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Coma e rebaixamento do nível de consciência - Medicina de Emergência

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Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
COMA E REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE 
CONSCIÊNCIA 
 
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA 
Dois componentes da consciência devem ser analisados: 
 O nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo): depende de projeções 
para todo o córtex oriundas da formação reticular ativadora ascendente 
(FRAA), situada na porção posterior da transição pontomesencefálica. 
 O conteúdo: relaciona-se à função do córtex cerebral, as chamadas funções 
nervosas superiores, sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas. 
Utilizando-se a tenda do cerebelo como um divisor anatômico, podem-se encontrar 
alterações de consciência em: 
 Coma de causa estrutural (ou encefalopatias focais): 
Infratentoriais, que acometem diretamente a FRAA. 
Supratentoriais. 
 Coma por encefalopatias difusas e/ou multifocais. 
As encefalopatias difusas geralmente são causadas por doenças clínicas, como 
transtornos metabólicos e intoxicações agudas. Já nas encefalopatias focais (quer 
supra, quer infratentoriais), uma doença intracraniana é encontrada na maior parte 
das vezes. 
Causas de rebaixamento do nível de consciência e coma: 
Grupos ou 
condições 
Etiologias 
Trauma 
cranioencefálico 
Lesão penetrante 
Contusão cerebral e/ou hemorragia intracerebral e/ou 
hemorragia subaracnóidea 
Hematoma epidural e/ou hematoma subdural 
Lesão axonal difusa com edema cerebral 
Vasculares ou 
estruturais 
AVC isquêmico: de tronco, cerebelo ou hemisférico 
AVC hemorrágico: de tronco, cerebelo ou supratentorial 
extenso 
Hemorragia subaracnóidea 
Hematoma subdural ou epidural espontâneo (sem trauma 
conhecido) 
Hidrocefalia aguda 
Trombose de seio venoso cerebral (trombose venosa central) 
Tumores supratentoriais com desvio de linha média 
Tumores de fossa posterior 
Infecções Sepse e choque séptico 
Meningites 
Encefalites 
Abscessos cerebrais ou empiema 
Malária cerebral 
Infecções com acometimento de tronco cerebral 
Trombose séptica de seio venoso cerebral 
Epiléptica Estado epiléptico clássico (convulsivo) 
Estado epiléptico não convulsivo 
Metabólicas, 
endócrinas ou 
sistêmicas 
Choque de qualquer etiologia 
Hipoglicemia ou hiperglicemia 
Hipoxemia e/ou hipercapnia 
Uremia 
Apoplexia hipofisária 
Formas graves de hipotireoidismo ou hipertireoidismo 
Encefalopatia hepática 
Hipercalcemia 
Hiponatremia ou hipernatremia 
Insuficiência adrenal aguda (crise addisoniana) 
Encefalopatia hipertensiva 
Eclâmpsia 
Púrpura trombocitopênica trombótica 
Porfiria 
Intoxicações 
agudas 
Álcoois tóxicos: metanol, etilenoglicol e paraldeído 
Anticolinérgicos 
Anticonvulsivantes 
Antidepressivos tricíclicos, serotoninérgicos ou inibidores da 
MAO 
Anti-histamínicos 
Antipsicóticos 
Benzodiazepínicos, barbitúricos e drogas sedativas 
Cianeto 
Cocaína, anfetaminas e derivados; LSD 
Etanol 
Lítio 
Monóxido de carbono 
Opioides: morfina, heroína 
Organofosforados e carbamatos 
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Salicilatos 
Teofilina e aminofilina 
Outras Vasculites do SNC 
Encefalomielite disseminada aguda 
Hipotermia 
Síndromes hipertérmicas 
As situações neurológicas em que são observadas alterações dos estados de 
consciência são: 
Alterações de nível de consciência: 
 Coma. 
 Estado vegetativo persistente. 
 Estado mínimo de consciência. 
 Estados confusionais agudos. 
 Morte encefálica. 
Falsas alterações de nível de consciência: 
 Retirada psíquica. 
 Estado deseferentado ou locked-in syndrome. 
 Catatonia. 
 
ACHADOS CLÍNICOS 
 Exame inicial: 
Sinais de trauma 
 A inspeção do crânio pode mostrar sinais de fratura da base de crânio, que 
podem incluir: 
Equimose periorbital. 
Edema e descoloramento da mastoide atrás da orelha. 
Hemotímpano. 
Perda de liquor cefalorraquidiano pelo nariz (rinorreia) ou ouvido (otorreia). 
A rinorreia causada por perda de liquor pode ser confirmada pela presença 
de β-2 transferrina (ausente nas outras causas de rinorreia. A palpação do 
crânio pode mostrar tecidos edemaciados ou mesmo depressão do crânio 
por fraturas. 
Pressão arterial: 
 Pode estar normal, baixa ou alta (p. ex., acidente vascular cerebral 
hemorrágico). Na encefalopatia hipertensiva, o paciente tem hipertensão de 
longa data e frequentemente se apresenta com valores pressóricos acima de 
250 × 150 mmHg. Entretanto, nos casos de evolução mais aguda (ex na lesão 
renal aguda, eclâmpsia), os valores pressóricos não costumam ser tão altos, 
dificultando a diferenciação. Níveis elevados de PA são sugestivos de causa 
neurológica do rebaixamento do nível de consciência. 
Temperatura: 
 O paciente comatoso pode apresentar temperatura normal, baixa ou alta. 
Coma com hipotermia: pode ocorrer nas intoxicações agudas (etanol, drogas 
sedativas, hipoglicemia, encefalopatia hepática e mixedema). 
Coma com hipertermia: infecções, estado epiléptico, hipertermia maligna, 
intermação (heat stroke), hemorragia pontina, lesões hipotalâmicas e 
intoxicações agudas (p. ex., anticolinérgicos). 
 
 Exame neurológico: 
Após a estabilização clínica do paciente, deve-se fazer uma avaliação neurológica 
com a finalidade de checar em qual subgrupo clínico descrito ele se enquadra, pois 
esse é o primeiro passo para estabelecer um diagnóstico etiológico. Para fins 
práticos, esse exame neurológico pode ser dividido em: 
1. Nível de consciência. 
2. Pupilas e fundo de olho. 
3. Motricidade ocular extrínseca. 
4. Padrão respiratório. 
5. Padrão motor. 
6. Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness Score). 
Estabilização inicial do paciente com rebaixamento agudo do nível de consciência: 
ABCD primário e secundário são prioritários; garantir a patência das vias aéreas, 
oxigenação adequada e estabilidade hemodinâmica é fundamental 
Realizar a glicemia imediatamente: 100 mL IV de G50% se hipoglicemia + tiamina 
IV (300 mg), se indicada 
Administração de tiamina mesmo se normoglicêmico, nas seguintes situações: 
etilistas crônicos, desnutridos, indivíduos com dieta parenteral, indivíduos pós-
cirurgia bariátrica, portadores de doenças gástricas, indivíduos com vômitos 
incoercíveis (incluindo hiperêmese gravídica), indivíduos com transtornos 
alimentares como anorexia nervosa 
MOV: monitorização (PA não invasiva, oxímetro, cardioscópio), oxigênio e acesso 
venoso com coleta de exames laboratoriais; realizar exames POC na sala de 
emergência 
Considere administrar naloxona (opioide) ou flumazenil (benzodiazepínico), se 
indício de intoxicação 
IOT de rápida sequência se não houver uma causa reversível para o coma (p. ex., 
hipoglicemia, intoxicação por opioide ou benzodiazepínico, estado pós-ictal etc.) 
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Iniciar medidas clínicas imediatamente se achados de hipertensão intracraniana 
(anisocoria, papiledema e ultrassom POC com nervo óptico > 5 mm etc.) 
Se história compatível com meningite, prescrever corticoide e antibióticos 
imediatamente (não esperar pela TC ou punção lombar) 
Se trauma ou achados clínicos sugestivos de doença vascular ou estrutural, 
realizar TC imediatamente após a estabilização clínica (ex., intubação, volume....) 
Se crises epilépticas precedendo o rebaixamento do nível de consciência ou 
presença de movimentos involuntários (mesmo que sutis), suspeitar de estado de 
mal não convulsivo e considerar a prescrição de fenitoína endovenosa 
 
Nível de consciência: 
 A situação que caracteristicamente traduz uma falência dos mecanismos de 
manutenção da consciência é o coma. Essa situação pode ser definida como 
o estado em que o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e 
do ambiente, com ausência ou extrema diminuição do alerta 
comportamental (nível de consciência), permanecendo não responsivo aos 
estímulos internos e externos e com os olhos fechados. Sua causa é lesão ou 
disfunção da FRAA, do córtex cerebral difusamente ou de ambos. Nota-se 
que, embora lesões isoladas focais supratentoriais possam comprometer o 
nível de consciência, elas são insuficientes para levar ao coma, amenos que 
levem à compressão de estruturas no hemisfério contralateral ou no 
compartimento infratentorial, como ocorre, respectivamente, nas hérnias 
subfalcinas e transtentoriais. 
 Escala de coma de Glasgow: 
Parâmetro Resposta observada Escore 
Abertura ocular Abertura espontânea 
Estímulos verbais 
Estímulos dolorosos 
4 
3 
2 
Melhor resposta verbal Orientado 
Confuso 
Palavras inapropriadas 
Sons ininteligíveis 
Ausente 
5 
4 
3 
2 
1 
Melhor resposta motora Obedece a comandos verbais 
Localiza estímulos 
Retirada inespecífica 
Padrão flexor 
Padrão extensor 
Ausente 
6 
5 
4 
3 
2 
1 
 Recentemente, foi proposta uma modificação da escala de coma de 
Glasgow, incluindo o exame das pupilas (ECG-P), pois alterações pupilares 
são indicativas de gravidade em coma de causa estrutural. Calcula-se a 
pontuação da ECG-P subtraindo-se o escore de reatividade pupilar (ERP) da 
escala de Glasgow (ECG-P = ECG – ERP). As pontuações do escore de 
reatividade pupilar são: 2 (quando ambas as pupilas são arreativas), 1 (no 
caso de apenas uma pupila reativa) ou 0 (se as duas pupilas são reativas). 
Assim, escore total da ECG-P pode variar de 1 a 15. O uso do ECG-P em um 
estudo em pacientes com trauma demonstrou estratificar melhor pacientes 
com escores baixos no ECG. 
 
Pupilas e fundo de olho: 
 Algumas dicas são importantes na avaliação dos diversos tipos patológicos 
de pupilas: 
 Via simpática: o primeiro neurônio da via simpática se origina no hipotálamo 
(diencéfalo) e se dirige caudalmente passando por todo o tronco encefálico 
(mesencéfalo, ponte e bulbo), avançando pela medula cervical e fazendo a 
primeira sinapse da via na coluna intermédia lateral da medula 
cervicotorácica. De lá parte o segundo neurônio, que forma o plexo 
simpático paravertebral e faz sinapse no gânglio cervical superior. O terceiro 
neurônio da via envolve a carótida, com quem retorna para dentro do crânio 
e parte em direção à órbita com o primeiro ramo do nervo trigêmeo. 
 Anatomia do reflexo fotomotor: o estímulo visual é captado pelo II nervo 
(óptico) e conduzido ao córtex occipital. Algumas fibras, contudo, não fazem 
sinapse no corpo geniculado lateral (primeira sinapse da via visual) e 
seguem em direção ao mesencéfalo, onde fazem sinapse nos chamados 
núcleos pré-tectais, localizados na altura dos colículos superiores no tecto 
mesencefálico. Desses núcleos partem interneurônios que ipsi e 
contralateralmente vão fazer sinapse no núcleo parassimpático do nervo 
oculomotor, o chamado núcleo de Edinger-Westphal. O cruzamento da linha 
média realizado pelos axônios desses interneurônios para alcançar o núcleo 
de Edinger-Westphal contralateral forma a comissura posterior, que é o 
substrato anatômico para termos reação pupilar de miose contralateral ao 
olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor consensual). Do núcleo de 
Edinger-Westphal partem fibras que compõem o III nervo craniano junto 
com as fibras envolvidas na motricidade ocular extrínseca. As fibras 
parassimpáticas atingem então os gânglios ciliares, de onde partem fibras 
em direção à pupila. Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via 
aferente (II nervo craniano), uma integração (mesencefálica) e uma via 
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eferente (III nervo craniano). A integridade desse reflexo denota integridade 
das estruturas anatômicas que o compõem. É importante lembrar que, em 
uma análise do III nervo craniano, as fibras parassimpáticas são mais 
externas e, portanto, mais suscetíveis à compressão extrínseca que as fibras 
da motricidade ocular extrínseca, que, nessa situação, costumam ser 
afetadas posteriormente. 
 Na semiologia das pupilas, observa-se o diâmetro das pupilas e verifica-se 
sua simetria ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os reflexos 
fotomotor direto e consensual. Como as vias simpática e parassimpática têm 
um longo trajeto através do sistema nervoso central (SNC) e periférico 
(SNP), no coma, em que há disfunções em vários pontos, pode-se verificar o 
aparecimento de diversos tipos de pupilas, que têm forte significado 
localizatório. Outro reflexo que pode ser testado é o reflexo cilioespinal, que 
consiste em provocar uma miose em resposta a um estímulo doloroso na 
face ou no pescoço. A aferência é o nervo trigêmeo ou uma raiz cervical, o 
centro de integração é no bulbo dorsolateral e a eferência são as fibras 
simpáticas descendentes. A resposta esperada é uma dilatação pupilar de 1 
a 2 mm bilateralmente, sendo útil para se avaliar a integridade da porção 
inferior do tronco quando há acometimento do mesencéfalo. Um dado 
importante é que o reflexo fotomotor é extremamente resistente aos 
insultos metabólicos e difusos ao SNC. A alteração das pupilas é forte indício 
de lesão estrutural. Fazem exceção algumas situações: 
 Intoxicação por atropina: pupilas dilatadas e sem reflexo fotomotor. 
 Intoxicação por opiáceos: pupilas intensamente mióticas com 
reflexo fotomotor presente. 
 Intoxicação barbitúrica grave: pupilas fixas. 
 Hipotermia: pode transcorrer com pupilas fixas. 
 Encefalopatia anóxica: pupilas midriáticas e fixas. 
 Nas encefalopatias difusas ou multifocais, as pupilas em geral são normais, 
salvo as exceções discriminadas anteriormente. Lesões acometendo o 
diencéfalo ou a ponte comprometem a via simpática preservando a 
parassimpática (que se integra no mesencéfalo) e, portanto, levam à miose 
com reflexo fotomotor preservado. Lesões mesencefálicas comprometem 
tanto o sistema nervoso simpático quanto o parassimpático, e geralmente 
levam a pupilas médias e fixas. 
 Principais tipos de pupila: 
1. Pupilas mióticas com reflexo fotomotor presente: esse tipo de pupila é 
encontrado em duas situações: 
 Encefalopatia metabólica. 
 Disfunção diencefálica bilateral, na qual hipofunção simpática leva a 
predomínio parassimpático. 
Nas encefalopatias metabólicas, até em estágios profundos do coma, são 
mantidas as reações pupilares, o que não ocorre nos danos estruturais ao 
SNC. Esse tipo de pupila pode ocorrer também no idoso e no sono normal. 
2. Pupila da síndrome de Claude-Bernard-Horner: existe anisocoria à custa 
de miose ipsilateral à lesão da via simpática. O reflexo fotomotor é 
preservado. Deve ser observado que algumas pessoas podem ter 
constitucionalmente anisocoria. 
3. Pupilas médias e fixas: são pupilas de 4-5 mm de diâmetro, com reflexo 
fotomotor comprometido. Ocorrem em lesões da porção ventral do 
mesencéfalo, comprometendo tanto o simpático como o parassimpático. 
Costuma ser o padrão pupilar observado em pacientes com morte 
encefálica. 
4. Pupila tectal: são pupilas levemente dilatadas (5-6 mm de diâmetro), com 
reflexo fotomotor negativo, porém apresentando flutuações em seu 
diâmetro (hippus) e dilatando-se na pesquisa do reflexo cilioespinal 
(dilatação das pupilas aos estímulos dolorosos). Esse padrão pupilar ocorre 
em lesões da região do tecto mesencefálico. 
5. Pupilas pontinas: são pupilas extremamente mióticas, que retêm o reflexo 
fotomotor (embora possa haver necessidade de lente de aumento para sua 
observação). Esse tipo é encontrado quando há lesões na ponte (geralmente 
hemorragia pontina). 
6. Pupila uncal ou do III nervo craniano (oculomotor): pupila extremamente 
midriática com reflexo fotomotor negativo. É chamada uncal, pois 
geralmente ocorre na herniação transtentorial lateral, quando o uncus do 
lobo temporal, insinuando-se entre a tenda do cerebelo e o mesencéfalo, 
encontra como primeira estrutura o nervo oculomotor. Pupilas dilatadas 
bilateralmente indicam herniação bilateral ou encefalopatia anóxica. Outra 
situação importante é o aneurisma da artéria comunicante posterior. 
Pacientes com quadro clínico compatível com hemorragia subaracnóidea e 
paralisia do III nervo craniano, com comprometimento de sua porção 
parassimpática, geralmente albergam aneurismas dessa artéria. Isso ocorre 
em razão da proximidade anatômica entre as duas estruturas. O achado de 
anisocoria, com reflexo fotomotornegativo, na ausência de alteração 
motora contralateral ou transtorno de consciência, deve ter como 
diagnóstico diferencial a possibilidade do uso de midriático ou doença 
ocular, como uveíte ou trauma oftalmológico. 
 
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Motricidade ocular extrínseca (MOE) 
 Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular são o III, o IV e o VI. 
Os núcleos do III e VI nervos cranianos estão localizados respectivamente no 
mesencéfalo e na ponte e são integrados por fibras do chamado fascículo 
longitudinal medial. A análise adequada da motricidade ocular extrínseca 
horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência, 
pois, como sua integração se dá no mesmo sítio anatômico em que se 
localiza a FRAA, inferências na integridade dessa estrutura podem ser feitas. 
Pode-se mesmo propor um diagnóstico diferencial da alteração de 
consciência com base nos achados de motricidade ocular. A “maquinaria 
anatômica” necessária para a realização do movimento conjugado 
horizontal dos olhos está toda presente no tronco encefálico, integrando 
ponte e mesencéfalo. 
 Do núcleo do VI nervo craniano (na ponte) partem fibras que vão compor o 
nervo abducente, responsável pela abdução do olho ipsilateral. Além disso, 
partem desse mesmo núcleo fibras que cruzam a linha média e fletem-se 
cranialmente em direção ao subnúcleo para o reto medial (do III nervo). 
Diversas estruturas têm aferência sobre essa via, o que, em outras palavras, 
implica que o movimento horizontal dos olhos pode ser obtido de diversas 
maneiras, gerando diferentes tipos de movimento que podem ser 
experimentados. 
 
 Existem duas formas de realizar o movimento conjugado horizontal dos 
olhos de forma voluntária. A primeira é seguir um objeto em movimento 
sem mover a cabeça. Nessa situação, a ordem para o movimento parte do 
córtex parieto-occipital, gerando o chamado movimento de seguimento. A 
segunda forma é gerar voluntariamente um movimento ocular para o lado, 
independente de qualquer estímulo visual. Esse movimento é chamado de 
sacada (ou movimento sacádico) e se origina no córtex pré-frontal (área 8 de 
Brodmann). Nesse caso, a ordem que parte da área 8 de Brodmann passa 
pelo centro do olhar conjugado horizontal, situado junto ao núcleo do VI 
nervo, chamado de FRPP (formação reticular paramediana pontina). Para 
gerar uma sacada para a esquerda, a FRPP desse lado é estimulada pela área 
8 de Brodmann direita. Nota-se, assim, que lesões que comprometam a via 
até o FRPP (inclusive) geram desvios conjugados do olhar horizontal, ao 
passo que lesões desse ponto em diante (vias intratronco ou nervos 
cranianos) geram olhar desconjugado. 
 Existem duas síndromes relacionadas à lesão associada da via piramidal (e, 
portanto, hemiparesia contralateral à lesão) e desvios conjugados do olhar 
horizontal: 
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 Lesão do FRPP + trato piramidal contíguo: a lesão do FRPP de um 
lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão e a lesão 
piramidal leva à hemiparesia contralateral. Essa é a chamada 
síndrome de Foville inferior (p. ex., hemiparesia direita com desvio 
do olhar conjugado para a direita). A presença desses achados ao 
exame indica encefalopatia focal infratentorial por lesão pontina. 
 Lesão da área 8 de Brodmann + trato piramidal contíguo: mais 
comum que a lesão anterior. Há lesão associada da área 8 de 
Brodmann (desvio do olhar para o lado da lesão) e lesão piramidal 
contígua com hemiparesia contralateral (p. ex., hemiparesia direita 
com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome 
ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas, e é 
chamada de síndrome de Foville superior. 
 Pacientes com alteração do estado de consciência não colaborarão, 
contudo, para a realização desses movimentos voluntários. Devem, então, 
ser utilizados movimentos reflexos dos olhos. A análise da MOE é feita em 
cinco etapas: 
1. Observação de movimentos oculares espontâneos, desvios conjugados do 
olhar ou desalinhamentos oculares. 
2. Manobra oculocefálica: classicamente, é denominada manobra dos olhos 
de boneca. Para executá-la, realizam-se bruscos movimentos da cabeça para 
o lado direito e esquerdo e posteriormente no sentido de flexão e extensão 
da cabeça sobre o tronco. Em razão das conexões existentes entre 
receptores proprioceptivos cervicais e labirínticos e os núcleos do III e VI 
nervos cranianos, os olhos realizam movimentos em igual direção e 
velocidade, porém em sentido contrário ao movimento da cabeça. Quando 
alterados, sugerem lesão do tronco cerebral. Quando existir suspeita de 
lesão de coluna cervical (notadamente nos traumas), essa manobra não 
deve ser feita, devido ao risco do agravamento de eventual lesão medular 
associada. 
3. Manobra oculovestibular (provas calóricas): água gelada (50 a 100 mL) é 
injetada no conduto auditivo externo de um lado e repetido do outro lado 
após 5 minutos. No indivíduo em coma, com vias intratronco intactas, isso 
provoca desvio dos olhos para o lado estimulado. Lembrar que: 
 A manobra oculovestibular deve ser realizada após otoscopia (para 
excluir lesão timpânica). 
 O paciente deve ser colocado com a cabeça 30° acima da horizontal. 
 Água gelada inibe o labirinto do lado onde foi injetada. Se o sujeito 
estiver vigil, observa-se um nistagmo com a fase rápida na direção 
contrária à qual se injetou a água gelada. Caso o indivíduo esteja em 
coma, não teremos um nistagmo, e sim o desvio tônico e conjugado 
do olhar ipsilateral à orelha “inibida”. 
 Água quente estimula o labirinto do lado da injeção. As respostas 
são opostas à água gelada. Estímulo com água gelada em ambos os 
ouvidos provoca desvio dos olhos para baixo. Estímulo com água 
quente (44°) em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para 
cima. 
4. Reflexo corneopalpebral: produz-se um estímulo na córnea; como 
resposta, há fechamento dos olhos e desvio deles para cima (fenômeno de 
Bell). Esse reflexo permite que se analise nervo trigêmeo (via aferente), 
nervo facial (via eferente) e área tectal, que controla os movimentos 
verticais do olhar. 
5. Observação das pálpebras: a pálpebra, em geral, está fechada nos 
pacientes em coma; como dito anteriormente, coma com olhos abertos 
sugere lesão aguda de ponte, frequentemente de natureza vascular. A 
presença de déficit de fechamento de pálpebras pode sugerir lesão do VII 
nervo craniano. Já a semiptose palpebral sugere lesão simpática e a ptose 
completa, lesão do III nervo. 
 
Padrão respiratório: 
 Inúmeros fatores, como acidose, doenças pulmonares ou mesmo ansiedade 
podem influenciar no padrão respiratório sem que se tenha uma lesão 
neurológica propriamente dita. Assim, na maior parte das vezes, esse é um 
parâmetro pouco útil na avaliação de coma. Entretanto, consiste em uma 
etapa fundamental da estabilização clínica do paciente. 
 
Padrão motor: 
 A via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco 
(bulbo), onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. 
Essa via é frequentemente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso 
central. Por isso, a presença de sinais motores focais sugere doença 
estrutural, com raras exceções (hipoglicemia, encefalopatia hepática, 
encefalopatia urêmica). A avaliação do padrão motor deve ser 
sistematizada: 
1. Observação da movimentação espontânea do paciente. 
2. Pesquisa de reflexos: atenção à simetria, analisando a presença de sinais 
patológicos como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar 
(grasp). 
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3. Pesquisa do tono muscular: pela movimentação e balanço passivos, com 
atenção a hipertonia, hipotonia e paratonia (nesse caso, observamos uma 
resistência à movimentação passiva, que lembra hipertonia plástica, porém 
cuja semiologia lembra mais resistência voluntária, e que desaparece ao 
movimentar-se lentamente o membro). 
4. Observação dos movimentosapresentados pelo paciente à estimulação 
dolorosa (leito ungueal, região supraorbitária, osso esterno). 
Podemos assim observar vários padrões de comportamento motor, que 
sugerem níveis diferentes de lesão: 
 Hemiparesia com comprometimento facial: sugere envolvimento 
hemisférico contralateral. 
 Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia: sugere 
envolvimento hemisférico contralateral com herniação central 
incipiente ou afecção frontal predominante. 
 Sinergismo postural flexor (decorticação): consiste em uma postura 
em que ocorre adução, flexão do cotovelo, do punho e dos dedos no 
membro superior, e hiperextensão, flexão plantar e rotação interna 
do membro inferior. Esse padrão de resposta motora sugere 
disfunção em nível supratentorial. 
 Sinergismo postural extensor (descerebração): consiste em postura 
em que ocorre adução, extensão e hiperpronação do membro 
superior; e extensão e flexão plantar do membro inferior, muitas 
vezes com opistótono e fechamento de mandíbula. Pode ocorrer 
com lesões na altura do tronco encefálico alto. 
 Resposta extensora anormal no membro superior com flacidez ou 
resposta flexora fraca no membro inferior: esse padrão de resposta 
sugere lesão em nível de tegmento pontino. 
 Flacidez e ausência de resposta: sugere lesão peri férica associada, 
ou lesão pontina baixa e bulbar. 
 
Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness Score): 
 A escala de Glasgow foi concebida para avaliar pacientes com lesão cerebral 
traumática, mas é usada mundialmente em pacientes com todas as formas 
de coma. Ela perde o valor discriminativo em pacientes intubados e 
naqueles com pontuação muito baixa na escala, além de não avaliar 
adequadamente a função do tronco cerebral. 
 
 
 
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EXAMES COMPLEMENTARES 
Assim que um paciente com alteração de nível de consciência chega à emergência, 
deve-se imediatamente realizar uma glicemia capilar: se houver hipoglicemia, 
administrar imediatamente 100 mL, IV, de glicose a 50% concomitantemente à 
tiamina (300 mg IV), se indicada. 
De uma forma simplificada, os exames complementares são divididos em: 
1. Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas: nesse caso, 
dependerão muito do contexto clínico e dos achados do exame físico. Um perfil 
básico inclui: hemograma, eletrólitos (inclusive cálcio), gasometria arterial, função 
renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, coagulograma, exame de urina e 
eletrocardiografia. Poderão ser necessários: hemoculturas, exames toxicológicos, 
dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, 
hormônios adrenais etc. 
2. Exames para investigação de causa primariamente neurológica: na maior parte 
das vezes, não são as doenças primárias do SNC as responsáveis pela alteração de 
consciência; é possível, portanto, que em grande parte dos casos não seja necessária 
uma investigação neurológica extensa. Entretanto, é preciso considerar algumas 
diretrizes: 
Pacientes com alterações neurológicas focais devem ser submetidos a exame de 
imagem intracraniano, geralmente tomografia (TC) e, eventualmente, ressonância. 
Em geral, déficits focais se relacionam com causas estruturais, justificando a 
investigação. Todavia, exames de imagem são normais na presença de achados 
localizatórios em algumas condições clínicas, como: Encefalopatias hepática, 
urêmica ou hipertensiva; Grave hipoxemia. 
 Alterações acentuadas de glicemia (hipo ou hiperglicemia) ou de sódio (hipo 
ou hipernatremia). 
 Determinadas intoxicações agudas. 
Diante de um paciente cujas alterações do exame sugiram uma encefalopatia difusa 
ou multifocal, a investigação neurológica está indicada nas situações em que: 
 A história clínica ou dados do exame clínico claramente apontam para uma 
patologia neurológica: trauma de crânio, cefaleia súbita, febre e rigidez de 
nuca etc. 
 Há rebaixamento de nível de consciência e história de imunodepressão, 
neoplasias ou coagulopatias; pacientes nessa condição são considerados de 
alto risco para apresentar patologias intracranianas. Não há uma causa 
clínica que explique o rebaixamento de consciência ou quando essa causa já 
foi corrigida sem a normalização do exame neurológico. 
 Há ausência de história clínica: quando não há dados claros relativos à 
evolução da alteração de consciência, é incorreto apenas inferir etiologias. 
Deve-se, ao contrário, contemplar todas as possibilidades etiológicas 
possíveis. 
Gasometria arterial e etiologias do coma: 
 Alcalose respiratória: Encefalopatia hepática; Intoxicação por salicilato; 
Hiperventilação central 
 Acidose respiratória: Intoxicação aguda por drogas depressoras do SNC, 
como benzodiazepínicos, barbitúricos ou opioides; Doença pulmonar 
obstrutiva crônica avançada; Compressão de tronco cerebral com 
hipoventilação 
 Acidose metabólica: Cetoacidose diabética; Uremia; Acidose lática de 
qualquer causa, inclusive por cianeto e encefalopatia de Wernicke; Choque 
séptico; Intoxicação aguda: metanol, etilenoglicol, paraldeído, salicilato e 
isoniazida 
 
Tomografia e ressonância magnética: 
 A TC de crânio sem contraste é o exame de imagem realizado inicialmente 
por sua maior disponibilidade e rapidez; se necessário, dependendo dos 
achados durante o exame ou pela hipótese diagnóstica, pode-se realizá-la 
com contraste. No paciente em coma, TC pode diagnosticar hemorragia 
subaracnóidea, lesões traumáticas, sangramento do SNC, lesões com efeito 
de massa e hidrocefalia aguda, entre outras. TC multidetector pode não 
demonstrar algumas causas tratáveis de coma. As principais condições são: 
 Oclusão de artéria basilar: há alterações marcantes de 
comprometimento de tronco ao exame neurológico; o diagnóstico é 
feito por imagem vascular: angiografia por tomografia multidetector 
ou por ressonância magnética. 
 Lesão de ponte: cursa com achados de lesão de tronco ao exame 
físico e pode não ser detectada mesmo pela angiotomografia. O 
diagnóstico é feito pela ressonância magnética. 
 Fase precoce do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico de 
tálamo bilateral: também pode não ser detectado pela TC (com ou 
sem contraste); é uma condição muito rara; TC pode mostrar a lesão 
após algumas horas do evento ou ela pode aparecer na ressonância. 
 Trombose de seio venoso cerebral (trombose venosa central): deve 
ser suspeitada nos pacientes com cefaleia aguda, especialmente 
com déficits neurológicos não relacionados a um território arterial. 
Mulheres grávidas e no pós-parto têm particularmente maior risco. 
 Apoplexia hipofisária: hemorragia e necrose aguda de 
macroadenoma hipofisário; deve ser suspeitada no paciente com 
 Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
hipotensão inexplicável, hiponatremia e cefaleia do tipo explosiva 
(thunderclap). A densidade do tumor pode ser semelhante à do 
tecido cerebral e, assim, não ser detectada pela TC. 
 
Punção liquórica: 
 A punção liquórica auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, 
infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central, podendo confirmar 
uma hemorragia subaracnóidea. O emergencista deve sempre incluir 
meningite e/ou encefalite no diagnóstico diferencial. No paciente em coma, 
a rigidez de nuca costuma desaparecer. Por isso, a suspeita deve se dar por 
história de febre e cefaleia de início agudo. Nesses casos, deve-se coletar 
rapidamente hemoculturas (dois pares de sítio diferentes, 
concomitantemente) e prescrever dexametasona com antibióticos IV, sem 
retardo. Imediatamente após estabilizar o paciente, deve-se realizar a TC 
seguida da coleta do liquor, se a TC não mostrar contraindicação. 
 
Eletroencefalograma de urgência: 
 O eletroencefalograma deve ser realizado se um diagnóstico não foi 
encontrado com os exames de imagem e liquor; pode ser indicado mais 
precocemente se houver suspeita de estado epiléptico não convulsivo. Há 
três padrões gerais do eletroencefalograma em pacientes com alterações de 
estado de consciência: Alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral, com ou sem 
ondas trifásicas: esse padrão é inespecífico e indica um sofrimento 
cortical difuso, frequentemente encontrado em doenças 
metabólicas ou outras de acometimento difuso (meningites, pós-
crise epiléptica etc.). 
 Presença de estado epiléptico eletrográfico: esse padrão fecha o 
diagnóstico de estado epiléptico não convulsivo em pacientes com 
alteração de estado de consciência a esclarecer. 
 Eletroencefalograma normal: esse resultado em paciente com 
alteração de estado de consciência descarta alteração orgânica do 
SNC. 
Com relação a pacientes epilépticos, é comum haver alteração de nível de 
consciência após um estado epiléptico clássico (convulsivo). Existem 
algumas possibilidades etiológicas nesses casos e os exames 
complementares descritos anteriormente podem ajudar a diferenciá-las. 
São elas: 
 Encontra-se estado pós-ictal. 
 Houve dano permanente ao córtex em consequência do estado 
epiléptico. 
 Houve lesão estrutural secundária à crise (p. ex., trauma de crânio). 
 Paciente está em estado epiléptico não convulsivo. 
 A mesma etiologia explica o estado epiléptico e o rebaixamento de 
nível de consciência (p. ex., meningoencefalite e hemorragia 
subaracnóidea). 
 O rebaixamento deve-se aos medicamentos utilizados para tratar o 
estado epiléptico. 
 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
1. Pacientes que não têm alteração do nível de consciência: 
 Síndromes de heminegligência. 
 Afasia de Wernicke: situação difícil, pois uma avaliação pouco acurada 
mostra um paciente com discurso fluente, embora desconexo, que não 
entende o que lhe é dito. No entanto, geralmente a atenção é preservada, o 
que pode ser evidenciado pela preservação do contato visual e esforço em 
tentar estabelecer uma comunicação. 
2. Epilepsia: em pós-convulsivos ou em crises parciais complexas. 
3. Depressão grave e transtornos psiquiátricos. 
4. Estado vegetativo persistente: há comprometimento da percepção, com relativa 
ou total preservação da reatividade. É um estado de vigília, sem percepção do 
ambiente. Os olhos do paciente ficam abertos e podem se fechar sob ameaça, mas 
não ficam orientados a um estímulo, embora possam, às vezes, simular seguimento. 
Com relação à parte motora, postura descerebrada pode dar lugar a respostas 
flexoras, porém lentas e distônicas. Um intenso reflexo de preensão (grasp) costuma 
aparecer, assim como mastigação e deglutição. Embora a maioria dos pacientes não 
vocalize, sons ininteligíveis (nunca com significado) podem ser obtidos por estímulos 
dolorosos. Não existem achados laboratoriais, eletroencefalográficos ou radiológicos 
para definir essa síndrome. O diagnóstico é clínico. 
5. Estado mínimo de consciência: comprometimento crônico e grave da consciência, 
mas com algumas evidências comportamentais mínimas e bem definidas de 
autoconsciência ou de uma consciência do ambiente. Pode ser considerada uma 
situação intermediária entre o estado vegetativo e o de plena consciência. O 
diagnóstico é estabelecido a partir de evidências comportamentais de percepção 
e/ou linguagem, seja por respostas verbais ou por respostas motoras não reflexas 
direcionadas a estímulos. Entretanto, essas respostas são tipicamente inconsistentes 
e flutuantes. 
 Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
Causas mais comuns de rebaixamento do nível de consciência em adulto 
(AEIOU-TIPS): 
 A: Álcool/acidose 
 E: Epilepsia/encefalopatia/eletrólitos/endócrino 
 I: Infecção (sepse, meningite) 
 O: Overdose (álcool, medicação)/opioides 
 U: Uremia 
 T: Trauma/toxicidade 
 I: Insulina (diabetes) 
 P: Psicose 
 S: Stroke (AVCi ou AVCh) 
Causas de rebaixamento do nível de consciência e seus achados: 
Causa Achados Tratamento Comentários 
Hipoglicemia Diaforese, bomba 
de insulina 
Glicose 50% 40 mL 
EV 
 
Hiperglicemia Taquipneia, náusea, 
vômitos, dor 
abdominal, 
desidratação 
Cristaloides EV, 
insulina 
 
Sepse Critérios 
SIRS/qSOFA, sinais 
de hipoperfusão, 
delirium 
Cristaloides EV, 
antibiótico dirigido, 
controle do foco 
 
Hiponatremia Confusão de piora 
progressiva, 
cefaleia, anorexia, 
crise convulsiva 
Restrição de água 
livre, solução salina 
hipertônica se 
houver convulsão 
Efeito colateral 
de diversas 
medicações 
Hipercalcemia Letargia, poliúria, 
LRA, constipação 
Cristaloides EV Suspeitar de 
malignidade. É 
causa de 
diabetes 
insípido 
nefrogênico 
Uremia Náusea, vômitos, 
anorexia, fadiga, 
hálito amoníaco 
Tratar 
hipercalemia, 
Hemodiálise 
Procurar 
alterações de 
hipercalemia 
no ECG 
Encefalopatia 
hepática 
Flapping, ascite, 
hálito hepático, 
outros sinais de 
hepatopatia 
Lactulose, 
considerar clister 
via retal 
Deve-se excluir 
sepse, 
sangramento 
gastrointestinal
, PBE 
Crise tireotóxica Febre, taquicardia, 
sudorese, diarreia 
Cristaloides EV, 
considerar 
betabloqueador e 
propiltiouracil 
 
Coma 
mixedematoso 
Lentidão 
psicomotora, ganho 
ponderal, edema, 
depressão, 
constipação 
Hidrocortisona 100 
mg EV, 
Levotiroxina 
 
Encefalopatia de 
Wernicke 
Paralisia do III ou VI 
par craniano, ataxia, 
neuropatia 
periférica 
Reposição de 
tiamina 
Encontrada em 
alcoólatras ou 
desnutrição 
grave 
Hipoglicemiantes Pacientes mais 
idosos com piora da 
função renal; 
overdose intencional 
Glicose 50% 40 mL 
EV 
 
Opioides Bradipneia, miose Naloxona 0,4 mg 
EV 
 
Monóxido de 
carbono 
História de incêndio 
em lugar fechado, 
cefaleia, confusão, 
náuseas 
Oxigênio a 100%, 
considerar câmara 
hiperbárica 
 
Sedativos Álcool, 
benzodiazepínicos 
Suporte 
Anticolinérgicos Hipertermia, 
midríase, retenção 
urinária 
Raramente usa-se 
Piridostigmina 
 
Betabloqueadores Bradicardia, 
hipotensão, 
hipoglicemia, 
convulsão 
Glucagon 5 mg EV, 
atropina 0,5 mg EV, 
considerar marca-
passo e adrenalina 
 
 Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
Síndrome 
neuroléptica 
maligna 
Hipertermia, rigidez 
muscular, delirium, 
instabilidade 
autonômica 
Cristaloides EV, 
benzodiazepínicos, 
resfriamento 
Se grave, 
considerar 
bloqueio 
neuromuscular 
Síndrome 
Serotoninérgica 
Hipertensão, 
taquicardia, 
hiper-reflexia, 
rigidez muscular, 
tremor, náuseas, 
diarreia 
Cristaloides EV, 
conferir 
CK, 
benzodiazepínicos 
 
Hemorragia Cefaleia, 
hipertensão, início 
súbito, déficits 
neurológicos 
TC sem contraste, 
reverter anti 
coagulação (se 
estava em uso) 
Comunicar a 
neurocirurgia 
Isquemia cortical Déficits focais TC sem contraste 
para excluir 
hemorragia, 
consultar 
neurologia, 
considerar 
trombólise 
Conferir as 
contraindicaçõ
es à trombólise 
Isquemia 
cerebelar 
Vertigem súbita, 
náusea, ataxia, 
disartria 
Considerar 
trombólise 
 
 
MORTE ENCEFÁLICA 
Para finalizar, independentemente da etiologia que esteja levando ao 
comprometimento da consciência, o estado neurológico pode deteriorar para uma 
situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas, o que caracteriza a 
morte encefálica (ME). Por determinação legal, deve-se seguir rigorosamente todos 
os critérios, mesmo que haja diferenças em relação às diretrizes internacionais (há 
países que, por exemplo, dispensam o exame complementar). O conceito de ME 
deve se basear em quatro princípios fundamentais: 
 Reconhecimento de uma causa conhecida e irreversível do coma. 
 Demonstração de um coma aperceptivo com ausência de reflexos do tronco 
encefálico. 
 Evidência de falência do centro respiratório a ser constatada por meio do 
teste da apneia. 
 Ausência de perfusão sanguínea e de atividade elétrica ou metabólica 
encefálica a serem constatadas por meio de exames complementares. 
Vale salientar que, na determinação de ME, os seguintes pontos devem ser 
observados: 
 O diagnóstico de ME é independente da condição de o paciente ser doador 
ou não de órgãos, sendo necessária apenas a suspeita clínica para se iniciar 
o protocolo. 
 A resolução do CFM exige um tempo mínimo de observação hospitalar de 
seis horas, excetonos comas por encefalopatia anóxico-isquêmica, onde 
esse tempo de observação deve ser de pelo menos 24 horas. 
Situações que podem simular uma ME devem ser excluídas e, se presentes, 
revertidas: 
 Distúrbio hidroeletrolítico, acidobásico/endócrino e intoxicação exógena 
grave. A hipernatremia grave refratária ao tratamento não contraindica a 
prova de ME, exceto se for a única etiologia possível do coma. 
 Hipotermia (temperatura retal, vesical ou esofagiana < 35°C) deve ser 
corrigida antes de se iniciar a prova de ME. 
 Fármacos sedativos do SNC e bloqueadores neuromusculares, se 
administrados em infusão contínua em pacientes com função renal e 
hepática normais, fazem com que seja necessário aguardar um intervalo 
mínimo de quatro a cinco meias-vidas após sua suspensão. Se insuficiência 
hepática ou renal, hipotermia terapêutica ou suspeita de intoxicação por 
uso em doses maiores que as usuais, deve-se aguardar tempo maior que 
cinco meias-vidas do fármaco. 
O teste clínico deve ser executado por dois médicos em um intervalo, de acordo 
com a faixa etária do paciente. No caso de indivíduos acima de dois anos de idade, 
esse intervalo é de uma hora. 
A atual resolução determina alguns critérios para o estabelecimento dos 
examinadores: ter capacitação e experiência, um deles deve ser especialista em 
neurologia, neurocirurgia, neurologia infantil, medicina intensiva ou medicina de 
emergência e nenhum deles pode fazer parte da equipe de transplante. 
Quando há a presença de alterações anatômicas que impossibilitam a avaliação 
bilateral dos reflexos, sendo possível exame em apenas um dos lados, se constatada 
ausência de reflexos do lado sem alterações, será dado prosseguimento às demais 
etapas para determinação de ME. A causa dessa impossibilidade deverá ser 
registrada em prontuário. 
O teste da apneia deve ser realizado em apenas um dos exames clínicos. 
 Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
Os exames complementares confirmatórios (eletroencefalograma [EEG], Doppler 
transcraniano, angiografia cerebral ou cintilografia cerebral) poderão ser feitos 
mesmo antes do exame clínico. 
A abertura do protocolo (ou seja, a suspeita de ME) deve ser prontamente 
comunicada aos familiares (ou responsáveis legais). 
A suspeita e o diagnóstico de ME devem ser notificados obrigatoriamente às 
centrais de captação e distribuição de órgãos dos estados. Cabe a essas centrais a 
abordagem aos responsáveis sobre a autorização da doação. No caso de negativa ou 
de contraindicação à doação de órgãos, é autorizada a suspensão das medidas de 
suporte avançado de vida, desde que a família já esteja esclarecida quanto ao 
diagnóstico de ME. 
 
Critérios clínicos para o diagnóstico de morte encefálica (ME) definidos pela 
resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM): 
1. Diagnóstico de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar 
a ME 
2. Descarte de situações que simulem morte encefálica 
3. Temperatura corporal > 35°C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão 
arterial sistólica ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ 65 mmHg para adultos (ou 
conforme a faixa etária para menores de 16 anos) 
4. Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis 
horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, 
esse período deverá ser de, no mínimo, 24 horas 
5. Exame neurológico (dois exames clínicos): 
 Coma não perceptivo 
 Ausência do reflexo fotomotor 
 Ausência do reflexo corneopalpebral 
 Ausência do reflexo oculocefálico 
 Ausência do reflexo vestibulocalórico 
 Ausência do reflexo de tosse 
6. Teste da apneia (em um dos exames clínicos): 
Realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para atingir o estímulo respiratório 
máximo (PaCO2 > 55 mmHg), constatando que não há movimentos respiratórios 
espontâneos Procedimentos do teste da apneia: 
 Ventilar com FiO2 de 100% por dez minutos para atingir PaO2 ≥ 200 mmHg 
e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg 
 Colher gasometria arterial inicial e desconectar ventilação mecânica 
 Estabelecer fluxo contínuo de 6 L/min de O2 por um cateter intratraqueal no 
nível da carina 
 Observar se há a presença de qualquer movimento respiratório por oito a 
dez minutos 
 Colher gasometria arterial final e reconectar ventilação mecânica 
 Interromper se hipotensão, arritmia ou hipoxemia grave 
 
Exames complementares para confirmação do diagnóstico de morte encefálica 
segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM): 
1. Exame que demonstre ausência de atividade encefálica: 
 Eletroencefalograma (EEG) 
2. Exames que demonstrem ausência de fluxo vascular encefálico: 
 Angiografia encefálica 
 Cintilografia cerebral (SPECT) 
 Doppler transcraniano 
 
Situações que podem simular ou dificultar o diagnóstico de morte encefálica 
1. Intoxicações agudas: principalmente barbitúricos (em doses acima de 10 mg/dL) e 
bloqueadores neuromusculares. Na dúvida, realizar dosagem laboratorial 
2. Hipotermia: a temperatura do paciente deverá estar acima de 35ºC 
3. Choque: a pressão arterial sistólica deverá ser maior ou igual a 95 mmHg 
4. Encefalite de tronco: reflexos do tronco estão ausentes, mas existe atividade 
cortical 
5. Traumatismo facial múltiplo: dificulta o exame neurológico 
6. Síndrome do cativeiro: simula estado de coma, mas os reflexos do tronco estão 
presentes 
7. Alterações pupilares prévias: utilização de drogas locais ou sistêmicas, cirurgia ou 
traumatismo 
8. Distúrbio metabólico grave 
9. Crianças menores de quatro anos: resistem mais aos traumatismos encefálicos. O 
período de observação deverá ser maior 
10. Vítimas de assassinato: maiores problemas médico-legais para declarar a morte 
encefálica

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