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Medicina de Emergência – Abordagem Prática COMA E REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Dois componentes da consciência devem ser analisados: O nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo): depende de projeções para todo o córtex oriundas da formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada na porção posterior da transição pontomesencefálica. O conteúdo: relaciona-se à função do córtex cerebral, as chamadas funções nervosas superiores, sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas. Utilizando-se a tenda do cerebelo como um divisor anatômico, podem-se encontrar alterações de consciência em: Coma de causa estrutural (ou encefalopatias focais): Infratentoriais, que acometem diretamente a FRAA. Supratentoriais. Coma por encefalopatias difusas e/ou multifocais. As encefalopatias difusas geralmente são causadas por doenças clínicas, como transtornos metabólicos e intoxicações agudas. Já nas encefalopatias focais (quer supra, quer infratentoriais), uma doença intracraniana é encontrada na maior parte das vezes. Causas de rebaixamento do nível de consciência e coma: Grupos ou condições Etiologias Trauma cranioencefálico Lesão penetrante Contusão cerebral e/ou hemorragia intracerebral e/ou hemorragia subaracnóidea Hematoma epidural e/ou hematoma subdural Lesão axonal difusa com edema cerebral Vasculares ou estruturais AVC isquêmico: de tronco, cerebelo ou hemisférico AVC hemorrágico: de tronco, cerebelo ou supratentorial extenso Hemorragia subaracnóidea Hematoma subdural ou epidural espontâneo (sem trauma conhecido) Hidrocefalia aguda Trombose de seio venoso cerebral (trombose venosa central) Tumores supratentoriais com desvio de linha média Tumores de fossa posterior Infecções Sepse e choque séptico Meningites Encefalites Abscessos cerebrais ou empiema Malária cerebral Infecções com acometimento de tronco cerebral Trombose séptica de seio venoso cerebral Epiléptica Estado epiléptico clássico (convulsivo) Estado epiléptico não convulsivo Metabólicas, endócrinas ou sistêmicas Choque de qualquer etiologia Hipoglicemia ou hiperglicemia Hipoxemia e/ou hipercapnia Uremia Apoplexia hipofisária Formas graves de hipotireoidismo ou hipertireoidismo Encefalopatia hepática Hipercalcemia Hiponatremia ou hipernatremia Insuficiência adrenal aguda (crise addisoniana) Encefalopatia hipertensiva Eclâmpsia Púrpura trombocitopênica trombótica Porfiria Intoxicações agudas Álcoois tóxicos: metanol, etilenoglicol e paraldeído Anticolinérgicos Anticonvulsivantes Antidepressivos tricíclicos, serotoninérgicos ou inibidores da MAO Anti-histamínicos Antipsicóticos Benzodiazepínicos, barbitúricos e drogas sedativas Cianeto Cocaína, anfetaminas e derivados; LSD Etanol Lítio Monóxido de carbono Opioides: morfina, heroína Organofosforados e carbamatos Medicina de Emergência – Abordagem Prática Salicilatos Teofilina e aminofilina Outras Vasculites do SNC Encefalomielite disseminada aguda Hipotermia Síndromes hipertérmicas As situações neurológicas em que são observadas alterações dos estados de consciência são: Alterações de nível de consciência: Coma. Estado vegetativo persistente. Estado mínimo de consciência. Estados confusionais agudos. Morte encefálica. Falsas alterações de nível de consciência: Retirada psíquica. Estado deseferentado ou locked-in syndrome. Catatonia. ACHADOS CLÍNICOS Exame inicial: Sinais de trauma A inspeção do crânio pode mostrar sinais de fratura da base de crânio, que podem incluir: Equimose periorbital. Edema e descoloramento da mastoide atrás da orelha. Hemotímpano. Perda de liquor cefalorraquidiano pelo nariz (rinorreia) ou ouvido (otorreia). A rinorreia causada por perda de liquor pode ser confirmada pela presença de β-2 transferrina (ausente nas outras causas de rinorreia. A palpação do crânio pode mostrar tecidos edemaciados ou mesmo depressão do crânio por fraturas. Pressão arterial: Pode estar normal, baixa ou alta (p. ex., acidente vascular cerebral hemorrágico). Na encefalopatia hipertensiva, o paciente tem hipertensão de longa data e frequentemente se apresenta com valores pressóricos acima de 250 × 150 mmHg. Entretanto, nos casos de evolução mais aguda (ex na lesão renal aguda, eclâmpsia), os valores pressóricos não costumam ser tão altos, dificultando a diferenciação. Níveis elevados de PA são sugestivos de causa neurológica do rebaixamento do nível de consciência. Temperatura: O paciente comatoso pode apresentar temperatura normal, baixa ou alta. Coma com hipotermia: pode ocorrer nas intoxicações agudas (etanol, drogas sedativas, hipoglicemia, encefalopatia hepática e mixedema). Coma com hipertermia: infecções, estado epiléptico, hipertermia maligna, intermação (heat stroke), hemorragia pontina, lesões hipotalâmicas e intoxicações agudas (p. ex., anticolinérgicos). Exame neurológico: Após a estabilização clínica do paciente, deve-se fazer uma avaliação neurológica com a finalidade de checar em qual subgrupo clínico descrito ele se enquadra, pois esse é o primeiro passo para estabelecer um diagnóstico etiológico. Para fins práticos, esse exame neurológico pode ser dividido em: 1. Nível de consciência. 2. Pupilas e fundo de olho. 3. Motricidade ocular extrínseca. 4. Padrão respiratório. 5. Padrão motor. 6. Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness Score). Estabilização inicial do paciente com rebaixamento agudo do nível de consciência: ABCD primário e secundário são prioritários; garantir a patência das vias aéreas, oxigenação adequada e estabilidade hemodinâmica é fundamental Realizar a glicemia imediatamente: 100 mL IV de G50% se hipoglicemia + tiamina IV (300 mg), se indicada Administração de tiamina mesmo se normoglicêmico, nas seguintes situações: etilistas crônicos, desnutridos, indivíduos com dieta parenteral, indivíduos pós- cirurgia bariátrica, portadores de doenças gástricas, indivíduos com vômitos incoercíveis (incluindo hiperêmese gravídica), indivíduos com transtornos alimentares como anorexia nervosa MOV: monitorização (PA não invasiva, oxímetro, cardioscópio), oxigênio e acesso venoso com coleta de exames laboratoriais; realizar exames POC na sala de emergência Considere administrar naloxona (opioide) ou flumazenil (benzodiazepínico), se indício de intoxicação IOT de rápida sequência se não houver uma causa reversível para o coma (p. ex., hipoglicemia, intoxicação por opioide ou benzodiazepínico, estado pós-ictal etc.) Medicina de Emergência – Abordagem Prática Iniciar medidas clínicas imediatamente se achados de hipertensão intracraniana (anisocoria, papiledema e ultrassom POC com nervo óptico > 5 mm etc.) Se história compatível com meningite, prescrever corticoide e antibióticos imediatamente (não esperar pela TC ou punção lombar) Se trauma ou achados clínicos sugestivos de doença vascular ou estrutural, realizar TC imediatamente após a estabilização clínica (ex., intubação, volume....) Se crises epilépticas precedendo o rebaixamento do nível de consciência ou presença de movimentos involuntários (mesmo que sutis), suspeitar de estado de mal não convulsivo e considerar a prescrição de fenitoína endovenosa Nível de consciência: A situação que caracteristicamente traduz uma falência dos mecanismos de manutenção da consciência é o coma. Essa situação pode ser definida como o estado em que o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e do ambiente, com ausência ou extrema diminuição do alerta comportamental (nível de consciência), permanecendo não responsivo aos estímulos internos e externos e com os olhos fechados. Sua causa é lesão ou disfunção da FRAA, do córtex cerebral difusamente ou de ambos. Nota-se que, embora lesões isoladas focais supratentoriais possam comprometer o nível de consciência, elas são insuficientes para levar ao coma, amenos que levem à compressão de estruturas no hemisfério contralateral ou no compartimento infratentorial, como ocorre, respectivamente, nas hérnias subfalcinas e transtentoriais. Escala de coma de Glasgow: Parâmetro Resposta observada Escore Abertura ocular Abertura espontânea Estímulos verbais Estímulos dolorosos 4 3 2 Melhor resposta verbal Orientado Confuso Palavras inapropriadas Sons ininteligíveis Ausente 5 4 3 2 1 Melhor resposta motora Obedece a comandos verbais Localiza estímulos Retirada inespecífica Padrão flexor Padrão extensor Ausente 6 5 4 3 2 1 Recentemente, foi proposta uma modificação da escala de coma de Glasgow, incluindo o exame das pupilas (ECG-P), pois alterações pupilares são indicativas de gravidade em coma de causa estrutural. Calcula-se a pontuação da ECG-P subtraindo-se o escore de reatividade pupilar (ERP) da escala de Glasgow (ECG-P = ECG – ERP). As pontuações do escore de reatividade pupilar são: 2 (quando ambas as pupilas são arreativas), 1 (no caso de apenas uma pupila reativa) ou 0 (se as duas pupilas são reativas). Assim, escore total da ECG-P pode variar de 1 a 15. O uso do ECG-P em um estudo em pacientes com trauma demonstrou estratificar melhor pacientes com escores baixos no ECG. Pupilas e fundo de olho: Algumas dicas são importantes na avaliação dos diversos tipos patológicos de pupilas: Via simpática: o primeiro neurônio da via simpática se origina no hipotálamo (diencéfalo) e se dirige caudalmente passando por todo o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo), avançando pela medula cervical e fazendo a primeira sinapse da via na coluna intermédia lateral da medula cervicotorácica. De lá parte o segundo neurônio, que forma o plexo simpático paravertebral e faz sinapse no gânglio cervical superior. O terceiro neurônio da via envolve a carótida, com quem retorna para dentro do crânio e parte em direção à órbita com o primeiro ramo do nervo trigêmeo. Anatomia do reflexo fotomotor: o estímulo visual é captado pelo II nervo (óptico) e conduzido ao córtex occipital. Algumas fibras, contudo, não fazem sinapse no corpo geniculado lateral (primeira sinapse da via visual) e seguem em direção ao mesencéfalo, onde fazem sinapse nos chamados núcleos pré-tectais, localizados na altura dos colículos superiores no tecto mesencefálico. Desses núcleos partem interneurônios que ipsi e contralateralmente vão fazer sinapse no núcleo parassimpático do nervo oculomotor, o chamado núcleo de Edinger-Westphal. O cruzamento da linha média realizado pelos axônios desses interneurônios para alcançar o núcleo de Edinger-Westphal contralateral forma a comissura posterior, que é o substrato anatômico para termos reação pupilar de miose contralateral ao olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor consensual). Do núcleo de Edinger-Westphal partem fibras que compõem o III nervo craniano junto com as fibras envolvidas na motricidade ocular extrínseca. As fibras parassimpáticas atingem então os gânglios ciliares, de onde partem fibras em direção à pupila. Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via aferente (II nervo craniano), uma integração (mesencefálica) e uma via Medicina de Emergência – Abordagem Prática eferente (III nervo craniano). A integridade desse reflexo denota integridade das estruturas anatômicas que o compõem. É importante lembrar que, em uma análise do III nervo craniano, as fibras parassimpáticas são mais externas e, portanto, mais suscetíveis à compressão extrínseca que as fibras da motricidade ocular extrínseca, que, nessa situação, costumam ser afetadas posteriormente. Na semiologia das pupilas, observa-se o diâmetro das pupilas e verifica-se sua simetria ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os reflexos fotomotor direto e consensual. Como as vias simpática e parassimpática têm um longo trajeto através do sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP), no coma, em que há disfunções em vários pontos, pode-se verificar o aparecimento de diversos tipos de pupilas, que têm forte significado localizatório. Outro reflexo que pode ser testado é o reflexo cilioespinal, que consiste em provocar uma miose em resposta a um estímulo doloroso na face ou no pescoço. A aferência é o nervo trigêmeo ou uma raiz cervical, o centro de integração é no bulbo dorsolateral e a eferência são as fibras simpáticas descendentes. A resposta esperada é uma dilatação pupilar de 1 a 2 mm bilateralmente, sendo útil para se avaliar a integridade da porção inferior do tronco quando há acometimento do mesencéfalo. Um dado importante é que o reflexo fotomotor é extremamente resistente aos insultos metabólicos e difusos ao SNC. A alteração das pupilas é forte indício de lesão estrutural. Fazem exceção algumas situações: Intoxicação por atropina: pupilas dilatadas e sem reflexo fotomotor. Intoxicação por opiáceos: pupilas intensamente mióticas com reflexo fotomotor presente. Intoxicação barbitúrica grave: pupilas fixas. Hipotermia: pode transcorrer com pupilas fixas. Encefalopatia anóxica: pupilas midriáticas e fixas. Nas encefalopatias difusas ou multifocais, as pupilas em geral são normais, salvo as exceções discriminadas anteriormente. Lesões acometendo o diencéfalo ou a ponte comprometem a via simpática preservando a parassimpática (que se integra no mesencéfalo) e, portanto, levam à miose com reflexo fotomotor preservado. Lesões mesencefálicas comprometem tanto o sistema nervoso simpático quanto o parassimpático, e geralmente levam a pupilas médias e fixas. Principais tipos de pupila: 1. Pupilas mióticas com reflexo fotomotor presente: esse tipo de pupila é encontrado em duas situações: Encefalopatia metabólica. Disfunção diencefálica bilateral, na qual hipofunção simpática leva a predomínio parassimpático. Nas encefalopatias metabólicas, até em estágios profundos do coma, são mantidas as reações pupilares, o que não ocorre nos danos estruturais ao SNC. Esse tipo de pupila pode ocorrer também no idoso e no sono normal. 2. Pupila da síndrome de Claude-Bernard-Horner: existe anisocoria à custa de miose ipsilateral à lesão da via simpática. O reflexo fotomotor é preservado. Deve ser observado que algumas pessoas podem ter constitucionalmente anisocoria. 3. Pupilas médias e fixas: são pupilas de 4-5 mm de diâmetro, com reflexo fotomotor comprometido. Ocorrem em lesões da porção ventral do mesencéfalo, comprometendo tanto o simpático como o parassimpático. Costuma ser o padrão pupilar observado em pacientes com morte encefálica. 4. Pupila tectal: são pupilas levemente dilatadas (5-6 mm de diâmetro), com reflexo fotomotor negativo, porém apresentando flutuações em seu diâmetro (hippus) e dilatando-se na pesquisa do reflexo cilioespinal (dilatação das pupilas aos estímulos dolorosos). Esse padrão pupilar ocorre em lesões da região do tecto mesencefálico. 5. Pupilas pontinas: são pupilas extremamente mióticas, que retêm o reflexo fotomotor (embora possa haver necessidade de lente de aumento para sua observação). Esse tipo é encontrado quando há lesões na ponte (geralmente hemorragia pontina). 6. Pupila uncal ou do III nervo craniano (oculomotor): pupila extremamente midriática com reflexo fotomotor negativo. É chamada uncal, pois geralmente ocorre na herniação transtentorial lateral, quando o uncus do lobo temporal, insinuando-se entre a tenda do cerebelo e o mesencéfalo, encontra como primeira estrutura o nervo oculomotor. Pupilas dilatadas bilateralmente indicam herniação bilateral ou encefalopatia anóxica. Outra situação importante é o aneurisma da artéria comunicante posterior. Pacientes com quadro clínico compatível com hemorragia subaracnóidea e paralisia do III nervo craniano, com comprometimento de sua porção parassimpática, geralmente albergam aneurismas dessa artéria. Isso ocorre em razão da proximidade anatômica entre as duas estruturas. O achado de anisocoria, com reflexo fotomotornegativo, na ausência de alteração motora contralateral ou transtorno de consciência, deve ter como diagnóstico diferencial a possibilidade do uso de midriático ou doença ocular, como uveíte ou trauma oftalmológico. Medicina de Emergência – Abordagem Prática Motricidade ocular extrínseca (MOE) Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular são o III, o IV e o VI. Os núcleos do III e VI nervos cranianos estão localizados respectivamente no mesencéfalo e na ponte e são integrados por fibras do chamado fascículo longitudinal medial. A análise adequada da motricidade ocular extrínseca horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência, pois, como sua integração se dá no mesmo sítio anatômico em que se localiza a FRAA, inferências na integridade dessa estrutura podem ser feitas. Pode-se mesmo propor um diagnóstico diferencial da alteração de consciência com base nos achados de motricidade ocular. A “maquinaria anatômica” necessária para a realização do movimento conjugado horizontal dos olhos está toda presente no tronco encefálico, integrando ponte e mesencéfalo. Do núcleo do VI nervo craniano (na ponte) partem fibras que vão compor o nervo abducente, responsável pela abdução do olho ipsilateral. Além disso, partem desse mesmo núcleo fibras que cruzam a linha média e fletem-se cranialmente em direção ao subnúcleo para o reto medial (do III nervo). Diversas estruturas têm aferência sobre essa via, o que, em outras palavras, implica que o movimento horizontal dos olhos pode ser obtido de diversas maneiras, gerando diferentes tipos de movimento que podem ser experimentados. Existem duas formas de realizar o movimento conjugado horizontal dos olhos de forma voluntária. A primeira é seguir um objeto em movimento sem mover a cabeça. Nessa situação, a ordem para o movimento parte do córtex parieto-occipital, gerando o chamado movimento de seguimento. A segunda forma é gerar voluntariamente um movimento ocular para o lado, independente de qualquer estímulo visual. Esse movimento é chamado de sacada (ou movimento sacádico) e se origina no córtex pré-frontal (área 8 de Brodmann). Nesse caso, a ordem que parte da área 8 de Brodmann passa pelo centro do olhar conjugado horizontal, situado junto ao núcleo do VI nervo, chamado de FRPP (formação reticular paramediana pontina). Para gerar uma sacada para a esquerda, a FRPP desse lado é estimulada pela área 8 de Brodmann direita. Nota-se, assim, que lesões que comprometam a via até o FRPP (inclusive) geram desvios conjugados do olhar horizontal, ao passo que lesões desse ponto em diante (vias intratronco ou nervos cranianos) geram olhar desconjugado. Existem duas síndromes relacionadas à lesão associada da via piramidal (e, portanto, hemiparesia contralateral à lesão) e desvios conjugados do olhar horizontal: Medicina de Emergência – Abordagem Prática Lesão do FRPP + trato piramidal contíguo: a lesão do FRPP de um lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão e a lesão piramidal leva à hemiparesia contralateral. Essa é a chamada síndrome de Foville inferior (p. ex., hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita). A presença desses achados ao exame indica encefalopatia focal infratentorial por lesão pontina. Lesão da área 8 de Brodmann + trato piramidal contíguo: mais comum que a lesão anterior. Há lesão associada da área 8 de Brodmann (desvio do olhar para o lado da lesão) e lesão piramidal contígua com hemiparesia contralateral (p. ex., hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas, e é chamada de síndrome de Foville superior. Pacientes com alteração do estado de consciência não colaborarão, contudo, para a realização desses movimentos voluntários. Devem, então, ser utilizados movimentos reflexos dos olhos. A análise da MOE é feita em cinco etapas: 1. Observação de movimentos oculares espontâneos, desvios conjugados do olhar ou desalinhamentos oculares. 2. Manobra oculocefálica: classicamente, é denominada manobra dos olhos de boneca. Para executá-la, realizam-se bruscos movimentos da cabeça para o lado direito e esquerdo e posteriormente no sentido de flexão e extensão da cabeça sobre o tronco. Em razão das conexões existentes entre receptores proprioceptivos cervicais e labirínticos e os núcleos do III e VI nervos cranianos, os olhos realizam movimentos em igual direção e velocidade, porém em sentido contrário ao movimento da cabeça. Quando alterados, sugerem lesão do tronco cerebral. Quando existir suspeita de lesão de coluna cervical (notadamente nos traumas), essa manobra não deve ser feita, devido ao risco do agravamento de eventual lesão medular associada. 3. Manobra oculovestibular (provas calóricas): água gelada (50 a 100 mL) é injetada no conduto auditivo externo de um lado e repetido do outro lado após 5 minutos. No indivíduo em coma, com vias intratronco intactas, isso provoca desvio dos olhos para o lado estimulado. Lembrar que: A manobra oculovestibular deve ser realizada após otoscopia (para excluir lesão timpânica). O paciente deve ser colocado com a cabeça 30° acima da horizontal. Água gelada inibe o labirinto do lado onde foi injetada. Se o sujeito estiver vigil, observa-se um nistagmo com a fase rápida na direção contrária à qual se injetou a água gelada. Caso o indivíduo esteja em coma, não teremos um nistagmo, e sim o desvio tônico e conjugado do olhar ipsilateral à orelha “inibida”. Água quente estimula o labirinto do lado da injeção. As respostas são opostas à água gelada. Estímulo com água gelada em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para baixo. Estímulo com água quente (44°) em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para cima. 4. Reflexo corneopalpebral: produz-se um estímulo na córnea; como resposta, há fechamento dos olhos e desvio deles para cima (fenômeno de Bell). Esse reflexo permite que se analise nervo trigêmeo (via aferente), nervo facial (via eferente) e área tectal, que controla os movimentos verticais do olhar. 5. Observação das pálpebras: a pálpebra, em geral, está fechada nos pacientes em coma; como dito anteriormente, coma com olhos abertos sugere lesão aguda de ponte, frequentemente de natureza vascular. A presença de déficit de fechamento de pálpebras pode sugerir lesão do VII nervo craniano. Já a semiptose palpebral sugere lesão simpática e a ptose completa, lesão do III nervo. Padrão respiratório: Inúmeros fatores, como acidose, doenças pulmonares ou mesmo ansiedade podem influenciar no padrão respiratório sem que se tenha uma lesão neurológica propriamente dita. Assim, na maior parte das vezes, esse é um parâmetro pouco útil na avaliação de coma. Entretanto, consiste em uma etapa fundamental da estabilização clínica do paciente. Padrão motor: A via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Essa via é frequentemente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central. Por isso, a presença de sinais motores focais sugere doença estrutural, com raras exceções (hipoglicemia, encefalopatia hepática, encefalopatia urêmica). A avaliação do padrão motor deve ser sistematizada: 1. Observação da movimentação espontânea do paciente. 2. Pesquisa de reflexos: atenção à simetria, analisando a presença de sinais patológicos como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar (grasp). Medicina de Emergência – Abordagem Prática 3. Pesquisa do tono muscular: pela movimentação e balanço passivos, com atenção a hipertonia, hipotonia e paratonia (nesse caso, observamos uma resistência à movimentação passiva, que lembra hipertonia plástica, porém cuja semiologia lembra mais resistência voluntária, e que desaparece ao movimentar-se lentamente o membro). 4. Observação dos movimentosapresentados pelo paciente à estimulação dolorosa (leito ungueal, região supraorbitária, osso esterno). Podemos assim observar vários padrões de comportamento motor, que sugerem níveis diferentes de lesão: Hemiparesia com comprometimento facial: sugere envolvimento hemisférico contralateral. Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia: sugere envolvimento hemisférico contralateral com herniação central incipiente ou afecção frontal predominante. Sinergismo postural flexor (decorticação): consiste em uma postura em que ocorre adução, flexão do cotovelo, do punho e dos dedos no membro superior, e hiperextensão, flexão plantar e rotação interna do membro inferior. Esse padrão de resposta motora sugere disfunção em nível supratentorial. Sinergismo postural extensor (descerebração): consiste em postura em que ocorre adução, extensão e hiperpronação do membro superior; e extensão e flexão plantar do membro inferior, muitas vezes com opistótono e fechamento de mandíbula. Pode ocorrer com lesões na altura do tronco encefálico alto. Resposta extensora anormal no membro superior com flacidez ou resposta flexora fraca no membro inferior: esse padrão de resposta sugere lesão em nível de tegmento pontino. Flacidez e ausência de resposta: sugere lesão peri férica associada, ou lesão pontina baixa e bulbar. Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness Score): A escala de Glasgow foi concebida para avaliar pacientes com lesão cerebral traumática, mas é usada mundialmente em pacientes com todas as formas de coma. Ela perde o valor discriminativo em pacientes intubados e naqueles com pontuação muito baixa na escala, além de não avaliar adequadamente a função do tronco cerebral. Medicina de Emergência – Abordagem Prática EXAMES COMPLEMENTARES Assim que um paciente com alteração de nível de consciência chega à emergência, deve-se imediatamente realizar uma glicemia capilar: se houver hipoglicemia, administrar imediatamente 100 mL, IV, de glicose a 50% concomitantemente à tiamina (300 mg IV), se indicada. De uma forma simplificada, os exames complementares são divididos em: 1. Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas: nesse caso, dependerão muito do contexto clínico e dos achados do exame físico. Um perfil básico inclui: hemograma, eletrólitos (inclusive cálcio), gasometria arterial, função renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, coagulograma, exame de urina e eletrocardiografia. Poderão ser necessários: hemoculturas, exames toxicológicos, dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, hormônios adrenais etc. 2. Exames para investigação de causa primariamente neurológica: na maior parte das vezes, não são as doenças primárias do SNC as responsáveis pela alteração de consciência; é possível, portanto, que em grande parte dos casos não seja necessária uma investigação neurológica extensa. Entretanto, é preciso considerar algumas diretrizes: Pacientes com alterações neurológicas focais devem ser submetidos a exame de imagem intracraniano, geralmente tomografia (TC) e, eventualmente, ressonância. Em geral, déficits focais se relacionam com causas estruturais, justificando a investigação. Todavia, exames de imagem são normais na presença de achados localizatórios em algumas condições clínicas, como: Encefalopatias hepática, urêmica ou hipertensiva; Grave hipoxemia. Alterações acentuadas de glicemia (hipo ou hiperglicemia) ou de sódio (hipo ou hipernatremia). Determinadas intoxicações agudas. Diante de um paciente cujas alterações do exame sugiram uma encefalopatia difusa ou multifocal, a investigação neurológica está indicada nas situações em que: A história clínica ou dados do exame clínico claramente apontam para uma patologia neurológica: trauma de crânio, cefaleia súbita, febre e rigidez de nuca etc. Há rebaixamento de nível de consciência e história de imunodepressão, neoplasias ou coagulopatias; pacientes nessa condição são considerados de alto risco para apresentar patologias intracranianas. Não há uma causa clínica que explique o rebaixamento de consciência ou quando essa causa já foi corrigida sem a normalização do exame neurológico. Há ausência de história clínica: quando não há dados claros relativos à evolução da alteração de consciência, é incorreto apenas inferir etiologias. Deve-se, ao contrário, contemplar todas as possibilidades etiológicas possíveis. Gasometria arterial e etiologias do coma: Alcalose respiratória: Encefalopatia hepática; Intoxicação por salicilato; Hiperventilação central Acidose respiratória: Intoxicação aguda por drogas depressoras do SNC, como benzodiazepínicos, barbitúricos ou opioides; Doença pulmonar obstrutiva crônica avançada; Compressão de tronco cerebral com hipoventilação Acidose metabólica: Cetoacidose diabética; Uremia; Acidose lática de qualquer causa, inclusive por cianeto e encefalopatia de Wernicke; Choque séptico; Intoxicação aguda: metanol, etilenoglicol, paraldeído, salicilato e isoniazida Tomografia e ressonância magnética: A TC de crânio sem contraste é o exame de imagem realizado inicialmente por sua maior disponibilidade e rapidez; se necessário, dependendo dos achados durante o exame ou pela hipótese diagnóstica, pode-se realizá-la com contraste. No paciente em coma, TC pode diagnosticar hemorragia subaracnóidea, lesões traumáticas, sangramento do SNC, lesões com efeito de massa e hidrocefalia aguda, entre outras. TC multidetector pode não demonstrar algumas causas tratáveis de coma. As principais condições são: Oclusão de artéria basilar: há alterações marcantes de comprometimento de tronco ao exame neurológico; o diagnóstico é feito por imagem vascular: angiografia por tomografia multidetector ou por ressonância magnética. Lesão de ponte: cursa com achados de lesão de tronco ao exame físico e pode não ser detectada mesmo pela angiotomografia. O diagnóstico é feito pela ressonância magnética. Fase precoce do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico de tálamo bilateral: também pode não ser detectado pela TC (com ou sem contraste); é uma condição muito rara; TC pode mostrar a lesão após algumas horas do evento ou ela pode aparecer na ressonância. Trombose de seio venoso cerebral (trombose venosa central): deve ser suspeitada nos pacientes com cefaleia aguda, especialmente com déficits neurológicos não relacionados a um território arterial. Mulheres grávidas e no pós-parto têm particularmente maior risco. Apoplexia hipofisária: hemorragia e necrose aguda de macroadenoma hipofisário; deve ser suspeitada no paciente com Medicina de Emergência – Abordagem Prática hipotensão inexplicável, hiponatremia e cefaleia do tipo explosiva (thunderclap). A densidade do tumor pode ser semelhante à do tecido cerebral e, assim, não ser detectada pela TC. Punção liquórica: A punção liquórica auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central, podendo confirmar uma hemorragia subaracnóidea. O emergencista deve sempre incluir meningite e/ou encefalite no diagnóstico diferencial. No paciente em coma, a rigidez de nuca costuma desaparecer. Por isso, a suspeita deve se dar por história de febre e cefaleia de início agudo. Nesses casos, deve-se coletar rapidamente hemoculturas (dois pares de sítio diferentes, concomitantemente) e prescrever dexametasona com antibióticos IV, sem retardo. Imediatamente após estabilizar o paciente, deve-se realizar a TC seguida da coleta do liquor, se a TC não mostrar contraindicação. Eletroencefalograma de urgência: O eletroencefalograma deve ser realizado se um diagnóstico não foi encontrado com os exames de imagem e liquor; pode ser indicado mais precocemente se houver suspeita de estado epiléptico não convulsivo. Há três padrões gerais do eletroencefalograma em pacientes com alterações de estado de consciência: Alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral, com ou sem ondas trifásicas: esse padrão é inespecífico e indica um sofrimento cortical difuso, frequentemente encontrado em doenças metabólicas ou outras de acometimento difuso (meningites, pós- crise epiléptica etc.). Presença de estado epiléptico eletrográfico: esse padrão fecha o diagnóstico de estado epiléptico não convulsivo em pacientes com alteração de estado de consciência a esclarecer. Eletroencefalograma normal: esse resultado em paciente com alteração de estado de consciência descarta alteração orgânica do SNC. Com relação a pacientes epilépticos, é comum haver alteração de nível de consciência após um estado epiléptico clássico (convulsivo). Existem algumas possibilidades etiológicas nesses casos e os exames complementares descritos anteriormente podem ajudar a diferenciá-las. São elas: Encontra-se estado pós-ictal. Houve dano permanente ao córtex em consequência do estado epiléptico. Houve lesão estrutural secundária à crise (p. ex., trauma de crânio). Paciente está em estado epiléptico não convulsivo. A mesma etiologia explica o estado epiléptico e o rebaixamento de nível de consciência (p. ex., meningoencefalite e hemorragia subaracnóidea). O rebaixamento deve-se aos medicamentos utilizados para tratar o estado epiléptico. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 1. Pacientes que não têm alteração do nível de consciência: Síndromes de heminegligência. Afasia de Wernicke: situação difícil, pois uma avaliação pouco acurada mostra um paciente com discurso fluente, embora desconexo, que não entende o que lhe é dito. No entanto, geralmente a atenção é preservada, o que pode ser evidenciado pela preservação do contato visual e esforço em tentar estabelecer uma comunicação. 2. Epilepsia: em pós-convulsivos ou em crises parciais complexas. 3. Depressão grave e transtornos psiquiátricos. 4. Estado vegetativo persistente: há comprometimento da percepção, com relativa ou total preservação da reatividade. É um estado de vigília, sem percepção do ambiente. Os olhos do paciente ficam abertos e podem se fechar sob ameaça, mas não ficam orientados a um estímulo, embora possam, às vezes, simular seguimento. Com relação à parte motora, postura descerebrada pode dar lugar a respostas flexoras, porém lentas e distônicas. Um intenso reflexo de preensão (grasp) costuma aparecer, assim como mastigação e deglutição. Embora a maioria dos pacientes não vocalize, sons ininteligíveis (nunca com significado) podem ser obtidos por estímulos dolorosos. Não existem achados laboratoriais, eletroencefalográficos ou radiológicos para definir essa síndrome. O diagnóstico é clínico. 5. Estado mínimo de consciência: comprometimento crônico e grave da consciência, mas com algumas evidências comportamentais mínimas e bem definidas de autoconsciência ou de uma consciência do ambiente. Pode ser considerada uma situação intermediária entre o estado vegetativo e o de plena consciência. O diagnóstico é estabelecido a partir de evidências comportamentais de percepção e/ou linguagem, seja por respostas verbais ou por respostas motoras não reflexas direcionadas a estímulos. Entretanto, essas respostas são tipicamente inconsistentes e flutuantes. Medicina de Emergência – Abordagem Prática Causas mais comuns de rebaixamento do nível de consciência em adulto (AEIOU-TIPS): A: Álcool/acidose E: Epilepsia/encefalopatia/eletrólitos/endócrino I: Infecção (sepse, meningite) O: Overdose (álcool, medicação)/opioides U: Uremia T: Trauma/toxicidade I: Insulina (diabetes) P: Psicose S: Stroke (AVCi ou AVCh) Causas de rebaixamento do nível de consciência e seus achados: Causa Achados Tratamento Comentários Hipoglicemia Diaforese, bomba de insulina Glicose 50% 40 mL EV Hiperglicemia Taquipneia, náusea, vômitos, dor abdominal, desidratação Cristaloides EV, insulina Sepse Critérios SIRS/qSOFA, sinais de hipoperfusão, delirium Cristaloides EV, antibiótico dirigido, controle do foco Hiponatremia Confusão de piora progressiva, cefaleia, anorexia, crise convulsiva Restrição de água livre, solução salina hipertônica se houver convulsão Efeito colateral de diversas medicações Hipercalcemia Letargia, poliúria, LRA, constipação Cristaloides EV Suspeitar de malignidade. É causa de diabetes insípido nefrogênico Uremia Náusea, vômitos, anorexia, fadiga, hálito amoníaco Tratar hipercalemia, Hemodiálise Procurar alterações de hipercalemia no ECG Encefalopatia hepática Flapping, ascite, hálito hepático, outros sinais de hepatopatia Lactulose, considerar clister via retal Deve-se excluir sepse, sangramento gastrointestinal , PBE Crise tireotóxica Febre, taquicardia, sudorese, diarreia Cristaloides EV, considerar betabloqueador e propiltiouracil Coma mixedematoso Lentidão psicomotora, ganho ponderal, edema, depressão, constipação Hidrocortisona 100 mg EV, Levotiroxina Encefalopatia de Wernicke Paralisia do III ou VI par craniano, ataxia, neuropatia periférica Reposição de tiamina Encontrada em alcoólatras ou desnutrição grave Hipoglicemiantes Pacientes mais idosos com piora da função renal; overdose intencional Glicose 50% 40 mL EV Opioides Bradipneia, miose Naloxona 0,4 mg EV Monóxido de carbono História de incêndio em lugar fechado, cefaleia, confusão, náuseas Oxigênio a 100%, considerar câmara hiperbárica Sedativos Álcool, benzodiazepínicos Suporte Anticolinérgicos Hipertermia, midríase, retenção urinária Raramente usa-se Piridostigmina Betabloqueadores Bradicardia, hipotensão, hipoglicemia, convulsão Glucagon 5 mg EV, atropina 0,5 mg EV, considerar marca- passo e adrenalina Medicina de Emergência – Abordagem Prática Síndrome neuroléptica maligna Hipertermia, rigidez muscular, delirium, instabilidade autonômica Cristaloides EV, benzodiazepínicos, resfriamento Se grave, considerar bloqueio neuromuscular Síndrome Serotoninérgica Hipertensão, taquicardia, hiper-reflexia, rigidez muscular, tremor, náuseas, diarreia Cristaloides EV, conferir CK, benzodiazepínicos Hemorragia Cefaleia, hipertensão, início súbito, déficits neurológicos TC sem contraste, reverter anti coagulação (se estava em uso) Comunicar a neurocirurgia Isquemia cortical Déficits focais TC sem contraste para excluir hemorragia, consultar neurologia, considerar trombólise Conferir as contraindicaçõ es à trombólise Isquemia cerebelar Vertigem súbita, náusea, ataxia, disartria Considerar trombólise MORTE ENCEFÁLICA Para finalizar, independentemente da etiologia que esteja levando ao comprometimento da consciência, o estado neurológico pode deteriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de funções encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica (ME). Por determinação legal, deve-se seguir rigorosamente todos os critérios, mesmo que haja diferenças em relação às diretrizes internacionais (há países que, por exemplo, dispensam o exame complementar). O conceito de ME deve se basear em quatro princípios fundamentais: Reconhecimento de uma causa conhecida e irreversível do coma. Demonstração de um coma aperceptivo com ausência de reflexos do tronco encefálico. Evidência de falência do centro respiratório a ser constatada por meio do teste da apneia. Ausência de perfusão sanguínea e de atividade elétrica ou metabólica encefálica a serem constatadas por meio de exames complementares. Vale salientar que, na determinação de ME, os seguintes pontos devem ser observados: O diagnóstico de ME é independente da condição de o paciente ser doador ou não de órgãos, sendo necessária apenas a suspeita clínica para se iniciar o protocolo. A resolução do CFM exige um tempo mínimo de observação hospitalar de seis horas, excetonos comas por encefalopatia anóxico-isquêmica, onde esse tempo de observação deve ser de pelo menos 24 horas. Situações que podem simular uma ME devem ser excluídas e, se presentes, revertidas: Distúrbio hidroeletrolítico, acidobásico/endócrino e intoxicação exógena grave. A hipernatremia grave refratária ao tratamento não contraindica a prova de ME, exceto se for a única etiologia possível do coma. Hipotermia (temperatura retal, vesical ou esofagiana < 35°C) deve ser corrigida antes de se iniciar a prova de ME. Fármacos sedativos do SNC e bloqueadores neuromusculares, se administrados em infusão contínua em pacientes com função renal e hepática normais, fazem com que seja necessário aguardar um intervalo mínimo de quatro a cinco meias-vidas após sua suspensão. Se insuficiência hepática ou renal, hipotermia terapêutica ou suspeita de intoxicação por uso em doses maiores que as usuais, deve-se aguardar tempo maior que cinco meias-vidas do fármaco. O teste clínico deve ser executado por dois médicos em um intervalo, de acordo com a faixa etária do paciente. No caso de indivíduos acima de dois anos de idade, esse intervalo é de uma hora. A atual resolução determina alguns critérios para o estabelecimento dos examinadores: ter capacitação e experiência, um deles deve ser especialista em neurologia, neurocirurgia, neurologia infantil, medicina intensiva ou medicina de emergência e nenhum deles pode fazer parte da equipe de transplante. Quando há a presença de alterações anatômicas que impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos, sendo possível exame em apenas um dos lados, se constatada ausência de reflexos do lado sem alterações, será dado prosseguimento às demais etapas para determinação de ME. A causa dessa impossibilidade deverá ser registrada em prontuário. O teste da apneia deve ser realizado em apenas um dos exames clínicos. Medicina de Emergência – Abordagem Prática Os exames complementares confirmatórios (eletroencefalograma [EEG], Doppler transcraniano, angiografia cerebral ou cintilografia cerebral) poderão ser feitos mesmo antes do exame clínico. A abertura do protocolo (ou seja, a suspeita de ME) deve ser prontamente comunicada aos familiares (ou responsáveis legais). A suspeita e o diagnóstico de ME devem ser notificados obrigatoriamente às centrais de captação e distribuição de órgãos dos estados. Cabe a essas centrais a abordagem aos responsáveis sobre a autorização da doação. No caso de negativa ou de contraindicação à doação de órgãos, é autorizada a suspensão das medidas de suporte avançado de vida, desde que a família já esteja esclarecida quanto ao diagnóstico de ME. Critérios clínicos para o diagnóstico de morte encefálica (ME) definidos pela resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM): 1. Diagnóstico de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME 2. Descarte de situações que simulem morte encefálica 3. Temperatura corporal > 35°C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ 65 mmHg para adultos (ou conforme a faixa etária para menores de 16 anos) 4. Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período deverá ser de, no mínimo, 24 horas 5. Exame neurológico (dois exames clínicos): Coma não perceptivo Ausência do reflexo fotomotor Ausência do reflexo corneopalpebral Ausência do reflexo oculocefálico Ausência do reflexo vestibulocalórico Ausência do reflexo de tosse 6. Teste da apneia (em um dos exames clínicos): Realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para atingir o estímulo respiratório máximo (PaCO2 > 55 mmHg), constatando que não há movimentos respiratórios espontâneos Procedimentos do teste da apneia: Ventilar com FiO2 de 100% por dez minutos para atingir PaO2 ≥ 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg Colher gasometria arterial inicial e desconectar ventilação mecânica Estabelecer fluxo contínuo de 6 L/min de O2 por um cateter intratraqueal no nível da carina Observar se há a presença de qualquer movimento respiratório por oito a dez minutos Colher gasometria arterial final e reconectar ventilação mecânica Interromper se hipotensão, arritmia ou hipoxemia grave Exames complementares para confirmação do diagnóstico de morte encefálica segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM): 1. Exame que demonstre ausência de atividade encefálica: Eletroencefalograma (EEG) 2. Exames que demonstrem ausência de fluxo vascular encefálico: Angiografia encefálica Cintilografia cerebral (SPECT) Doppler transcraniano Situações que podem simular ou dificultar o diagnóstico de morte encefálica 1. Intoxicações agudas: principalmente barbitúricos (em doses acima de 10 mg/dL) e bloqueadores neuromusculares. Na dúvida, realizar dosagem laboratorial 2. Hipotermia: a temperatura do paciente deverá estar acima de 35ºC 3. Choque: a pressão arterial sistólica deverá ser maior ou igual a 95 mmHg 4. Encefalite de tronco: reflexos do tronco estão ausentes, mas existe atividade cortical 5. Traumatismo facial múltiplo: dificulta o exame neurológico 6. Síndrome do cativeiro: simula estado de coma, mas os reflexos do tronco estão presentes 7. Alterações pupilares prévias: utilização de drogas locais ou sistêmicas, cirurgia ou traumatismo 8. Distúrbio metabólico grave 9. Crianças menores de quatro anos: resistem mais aos traumatismos encefálicos. O período de observação deverá ser maior 10. Vítimas de assassinato: maiores problemas médico-legais para declarar a morte encefálica
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