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Filoso�a da Linguagem Aula 1: Condição da �loso�a e primariedade da linguagem Apresentação Nesta aula, faremos uma visita à Grécia Antiga, mais especi�camente em Atenas – a polis do conhecimento. Em um curso com foco na �loso�a da linguagem, obviamente não poderíamos deixar de falar dos grandes �lósofos da Antiguidade Clássica. Atenas era palco de grandes debates acerca dos temas mais preponderantes na vida em sociedade. Em um palco tão esclarecido, cujos cidadãos gozavam da arte do bem falar, a linguagem ganharia também um espaço especial nos temas �losó�cos da época. Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), destacadamente, com suas obras fundadoras em todos os sentidos, serão especialmente trazidos como referências teóricas em nossa primeira aula. O diálogo Crátilo, de Platão, e as obras Da interpretação e Arte poética, de Aristóteles, serão os fundamentos de um paradigma de língua como representação do mundo externo, nomeando e classi�cando os seres e as coisas. Veremos que as discussões sobre linguagem aqui presentes serviram de baliza teórica, por muitos e muitos séculos, no âmbito da �loso�a da linguagem, para posteriores estudos teológicos, �losó�cos e linguísticos, inclusive servindo de ponto de partida para as concepções gramaticais que possuímos hoje. Os gregos deixaram um legado indelével, e é sobre ele que vamos falar hoje. Objetivos Identi�car nos pensamentos de Platão e Aristóteles o paradigma representacionista de linguagem a partir da relação com os modelos de estudos da linguagem nos dias de hoje; Analisar em suas abordagens �losó�cas o procedimento de nomeação das coisas e a origem do ponto de vista naturalista de linguagem, contrário ao procedimento convencional; De�nir o conceito de metáfora fundado nos escritos de Aristóteles, originário da transferência de um signi�cado próprio de um objeto para outro (�gurado). (Fonte: Pixabay) Linguagem vista pelos �lósofos socráticos Certamente, você já ouviu falar dos �lósofos gregos, da Antiguidade Clássica, do período pré-socrático e socrático da �loso�a, mas talvez nunca tenha pensado que grande parte dos �lósofos da Antiguidade tentou teorizar, cada um a seu modo, a linguagem e suas potencialidades. Como esta aula não é sobre �loso�a propriamente dita, mas sim sobre �loso�a da linguagem, vamos nos ater apenas a dois dos maiores pensadores da �loso�a grega: Platão (discípulo direto de Sócrates) e seu aluno Aristóteles. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online javascript:void(0); Platão e Aristóteles possuíam em comum algo muito importante: eles entendiam a linguagem, especialmente, como uma forma de representar o mundo e as coisas dele. Antes de ela existir, já existiam o mundo e as coisas que nele há. Dessa forma, a linguagem apareceu para nomear as coisas, classi�cá-las, agrupando ou separando em grupos semelhantes – em suma, representando nossa realidade. Platão e Aristóteles, ao centro, mestre e discípulo, adentrando o Partenon em Atenas. (Fonte: Wikimedia Commons) Platão e Aristóteles desenvolveram um pensamento bastante sólido sobre a linguagem e suas potencialidades, funcionalidades, origens e condições de verdade. (Fonte: Shutterstock) Crátilo, de Platão Esta obra de Platão é talvez a mais importante no que diz respeito à �loso�a da linguagem. Na maior parte de suas obras, o �lósofo usa um método dialógico entre personagens – quase sempre entre seu mestre Sócrates (470-399 a.C.) e outros pensadores com quem ele conviveu. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online O Crátilo é uma obra que inaugura a dicotomia natural x convenção, no âmbito da linguagem. Para a compreensão desta aula e do ponto de vista platônico, é importante você saber alguns pontos. javascript:void(0); ❶ O ponto de vista natural sobre a linguagem apregoava que não se pode cortar alguma matéria com o objeto que bem entendermos. Exemplo Preciso cortar uma carne e quero fazer como bem entender: cortarei a carne com um pedaço a�ado de papel. Certamente, não conseguirei, pois devo cortar a carne com os objetos que a natureza me fornece para isso: uma faca, por exemplo. Também não podemos nomear as coisas com as palavras que aleatoriamente escolhermos. As palavras criadas para representar os objetos e os seres do mundo foram feitas com essa função por alguém que conhece a natureza das coisas (como uma faca a�ada só poderia ser feita por um ferreiro, e não por um poeta). Por isso, quando usarmos quaisquer palavras para designar as coisas, de acordo com nossa vontade, sem obedecer às leis naturais, não seremos efetivos nem verdadeiros. Segue um exemplo tirado da obra Crátilo (PLATÃO, 159a-9c, 2001): ❷ O ponto de vista convencional acerca da linguagem a�rma que os signi�cados das palavras são de�nidos por uma convenção das partes, e não por uma imposição da natureza. Assim – e por esse motivo –, cada povo nomeia como bem entende as palavras segundo as convenções que fazem entre si. Veremos este ponto de vista na obra estudada nesta aula: (Hermógenes) Eu, pelo menos, Sócrates, não conheço outra maneira de denominar com acerto as coisas, a não ser a seguinte: posso designar qualquer coisa pelo nome que me aprouver dar-lhes, e tu, por outro nome que lhe atribuíres. O mesmo vejo passar-se nas cidades, conferindo por vezes cada uma aos mesmos objetos nomes diferentes, que variam de Heleno para Heleno, como dos helenos para os bárbaros - PLATÃO, 93c, 2001 Para uma compreensão exata dessa dicotomia, é importante que você leia esta obra. Pois, em diversas partes, Sócrates (que representa a verdade nos diálogos de Platão) traz os argumentos necessários para que Hermógenes e outros ouvintes entendam que a linguagem é fruto de um processo natural. Por isso, ela representa tão bem as coisas do mundo com os nomes corretos para isso. Observemos outro momento do diálogo entre Sócrates e Hermógenes. Nele, Platão (390a, 2001) deixa claro o seu ponto de vista sobre a linguagem como representação: Vemos que Sócrates acaba por convencer Hermógenes do seu ponto de vista naturalista sobre a linguagem, solidi�cando, assim, a concepção platônica de linguagem como representação de um universo externo à própria linguagem, a quem ela apenas serve, sem qualquer independência. Saiba mais Para conhecer um pouco mais os diálogos de Platão inspirados na vida e na sabedoria de Sócrates, sugerimos que você busque na Internet e assista ao �lme de Roberto Rossellini: Sócrates, de 1970. De interpretatione, de Aristóteles Neste tratado de Aristóteles sobre a interpretação, o estagirita dedica muitas linhas às questões linguísticas (nome e verbo, enunciado e status de verdade), rati�cando o ponto de vista platônico – já observado no Crátilo – sobre a função representacionista da linguagem. Destaquemos agora o seguinte trecho da obra, que será de suma importância para você compreender o pensamento aristotélico sobre a natureza linguística: 1 "Em primeiro lugar, cumpre de�nir o nome e o verbo, depois, a negação e a a�rmação, a proposição e o juízo. As palavras faladas são símbolos das afeições da alma, e as palavras escritas símbolos das palavras faladas. E como a escrita não é igual em toda a parte, também as palavras faladas não são as mesmas em toda a parte, ainda que as afeições da alma de que as palavras são signos primeiros sejam idênticas, tal como são idênticas as coisas de que as afeições referidas são imagens.” - ARISTÓTELES, 1959, 16a, 1-8, grifo nosso Aristóteles entra no campo da fala e da escrita ao escrever sobre as palavras e os símbolos. Os conceitos estabelecidos pelo �lósofo permitem que percebamos as palavras como retratos das coisas percebidas pelas pessoas – e a escrita é materialização dessa percepção. Isso poderia sugerir uma ideia de linguagem mais próxima do paradigma convencional (no qual cada grupo convenciona que palavras usar para determinados objetos). No entanto, Aristóteles, mais à frente, referenda o ponto devista naturalista de linguagem ao a�rmar que “as afeições da alma de que as palavras são signos primeiros [são] idênticas, tal como são idênticas as coisas de que as afeições referidas são imagens”. (Ibid.) Portanto, todas as pessoas do mundo percebem as coisas da mesma forma; logo, mesmo que as palavras sejam diferentes e variem de acordo com as diversas línguas do mundo, as imagens e os conceitos são os mesmos. Atenção As palavras, quaisquer que sejam, apenas captam a essência das coisas do mundo e as nomeiam. Elas, assim, representam o mundo e seus objetos. https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula1.html Arte poética, de Aristóteles Aqui é importante você já ter �xado em sua mente que... Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Tanto para Platão como para Aristóteles, toda palavra possui um signi�cado original, literal e natural dado pela própria essência. Exemplo Se pedra se chama pedra, é porque a natureza dela pede esse nome. O legislador de nomes (que, de acordo com Platão, é o responsável por nomear as coisas segundo suas essências) observa a natureza das coisas para encontrar o nome ideal para elas. Assim, Aristóteles, em sua obra Arte poética, vai ensinar aos escritores de teatro, poesias e livros como realizar os atos estéticos relativos a esses gêneros. Um deles é a metáfora, tão importante nas obras artísticas. E o que é metáfora? A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia. (ARISTÓTELES, 2019, XXII-7) Ao a�rmar que metáfora é a transposição “do nome de uma coisa” para outra, Aristóteles parte do princípio de que cada palavra possui seu signi�cado intrínseco, próprio, particular. Assim, a metáfora – para os pensadores gregos – adquire um aspecto de metáfora fundada, pois ela só existe graças a essa transferência do sentido literal (original) para um �gurado (emprestado). Exemplo Se digo que minha namorada é uma �or, tal palavra está empregada metaforicamente, pois “�or” possui um signi�cado original e literal. A metáfora, segundo Aristóteles, é possível porque pegamos as características da espécie “�or” (frágil e bela) e as transferimos a uma menina (no caso, minha namorada). Resumo da aula Para que você compreenda sinteticamente tudo o que foi dito, é importante elencarmos os pontos mais importantes dessa aula: Clique nos botões para ver as informações. Platão é um expoente da concepção de linguagem como um elemento cuja função primordial é representar as coisas do mundo. Não há linguagem sem um mundo para ela nomear; portanto, ela é subserviente às coisas externas. Para Platão, Toda coisa recebe um nome determinado pela sua natureza; Quem conhece a natureza das coisas para lhes dar um nome é o legislador de nomes. Nós não podemos decidir por que nome chamar as coisas, pois elas já possuem um nome natural, já de acordo com sua essência. Este é o ponto de vista naturalista, contrário ao convencional. Linguagem como representação Aristóteles con�rma esse pensamento ao a�rmar que todas as pessoas percebem as coisas em sua alma da mesma forma, mesmo que usem palavras diferentes para designá-las. Assim como Platão, ele acredita que a linguagem serve para materializarmos na fala ou na escrita a nossa percepção das coisas do mundo, sendo, assim, uma representação das coisas externas. Representação das coisas externas pela materialização da percepção Toda palavra já possui seu signi�cado intrínseco, literal, próprio. Dessa forma, a metáfora é o deslocamento de um signi�cado próprio para um �gurado. A metáfora só existe porque antes existia uma palavra com sentido original; logo, ela é um desvio – e até para se cometer esses desvios existem regras. Aristóteles dedica um capítulo sobre a metáfora em sua obra Arte poética: 7. A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia. 8. Quando digo do gênero para a espécie, é, por exemplo, “minha nau aqui se deteve”, pois lançar ferro é uma maneira de deter-se; 9. Da espécie ao gênero: “Certamente Ulisses levou a feito milhares e milhares de belas ações”, porque “milhares e milhares” está por “muitas”, e a expressão aqui é empregada em lugar de “muitas”; 10. Da espécie para a espécie: “Tendo-lhe esgotado a vida com o bronze” e “de cinco fontes cortando com o duro bronze”; aqui “esgotar” equivale a “cortar”, e “cortar” equivale a “esgotar”; são duas maneiras de tirar. (ARISTÓTELES, 2019, XXII-7, 8, 9, 10). Metáfora 1 - De acordo com o que vimos no diálogo entre Sócrates e Hermógenes, presente na obra Crátilo, de Platão, assinale (V) para uma proposição verdadeira e (F) para uma falsa: a) Sócrates sustenta no diálogo com Hermógenes um ponto de vista convencional sobre a linguagem: podemos dar nomes às coisas de acordo com o que convencionarmos ser de melhor uso. b) Inicialmente, Hermógenes está inclinado para uma compreensão convencional da linguagem e dos atos de nomeação, mas, após debate com Sócrates, convence-se de que os nomes são dados às coisas de acordo com sua natureza. Esse ponto de vista se fundamenta sob o paradigma da linguagem como representação do mundo. c) Platão, em muitas obras, vale-se do personagem Sócrates para referendar o próprio pensamento �losó�co. Em Crátilo, usa o seu mestre como veículo de autoridade para estabelecer um pensamento sobre a origem dos nomes. d) Os nomes podem ser dados às coisas por qualquer pessoa, da mesma forma que qualquer pro�ssional saberia confeccionar uma boa arma ou uma boa roupa. e) A linguagem, para Platão, vem para dar nome às coisas do mundo externo; portanto, serve, preponderantemente, para representar esse mundo e seus objetos. 2 - Sobre as observações de Aristóteles no tratado De interpretatione, correlacione: Fala 1 Escrita 2 Afecções da alma 3 a) Símbolo materializado das palavras faladas. b) Símbolo das percepções das coisas do mundo. c) Percepções das coisas, que são iguais em todos os seres. 3 - Correlacione os pontos de vista da linguagem: Ponto de vista naturalista da linguagem 1 Ponto de vista convencionalista da linguagem 2 a) Não se pode admitir que qualquer pessoa tenha autoridade para dar os nomes que bem entender a uma coisa, pois apenas o legislador de nomes conhece a natureza de cada objeto para lhe dar o nome devido de acordo com sua essência. Além disso, por mais que as palavras variem entre povos de diferentes origens, as percepções sobre o mundo são as mesmas, pois ele é igual para todos. Dessa forma, as palavras não são fruto de invenções de diferentes povos, mas representam o mundo de igual maneira. b) Se eu quiser chamar homem de cavalo a partir de hoje, eu posso. Basta que o grupo de que faço parte entre em acordo com isso e convencione que, a partir de agora, todo homem tem nome de cavalo. Se um grupo de pessoas no Rio de Janeiro convencionar chamar o pão francês de “lalelo”, com a cristalização do uso, o termo entrará para o dicionário. 4 - Para re�etir, responda às questões a seguir de acordo com o que você aprendeu nesta aula: a) Na época em que você vive hoje, qual o ponto de vista predominante sobre a origem da linguagem: natural ou convencional? Pense em exemplos para justi�car sua resposta. b) Se você fosse tomar partido de um ponto de vista sobre os atos de nomeação das coisas, qual seria: o naturalista, o convencionalista, ou um pouco dos dois? Notas Estagirita1 Habitante de Estagira (cidade da Macedônia), local onde nasceu Aristóteles. Referências ARISTÓTELES. Arte poética. Disponível em: //lelivros.love/book/baixar-livro-arte-poetica-aristoteles-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler- online/. Acesso em: 4 abr. 2019. ___________. De interpretatione. (Tricot). Paris: Vrin, 1959. PLATÃO. Teeteto-Crátilo. Diálogos. Belém: Editora Universitária UFPA, 2001. Próxima aula Estudo da linguagemsob o ponto de vista místico; javascript:void(0); Tradição judaico-cristã; Cultura �losó�ca e os livros sagrados. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. Leia os textos: Em Teeteto , Platão aborda questões relativas ao nome, ao verbo e aos enunciados. javascript:void(0); O universo judaico-cristão é detidamente próspero no que diz respeito aos âmbitos da palavra, do nome e do verbo. No entanto, a relação estabelecida aqui é muito diferente da que vimos na aula anterior. Filoso�a da Linguagem Aula 2: Linguagem sob o ponto de vista místico Apresentação Nesta aula, averiguaremos de que maneira a compreensão linguística ensaia um distanciamento em relação às abordagens platônica e aristotélica. A partir desse fenômeno, houve um percurso de paradigma linguístico da mera representação do mundo a uma prototeoria de língua como práxis (prática ou ação), muito além do modelo representacionista visto na aula anterior. Os textos sagrados da Torá e da Bíblia ainda serão as principais referências em nosso estudo, mas registraremos também as contribuições de pesquisadores no âmbito da Cabala, como Gershon Sholem. Em relação ao Evangelho, destacaremos as cartas de Paulo a romanos e coríntios sob os vieses �losó�co e linguístico, como aborda, por exemplo, o professor Guilherme Cardozo. Na primeira parte desta aula, recordaremos os aspectos onomásticos (isto é, sobre os atos de nomear) presentes logo nas primeiras linhas da Torá. Em seguida, apontaremos a importância que os nomes possuem e a signi�cação concreta de sua atuação nas pessoas que os carregam. Tendo à mão alguns trechos do diálogo Crátilo, realizaremos ainda algumas comparações entre essas questões já apontadas e o ponto de vista platônico. Objetivos Identi�car nos cânones sagrados uma referência �losó�ca à linguagem; Relacionar a abordagem presente no universo judaico-cristão com uma nova teoria sobre a metáfora; Registrar o percurso de paradigmas linguísticos. Enquanto a �loso�a grega buscou tornar o estudo sobre a linguagem algo extremamente concreto, os ícones judaico- cristãos aproximaram-se de uma compreensão mística. O estreitamento dessa relação com os mistérios da linguagem gerou um afastamento da concretude grega e uma valoração riquíssima do pensamento sobre a metáfora. Desde a Torá judaica, constatamos que a origem da linguagem se confunde com a do próprio mundo. Os atos de comunicação entre Deus e os homens ganham um status diretivo e legislativo, ao contrário do ornamento e da retórica da Antiguidade Clássica. Para nossos estudos onomásticos (sobre os nomes), esta aula é de vital importância, pois, além de trazer um conhecimento novo sobre a relação da sociedade com a linguagem, também ousa realizar um estudo multidisciplinar do elo entre o que muitos chamam de “religião” e a �loso�a da linguagem. 1 Torá em sua forma tradicional, enrolada em pergaminho. (Fonte: Wikpedia) Para ter uma melhor compreensão dessa referência, acesse o texto de leitura essencial que contém: Versículos 19 e 20 do Livro de Gênesis 1, com a fala de Adão e um paralelo entre a fala de Sócrates e Hermógenes, na obra de Platão. Adão e Sócrates Clique no botão acima. https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula2.html javascript:void(0); Adão e Sócrates Nos versículos 19 e 20 do Livro de Gênesis, temos a reveladora instituição de Adão como aquele legislador de nomes de que falava o personagem Sócrates a Hermógenes na obra de Platão. No entanto, como, no universo judaico-cristão, temos a �gura onipotente do Deus único – crença que não comparecia na cultura grega –, Adão receberá poder e autoridade do próprio Deus, criador dos universos, para ser aquele que, ciente da essência de cada coisa no mundo, passará a lhes dar nomes. Vejamos este trecho do Texto Sagrado: 19 - Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais do campo, e todas as aves dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. 20 - E Adão pôs os nomes a todo gado, e às aves dos céus, e a todo animal do campo. (Gênesis, 1:19-20) A criação de Adão é uma obra que retrata a autoridade transferida à criatura humana. (Fonte: Wikipedia). Já é possível perceber nesta passagem bíblica uma semelhança entre o ponto de vista grego e o judaico acerca do paradigma de linguagem adotado como verdade: Adão é eleito como aquele que, por entender a essência das coisas, pode dar-lhes nome. A linguagem do Gênesis, então, também assume a função de meramente representar as coisas do mundo. O paradigma da representação comparece em duas das grandes culturas da época. Isso é motivo su�ciente para se entender por que, até os dias de hoje, muitas instituições educacionais, ao ensinarem línguas, trabalham com listas de nomenclaturas �xas, como se a linguagem fosse um repertório bem-sucedido de classi�cação das coisas. javascript:void(0); Diálogo entre Torá e Crátilo Pretendemos estabelecer agora um diálogo entre a Torá e a obra Crátilo, de Platão, para ilustrar a importância dos atos de nomeação no universo judaico. Para ter uma melhor compreensão desse diálogo, acesse o texto de leitura essencial que contém: Duas passagens da Torá; Análise sobre os nomes Abrão e Jacó. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Torá; Abrão e Jacó Clique no botão acima. Torá; Abrão e Jacó Abrão prostrou-se com o rosto em terra, e falou Deus com ele: Quanto a mim, a minha aliança é contigo, e serás pai de uma multidão de nações. O teu nome não se chamará mais Abrão, mas Abraão será o teu nome; pois te hei posto por pai de uma multidão de nações. [...] “Seu nome é Jacó, mas você não será mais chamado Jacó; seu nome será Israel”. Assim, Deus lhe deu o nome de Israel. (Gênesis, 17:3,4,5, 35:10) Nessas duas passagens, observamos que a mudança de nome se dá especialmente pela mudança de essência. No primeiro caso, o nome “Abrão” quer dizer “pai elevado”; no entanto, devido à nova missão que Abrão possuía perante Deus e seu povo, ele passa-se a chamar Abraão, com uma vogal a mais, o que signi�ca “pai de muitos”. Já a passagem sobre Jacó é uma das mais interessantes: seu nome quer dizer “aquele que segura pelo calcanhar”, uma alusão antecipada do que faria com seu irmão mais velho, Esaú, para ganhar a bênção de seu pai, Isaac. Lembre- se de que as benções eram tradicionalmente dadas ao primogênito. Porém, após a demonstração de �delidade a Deus pelo novo batismo (também) feito pelo próprio Criador, ele receberia uma nova alcunha: Israel. Esta palavra signi�ca “aquele que luta e prevalece com Deus”. Se a linguagem tem como função primordial nomear os seres de acordo com suas características essenciais, a transformação do nome velho em um novo – o novo batismo – faz jus ao paradigma linguístico adotado. Isso também �ca ilustrado no diálogo de Sócrates com Hermógenes sobre o nome deste interlocutor. Essa etimologia parece uma resposta à alusão de Crátilo, no início do diálogo (Crátilo 383b), quanto à impossibilidade de Hermógenes ter esse nome, uma vez que o mesmo não seria o �lho de Hermes. Mais adiante, ao examinar o nome do deus Hermes (Crátilo 408a-d), atribui-se ao mesmo o signi�cado de "aquele que preside os discursos". Nesse momento, Hermógenes acaba por admitir que Crátilo estaria certo, pois ele mesmo não poderia ser �lho de alguém com tais características, dada a refutação do argumento convencionalista que defendera inicialmente. (MONTENEGRO, 2007, p. 3) Platão articula o pensamento onomástico de forma que essa vinculação com a essência do ser seja algo intrínseco à linguagem verdadeira, ao real sentido das coisas. No universo judaico, isso acontece da mesma forma: os novos batismos se sucederão em diversas partes do Texto Sagrado, sendo agregadosà tradição cristã, extremamente rica no que diz respeito à onomástica e à linguagem. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online A concepção incipiente de metáfora fundante Cabala Veri�caremos agora a parte considerada mais mística do universo judaico. Ela é conhecida como a Cabala. Os estudos cabalísticos são tão interessantes do ponto de vista linguístico que provavelmente você já viu ou ouviu algumas das informações abordadas nesta aula em alguns �lmes de Hollywood ou mesmo em canais da internet. Vejamos algumas informações sobre o meio cabalístico: Clique nos botões para ver as informações. No meio cabalístico, acredita-se que a Torá não é apenas um livro sagrado composto por nomes sagrados ou divinos, mas que ela própria também é o grande nome de Deus. Neste livro, Deus expressa seu ser transcendente ou um aspecto daquilo que se pode revelar à criação. A Torá não é apenas um livro sagrado A Torá não seria somente uma obra que rege as relações sociais e religiosas entre os cidadãos judeus. Ela é um símbolo da comunicação divina: uma metáfora de Deus. A Torá é um símbolo de comunicação divina Acredita-se que a linguagem não nasce de forma literal, e sim metafórica, já que jamais poderíamos ter acesso à linguagem da verdade, mas somente a partes dela materializadas no livro sagrado hebreu. A Torá é metafórica Para os cabalísticos, então, a metáfora não seria um ato de transferência, deslocamento ou desvio – como vimos em Aristóteles na aula anterior –, mas a primeira linguagem propriamente, pois o nosso acesso a ela se deu por um ato de metaforização. Estudioso da onomástica em âmbito judaico-cristão, o professor Guilherme Cardozo esclarece: Se antes da criação do mundo já havia a Torá, e se ela emanou da essência oculta de Deus, isso fez com que alguns cabalistas, como Menahem Recanati, chegassem à conclusão, através de um antigo ditado que ‘‘antes que o mundo fosse criado, só Deus e o Seu nome existiram’’, de que Deus, Ele mesmo, é a Torá, ‘‘pois a Torá não é algo além d’Ele, Ele não está além da Torá’’. (Zohar, II 60ª) Para eles, as letras representam o corpo místico de Deus, enquanto Deus é a alma das letras. (CARDOZO, 2016, p. 53) A metáfora é a primeira linguagem A árvore da vida - Cabala (Fonte: Wikipedia Comentário javascript:void(0); Vemos que o simbolismo é algo muito presente na tradição dos cabalistas – a ponto de eles acreditarem que a Torá é um organismo vivo, possuindo, entre outros órgãos, uma cabeça, um corpo, uma boca e um coração. Para eles, o coração é a Torá escrita; a boca, a Torá oral (os cabalistas referem-se às chamadas ‘‘narrativas metafóricas’’, cujo nome em hebraico é mashal). O que seriam essas narrativas? Para ter uma melhor compreensão dessas narrativas, acesse o texto de leitura essencial que contém: Concepção cabalística de que a Torá é o próprio Deus; A metáfora é diferente da concepção de metáfora aristotélica; Análise da metáfora como um elemento fundante do discurso �losó�co, religioso, político. Narrativas metafóricas Clique no botão acima. Narrativas metafóricas Em primeiro lugar, os cabalistas consideram a Torá como o próprio Deus, mas é a partir da Torá oral, ou seja, dessas narrativas metafóricas, que os homens têm acesso às verdades ali presentes. Segundo tal princípio, pode-se veri�car que, diferentemente da concepção aristotélica, no universo cabalístico judaico o enunciado inteiro se constitui metáfora. Ela não é mais um desvio do sentido literal para o �gurado, e sim a resposta a uma certa inconsistência do enunciado interpretado literalmente. (CARDOZO, 2016, p. 55) Para que você entenda rapidamente a ruptura dos estudos cabalísticos sobre a linguagem com as diretrizes platônica e aristotélica, vale guardar em mente que a metáfora é apresentada, sob a ótica judaica, como um elemento fundante do discurso �losó�co, religioso, político, pois ela é a primeira manifestação comunicativa existente, sendo materializada através das narrativas metafóricas (mashal). Vídeo Conheça alguns mistérios da Cabala neste vídeo. Acesso em: 17 abr. 2019. A mística cristã quanto aos atos de nomeação Para ter uma melhor compreensão do processo de batismo onomástico cristão, acesse o texto de leitura essencial que contém: Batizados realizados pelos padres católicos na colonização brasileira; Batismo no Novo Testamento. javascript:void(0); Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Batizados Clique no botão acima. Batizados Você já deve ter ouvido falar que, no início da colonização portuguesa no Brasil, lá pelos idos de 1500, muitos nativos, conhecidos como indígenas, eram batizados pelos padres católicos e, assim, adquiriam um “novo nome”, abandonando a sua antiga alcunha (que, para os padres, carregava toda uma história de pecados e heresias). Esses nativos seriam, então, presenteados com uma nova vida graças a um nome cristão. Por isso, muitos nomes provenientes da cultura nativa foram desaparecendo de nossa história, já que, à medida que eram batizados, eles recebiam nomes de santos (exemplos: João, Antonio e Pedro) ou o complemento “de Jesus” ou “de Deus”. Exemplo Simão, nomeado por Jesus como Pedro; Levi, que passa a se chamar Mateus; e o episódio onomástico mais emblemático, quando Saulo cai do cavalo e, em seguida, é chamado por Paulo. Batismo de um nativo por um jesuíta (século XVI). Fonte:Centro de Mídias de Educação do Amazonas. (Fonte: centrodemidias.gov.br javascript:void(0); Todos esses batismos onomásticos levam em conta a mesma questão debatida nesta disciplina: a natureza, a essência daquele que é nomeado. Nos casos descritos acima, Simão seria o líder da nova �loso�a de Jesus Cristo, responsável, portanto, por edi�car o Cristianismo entre os judeus. Por isso, Jesus o batiza como Pedro (que signi�ca “pedra”, “rocha �rme”). Já o caso de Saulo (cujo signi�cado é “grande”), segundo Guilherme Cardozo, trata-se de um autobatismo, já que ele mesmo passa a se denominar Paulo (quer dizer “pequeno”), pois ele não se considerava, em nenhuma medida, grandioso, e sim pequenino diante de Cristo. Os casos citados no texto 4 são bastante relevantes no que diz respeito aos nomes na cultura cristã. Mas é exatamente com Paulo de Tarso, o chamado “apóstolo dos gentios”, que o pensamento acerca da linguagem ganhará um novo curso. Por ser um conhecedor das letras da lei judaica, bem como da tradição romana e da cultura grega, Paulo de Tarso pôde confrontar literalidade e metaforicidade em duas de suas famosas epístolas bíblicas: as cartas aos romanos e as cartas aos coríntios. O legado de Paulo: uma prototeoria da práxis A contribuição de Paulo de Tarso com uma prototeoria da linguagem se dá no campo da discussão entre o sentido literal da lei e o que de fato ela provoca no espírito humano. Se já pudemos examinar com os gregos que cada palavra possui um signi�cado essencial e preciso, não havendo possibilidade de duplo sentido, esse conceito, com as cartas paulinas, sofrerá um abalo considerável. Para ter uma melhor compreensão sobre as cartas paulinas, acesse o de leitura essencial que contém: O trecho bíblico de Romanos, 7:7-8; O que Paulo quer mostrar aos cristãos de Roma; Paulo aos Romanos Clique no botão acima. Paulo aos Romanos Em sua carta aos romanos, escrevia o apóstolo dos gentios: Portanto, que concluiremos? A lei é pecado? De forma alguma! De fato, eu não teria como saber o que é o pecado a não ser por intermédio da lei. Porquanto, na realidade, eu não haveria conhecido a cobiça se primeiro a lei não tivesse dito: Não cobiçarás! Mas o pecado, aproveitando-se da ocasião dada pelo mandamento, provocou em mim todo tipo de cobiça; porque, onde não há lei, o pecado está morto. (Romanos, 7:7-8). Neste trecho, Paulo quer mostrar aos cristãos de Roma que a letra da lei não possui aquele signi�cado petri�cado (no sentido platônico) e sagrado (como os judeus acreditavam). Muito mais importante é o queestá além da letra da lei: seu sentido prático. Paulo provoca uma re�exão sobre o sentido literal da lei: se ela diz “não cobiçarás”, como explicar então a a�rmativa paulina de que, graças à lei, todo tipo de cobiça comparece como vontade? Se as letras dizem “não”, por que a interpretação a�rma “sim”? Para responder a isso, o apóstolo iniciara uma linha de raciocínio que terminou com a frase clássica presente em sua primeira carta aos coríntios: “[Cristo] nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivi�ca”. (2 Coríntios, 3:6) Aí está a empreitada de Paulo no combate à literalidade da letra da lei. Para o apóstolo, ela nunca era corretamente interpretada – e ele mesmo era a prova disso. Apesar de haver estudado a lei por anos, ele nunca a compreendeu de fato, já que seu verdadeiro sentido estava por trás da letra, além da letra, naquilo que ele chama de espírito da lei. O que dará vida às letras é esse “espírito”, que, no dizer de Paulo em diversas partes das suas cartas, é o ato de caridade e a prática da lei entendida não na letra da lei, mas no campo da práxis. Comentário Obviamente, não podemos a�rmar que Paulo foi o fundador de um paradigma linguístico da práxis em contraposição ao da representação. Porém, ao trazer essas discussões à tona, ele se posicionou de certa forma contra o modelo que determinava que uma palavra possui um sentido irrefutável, único e inconfundível. Paulo deu testemunho em suas cartas de que as palavras possuem sentidos criados pelas interpretações que se lhe dão por um processo prático (da mente ou do corpo). As metáforas de Paulo Metáforas para Aristóteles Para o �lósofo Aristóteles, as metáforas tinham uma função meramente ornamental a �m de enfeitar o discurso. Metáforas no universo judaico No universo judaico, especialmente com os cabalistas, podemos atestar que a linguagem nasce como metáfora, pois não temos acesso à verdadeira, que é a linguagem de Deus. Metáforas para Paulo Já em Paulo, a metáfora adquire um caráter pedagógico, instrutivo, como se pode reconhecer em partes de seus textos cujo objetivo é passar algum ensinamento não pelo sentido literal, mas pelo metafórico, como podemos ver em: “Tomai também o capacete da salvação e a espada do espírito, que é a palavra de Deus”. (Efésios 6:17). E também em: “porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas”. (2 Coríntios 10:4). Quanto a essa tendência de uma linguagem metafórica nas cartas de Paulo, explica Cardozo: Portanto, se Paulo insistia, no decorrer de suas cartas, em ensinar por �guras algo que pela literalidade talvez fosse compreendido com menor facilidade, é devido a esse caráter didático da metáfora [...] Paulo reutiliza �guras já trabalhadas por ele em outros contextos, mas sempre aparece com novas metáforas conceituais. - CARDOZO, 2016, p. 107 Para ter uma melhor compreensão sobre as metáforas conceituais trabalhadas nos textos sagrados, acesse o texto de leitura essencial que contém: Sentido positivo e negativo das metáforas conceituais; A carga conceitual das metáforas dicotômicas. Metáforas conceituais e metáforas dicotômicas Clique no botão acima. Metáforas conceituais e metáforas dicotômicas Se formos exempli�car algumas dessas metáforas conceituais trabalhadas nos textos sagrados, poderemos relembrar em nosso dia a dia muitas delas, pois algumas foram eternizadas devido ao uso popular. Quem nunca trabalhou com as noções de cima-baixo, claro-escuro e direita-esquerda, em que “cima” traz uma ideia positiva e “baixo”, uma negativa? Isso também ocorre com as outras metáforas citadas: o primeiro termo possui uma conotação positiva, ao contrário do segundo. Podemos ver no texto sagrado frases como: “O que vos digo às escuras, dizei-o às claras. E o que escutai aos ouvidos, dize-o aos telhados”. (Mateus 10:27) Essa oposição �ca mais clara em trechos como “diante de mim estava uma grande multidão que ninguém podia enumerar […] diante do trono e do cordeiro, com vestes brancas”. (Apocalipse 7:9). Podemos inferir, desse modo, que a dicotomia claro-escuro e suas variantes possuem uma carga conceitual muito presente nos dias de hoje da mesma forma que outras metáforas utilizadas nos textos sagrados. Atenção Podemos ver no texto sagrado frases como: “O que vos digo às escuras, dizei-o às claras. E o que escutai aos ouvidos, dize-o aos telhados”. (Mateus 10:27) Essa oposição �ca mais clara em trechos como “diante de mim estava uma grande multidão que ninguém podia enumerar […] diante do trono e do cordeiro, com vestes brancas”. (Apocalipse 7:9). A obra escrita de Paulo de Tarso, portanto, traz algumas novidades do ponto de vista linguístico: Tira a literalidade de seu posto superior, atribuindo-lhe um sentido duplo, controverso; Elege a metáfora como ferramenta de instrução; Introduz uma espécie de ponto de vista pragmático sobre a letra da lei. Atividade 1 - Pelo que aprendemos na aula de hoje, seria equivocado a�rmar que os livros dos cânones sagrados da cultura judaico- cristã: a) São livros religiosos, embora também possuam conteúdo filosófico, inclusive na área da linguagem. b) Mostram uma vertente mística sobre a linguagem, especialmente na Torá. c) Apresentam um aspecto diferente das obras de Platão e Aristóteles, apesar de também conterem elementos interessantes sobre os nomes. d) São livros religiosos e não podem ser trazidos para a discussão sobre linguagem. e) Mostram uma visão bastante diferente sobre a metáfora em comparação com os estudos dos gregos antigos. 2 - Falamos na aula de hoje que os judeus cabalistas possuem uma concepção de metáfora bem diferente da que os �lósofos gregos tinham. Analise as assertivas abaixo: I- Vê-se a metáfora como elemento fundante, ou seja, ela é fruto de um desvio do sentido literal. II - Vê-se a metáfora como elemento fundante, ou seja, ela inaugura a linguagem, inclusive a literal. Não é fruto de um desvio, mas fundadora do sentido primeiro das coisas. III - Para os cabalistas, a Torá escrita representa o próprio Deus, porém é a parte que podemos entender. Logo, a linguagem escrita é uma metáfora da verdadeira linguagem divina. A sequência correta relacionada é: a) F, F, V. b) V, V, F c) F, V, F d) V, V, V. e) F, V, V. 3 - Sobre a frase de Paulo “a letra mata, mas o espírito vivi�ca”, podemos entender que: a) Paulo valoriza o sentido literal da lei. b) Não há nenhuma referência a uma linguagem metafórica. c) Há uma preferência pela linguagem literal em vez da metafórica. d) Paulo quer ir além da literalidade, buscando uma linguagem mais ligada à práxis do que à representação. e) A letra possui um sentido indiscutível. 4 - Entre as diversas metáforas conceituais presentes no texto sagrado, identi�que abaixo uma delas: a) E criou-se a mulher da costela de Adão. b) E porei uns à minha direita e outros à minha esquerda. c) E não há nada oculto que não venha a ser revelado. d) A letra mata, o espírito vivifica. e) Eis que o Filho de Deus vem com as nuvens. Notas Torá1 A Torá é o principal livro sagrado dos judeus. À moda da �loso�a grega, a tradição judaica remonta a tempos mais que pretéritos. As contribuições do universo hebreu à nossa história são diversas: a simbologia, o misticismo, a riqueza de detalhes relativos à linguagem e o pensamento �losó�co teológico judaico contribuíram bastante para uma compreensão linear da evolução do pensamento linguístico. Referências ______. Decifrando o passado - os segredos da Cabala. History. Disponível em: https://www.youtube.com/watch? v=42tvmUj9Brw. Acesso em: 17 abr. 2019. CARDOZO, G. L. A questão da linguagem nas cartas de Paulo de Tarso: análise linguística das epístolas aos romanos e aos coríntios. Saabrücken (Alemanha): Novas edições acadêmicas, 2016. MONTENEGRO, M. A. de P. Linguagem e conhecimento no Crátilo de Platão. In: Kriterion: revista de Filoso�a. v. 48. n. 116.Belo Horizonte, jul./dez. 2007. Disponível em: //www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2007000200006. Acesso em: 17 abr. 2019. SCHOLEM, G. A Cabala e seu simbolismo. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. Próxima aula O estudo �losó�co da linguagem na Idade Média; A Bíblia como centro do saber medieval; Contribuições de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. javascript:void(0); javascript:void(0); Leia estes dois artigos cientí�cos: Ato de nomear no Brasil colonial; O universo da Torá. javascript:void(0); javascript:void(0); Filoso�a da Linguagem Aula 3: Linguagem do pensamento medieval Apresentação Nesta aula, demonstraremos as in�uências do ponto de vista judaico-cristão – dando relevância às colaborações de Paulo de Tarso no âmbito da linguagem bíblica – no pensamento dos �lósofos Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Agostinho será analisado de forma mais detalhada, pois ele, de fato, trouxe algumas inovações ao pensamento linguístico medieval ao se posicionar em favor do modelo representacionista de linguagem, sem deixar, porém, de reconhecer as diversas metáforas do Texto Sagrado e suas funções variadas. Também avaliaremos o discurso denominado apofático não como uma novidade, pois trata-se de um tema recorrente já na �loso�a pré-socrática, mas como algo de suma importância no ambiente �losó�co cristão da Idade Média. No entanto, o ponto nevrálgico desta aula localiza-se na discussão sobre os princípios agostinianos de interpretação do Texto Sagrado: o critério da caridade como ferramenta de exegese bíblica e o conhecimento de línguas como fator essencial para a tradução, a leitura e o conhecimento da linguagem bíblica. São as características de um �lósofo considerado por muitos estudiosos da linguagem o pai da Semiótica. Ilustraremos ainda como Santo Tomás de Aquino divergia de seus predecessores, pois, para ele, nem mesmo as metáforas dão conta do universo desconhecido da linguagem divina. Objetivos Identi�car nos pensamentos de Platão e Aristóteles o paradigma representacionista de linguagem a partir da relação com os modelos de estudos da linguagem nos dias de hoje; Relacionar o construto linguístico erigido por Paulo de Tarso com a �loso�a linguística de Santo Agostinho; Marcar no pensamento de Santo Tomás de Aquino uma racionalidade aliada à fé agostiniana. Discurso apofático Você já ouviu falar em uma espécie de discurso chamado de discurso apofático? Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online O que signi�ca o discurso apofático? Em linhas gerais, signi�ca uma espécie de discurso que reconhece a indizibilidade de determinados temas: um discurso negativo. Um dos temas que mais aparecem nesse tipo de linguagem é o questionamento sobre Deus ou a natureza criadora – em suma, tudo o que esteja além da física. Saiba mais Saiba quais �lósofos tratavam do discurso apofático.1 Discurso apofático é aquele formado por situações em que nada pode ser dito sobre uma experiência , um ser ou um estado.2 Abordaremos nesta aula os estudos e as abordagens da linguagem no período medieval, valendo-nos especialmente de suas obras mais marcantes. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino serão nossos referenciais teóricos. Para entendermos o ponto de vista linguístico que será pontuado agora, Paulo também deve ser relembrado como o grande nome quando o assunto for o estudo sobre a linguagem bíblica, assim como o é sobre a natureza de Deus. Grandes estudiosos da linguagem religiosa, como Santo Agostinho, encontraram no discurso paulino a pedra �losofal de suas abordagens. Trataremos, em linhas gerais, dos pontos convergentes no âmbito discursivo entre São Paulo e os �lósofos medievais, cuja fonte de saber era a Escritura Sagrada. São Tomás de Aquino e Santo Agostinho. (Fonte: Wikipedia) Santo Agostinho No que concerne à interpretação das letras e dos signos convencionais , dentro da Bíblia, temos a sólida contribuição de Santo Agostinho. Sua importância é muito grande tanto no campo metafórico quanto no apofático; todavia, para que possamos estabelecer uma ponte com as aulas anteriores (e até para relembrar alguns pontos que você já viu), abordaremos a temática desta aula sob o ponto de vista da seguinte tensão: 3 Representação x práxis Vejamos algumas abordagens de Santo Agostinho https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula3.html https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula3.html https://stecine.azureedge.net/webaula/estacio/go0113/aula3.html Clique nos botões para ver as informações. Santo Agostinho comentava sobre a presença de signos próprios e metafóricos na Bíblia: aqueles que fossem literais gerariam no Texto Sagrado sentenças de sentido certo; os metafóricos, de sentido obscuro. (AGOSTINHO, 1991, Livro II, § 7º) Sentenças com sentido determinado eram uma consequência da utilização de signos próprios empregados para designar objetos aos quais eles foram convencionados, ou seja, quando as palavras estivessem adequadamente utilizadas conforme seu sistema �xo de representação. Ao falar dos signos metafóricos, o �lósofo utilizava a mesma de�nição de Aristóteles em Arte poética, con�rmando seu alinhamento com o paradigma linguístico representacionista (estudado por você na primeira na aula deste curso). Presença de signos próprios e metafóricos dentro da Bíblia A �m de evitar uma confusão na hora de interpretar os Textos Sagrados – para muitos, natural – devido ao excessivo número de metáforas nas Escrituras, Santo Agostinho alertava sobre a necessidade de se conhecer as línguas bíblicas (hebraico e grego) como uma solução dos erros de tradução – ou mesmo de interpretação. Segundo o �lósofo, para se conhecer o sentido exato da palavra, era preciso recorrer às línguas originárias ou, então, consultar as versões dos que se prenderam mais à letra, não por serem su�cientes, mas por revelarem a verdade literal e, portanto, seu signi�cado. Apesar de Agostinho, mais à frente (1991, Livro II, § 22º), chegar a dizer que a confrontação com esses tradutores que se verteram ao pé da letra era inútil na busca do sentido das Escrituras, ele permanecia intimamente ligado ao ponto de vista aristotélico sobre a linguagem. Evitar confusões de interpretação do Texto Sagrado Assim como defendia Aristóteles, Santo Agostinho acreditava que a única forma de se compreender as metáforas que, por vezes, obscurecem o texto bíblico é conhecer a natureza real das coisas, ou seja, dos signos próprios, portadores daquele signi�cado emprestado aos signos metafóricos. Forma de compreensão de metáforas A sua intensa luta para desatar os nós da ambiguidade no Texto Sagrado demonstrava a preocupação que ocupava sua mente: não permitir que a palavra fugisse de sua domesticação usual (aquele signi�cado próprio, como vimos na obra Crátilo, de Platão). Ele elaborou técnicas para resolver esse problema, como o recurso às regras da fé e à Igreja no Livro III de sua obra A doutrina cristã: Quando for o sentido próprio que torna ambígua a Escritura, a primeira coisa a ser feita é veri�car se não estamos pontuando ou pronunciando mal. [...] Que ele consulte as regras da fé, adquiridas em outras passagens mais claras da Escritura. Ou então que recorra à autoridade da Igreja. [...] Mas no caso de dois sentidos, ou todos eles, caso forem muitos, resultarem ambíguos, sem nos afastarmos da fé, resta-nos consultar o contexto anterior e o seguinte à passagem onde está a ambiguidade. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 2º). Técnicas para desatar nós da ambiguidade no Texto Sagrado Imbuído pelo pensamento �losó�co vigente, Santo Agostinho, em nome dessa domesticação conceitual da palavra, estabeleceu princípios interpretativos em A doutrina Cristã: Critério de julgamento:A caridade vence a concupiscência; (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 16º). Segundo princípio: Veri�car com que intenção é realizada a ação. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 18º). Princípios interpretativos Questão da Intenção no Texto Sagrado Quanto à questão da intenção, há uma interpretação diferente sobre uma narrativa do apóstolo Paulo acerca de uma das experiências vividas por ele em sua jornada em favor de Jesus Cristo. Vejamos sua suposta contradição em confronto com a Bíblia Septuaginta grega. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Suposta contradição em confronto com a Bíblia Septuaginta grega Clique no botão acima. Suposta contradição em confronto com a Bíblia Septuaginta grega Quanto à questão da intenção, há uma interpretação diferente sobre uma narrativa do apóstolo Paulo acerca de uma das experiências vividas por ele em sua jornada em favor de Jesus Cristo. Vejamos a seguir sua suposta contradição relatada na carta aos Filipenses: o desejo de estar e partir com Cristo. “Ignoro o que escolher; porque de ambos os lados vejo-me solicitado: tenho veemente desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é em muito o melhor, mas permanecer na carne é necessário para vós.” (Filipenses, 1, 23,24). Caso confrontemos a versão latina do Texto Sagrado – à qual Santo Agostinho tinha acesso – com a Bíblia Septuaginta grega, encontraremos a seguinte passagem: “Sinto-me num dilema: meu desejo é partir e ir estar com Cristo, pois isso me é muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário por vossa causa”. (Filipenses, 1, 23,24) Isso retrata exatamente o que o próprio apóstolo mencionara na sua carta aos romanos: “Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto”. (Romanos, 7,15). Agostinho Agostinho atribui os erros na tradução à percepção de que Paulo vivia um dilema entre a vontade e o dever. Ele tentou consertar esse sentido – para ele, pouco construtivo – advindo da leitura da Escritura, direcionando-o para uma moral cristã, sempre pautada pela caridade e pelo amor a Deus, �nalidades inequívocas de todas as passagens do Texto Sagrado. Arendt Nos escritos de Hanna Arendt (1906–1975), ao contrário de Agostinho, ela reforça esse dilema vivido pelo apóstolo. A descoberta do apóstolo Paulo, que ele descreve com muitos detalhes na epístola aos romanos (escrita entre 54 e 58 d.C.), envolve novamente um dois-em-um; mas esses dois não são amigos ou parceiros; estão em permanente luta. Precisamente quando ele “quer fazer o correto (to kalon)”, descobre que “o mal está ali à mão” (7:21), pois ele “não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: ‘Não cobiçarás’”. Portanto, foi a ordem da lei que ocasionou “toda a concupiscência. Porque sem a lei o pecado estava morto” (7:7,8). [...] E o ponto central do problema é que esse con�ito interno jamais pode ser solucionado, seja em favor da obediência à lei, seja da submissão ao pecado. (ARENDT, 2000, p. 234). O dilema de Paulo entre a vontade e o dever O dilema de Paulo pode gerar diferentes percepções e sentidos. Vejamos uma diferença entre as percepções, por exemplo, de Agostinho e Hanna Arendt. Agostinho Arendt Sentido Figurado e Sentido Próprio Saiba como Agostinho lidava com o sentido �gurado e com o sentido próprio, sem correr o risco de tomar o que fosse literal como �gurado e vice-versa, mantendo-se domesticadas, primordialmente, as verdades intrínsecas às sentenças bíblicas: Clique nos botões para ver as informações. Com efeito, para Agostinho, se uma palavra ou parte do texto bíblico indicasse algum signi�cado que não conduzisse à caridade e à moral cristã, ela deveria ser tomada �guradamente. Sentido �gurado No entanto, uma palavra ou parte do texto bíblico evocasse a caridade e a moral cristã, devíamos tomá-la em sentido próprio: “Tudo o que na palavra divina não puder se referir ao sentido próprio, nem à honestidade dos costumes, nem à verdade da fé, está dito que devemos tomar em sentido �gurado”. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 14º) Sentido próprio Ainda sobre as ambiguidades, Agostinho (1991, Livro III, § 8º) assim concluía sua fórmula: quando tomadas em sentido próprio, as palavras raramente podem encerrar as ambiguidades, a não ser que consideremos o contexto em que elas aparecem por: Busca do pensamento do autor; Confrontação de tradutores; Recurso à língua original. Vejamos como, no quinto capítulo de A doutrina cristã, Santo Agostinho parece se alinhar ao pensamento de Paulo ao desenvolver um tópico que buscava resolver ambiguidades nos textos tomados em sentido �gurado. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Quinto capítulo de A doutrina cristã Clique no botão acima. Quinto capítulo de A doutrina cristã Ao citar a famosa máxima paulina “A letra mata, o espírito vivi�ca” (2 Cor, 3,6), o �lósofo pontuava que nosso cuidado deveria ser ainda maior para que não tomássemos em sentido literal uma expressão �gurada, pois seria isso um modo carnal de pensamento. Segundo ele, “coisa alguma pode ser chamada com maior exatidão de morte da alma do que a submissão da inteligência à carne, segundo a letra” (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 9º). O �lósofo considerava condenado a não saber dar signi�cado verdadeiro às palavras o homem que se alinhasse a essas práticas, pois cairia em erro quem considerasse próprio o que é metafórico. Nossa impressão é que, por instantes, um insight antirrepresentacionista apresentou-se diante dos olhos do �lósofo a ponto de ele a�rmar: “é para a alma uma escravidão de causar pena o tomar signos pelas coisas e se sentir impotente de erguer o olhar da inteligência acima da criação temporal, a �m de enchê-lo de luz eterna”. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 9º). Curiosamente, era exatamente isso que a concepção clássica de linguagem proporcionava àqueles que assim a concebiam. Sobre a lei hebraica, à qual Paulo estava bastante ligado em suas críticas, Santo Agostinho rati�cava o pensamento do apóstolo ao falar sobre a servidão dos israelitas a signos úteis. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 10º) Há por parte de ambos a certeza de que o povo hebreu tomou os signos da realidade espiritual sem que pudessem compreender o que eles representavam, fazendo-o apenas pela certeza de que essa servidão agradava ao Deus único de Israel. Eles, de fato, cumpriram sua missão, pois a �nalidade de tais signos, segundo Agostinho, era uma imposição temporária aos servos de Deus a �m de sujeitá-los ao culto do monoteísmo. No entanto, eles, ainda assim, continuavam a venerar esses signos temporários, não observando a dádiva que Deus lhes havia concedido: a encarnação de Seu Filho unigênito, representando o corte temporal e espacial com toda e qualquer funcionalidade da velha letra. Daí a recusa de muitos judeus em aceitar o espírito que vivi�ca, o de Cristo, pois Ele desprezava a parte carnal que habitava nos mandamentos da Torá. Paulo, assim como Agostinho, discorreu sobre o dever de exercitar o espírito numa compreensão espiritual das coisas: “Não foi para os submeter no futuro a outros sinais – úteis que fossem –, mas antes para exercitar o espírito deles numa compreensão espiritual”. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 12º). Finalidade das interpretações bíblicas Segundo Agostinho, a �nalidade das interpretações bíblicas deveriam passar por: Exaltar o triunfo do reino da caridade Interpretar tudo pelo critério da caridade Caso nos deparemos com alguma expressão dentro das Escrituras que ordene um delito ou proíba uma benevolência, ela encontra-se em sentido �gurado; por outro lado, se ela nos ordena uma benevolência ou nos proíbe uma ignomínia, está em seu sentido próprio. (AGOSTINHO, 1991, Livro III, § 24º). Podemos ver outros aspectos, a respeito de Paulo, sob a ótica agostiniana: Clique nos botões para ver as informações. Sob a ótica agostiniana, então, o próprio apóstolo Paulo foi vítima dos seus desenganos interpretativos dos TextosSagrados, pois, ao tomar conhecimento dos ordenamentos divinos pela lei, viu-se imerso na concupiscência: “[...] pois eu não teria conhecido a concupiscência se a lei não tivesse dito: ‘Não cobiçarás.’”. (Romanos, 7,7). Apóstolo Paulo vítima dos próprios desenganos interpretativos Será que faltou a Paulo o critério da caridade ao ler os preceitos divinos? Ou será que ele, como hebreu e conhecedor das práticas do seu povo, sabia bem que um preceito envelhecido os afastava cada vez mais de Deus? A�nal, “[...] o preceito, dado para a vida, produziu a morte”, aproximando-os do “bezerro de ouro”. (Romanos, 7:10; Êxodo, 32,4) Faltou a Paulo o critério da caridade? Santo Agostinho se viu necessariamente levado em seus escritos a abordar questões como a pluralidade de sentidos literais na Escritura – desde que fossem adotados os critérios já expostos, conduzindo a uma única verdade. Dessa forma, não haveria perigo em se adotar qualquer um desses sentidos. Santo Tomás de Aquino Vejamos os caminhos que Santo Tomás de Aquino (1225–1274) percorreu: Clique nos botões para ver as informações. Ao falar sobre as metáforas no texto bíblico foi um tanto diverso do trilhado por Agostinho, pois ele admitia a linguagem metafórica sobre Deus, embora criticasse, ao mesmo tempo, uma teologia simbolista, reconhecendo o estatuto cientí�co da Teologia pelo uso analógico do conceito e da linguagem: “precisamente porque d’Ele é mais o que não sabemos do que o que sabemos, e a metáfora, por sua carga imaginativo-afetiva sensível, mostra mais claramente a inadequação de nossa linguagem humana com respeito a Deus”. (AQUINO, 1973, I, q. I, a IX, obj. III). Visão da linguagem metafórica diferente da agostiniana O �lósofo reconhecia que convém às Escrituras nos transmitir o conhecimento divino por intermédio das comparações, que, segundo ele, são próprias dos homens. “[...] e, do mesmo modo, o nome leão, aplicado a Deus, não signi�ca senão que Deus age fortemente, nas suas obras, como o leão nas suas. Por onde é claro que tais nomes, aplicados a Deus, não podem ser de�nidos senão por comparação com o sentido que têm quando atribuído às criaturas.” (AQUINO, 1973, q. XIII, a. VI, sol. I). Transmissão do conhecimento divino por comparações Tomás de Aquino comungava com Agostinho das seguintes ideias: Não se pode chegar a Deus pelo intelecto; O que se conhece pela metáfora não pode ser totalmente concebido pelo intelecto. Ideias em comum com Agostinho Para Tomás de Aquino, a indescritibilidade e o anonimato são essenciais a Deus. Ele não é algo de que teremos ciência ao �m de uma busca: portanto, nomes como “bom”, “sábio” e “verdadeiro” apenas signi�cam que, aplicados à perfeição de Deus, representam algo além de nosso entendimento. Os nomes — bom, sábio e semelhantes — são impostos como derivados das perfeições que procedem de Deus para as criaturas. São, porém, aplicados para signi�car não a natureza divina, mas as perfeições mesmas, absolutamente falando; e, portanto, mesmo na verdade das coisas, são comunicáveis a muitos. Mas o nome de Deus é imposto como tendo a sua origem na operação própria a Deus — e que nós experimentamos continuamente — para signi�car a natureza divina. (AQUINO, 1973, q. XIII, a. 9, obj. 3). Indescritibilidade e anonimato como intrínsecos a Deus As analogias de Santo Tomás de Aquino davam apenas a impressão de que Deus se tornaria palpável por meio delas, embora somente Ele pudesse tornar uma analogia dotada de sentido em sua in�nitude, haja vista nossas limitações. Seus princípios não podem por nós ser conhecidos, mas somente por Ele e por aqueles que o contemplaram em uma beati�cada visão conforme sua sacra doutrina. Compreensão limitada sobre Deus por analogias Em suma, a única coisa que podemos saber de Deus é que ele excede toda compreensão. Isso, de certa forma, retoma o que foi dito no início da aula: trata-se do discurso apofático. Atividade 1 - Podemos a�rmar que uma das inovações de Santo Agostinho, ao falar das interpretações do texto bíblico, é: a) Ele avança na perspectiva de uma linguagem sob o ponto de vista pragmático, abandonando a abordagem clássica representacionista. b) Ele adota um critério para que a leitura e a interpretação do cânone sagrado sejam feitas de forma adequada: o princípio da caridade. Se pautados por esse princípio, os signos ficarão claros e não haverá ambiguidade. c) Ele apresenta a possibilidade de se falar de Deus somente por metáforas, dispensando as palavras em seu sentido literal. d) Santo Agostinho não acredita no gênero apofático, e sim que Deus pode ser falado e explicado com muita facilidade por qualquer pessoa, seja ela estudada ou não. e) Nenhuma das respostas acima. 2 - Acerca do gênero discursivo denominado apofático (ou discurso negativo), qual frase de Santo Agostinho melhor de�ne este ato? a) “Não se pode falar de Deus, mas ai daqueles que assim não o fizerem!” (Confissões, Livro XXI, § 3º). b) “A caridade é o critério mais bem-sucedido para se interpretar as Escrituras.” (A doutrina cristã, Livro XI, § 6º). c) “O conhecimento das línguas, especialmente a grega e a hebraica, fornecem subsídio teórico para a compreensão dos signos próprios nas Escrituras.” (A doutrina cristã, Livro XX, § 4º). d) Todas as afirmativas acima estão corretas. e) Nenhuma das afirmativas acima está correta. 3 - A grande característica da linguagem, ao descrever a natureza de Deus, segundo Santo Tomás de Aquino, é: a) Sua marca pragmática, criando mundos. b) A linguagem, sagrada ou profana, não possui marcas. c) Ser científica e metafórica ao mesmo tempo. d) Ser metafórica – e isso mostra nossa imperfeição ao falar das coisas perfeitas. e) Ser literal, pois o homem integrado em Deus conhece e O vê de forma perfeita. Notas Filósofos1 Diversos �lósofos, como Parmênides, Nicolau de Cusa, Platão e Paulo de Tarso (estudado por nós na aula passada) Nada pode ser dito sobre uma experiência2 1. Em uma clássica passagem da segunda carta de Paulo aos coríntios, o apóstolo a�rma ter subido ao terceiro céu em espírito, não podendo dizer mais nada sobre o ocorrido por se tratar de uma experiência inexprimível em palavras humanas. Vimos na aula passada o ponto de vista cabalístico da natureza divina: não se pode conhecer a Deus, a não ser pelas letras da Torá. Ali está a parte reconhecível do Criador. 2. Filósofo do período medieval (354 d.C.-430 d.C.), Santo Agostinho abordou esse tipo de linguagem em suas obras A doutrina cristã e Con�ssões, nas quais resumiu o complexo ofício daqueles que buscavam, pela linguagem, um conhecimento sobre Deus: “Não se pode falar de Deus, mas ai daqueles que assim não o �zerem!”. (AGOSTINHO, 1988, Livro XXI, § 3º) Interpretação das letras e dos signos convencionais3 Nomenclatura dada por Santo Agostinho aos signos que manifestassem as afecções de nossa alma, como o pensamento e as sensações, alinhando-se à teoria aristotélica dos sons da fala como representações de nossas paixões. Referências AGOSTINHO, S. A doutrina cristã. São Paulo: Edições Paulinas, 1991. AGOSTINHO, S. Con�ssões. São Paulo: Edições Paulinas, 1988. AQUINO, S. T. de. O ente e a essência. São Paulo: Abril, 1973. ARENDT, H. A vida do espírito. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. FRANKE, W. On what cannot be said. v. I, II. Indiana: University of Notre Dame, 2007. SCHOLEM, G. A cabala e seu simbolismo. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015. Próxima aula A scienza nuova de Vico; A primeiridade linguística da metáfora; Metáfora fundante e o não conhecimento como causa. Explore mais Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto. Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos disponíveis no ambiente de aprendizagem. Leia estes dois artigos cientí�cos: Ato de nomear no Brasil colonial; O universo da Torá. javascript:void(0); javascript:void(0); Filoso�a da Linguagem Aula 4: Metaforicidade das primeiras linguagens ApresentaçãoAnalisamos até aqui fundamentalmente a linguagem sob o paradigma da representação do mundo externo e das coisas que fazem parte dele, embora alguns pontos de vistas diferentes tenham sido apresentados apenas como prototeorias. Nesta aula, em que categorizaremos a ciência nova, de Giambattista Vico, deduziremos que, �nalmente, nos estudos linguísticos da Idade Moderna, aparecerá uma teoria em que a linguagem se insurge como decorrente de uma práxis, e não mais como lista de classi�cações. Com Vico, identi�caremos que a linguagem nasce de forma metafórica: falar �guradamente é o ato primeiro de comunicação, pois de�nimos coisas porque antes as sentimos; logo, esse processo de compreensão passa pelo profundo desconhecimento da essência das coisas do mundo – em muitos casos, por uma tentativa de conhecimento de si mesmo. Ao conceber a metaforicidade das primeiras linguagens, este �lósofo italiano, que viveu entre os séculos XVII e XVIII, atribuiu à metáfora um papel fundador na linguagem humana. A partir dessa �gura de linguagem, em um momento bem posterior, os chamados sentidos literais começariam a se sedimentar. Em suma, esta aula estrutura uma virada na chave da compreensão sobre a linguagem. Objetivos Identi�car no discurso de Vico uma virada na chave da compreensão sobre a linguagem, em especial quanto às suas origens; Examinar a ruptura da ciência nova em relação às concepções sobre a metáfora; Relacionar a concepção metafórica no universo místico com a nova teoria linguística de Vico. Novos paradigmas da linguagem Você tem visto como a re�exão sobre a linguagem vem atravessando as eras, evoluindo e adquirindo, de forma gradual, a roupagem que possui nos dias de hoje. Talvez os �lósofos com os quais tenhamos debatido até aqui já sejam de seu conhecimento, mas, na aula de hoje, você será apresentado a um pensador não tão popular quanto Aristóteles ou Santo Agostinho, embora ele não seja menos importante que ambos. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Na verdade, as teorias revolucionárias de Giambattista Vico (1668–1744) sobre a linguagem serão a base da mudança de polo em relação à compreensão da linguagem humana. Dessa forma, irrompendo com os ideários de metáfora sob uma perspectiva fundada, analisaremos a ciência nova de Vico. Ela nos interessa nesta aula em especial, pois, além de sugerir a concepção de metáfora como elemento fundante, o �lósofo italiano, diferentemente dos casos até aqui debatidos, procurou, colocando a ciência sob uma base racional e empírica, estabelecer a existência de um padrão na história e no comportamento humano. Giambattista Vico. Fonte: Wikipedia. Conceitos sobre a linguagem Clique no botão acima. Conceitos sobre a linguagem Vale a pena retomar alguns conceitos sobre a linguagem: nas primeiras aulas, constatamos que �lósofos da Antiguidade Clássica (Platão e Aristóteles) consideravam que a linguagem tinha uma função premente: nomear as coisas existentes no mundo de acordo com a essência de cada elemento. Tratava-se da teoria naturalista, um retrato de uma linguagem concebida sob o prisma da representação. Você deve se lembrar de que não era qualquer um que poderia dar nome às coisas do mundo. Platão apresentava o diálogo entre Sócrates, Hermógenes e Crátilo, no qual o príncipe dos �lósofos convencia a todos por meio de argumentos racionais. Esse processo era comparado ao labor de um ferreiro na feitura de uma lança de qualidade: da mesma forma que ele sabia a propriedade dos metais e como transformá-los em utensílios, somente o legislador de nomes poderia dar nomes às coisas, pois conhecia a essência de cada elemento da natureza, não podendo qualquer pessoa convencionar nomes às coisas do mundo. Giambattista Vico defendia exatamente o contrário da teoria da representação: para o �lósofo italiano, a linguagem nem sempre foi fruto do raciocínio e da razão pura a ponto de friamente representar os elementos existentes no mundo, nomeando- os e classi�cando-os. Vico vaticinava que, somente em uma era chamada de idade dos homens, isso se tornaria natural, mas, antes disso, já havia humanidade e, portanto, comunicação. Todavia, nas eras anteriores, especialmente no período em que ele chamará de idade dos deuses, a linguagem era extremamente pragmática: ela simplesmente acontecia. Os atos de nomeação eram realizados não por alguém que conhecesse a essência das coisas, e sim por quem as desconhecia completamente. "Considerando a história, o filósofo italiano conclui que a primeira forma de expressar o mundo é poética, pois, a partir dos próprios atributos, o homem se projeta em sua direção ao criar, por exemplo, conceitos como o braço do rio ou o pé da montanha." - VICO, 1999, p. 18 Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Capa da primeira edição do livro de Vico. Fonte: Wikipedia. Podemos contemplar nesta �gura a obra original de Vico. Ela apresenta três períodos pelos quais a humanidade passou em sua história até chegar às ideias e às concepções de hoje. O decorrer dessas eras retrata, portanto, o desenvolvimento do próprio homem. O �lósofo italiano assim as separa: Clique nos botões para ver as informações. Idade em que prevalece o sentido. A primeira fase histórica tem na emoção, no sentimento e nas experiências físicas o cerne de seu conhecimento sobre as coisas e, portanto, a linguagem. É dominado pelos instintos e pelas paixões; por intermédio deles, cria deuses e mitos. Idade dos deuses Idade em que aparece a fantasia como fator dominante das paixões humanas. Agora, defende Vico, o homem se deixa levar pelas fantasias, o que, de certa forma, diminui o caos vivido por ele na era anterior – extremamente instintiva –, ordenando a sobrevivência e as coisas do mundo. No entanto, este homem considera sua natureza (formada por um misto de deus e homem) heroica. A partir daí, os sentimentos de comunidade começam a prosperar, dando origem às organizações sociais em famílias, tribos etc. Idade dos heróis Idade na qual, �nalmente, a razão será o norte do conhecimento humano. A última era elencada por Giambattista Vico tem muito a ver com o que temos visto em nossos estudos sobre a linguagem, pois é nesta fase que a razão, a racionalidade e a ciência pura do intelecto começam a construir as civilizações. Se a linguagem, os nomes e os atos de comunicação são vistos como uma representação de ideias, coisas e experiências, essa noção não poderia ter lhe surgido primeiramente. Ao contrário: ela foi iniciada, defende o �lósofo, na era da razão, ou seja, na idade dos homens. Antes, em seus primórdios, a racionalidade não existia. Dessa forma, a manifestação poética (metafórica e simbólica) goza de primogenitura. Idade dos homens Visão crítica de Vico Clique no botão acima. Visão crítica de Vico “Da espontaneidade desenfreada, violentíssima, da primeira idade, passa-se à liberdade consciente da terceira idade. Aqui chegado, no entanto, parece que o homem não sabe conservar o precioso patrimônio acumulado ao longo de sua longa caminhada. Cai então num novo estado de barbárie, de decadência pelo mau uso da razão maliciosa, que arrasta a humanidade ao trágico destino da desagregação e da ruína. Começará então outro ciclo histórico, voltando novamente o homem à espontaneidade primitiva.” (CASTAGNOLA, 1968, p. 31) Vico critica o homem moderno de sua época. Considera-o racional ao extremo, embora pouco cientí�co, sendo incapaz de olhar para a própria história. O �lósofo o acusa de abandonar as verdadeiras origens em prol de um sonho logocêntrico (em que a inteligência e a razão estão sempre na vanguarda do pensamento), não conseguindo abarcar a ciência de modo satisfatório – daí seu livro chamar-se A ciência nova, servindo de contrapartida aos modelos cientí�cos vigentes, especialmente ao de Descartes. Primeiridade poética da linguagem Se considerarmos a primeiridade da sabedoria poética, veri�caremos em Vico a sugestãoda poesia como origem do mundo, opondo-se, nesse caso, a uma história aristotélica que nos remeta ao paradigma da racionalidade desde o início. O �lósofo italiano colocará em jogo esse modelo de pensamento ao falar em uma idade: Não abstrata; Ilógica; Não raciocinada. Conjecturando um intercâmbio entre as perspectivas do povo hebreu e a de Vico, poderíamos supor a existência de uma idade dos deuses, em que a sabedoria poética poderia ser trocada pela expressão sabedoria divina, na qual imperava a jurisprudência dos profetas para interpretar as divindades. Ela estava personi�cada na �gura de Moisés, para quem Deus fez materializar-se a Sua essência e em cujos desígnios deveria toda a Israel se pautar. Graças a essa perspectiva histórica, inaugurada em Vico... ... a linguagem não tem uma essência, como bem a�rmavam os �lósofos da Antiguidade Clássica; ao contrário, ela atravessa as eras. Mas somente na era dos homens houve um sistema de representação articulada das ideias. Dessa forma, Vico se opõe à perspectiva de que a linguagem se cria na idade dos homens. Para ele, a própria natureza é histórica e a linguagem faz parte de nossa natureza. O homem se desenvolve linguisticamente não por conhecer o mundo, e sim por sua ignorância em relação às coisas: Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Para compreender como Vico descreveu a linguagem poética entre os primeiros homens, acesse o texto abaixo, de leitura essencial que contém: Tropos como fundamentos de nossas vidas; Metáforas como expressão de sentimentos e impressões; O processo de nomeação por sentido �gurado. "Que “o homem ignorante faz de si regra do universo”, assim nos exemplos aduzidos (“cabeça” para porta ou princípio; “boca”, todo tipo de abertura; “lábio”, beira do vaso ou de outra coisa etc.), ele de si fez um mundo. Porque, assim como a metafísica raciocinada ensina que “homo intelligendo fit omnia”, assim esta metafísica fantástica demonstra que “homo non intelligendo fit omnia”; e, talvez, esta seja mais verdadeira do que aquela, pois o homem, ao entender, abre a sua mente e compreende tais coisas, mas ao não entender ele de si faz essas coisas e nelas se transforma." - VICO, 1999, p. 170. Ainda de acordo com o �lósofo, os homens inicialmente sentiam sem se aperceberem disso; depois, percebiam as coisas com espírito perturbado e comovido, re�etindo, �nalmente, com mente pura. (VICO, 1999, p. 17) Linguagem poética entre os primeiros homens Clique no botão acima. Linguagem poética entre os primeiros homens Tropos são, para Vico, fundamentos de nossa vida, haja vista sua concepção de primeiridade poética, em que os homens, em reação ao mundo, construíam uma linguagem metafórica para distinguir as coisas. Como Vico descreveu essa linguagem poética entre os primeiros homens? Obviamente, ele não a chamava de “poética” por possuir retórica subjetiva, palavras belas, rima e métrica distintas, e sim por valer-se fundamentalmente de metáforas para exprimir sentimentos e impressões. Um homem proveniente da idade dos deuses morava em uma montanha altíssima. Ele descia até a superfície do monte e encontrava frutos deliciosos. Quando subia novamente, não diria aos seus, segundo o pensamento de Vico, ter encontrado frutos maravilhosos na superfície ou “ao �nal da descida”. Para localizar com exatidão e dar um nome que se �zesse compreensível, esse homem, por conhecer a si mesmo, seu corpo e suas funções, iria dizer que encontrou frutos no pé da montanha. Lembre-se de que o pé sustenta o corpo, é a base da estrutura física de um objeto; logo, ao desconhecer as coisas do mundo, mas não a si mesmo, ele era capaz de nomeá-lo por intermédio desse autoconhecimento. O processo de nomeação, para Giambattista Vico, era completamente metafórico no início das eras, pois ele nascia, em sua integralidade, de um sentido �gurado. Importância de Vico para a �loso�a moderna Para ilustrar a importância do pensamento de Vico para a �loso�a moderna, Friedrich Nietzsche (1844–1900), com um espírito semelhante, a�rmou, algum tempo depois, em Da retórica: “Se os poetas (diz Aristóteles, Retórica, III, 1), malgrado pensamentos comuns, parecem ter conseguido, pelo encanto da sua linguagem, uma tal nomeada, é porque o primeiro discurso foi poético”. (NIETZSCHE, 1995, p. 63). Veremos um movimento antirrepresentacionista no decorrer deste curso cujo auge reside, por ora, na �loso�a da ciência nova. Cabalistas Nos cabalistas, vimos a metáfora como elemento primordial de linguagem, já que a Torá é um tropo do corpo divino; Apóstolo Paulo em Paulo, observamos a metáfora como elemento instrutivo para as massa; Vico Em Vico, contemplamos pela primeira vez uma teoria �losó�ca da metáfora fundante do discurso, ou seja, de uma linguagem que nasce como práxis, criando e se recriando cada vez que se deparar com o desconhecido. Não se pode reduzir o conhecimento às ciências naturais como pretendiam os �lósofos da Modernidade após a Idade Média. Na verdade, o desvio é paradoxalmente o traço natural do ato de comunicação do ser humano, pois a linguagem, para os �lósofos que concebem a metáfora como elemento fundante, já nasce metafórica. Conforme Vico sugeriu em sua obra A ciência nova, ela foi concebida apenas como forma de representar o pensamento na idade dos homens. (VICO, 1999, p. 155- 156). Na ciência nova – e isso nos interessa bastante –, a partir dos conceitos que já vimos e daqueles que serão abordados nas próximas aulas, surgiria a noção da metáfora como elemento fundante. Ao considerar a história, Vico concluía que a primeira forma de expressar o mundo é poética, pois, a partir da compreensão que buscava de si mesmo, o homem acabava por projetar para o mundo esse conhecimento. O papel da de�nição das coisas por meio de tropos e metáforas foi primordial. Conforme estudamos na aula passada, quando abordamos a �loso�a de Santo Agostinho, não existia, para o �lósofo de Hipona, a possibilidade de se falar de Deus, embora fosse necessário, mesmo assim, realizar essa tarefa. Isso evidenciava, para Agostinho, a importância das metáforas, pois elas trazem para o nosso conhecimento aquilo que é por nós desconhecido. Em Vico, por sua vez, contemplamos a ideia da primeiridade poética como a primeira linguagem do mundo, fato que usamos como analogia para mostrar que, segundo a tradição judaica, tal linguagem também não pôde simplesmente ser representada pelo nosso modelo linguístico de meras representações. Dessa forma, chegamos a algumas conclusões sobre: Clique nos botões para ver as informações. Na ciência nova, há claramente uma ruptura com o modelo representacionista de linguagem observado nos escritos de Platão e Aristóteles e no pensamento de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino; Ruptura com o modelo representacionista de linguagem Consequentemente, nasce na �loso�a viquiana (de Vico) o protótipo de uma teoria da práxis em relação à linguagem: os atos de nomeação não são frutos da razão e de um raciocínio que leva em consideração a essência da coisa nomeada. Pelo contrário: Vico a�rma que o homem, não conhecendo as coisas, consegue, mesmo assim, se projetar em todas elas, nomeando-as; Protótipo de uma teoria da práxis em relação à linguagem É na obra A ciência nova que surge precisamente a concepção de metáfora como elemento fundante da linguagem, noção oposta àquela vista nas aulas anteriores deste curso, quando ela foi concebida como elemento fundado por um sentido literal, primeiro e original; Metáfora como elemento fundado por um sentido literal, primeiro e original As três eras da história humana explicam que a linguagem possui uma primeiridade poética. Já a linguagem racional é natural apenas na última fase da história humana. Primeiridade poética da linguagem e linguagem racional Atividade 1. Pode-se a�rmar o seguinte em relação às teorias presentes nos estudos de Vico sobre a linguagem: a) Há similaridade teórica com a filosofia da Antiguidade
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