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Manejo odontológico do paciente portador de diabetes mellitus: Revisão da Literatura Carmem Eduarda Rohr Flores 1. INTRODUÇÃO O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença metabólica que se particulariza pela hiperglicemia e possui como principais sinais a poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). Essa patologia pode apresentar na cavidade oral suas primeiras manifestações, predispondo o paciente a várias alterações bucais. Considerando a alta prevalência do diabetes mellitus associado a manifestações na boca, bem como a necessidade do conhecimento do cirurgião- dentista acerca dessa doença, é necessário discutir acerca da importância do manejo clínico adequado dos pacientes acometidos pelo DM que a intervenção dos procedimentos odontológicos seja segura, além da possível detecção de casos não diagnosticados de diabetes. 2. REVISÃO DA LITERATURA Diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizado por hiperglicemia resultante de defeitos na secreção de insulina, ação da insulina ou ambos (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). É uma síndrome caracterizada por anormalidades no metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas que resulta de uma deficiência profunda ou absoluta de insulina (tipo 1) ou da resistência do tecido alvo aos seus efeitos metabólicos celulares (tipo 2) (VERNILLO, 2003). Outras formas menos comuns são os diabetes gestacionais, diabetes associados a medicamentos (corticoides), doenças do pâncreas (fibrose cística), infecções (rubéola congênita) e síndromes genéticas (ALVES et al., 2006). O DM não tem cura, mas possui controle através de abordagem terapêutica com regulação da dieta, atividade física, educação em saúde, apoio psicossocial e medicamentos para controle da hiperglicemia (ALVES et al., 2006). Os pacientes portadores do diabetes tipo 1 são propensos à cetoacidose, uma complicação metabólica aguda e potencialmente fatal, e são completamente dependentes de insulina exógena para manter a vida. Por outro lado, os pacientes diabéticos tipo 2 não são propensos a cetoacidose em condições basais e não possuem dependência completa de insulina exógena para manter a vida (VERNILLO, 2003). As complicações metabólicas crônicas geralmente são mais graves na pessoa com diabetes tipo 1 e incluem maior susceptibilidade a infecções e cura retardada, retinopatia, nefropatia, hipertensão, hiperlipidemia, cardiopatia aterosclerótica, doença vascular periférica e doença cerebrovascular (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). O desenvolvimento das lesões secundárias no paciente diabético está relacionado em grande parte à gravidade e à duração da hiperglicemia (VERNILLO, 2003). Os critérios para o diagnóstico do diabetes incluem sintomas de hiperglicemia associados a um aumento de glicose, onde no exame de glicose em jejum valores maiores ou iguais a 126 mg/dl indica diabetes; no exame de glicose pós-prandial de 2 horas ou na glicemia ao acaso, os valores são maiores ou iguais a 200 mg/dl; na hemoglobina glicada valor maior ou igual a 6,5% indica o diagnóstico (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2012). 2.1. Manifestações bucais A predisposição a infecções secundárias e oportunistas, de origem bacteriana, fúngica ou viral, associadas a dificuldades no processo cicatricial, favorecem a manutenção das lesões bucais, dando um curso arrastado as mesmas na resolução do quadro apresentado (TOMMASI, 2014). Os achados bucais parecem estar relacionados ao tipo de diabete, histórico de tabagismo do paciente e pobre controle da evolução clínica (paciente descompensado) (TOMMASI, 2014). As manifestações observadas no paciente com DM, embora não específicas dessa doença, têm sua incidência ou progressão favorecida pelo descontrole glicêmico (ALVES et al., 2006). Os distúrbios da cavidade bucal mais frequentes nos diabéticos são: xerostomia, hiposalivação, síndrome de ardência bucal, glossodinia, distúrbios da gustação, infecções, ulcerações na mucosa bucal, hipocalcificação do esmalte, perda precoce de dentes, dificuldade de cicatrização, doença periodontal, hálito cetônico e líquen plano. Além disso, os diabéticos estão mais propensos a desenvolver infecções e abcessos na cavidade bucal, o que pode agravar o controle metabólico (VERNILLO, 2003). A doença periodontal possui maior risco de desenvolvimento em pacientes com diabetes mellitus mal controlados, a qual inicia com gengivite e progride para doença periodontal (VERNILLO, 2003). Com base nisso, a susceptibilidade e a progressão da doença periodontal, no paciente diabético, está associada ao descontrole metabólico, à presença de complicações, ao espessamento dos vasos sanguíneos, à redução da quimiotaxia dos neutrófilos, à glicosilação de proteínas estruturais, formação de produtos avançados de glicosilação (AGEs), função reduzida dos fibroblastos e alterações genéticas, como herança de determinados antígenos de histocompatibilidade (ALVES et al., 2006). A terapia periodontal preventiva deve ser incluída no cuidado integral do paciente com diabetes, qual inclui uma avaliação inicial do risco de progressão da doença oral, instrução explícita de higiene oral, avaliação e instrução dietética, exames dentários periódicos frequentes e profilaxia (VERNILLO, 2003). 3. DISCUSSÃO 3.1. Assistência odontológica: Para minimizar o risco de uma emergência o cirurgião dentista precisa considerar uma série de questões de gerenciamento antes de iniciar o tratamento odontológico, tendo em vista que além de manter um manejo adequado das condições bucais desse paciente deve-se manter os níveis de glicose próximos ao normal (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Considerando que em muitos casos o tratamento do problema dentário é a única maneira de restaurar o controle metabólico (TERRA, 2011). 3.1.1. Antes do tratamento odontológico A assistência odontológica deve iniciar através da obtenção de uma boa anamnese e avaliação do controle glicêmico na consulta inicial. O cirurgião dentista deve questionar os pacientes sobre os níveis recentes de glicose no sangue e a frequência dos episódios de hipoglicemia (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Uma compreensão completa de seu tratamento médico deve ser estabelecida, incluindo medicamentos, regime e o grau de controle glicêmico, bem como quaisquer complicações sistêmicas resultantes do diabetes. No caso de complicações sistêmicas de diabetes mellitus (por exemplo, hipertensão, doença cardiovascular, retinopatia, insuficiência ou insuficiência renal), o dentista deve consultar o médico do paciente para discutir quaisquer modificações no plano de tratamento odontológico, particularmente quando procedimentos cirúrgicos são previstos (VERNILLO, 2003). Nos casos ainda não diagnosticados, o cirurgião dentista deve estar atento a possíveis sinais e sintomas como perda de peso e polifagia, que são sugestivos de diabetes tipo 1, ou ainda hipertensão e obesidade, os quais sugerem diabetes tipo 2 (ALVES et al., 2006), deve ser realizado o encaminhamento a um médico para o diagnóstico completo e tratamento adequado (VERNILLO, 2003). O horário das consultas deve ser adequado a particularidade de cada paciente, onde em geral, as consultas matinais são aconselháveis, uma vez que os níveis de cortisol endógeno, que eleva os níveis de açúcar no sangue, são geralmente maiores neste período. No caso de pacientes em uso de insulinoterapia, as consultas devem ser agendadas de forma que não coincidam com picos de atividade insulínica, pois é o período de risco máximo de desenvolver hipoglicemia (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). É importante para os médicos garantirem que o paciente comeu normalmente e tomou medicamentos como de costume. Se o paciente pular o café da manhã devido à consulta odontológica, mas ainda tomar a dose normal de insulina, o risco de um episódio de hipoglicemia é aumentado. Se é provável que uma consulta ocasione atraso ou perda de refeição, o regime para diabetesdeve ser modificado com ajuda do médico responsável (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Logo no início do tratamento devem ser solicitados exames laboratoriais como, o hemograma completo, o nível de glicemia em jejum e coagulograma, visto que mesmo que os pacientes fazem uso correto do medicamento e possuem dieta equilibrada, focos de infecção oral podem estar presentes. Além disso, é importante a realização do radiográfico panorâmico anualmente para a detecção desses focos infecciosos, bem como radiografias periapicais quando se suspeitar de lesões e infecção (NETO et al, 2012). Dependendo do histórico médico do paciente, do regime de medicação e do procedimento a ser realizado (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001), a glicemia deve ser avaliada antes do início do procedimento, para identificar e tratar uma possível hipoglicemia ou hiperglicemia (ALVES, 2006). 3.1.2. Durante o tratamento odontológico Os pacientes compensados não necessitam de tratamento odontológico diferenciado e os pacientes descompensados não devem ser submetidos a tratamento odontológico eletivo e devem ser tratados de acordo com as limitações que apresentem, sempre com assessoria do médico responsável (VERNILLO, 2003). Deve-se evitar o uso de vasoconstritores derivados de epinefrina em pacientes diabéticos descompensados ou instáveis, pois a epinefrina apresenta efeito oposto a insulina e deve-se optar pelo uso de anestésicos com felipressina (VARELLIS, 2005). A complicação mais comum de ocorrer no consultório odontológico é um episódio de hipoglicemia, que ocorre se os níveis de insulina ou de medicamentos antidiabéticos orais excederem as necessidades fisiológicas e o paciente pode ter uma queda severa em seu nível de açúcar no sangue, possuindo o maior risco durante o pico da atividade da insulina (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Os principais sinais e sintomas incluem tremores, ansiedade, palpitações, transpiração, fome, taquicardia, consciência alterada e coma (KIDAMBI e PATEL, 2008). Os níveis glicêmicos, durante a crise, encontram-se menores que 70 mg/dL (ALVES et al., 2008). Todo consultório odontológico deve ter um protocolo para tratamento da hipoglicemia em pacientes conscientes e inconscientes (KIDAMBI e PATEL, 2008). Se o médico suspeitar que o paciente está passando por um episódio de hipoglicemia, ele deve encerrar o tratamento odontológico e administrar imediatamente 15 gramas de um carboidrato oral de ação rápida, como comprimidos de glicose ou gel, açúcar, doces, refrigerantes ou suco, visto que os medicamentos antidiabéticos previnem a hidrólise da sacarose em frutose e glicose e, por esse motivo, um episódio de hipoglicemia em um paciente em uso desses medicamentos deve ser tratado com uma fonte direta de glicose (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Em seguida, deve-se monitorar a glicemia capilar a cada 15 minutos, até a sua normalização (ALVES et al., 2006), e se não responder uma nova dose pode ser administrada em intervalos de 10 a 15 minutos (NETO et al, 2012). No caso de o paciente estar inconsciente não se deve forçar a ingestão oral (NETO et al, 2012), sendo possível a administração da glicose através da aplicação de uma pequena quantidade de açúcar na bochecha (ALVES et al., 2006). O tratamento ideal para esses casos é a administração de 30 a 50 mL de glicose a 10% por via endovenosa (ALVES et al., 2006) e notificação do médico responsável (KIDAMBI e PATEL, 2008). O risco de uma crise hiperglicêmica é menor do que o de uma crise hipoglicêmica em um ambiente de prática odontológica, mas em casos em que ocorre, o manejo definitivo requer intervenção médica e administração de insulina (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Quando casos de hiperglicemia estarem presentes o tratamento odontológico deve ser interrompido, deve-se deixar o paciente confortável, monitorar as vias aéreas, aferir PA e pulso (NETO et al, 2012), em que nos casos leves, o paciente pode realizar os ajustes de doses orientados por seu médico para esses episódios e na hiperglicemia grave, o paciente precisa de encaminhamento para uma Unidade de Emergência (ALVES et al, 2006). 3.1.3. Após o tratamento odontológico Pacientes com DM mal controlado têm maior risco de desenvolver infecções e podem apresentar cicatrização retardada, onde a infecção aguda pode afetar adversamente a resistência à insulina e o controle glicêmico, o que, por sua vez, pode afetar ainda mais a capacidade de cura do corpo. Portanto, a cobertura de antibióticos pode ser necessária para pacientes com infecções orais evidentes ou para aqueles submetidos a procedimentos cirúrgicos extensos (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). Nesse sentido, em relação aos medicamentos é importante ressaltar que precisa ter cuidado no uso da dipirona, visto que é um discreto hiperglicemiante, além de ser evitado o uso do ácido acetilsalicílico (AAS), pois pode sinergir com a insulina e provocar choque hipoglicêmico (VARELLIS, 2005). Ademais, antibióticos sob forma de suspensão bucal que possuem glicose na composição não podem ser prescritos, porque podem agravar a hiperglicemia (ALVES et al., 2006). Se o dentista antecipar que a ingestão dietética de costume será afetada após o tratamento, o paciente necessita consultar com o médico para que as doses de insulina ou de medicamentos antidiabéticos orais sejam ajustadas para sua melhor recuperação (LALLA e D’ÁMBROSIO, 2001). 4. CONCLUSÃO Todos os artigos que correlacionam o manejo clinico odontológico com o Diabetes Mellitus relatam a importância do conhecimento do cirurgião-dentista sobre a doença, de modo que seja oferecido o melhor tratamento a esses pacientes. Tendo em vista que a cavidade bucal pode ser o primeiro local a ter manifestação do diabetes, cabe ao cirurgião dentista reconhecer possíveis sintomas, realizar o encaminhamento ao médico e participar do tratamento como parte de uma equipe multidisciplinar, visto que a equipe odontológica pode melhorar o controle metabólico do diabetes, promovendo uma saúde bucal ideal. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES C, BRANDÃO M, ANDION J, MENEZES R, CARVALHO F. Atendimento odontológico do paciente com diabetes melito: recomendações para a prática clínica. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador-Ba. 5(2):97-110, 2006. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION (ADA). Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care, January 2012; 35(1):64-71. KIDAMBI S, PATEL SB. Diabetes Mellitus: Considerations for Dentistry. JADA American Dental Association, 2008;139(1):8s-18s. LALLA R, D’ÁMBROSIO J. Dental management considerations for the patient with diabetes mellitus. JADA American Dental Association, v. 132; p.1425-32, 2001. NETO, J. N. C. et al. O paciente diabético e suas implicações para conduta odontológica. Revista Dentistica online. n. 23, p. 11-18, 2012. TERRA, B. G.; GOULART, R. R.; BAVARESCO, C. S. O cuidado odontológico do paciente portador de diabetes mellitus tipo 1 e 2 na Atenção Primária à Saúde. Revista APS, v.14, n.2, p.149-161, abr./jun., 2011. TOMMASI, Maria Helena. Diagnóstico em patologia bucal. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. VARELLIS MLZ. O paciente com necessidades especiais na odontologia: manual prático. 1ª ed. São Paulo: Editora Santos; 2005. VERNILLO, A.T. Dental considerations for the treatment of patients with diabetes mellitus. JADA American Dental Association, Chicago, v.134, p.24S-33S, 2003.
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