do Direito Civil forneceu as bases para a criação de um novo instrumento garantidor de proteção em situações de necessidade. A primeira forma de seguro surgiu no século XII: o seguro marítimo, reivindicação dos comerciantes italianos. Não eram, ainda, as bases técnicas e jurídicas do seguro contratual. O desenvolvimento do instituto do seguro fez surgir novas formas: seguro de vida, seguros contra invalidez, danos, doenças, acidentes etc. O seguro decorria do contrato, e era de natureza facultativa, isto é, dependia da manifestação da vontade do interessado. Mas a proteção securitária era privilégio de uma minoria que podia pagar o prêmio, deixando fora da proteção a grande massa assalariada. Era necessário, então, criar um seguro de natureza obrigatória, que protegesse os economicamente mais frágeis, aos quais os Estado deveria prestar assistência. O final do século XIX marcou o surgimento de um novo tipo de seguro, cuja garantia de efetividade dependia da distribuição dos riscos por grupos numerosos de segurados. Para isso, era necessário que as entidades seguradoras assumissem a cobertura dos riscos, sem, contudo, selecioná- los. Nasceu o seguro social, na Prússia, em 1883, com a Lei do Seguro Doença, que criou o Seguro de Enfermidade, resultado da proposta de Bismarck para o programa social. A Lei do Seguro Doença é tida como o primeiro plano de Previdência Social de que se tem notícia. A partir de Bismarck e, principalmente, da Segunda Guerra Mundial, ganhou força a ideia de que o seguro social deveria ser obrigatório e não mais restrito aos trabalhadores da indústria, ao mesmo tempo em que a cobertura foi estendida a riscos como doença, acidente, invalidez, velhice, desemprego, orfandade e viuvez. Ao se tornar obrigatório, o seguro social passou a conferir direito subjetivo ao trabalhador. O seguro social era organizado e administrado pelo Estado. O custeio era dos empregadores, dos empregados e do próprio Estado. Já não se cuidava da configuração civilista do seguro. O Estado liberal precisava de mecanismos que garantissem a redução das desigualdades sociais, e não apenas dos conflitos e prejuízos. O Estado liberal produzia cada vez mais e em maior quantidade. O seguro social atuava, então, como instrumento de redistribuição de renda, que permitia o consumo. A solidariedade ganhou contornos jurídicos, tornando-se o elemento fundamental do conceito de proteção social, que, cada vez mais, foi se afastando dos elementos conceituais do seguro civilista. A par da questão econômica caminhava, ainda, a luta pela garantia dos direitos sociais. O seguro social, na concepção bismarckiana, estendeu-se pela Europa até meados do século XX. Os sistemas de seguro social não resistiram às consequências da Primeira Guerra Mundial em razão da cobertura para o grande número de órfãos, viúvas e feridos que resultaram do combate, além da inflação galopante da época, problemas sentidos principalmente na Alemanha e na Áustria. A questão social teve, então, que ser equacionada. Em 1919, no Tratado de Versalhes, surgiu o primeiro compromisso de implantação de um regime universal de justiça social. Foi, então, fundado o Bureau International Du Travail (BIT) — Repartição Internacional do Trabalho — que realizou a 1ª Conferência Internacional do Trabalho, à qual se atribui o desenvolvimento da previdência social e sua implantação em todas as nações do mundo civilizado. Dessa conferência resultou a primeira Recomendação para o seguro-desemprego. A 3ª Conferência (1921) recomendou a extensão do seguro social aos trabalhadores da agricultura. A 10ª Conferência (1927) estendeu as demais Convenções e Recomendações sobre o seguro- doença aos trabalhadores da indústria, do comércio e da agricultura. Outras Conferências foram feitas, sendo que a 17ª (1933) estendeu as Recomendações anteriores aos seguros por velhice, invalidez e morte. A 18ª Conferência (1934) regulou o seguro contra o desemprego. O BIT teve papel importante na expansão da previdência social pelo mundo. O seguro social é uma espécie do gênero seguro, que, embora com características próprias, ainda tinha muito do seguro privado. Assim como no seguro privado, o seguro social seleciona os riscos que terão cobertura pelo fundo. A área (incerteza da ocorrência do sinistro) e a formação de um fundo comum, administrado de forma a garantir econômica e financeiramente o pagamento das indenizações, são características do seguro social e do seguro privado. Porém, a amplitude e a natureza obrigatória do seguro social o diferenciam do seguro privado, de natureza eminentemente facultativa. 1.2.3. Seguridad� Socia� A Segunda Guerra Mundial causou grandes transformações no conceito de proteção social. Territórios devastados, trabalhadores mutilados, desempregados, órfãos e viúvas, tudo isso mostrou ser necessário o esforço internacional de captação de recursos para a reconstrução nacional, o socorro aos feridos, desabrigados e desamparados e, ainda, para fomentar o desenvolvimento; acontecimentos totalmente diversos dos que levaram ao surgimento do seguro social. O seguro social nasceu da necessidade de amparar o trabalhador e protegê-lo contra os riscos do trabalho. Era, então, necessário um sistema de proteção social que alcançasse todas as pessoas e as amparassem em todas situações de necessidade, em qualquer momento de suas vidas. Em 1940, na Alemanha, Hitler determinou à Frente de Trabalho a elaboração de um programa que criasse pensões por velhice e invalidez para todos os alemães em atividade. O programa deveria estar fundado na solidariedade, com apoio militar, custeado pelos impostos, com natureza de serviço público, e não mais de seguro social. A queda do nacional- socialismo impediu a implantação do plano. Em junho de 1941, o governo inglês, empenhado na reconstrução do país, formou uma Comissão Interministerial para o estudo dos planos de seguro social e serviços afins, então existentes, e nomeou para presidi-la Sir William Beveridge. A Comissão foi incumbida de, após estudos, fazer uma proposta para a melhoria do setor. O resultado dos trabalhos da Comissão — o Plano Beveridge — foi apresentado ao Parlamento em 1942. O Plano analisou o seguro social e os serviços conexos da Inglaterra pós-Segunda Guerra Mundial, análise que abrangeu as necessidades protegidas, os fundos e as provisões. Beveridge concluiu que o seguro social já não atendia às necessidades sociais, porque era limitado apenas aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho, com certa remuneração quando em serviços não manuais. Ficavam sem cobertura os trabalhadores “por conta própria”, isto é, sem vínculo de emprego, que constituíam a parcela da massa pobre da população, justamente a que mais precisava da proteção do Estado. Entendeu Beveridge, ainda, que o seguro social não levava em conta as responsabilidades com a família para os trabalhadores não manuais, e concedia benefícios diferentes em situações em que eram os mesmos os gastos necessários das pessoas doentes e das desempregadas. Quanto às contribuições, Beveridge entendeu que as distinções também não tinham lógica dentro do sistema. Beveridge percebeu que a principal conclusãode seu trabalho foi a de “que a abolição da miséria requer uma dupla redistribuição das rendas, pelo seguro social e pelas necessidades da família”.São suas palavras: “O seguro social, completamente desenvolvido, pode proporcionar a segurança dos rendimentos; é um combate à miséria. Mas a Miséria é apenas um dos cinco gigantes, que se nos deparam na rota da reconstrução, e, sob vários aspectos, o mais fácil de combater. Os outros são a Doença, a Ignorância, a Imundície e a Preguiça.” Beveridge destacou o papel do Estado, por meio de políticas públicas que garantissem a proteção social em situações de necessidade. Influenciou muito a legislação social que se seguiu na Europa e na América, influência que atualmente ainda se faz presente nos sistemas de seguridade social. Em 1944, foi realizada a Conferência da OIT, em Filadélfia, resultando a Declaração de Filadélfia, que adotou orientação para unificação dos sistemas de seguro social, estendendo-se a proteção a todos os trabalhadores e suas famílias, abrangendo rurais e autônomos. A Declaração de Filadélfia deu um passo importante na internacionalização da seguridade social, porque ficou expresso que o êxito do sistema dependeria da cooperação internacional. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) prevê o direito à segurança, consagrando o reconhecimento da necessidade de existência de um sistema de seguridade social. Posteriormente, a 35ª Conferência Internacional do Trabalho, da OIT, em 1952, aprovou a Convenção n. 102, à qual denominou “Norma Mínima em Matéria de Seguridade Social”. Como já tivemos oportunidade de escrever: “A Convenção n. 102 é o resultado de estudos de especialistas da OIT, que, de início, tiveram a incumbência de elaborar um convênio que tivesse duas secções: uma que estabelecesse uma norma mínima, um standard de seguridade social; e outra, uma norma superior, que desse proteção a todas as necessidades. O objetivo do estabelecimento desses dois tipos de normas era viabilizar a participação de um grande número de Estados, que ficariam comprometidos em implantar os padrões mínimos de seguridade social, sem, contudo, descuidarem-se de seguir o exemplo de países mais avançados no implemento de modernas técnicas de proteção social. Entretanto, a norma superior foi separada e sua aprovação ficou sem definição de prazo, restando aprovada a norma mínima pela Convenção n. 102.” Mas nem todas as Nações tinham condições econômicas de implantar a proteção mínima estabelecida pela Convenção n. 102. Entretanto, o padrão mínimo ficou garantido ao menos a uma parcela da população dos países signatários. O dinamismo social trouxe a tecnologia e a globalização, e os mínimos sociais acompanharam as modificações. Outros tratados internacionais foram celebrados, de modo que a passagem do seguro social para a seguridade social decorreu da intenção de libertar o indivíduo de todas as suas necessidades para fins de desfrutar de uma existência digna. 1.2.3.1. D� risc� socia� à necessidad� socia� No seguro social, só tinham proteção aqueles que contribuíssem para o custeio. Era adequada, então, a noção de risco social. A relação jurídica do seguro, social ou privado, tem como objeto o risco, isto é, a possibilidade de ocorrência futura de um acontecimento que acarrete dano para o segurado. No seguro privado, o contrato estabelece os riscos cobertos, conforme escolha dos contratantes. No seguro social, entretanto, os riscos são previstos em lei, ou seja, são o objeto da relação jurídica de proteção social. “A relação jurídica preexiste ao acontecimento danoso, e nela são previstas situações causadoras de dano, que podem ocorrer no futuro, e que serão objeto de indenização pela parte seguradora. O interesse na asseguração de um bem reside na possibilidade da ocorrência da contingência danosa”. A seguridade social, entretanto, não está fincada na noção de risco, mas, sim, na de necessidade social, porque os benefícios não têm natureza de indenização; podem ser voluntários, não são necessariamente proporcionais à cotização, e destinam-se a prover os mínimos vitais. A relação jurídica de seguridade social só se forma após a ocorrência da contingência, isto é, da situação de fato, para reparar as consequências, a necessidade, dele decorrentes. Os valores dos benefícios de seguridade social destinam-se a garantir os mínimos vitais, isto é, o necessário à sobrevivência com dignidade, o que se distancia da indenização própria do seguro. Os benefícios, na seguridade social, não têm caráter indenizatório. Além do mais, na seguridade social, a contingência pode não gerar danos. Costumamos dar como exemplo, no Brasil, o salário- maternidade. O nascimento do filho gera o direito ao salário-maternidade porque, ao dar à luz, a mulher deixa de trabalhar e, por isso, não recebe remuneração; é gerada, então, a consequência-necessidade que dá direito ao benefício, para suprir a ausência de remuneração. “Há contingências desejadas, que não causam dano, mas geram necessidades”. A necessidade se qualifica como social, isto é, que tem importância para a sociedade, para que todos os seus integrantes tenham os mínimos vitais necessários à sobrevivência com dignidade. 1.3. A Seguridad� Socia� d� Constituiçã� Federa� d� 1988 - Norma� Gerai� 1.3.1. Conceit� O art. 6º da CF enumera os direitos sociais que, disciplinados pela Ordem Social, destinam-se à redução das desigualdades sociais e regionais. Dentre eles está a seguridade social, composta pelo direito à saúde, à assistência social e à previdência social. É do art. 194 da CF o conceito: “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A solidariedade é o fundamento da seguridade social. Pela definição constitucional, a seguridade social compreende o direito à saúde, à assistência social e à previdência social, cada qual com disciplina constitucional e infraconstitucional específica. Trata-se de normas de proteção social, destinadas a prover o necessário para a sobrevivência com dignidade, que se concretizam quando o indivíduo, acometido de doença, invalidez, desemprego, ou outra causa, não tem condições de prover seu sustento ou de sua família. É com a proteção dada por uns dos institutos componentes da seguridade social que se garantem os mínimos necessários à sobrevivência com dignidade, à efetivação do bem-estar, à redução das desigualdades, que conduzem à justiça social. As mutações sociais e econômicas decorrentes do avanço tecnológico conduzem a novas situações causadoras de necessidades, fazendo com que a proteção social tenha que se adequar aos novos tempos. O art. 194, parágrafo único, da CF, permite que se expanda a proteção e, consequentemente, também o seu financiamento. Deseja a Constituição que todos estejam protegidos, de alguma forma, dentro da seguridade social. E a proteção adequada se fixa em razão do custeio e da necessidade. Assim, se o necessitado for segurado da previdência social, a proteção social será dada pela concessão do benefício previdenciário correspondente à contingência-necessidade que o atingiu. Caso o necessitado não seja segurado de nenhum dos regimes previdenciários disponíveis, e preencha os requisitos legais, terá direito à assistência social. Todos, ricos ou pobres, segurados da previdência ou não, têm o mesmo direito à saúde (art. 196). Portanto, todos os que vivem no território nacional, de alguma forma, estão ao abrigo do “grande guarda-chuva da seguridade social”, pois a seguridade social é direito social, cujo atributo principal é a universalidade, impondo que todos tenham direito a alguma forma de proteção, independentemente de sua condição socioeconômica. A seguridade social garante os mínimos necessários à sobrevivência. É instrumento de bem-estar e de justiça social, e redutor das desigualdades sociais, que se manifestam quando, por alguma razão, faltam ingressos financeiros no orçamento do indivíduoe de sua família. O direito subjetivo às prestações de seguridade social depende do preenchimento de requisitos específicos. Para ter direito subjetivo à proteção da previdência social, é necessário ser segurado, isto é, contribuir para o custeio do sistema porque, nessa parte, a seguridade social é semelhante ao antigo seguro social. O direito subjetivo à saúde é de todos, e independe de contribuição para o custeio. O direito subjetivo às prestações de assistência social, dado a quem dela necessitar, na forma da lei, também independe de contribuição para o custeio. Prestações de seguridade social é o gênero do qual benefícios e serviços são espécies. Os benefícios são as prestações pagas em dinheiro. 1.3.1. A relaçã� jurídic� d� seguridad� socia� Estando a seguridade social assentada no tripé Previdência Social, Assistência Social e direito à saúde, engloba três tipos diferentes de relações jurídicas: relação jurídica de previdência social, relação jurídica de assistência social e relação jurídica de assistência à saúde. São sujeitos da relação jurídica de seguridade social: a) sujeito ativo: quem dela necessitar; b) sujeito passivo: os poderes públicos (União, Estados e Municípios) e a sociedade. Muito antes da moderna concepção de seguridade social, a proteção social se fazia pela caridade, sem direito subjetivo, e, posteriormente, pelo seguro social, com proteção apenas para aqueles que o contratassem. Era, assim, proteção securitária fundada no conceito de risco, típico do Direito Civil, isto é, evento futuro e incerto, cuja ocorrência gera dano para a vítima. Configurado o sinistro (risco acontecido), o dano decorrente é coberto pela indenização; nesse caso, só existe direito à cobertura se o segurado tiver pago o prêmio. O risco e a extensão da indenização são livremente escolhidos pelas partes, e a relação jurídica nasce da celebração do contrato. O seguro social também se fundava no risco e o trabalhador interessado na cobertura pagava sua contribuição. Porém, os riscos não eram livremente escolhidos pelas partes, mas, sim, fixados em lei. Para a seguridade social, entretanto, a noção civilista de risco não se mostra adequada à definição do objeto da relação jurídica. Primeiro, porque a noção de risco está diretamente ligada a dano, prejuízo recomposto com a indenização. Ocorre que nem sempre a proteção da seguridade se destina a reparar danos. Eis um exemplo: a invalidez, que causa incapacidade para o trabalho, é, evidentemente, dano que têm cobertura previdenciária ou assistencial, conforme a hipótese. Porém, a maternidade também tem cobertura pela seguridade social, porque a segurada mãe fica impossibilitada de trabalhar e prover seu sustento e de sua família por um período; entretanto, não se pode conceituar a maternidade como dano. Segundo, porque o seguro, para pagar a indenização decorrente do sinistro, exige pagamento do prêmio. Mas não é o que ocorre na seguridade social, porque nem todos contribuem para o custeio, mas todos têm direito a algum tipo de proteção social; se pode contribuir é segurado da previdência social; se não pode contribuir tem direito à assistência social, preenchidos os requisitos legais; porém, todos têm direito à assistência à saúde, independentemente de contribuição para o custeio. Como definir, então, o objeto da relação jurídica de seguridade social? Do tripé que compõe a seguridade, apenas, a relação jurídica previdenciária se aproxima da noção civilista de seguro, porque sempre dependerá do pagamento de contribuições do segurado. Porém, não há contrato, mas, sim, situações cuja cobertura sempre é definida, taxativamente, pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. Então, o objeto da relação jurídica de seguridade social não é o risco, mas, sim, a contingência que gera a consequência-necessidade, objeto da proteção. O que importa é a consequência que o fato produz: a relação jurídica de seguridade social nasce após a ocorrência da contingência, para, então, reparar a consequência-necessidade decorrente. As contingências estão enumeradas na CF: são as prestações de seguridade social. Fixamos, desde já, que prestações é o gênero, do qual são espécies os benefícios e os serviços, que serão oportunamente definidos. 1.3.2. Princípi� O parágrafo único do art. 194 da CF dispõe que a seguridade social será organizada, nos termos da lei, com base nos objetivos que relaciona. Todavia, pela natureza de suas disposições, tais objetivos se revelam como autênticos princípios setoriais, isto é, aplicáveis apenas à seguridade social: caracterizam-se pela generalidade e veiculam os valores que devem ser protegidos. São fundamentos da ordem jurídica que orientam os métodos de interpretação das normas e, na omissão, são autênticas fontes do direito. 1.3.2.1. Universalidad� d� cobertur� � d� atendiment� Todos os que vivem no território nacional têm direito ao mínimo indispensável à sobrevivência com dignidade, não podendo haver excluídos da proteção social. O princípio tem dois aspectos: universalidade da cobertura e universalidade do atendimento. 1.3.2.1.1. Universalidad� d� cobertur� Cobertura é termo próprio dos seguros sociais que se liga ao objeto da relação jurídica, às situações de necessidade, fazendo com que a proteção social se aperfeiçoe em todas as suas etapas: de prevenção, de proteção propriamente dita e de recuperação. 1.3.2.1.2. Universalidad� d� atendiment� A universalidade do atendimento refere-se aos sujeitos de direito à proteção social: todos os que vivem no território nacional têm direito subjetivo a alguma das formas de proteção do tripé da seguridade social. A seguridade social, diferentemente do seguro social, deixa de fornecer proteção apenas para algumas categorias de pessoas para amparar toda a comunidade. 1.3.2.2. Uniformidad� � equivalênci� d� benefíci� � serviç� à� populaçõe� urbana� � rurai� Os trabalhadores rurais sempre foram discriminados no Brasil se comparados os direitos destes aos reconhecidos aos trabalhadores urbanos. Em termos de seguridade social, a situação não era diferente. A CF de 1988 reafirmou o princípio da isonomia, consagrado no caput de seu art. 5º, no inc. II, do parágrafo único, do art. 194, garantindo uniformidade e equivalência de tratamento, entre urbanos e rurais, em termos de seguridade social. A uniformidade significa que o plano de proteção social será o mesmo para trabalhadores urbanos e rurais. Pela equivalência, o valor das prestações pagas a urbanos e rurais deve ser proporcionalmente igual. Os benefícios devem ser os mesmos (uniformidade), mas o valor da renda mensal é equivalente, não igual. É que o cálculo do valor dos benefícios se relaciona diretamente com o custeio da seguridade. E, como veremos oportunamente, urbanos e rurais têm formas diferenciadas de contribuição para o custeio. 1.3.2.3. Seletividad� � distributividad� n� prestaçã� d� benefíci� � serviç� Trata-se de princípio constitucional cuja aplicação ocorre no momento da elaboração da lei e que se desdobra em duas fases: seleção de contingências e distribuição de proteção social. O sistema de proteção social tem por objetivo a justiça social, a redução das desigualdades sociais (e não a sua eliminação). É necessário garantir os mínimos vitais à sobrevivência com dignidade. Para tanto, o legislador deve buscar na realidade social e selecionar as contingências geradoras das necessidades que a seguridade deve cobrir. Nesse proceder, deve considerar a prestação que garanta maior proteção social, maior bem-estar. Entretanto, a escolha deve recair sobre as prestações que, por sua natureza, tenham maior potencial para reduzir a desigualdade, concretizando a justiça social. A distributividade propicia que se escolha o universo dos que mais necessitam de proteção. 1.3.2.4. Irredutibilidad� d� valor d� benefíci� Os benefícios — prestações pecuniárias — não podem ter o valor inicial reduzido. Ao longo de sua existência, o benefício deve suprir os mínimos necessários à sobrevivência com dignidade,e, para tanto, não pode sofrer redução no seu valor mensal. A inflação tem marcado a economia nacional e, principalmente na década de 1980, marcou, sobremaneira, salários e benefícios previdenciários. Era tão grave essa situação que a CF de 1988 previu, no art. 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, uma revisão geral para todos os benefícios de prestação continuada em manutenção, isto é, já concedidos em 05.10.1988, na tentativa de resgatar seu valor originário. Para tanto, determinou que todos esses benefícios fossem recalculados, de forma que passassem a equivaler ao mesmo número de salários mínimos que tinham na data da concessão, até a implantação do novo plano de custeio e benefícios, o que ocorreu com a vigência da Lei n. 8.213/91. O art. 201, § 4º, da CF, reafirma o princípio da irredutibilidade, ao garantir o reajustamento dos benefícios, para preservar-lhes o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. 1.3.2.5. Equidad� n� form� d� participaçã� n� custei� A nosso ver, a equidade na forma de participação no custeio não corresponde, exatamente, ao princípio da capacidade contributiva. O conceito de “equidade” está ligado à ideia de “justiça”, mas não à justiça em relação às possibilidades de contribuir, e sim à capacidade de gerar contingências que terão cobertura pela seguridade social. Então, a equidade na participação no custeio deve considerar, em primeiro lugar, a atividade exercida pelo sujeito passivo e, em segundo lugar, sua capacidade econômico-financeira. Quanto maior a probabilidade de a atividade exercida gerar contingências com cobertura, maior deverá ser a contribuição . 1.3.2.6. Diversidad� d� bas� d� financiament� O financiamento da seguridade social é de responsabilidade de toda a comunidade, na forma do art. 195 da CF. Trata-se da aplicação do princípio da solidariedade, que impõe a todos os segmentos sociais — Poder Público, empresas e trabalhadores — a contribuição na medida de suas possibilidades. A proteção social é encargo de todos porque a desigualdade social incomoda a sociedade como um todo. Os aportes ao orçamento da seguridade social são feitos por meio de recursos orçamentários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de contribuições pagas pelo empregador, pela empresa ou entidade a ela equiparada (art. 195, I), pelo trabalhador (art. 195, II), pelas contribuições incidentes sobre as receitas dos concursos de prognósticos (art. 195, III) e pelas contribuições pagas pelo importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (art. 195, IV). As bases de cálculos das contribuições da empresa e da entidade a ela equiparada são diversas e estão previstas no inc. I, a, b e c, do art. 195. Outras fontes de custeio podem ser instituídas para garantir a expansão da seguridade social. Para tanto, deve ser observado o disposto no § 4º do art. 195, que remete ao art. 154, I, de modo que novas fontes de custeio só podem ser criadas por meio de lei complementar, desde que não cumulativas e que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos já discriminados na CF. 1.3.2.7. Caráter democrátic� � descentral�ad� d� gestã� administrativ�. Participaçã� d� comunidad� A gestão da seguridade social é quadripartite, com a participação de representantes dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Poder Público nos órgãos colegiados (art. 194, parágrafo único, VII). A participação desses representantes se dá em órgãos colegiados de deliberação, como o Conselho Nacional de Seguridade Social (instituído pelo art. 6º da Lei n. 8.212/91, e extinto pela Medida Provisória n. 2216- 37, de 2001), Conselho Nacional de Assistência Social (art. 17 da Lei n. 8.742/93), Conselho Nacional de Saúde (art. 1º da Lei n. 8.142/90) e Conselho Nacional de Previdência Social (art. 3º da Lei n. 8.213/91). Esses Conselhos têm suas atribuições restritas ao campo da formulação de políticas públicas de seguridade e controle das ações de execução. A descentralização significa que a seguridade social tem um corpo distinto da estrutura institucional do Estado. No campo previdenciário, essa característica sobressai com a existência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autarquia federal encarregada da execução da legislação previdenciária. 1.3.2.8. A regr� d� contrapartid� Embora não prevista expressamente como um princípio, não há como deixar de mencionar a regra da contrapartida, trazida pelo § 5º do art. 195: “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”. A seguridade social só pode ser efetivada com o equilíbrio de suas contas, com a sustentação econômica e financeira do sistema. Por isso, opera com conceitos atuariais. A CF quer o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, de forma que a criação, instituição, majoração ou extensão de benefícios e serviços devem estar calcadas em verbas já previstas no orçamento. Na área da previdência social, há disposição específica no caput do art. 201 da CF: a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema. 1.4. Fonte� d� Direit� Previdenciári� O Direito Previdenciário, assim como os demais ramos do Direito, tem suas bases assentadas na Constituição Federal. Há, ainda, um extenso rol de normas jurídicas infraconstitucionais sobre a matéria, principalmente no campo da previdência social. Porém, a abundância de legislação impõe que se atente aos princípios da supremacia da Constituição e da hierarquia das leis, de modo que cada espécie normativa não exceda os limites traçados pela CF. São fontes do Direito Previdenciário: a Constituição Federal, a Emenda Constitucional, a Lei Complementar, a Lei Ordinária, a Lei Delegada (até o momento nunca utilizada em matéria previdenciária), a Medida Provisória, o Decreto Legislativo, a Resolução do Senado Federal, os Atos Administrativos Normativos (Instrução Normativa, Ordem de Serviço, Circular, Orientação Normativa, Portaria etc.), a jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. 1.5. Interpretaçã� d� Direit� Previdenciári� A interpretação da norma jurídica impõe a localização topográfica da matéria na Constituição. A seguridade social está situada no Título VIII — Da Ordem Social; é direito social, é um dos instrumentos de preservação da dignidade da pessoa humana e de redução das desigualdades sociais e regionais, que são respectivamente fundamento e objetivo do Estado Democrático de Direito (arts. 1º e 3º da CF). O art. 6º da CF relaciona os direitos sociais: educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, disciplinados na forma da Constituição, ou seja, conforme o disposto no Título VIII. A Ordem Social tem como base o primado do trabalho, e seus objetivos são o bem-estar e a justiça sociais. O constituinte de 1988 escolheu o trabalho como alicerce da Ordem Social, indicando que toda atividade legislativa e interpretativa dessas normas deve prestigiar os direitos do trabalhador. O trabalho e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III e IV, da CF). É com o trabalho que o homem sustenta a si e à sua família, do que resulta que só há dignidade humana quando houver trabalho. Só o trabalho propicia bem-estar e justiça sociais. Também são direitos sociais os enumerados no art. 7º da CF, voltados ao trabalhador com relação de emprego. Há outros direitos sociais por todo o texto constitucional; normas cuja obediência levará à efetivação do bem-estar e da justiça sociais. O art. 3º traça os objetivos fundamentais da República, e neles inclui a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. É de grande importância oart. XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1948, que o Brasil subscreveu: “1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.” É objetivo fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV, da CF), o que só é possível com a efetivação dos direitos sociais. Os fundamentos do Estado Democrático de Direito e os objetivos fundamentais da República apontam para o conceito de justiça social. A dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a solidariedade social, o desenvolvimento, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos são os alicerces, os princípios e diretrizes norteadores da elaboração, da interpretação e da aplicação do direito. Os resultados da interpretação da legislação previdenciária nunca podem acentuar desigualdades nem contrariar o princípio da dignidade da pessoa humana. 1.6. Aplicaçã� d� Direit� Previdenciári� 1.6.1. Aplicaçã� n� temp� A lei tem por fim a disciplina das situações futuras, o “dever-ser”, e resulta da atividade legislativa que, analisando os fatos sociais, acolhe a disciplina mais adequada à pacificação social. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro — LINDB (Decreto-lei n. 4.657, de 04.09.1942, com a redação dada pela Lei n. 12.376, de 30.12.2010) disciplina a vigência da lei no tempo e no espaço. E fornece algumas regras fundamentais. No art. 1º, a LINDB dispõe que a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada e, caso seja novamente publicada, para fins de correção do texto, antes de entrar em vigor, o prazo começará a correr da nova publicação (art. 1º, § 3º). A lei permanecerá em vigor até que outra lei posterior a modifique ou revogue (art. 2º). A revogação pode ser expressa ou tácita. É tácita quando a nova lei é incompatível ou quando regule inteiramente a matéria por ela antes regulada (§ 1º). E, se a lei nova perder a vigência, não haverá repristinação, isto é, a lei revogada não será restaurada, salvo disposição em contrário (§ 3º). É também na LINDB que está proibida a retroatividade da lei, cuja vigência deve respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 6º), preceito que também é garantia fundamental, na forma do art. 5º, XXXVI, da CF. Essas regras são importantes em matéria de seguridade social em razão das constantes modificações legislativas, notadamente na área da previdência social. Em matéria previdenciária, aplica-se o princípio segundo o qual tempus regit actum: aplica-se a lei vigente na data da ocorrência do fato, isto é, da contingência geradora da necessidade com cobertura pela seguridade social. E nem poderia ser diferente porque se, de um lado, novas situações de necessidade vão surgindo no meio social, por outro lado, a seguridade social está submetida a limitações orçamentárias. Exemplo: pelo princípio segundo o qual tempus regit actum, a pensão é concedida de acordo com as normas vigentes na data do óbito do segurado, porque o óbito é a contingência geradora de necessidade com cobertura previdenciária. Pode ocorrer que as normas relativas à pensão por morte sejam modificadas após o óbito, trazendo benefícios para os pensionistas. Os pensionistas, então, pedem a revisão do valor do benefício ao fundamento de que a lei nova é mais vantajosa. A jurisprudência, entretanto, tem sucessivamente reafirmado que, nesse caso, se aplica a lei vigente na data do óbito, impossibilitando a aplicação das novas regras à pensão anteriormente concedida. Foi o que ocorreu com a Lei n. 9.032/95, que alterou o coeficiente da pensão por morte para 100% do salário de benefício. A legislação anterior previa percentual inferior. Muitos pensionistas acorreram ao Poder Judiciário pleiteando, então, a majoração do coeficiente. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, apreciando o Recurso Extraordinário n. 415454/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, decidiu que, nessa situação, aplica-se a lei vigente na data do óbito do segurado. Entretanto, o julgado citado assenta que a retroatividade pode ocorrer quando a lei expressamente a ressalvar, desde que atendida a prévia indicação da fonte de custeio total. Em duas oportunidades, pelo menos, isso já ocorreu: com o art. 58 do ADCT e com a vigência da Lei n. 8.213/91, conforme veremos no tópico relativo ao cálculo do valor dos benefícios previdenciários. A aquisição dos direitos previdenciários, em regra, impõe o cumprimento de longos prazos. E é rotineiro que a legislação se modifique, alterando “as regras do jogo” antes que o direito a determinada prestação se aperfeiçoe. Há alguns exemplos recentes de alteração da legislação previdenciária que têm produzido grandes discussões: a alteração do regime jurídico das aposentadorias dos servidores públicos e das aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), introduzida pela Emenda Constitucional n. 20/98 e, posteriormente, pelas Emendas Constitucionais ns. 41/2003 e 47/2005. Como mais adiante estudaremos, as Emendas Constitucionais e a legislação infraconstitucional que se seguiu acabaram por atingir segurados de ambos os regimes previdenciários que ainda não haviam cumprido todos os requisitos para a aposentadoria. Surgiu, então, a questão: tinham direito adquirido à aposentadoria pelas normas vigentes antes da EC 20? A questão do aperfeiçoamento da aquisição de direitos não é simples em nenhum ramo do Direito. E no Direito Previdenciário se complica porque se trata de direito social, o que impõe outra pergunta: em que momento se adquire o direito a benefícios previdenciários? Na data do ingresso no sistema? Como veremos no decorrer deste trabalho, o direito aos benefícios previdenciários impõe o cumprimento de diversos requisitos, dentre eles o cumprimento de carências. Nas aposentadorias por tempo de contribuição, exemplo de mais fácil compreensão, há necessidade de comprovação de períodos de, no mínimo, 30 anos. Não se tem notícia de legislação previdenciária que no Brasil tenha vigorado por tanto tempo, de modo que é comum que a legislação se modifique antes que os requisitos tenham sido cumpridos. A nosso ver, a interpretação mais consentânea com os fins da Seguridade Social é no sentido de que se adquire o direito ao benefício na conformidade das normas vigentes quando do ingresso no sistema. Isso porque a seguridade social, por definição, destina-se à proteção social que garante ao indivíduo bem-estar e justiça sociais. No terreno previdenciário, eminentemente contributivo, não parece correto que se ingresse no sistema com a expectativa de obter a aposentadoria conforme as regras então vigentes e, no meio do caminho, mudem as regras do jogo, colocando por terra todo o planejamento feito para o futuro. Onde está a segurança jurídica de quem contribui para o custeio da seguridade social por longo tempo quando, repentinamente, as regras mudam e a aposentadoria já não pode mais ser concedida? Entretanto, nosso posicionamento não encontra guarida no STF, que, há muito, vem decidindo que não há direito adquirido a regime jurídico. Nesse sentido, o julgamento do MS 26.646, Relator Ministro Luiz Fux. Fica claro, assim, que os benefícios previdenciários são concedidos e calculados de acordo com as normas vigentes na data em que foram cumpridos todos os requisitos para a sua concessão. 1.6.2. Aplicaçã� n� espaç� As normas previdenciárias se aplicama todos que vivem no território nacional, conforme o princípio da territorialidade. Há situações, entretanto, em que a lei prevê proteção previdenciária no Brasil para pessoas que estão fora do território nacional. É o que prevê o art. 11, I, c, da Lei n. 8.213/91, que classifica como segurados empregados o brasileiro ou o estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior. Também é segurado obrigatório, na condição de empregado (art. 11, I, e), o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado. Atenção: não será segurado obrigatório do RGPS se estiver segurado na forma da legislação vigente do país do domicílio. Convém lembrar a situação dos diplomatas estrangeiros que prestam serviços no Brasil. Em regra, essas pessoas estão protegidas pela legislação previdenciária do país de origem. Porém, se estão no Brasil prestando serviços à missão diplomática ou à repartição consular de carreira estrangeira e a órgãos a ela subordinados, são segurados empregados, na forma do art. 11, I, c. Atenção: se esses estrangeiros não têm residência permanente no Brasil, não são segurados obrigatórios do RGPS. E o brasileiro que preste serviços a essas missões diplomáticas ou repartições consulares também não será segurado obrigatório se estiver amparado pela legislação previdenciária do respectivo país (art. 11, I, d). Essas normas são extremamente importantes porque o Brasil tem assinado tratados internacionais em matéria previdenciária (Portugal, Cabo Verde, Itália, Espanha, Argentina, Chile, Uruguai, Japão, Estados Unidos (em processo de ratificação) etc.). Havendo reciprocidade previdenciária entre os países, os segurados neles poderão obter benefícios previdenciários. A aplicação dos Acordos Internacionais está prevista no art. 32, §§ 18 e 19, do Decreto n. 3.048, de 06.05.1999 (Regulamento da Previdência Social).
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