Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Objetivos 1. Revisar a anatomia e a fisiologia do trato urinário. 2. identificar os fatores de risco e a etiologia da ITU. 3. Compreender a fisiopatologia, as manifestações clinicas e as complicações da ITU. 4. Discorrer sobre o diagnostico e as condutas terapêuticas da ITU. Anatomia O sistema urinário é constituído pelos órgãos uropoéticos, isto é, incumbidos de elaborar a urina e armazená-la temporariamente até a oportunidade de ser eliminada para o exterior. Na urina encontramos ácido úrico, ureia, sódio, potássio, bicarbonato, etc. Este aparelho pode ser dividido em órgãos secretores - que produzem a urina - e órgãos excretores - que são encarregados de processar a drenagem da urina para fora do corpo. Os órgãos urinários compreendem os rins, que produzem a urina, os ureteres, que transportam a urina para a bexiga, onde fica retida por algum tempo, e a uretra, através da qual é expelida do corpo. Além dos rins, as estruturas restantes do sistema urinário funcionam como um encanamento constituindo as vias do trato urinário. Essas estruturas – ureteres, bexiga e uretra – não modificam a urina ao longo do caminho, ao contrário, elas armazenam e conduzem a urina do rim para o meio externo. Rim É o responsável pela homeostase (equilíbrio do meio interno), filtrando o plasma e removendo as substâncias indesejáveis ingeridas pela pessoa ou produzidas pelo metabolismo corporal. Ureter É um órgão muscular que conduz a urina do rim até a bexiga. Mede aproximadamente 25 cm. O ureter atravessa obliquamente a parede da bexiga, de modo que se forme uma válvula que impede o refluxo da urina. Bexiga É um órgão que recebe a urina formada pelos rins, armazena-a por algum tempo e a conduz ao exterior à medida que aumenta a quantidade de urina dentro da bexiga, o que faz com que se eleve a pressão endovesical e, por volta de 200-300 ml, desencadeie o reflexo da micção. Uretra É um tubo que conduz a urina da bexiga para o exterior, durante o ato da micção. Nos homens, a uretra dá passagem ao esperma na ejaculação. Já nas mulheres é um órgão exclusivo do sistema urinário. Definição A ITU é definida como a presença de um microorganismo patogênico nas estruturas do aparelho urinário (podendo ser na uretra, bexiga, rins e até na próstata). Termos importantes • Piúria: presença de leucócitos na urina. Definido como 10 leucócitos/campo (pelo EAS) ou ≥ 5 leucócitos/mL de urina (pela Câmara de Bürker). • Bacteriúria: presença de bactérias, na urina de jato médio, numa quantidade maior que a esperada. A definição de bacteriúria varia de acordo com o sexo: infecção urinária Mulheres - Com cistite não complicada = 2102 UFC/mL + piúria; - Com pielonefrite não complicada = 2104 UFC/mL + piúria; - Com ITU complicada = ≥ 105 UFC/mL, com ou sem piúria. Homens - Com qualquer forma de ITU = 2104 UFC/mL + piúria; • Relapso: nova bacteriúria causada pelo mesmo patógeno tratado previamente; • Reinfecção: nova bacteriúria causada por um patógeno diferente do tratado anteriormente, portanto, uma nova infecção; Etiologia A ITU é causada na maioria dos casos por bactérias gram negativas que são originárias da flora intestinal do individuo. Como dito anteriormente, a E.coli é o principal agente etiológico dessa doença Outros patógenos gram-negativos mais prevalentes depois da E.coli são Klebsiella sp e Proteus mirabilis. Porém, em mulheres com vida sexual ativa a bactéria gram positiva Staphylococcus saprophyticus se mostrou como uma das principais causadoras de ITU, sendo o 2º patógeno mais prevalente. • Mulheres: microbiota fecal: colonização do introito vaginal; • Maioria é por E. coli (85%); • Sexualmente ativa: Staphylococcus saprophyticus; • Outras: Klebsiella/Proteus/Enterobacter • Proteus: produzem urease em pH alcalino e fazem precipitação de fosfato com formação de cálculo de estruvita; • Fatores comportamentais: atividade sexual, uso de espermicidas que aumentam a colonização; • DM: ITU assintomática comum e fator de risco para desenvolvimento de pielonefrite; • Lesão espinhal: desenvolvimento de bexiga neurogênica; • Cateterismo vesical; Gravidez; Atenção para grávidas, pois infecções são as principais causas de trabalho de parto precoce. Fatores de risco • Mulheres devido à menor distância da uretra feminina com o ânus) • Indivíduos com vida sexual ativa (principalmente mulheres) • Homens > 50 anos com doenças prostáticas • Indivíduos com um grande número de parceiros sexuais • História materna de ITU recorrente • Caso anterior de ITU antes dos 15 anos de idade • Frequência de atividade sexual (que favorece a entrada de bactérias) • Espermicidas (alteram o pH vaginal) • Gravidez (modificações da posição da bexiga) • Bexiga neurogênica (disfunção motora da bexiga que gera estase urinária) • Obstruções do trato urinário (que causam estase urinaria – favorece a proliferação de bactérias) Classificação Podem ser classificadas quanto ao sitio anatômico, a origem do patógeno, a presença ou não de complicação, a presença ou não de cateter, a presença ou não de sintomas e a recorrência do quadro Quanto ao sitio anatômico As infecções do trato urinário podem ser divididas em infecções do trato urinário superior, que abrangem os rins (pielonefrite), e infecções do trato urinário inferior, que afetam a bexiga (cistite), uretra (uretrite) e próstata (prostatite). A maioria das cistites e pielonefrites é causada por bactérias. Os patógenos não bacterianos mais comuns incluem fungos (Candida), e, menos comumente, micobactérias, vírus e parasitas. Geralmente, as ITUs classificam-se de acordo com o local onde ocorrem no trato urinário, como superiores ou inferiores, apesar de muitas vezes ser difícil ou impossível para o médico fazer tal determinação: • ITU inferior: Infecções da bexiga (cistite), uretra (uretrite) e próstata (prostatite); • ITU superior: Infecção dos rins (pielonefrite). Quanto a complicação Não complicada: • Não causa repercussões sistêmicas; • ITU aguda baixa em mulheres, Pielonefrite aguda não complicada, Bacteriúria assintomática, etc; Complicada • Alterações anatômicas/sistêmicas; • Alterações obstrutivas; • Alterações anatomofuncionais e metabólicas; • Cateter de demora; • Origem nosocomial; Quanto à origem Comunitária: sintomas se desenvolvem em até 48h de internação. Principais agentes: E. coli. S. saprophyticus, Proteus, Klebsiella, Enterococcus faecalis. Nasocomial: sintomas se desenvolvem após 48h de internação. Principais agentes: E. coli, Proteus, Klebsiella, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanni. Enterobacter spp, Enterococcus faecalis, Candida spp Recorrência do quadro • Nova infecção após o tratamento; • Ocorre em torno 3x ao ano ou que seja presente 2 episódios de infecção nos últimos 6 meses. • Normalmente por E. coli uropatogênica, que fazem adesão ao urotélio; Transmissão A porta de entrada mais frequente dos microorganismos que provocam a infecção é o extremo inferior do trato urinário, ou seja, a abertura da uretra na extremidade do pênis, nos homens, ou a abertura da uretra na vulva, nas mulheres. A infecção sobe da uretra para a bexiga e, algumas vezes, para os rins, ou ambos. A outra via possível é a corrente sanguínea, geralmente, para os rins. As infecções do trato urinário (ITUs) são quase sempre causadas por bactérias, embora alguns vírus, fungos e parasitas também possam infectar o trato urinário. Mais de 85% das ITUs são causadas por bactérias do intestino ou da vagina. Uretrite geralmente é causada por uma DST. Prostatite é geralmente causada por uma bactéria e, às vezes, por doença sexualmente transmissível. Fisiopatologia das ITU A patogênese da ITU geralmente decorre da colonização da uretra por uropatógenos da microbiota fecal, seguida da ascensão via uretra, atingindo a bexiga (cistite)ou os rins e ureteres (pielonefrite). Outra forma de infecção local ocorre pela via hematogênica. Uretrite A infecção bacteriana da uretra (ou por protozoários, vírus ou fungos) ocorre quando os organismos conseguem acesso a ela e colonizam de modo agudo ou crônico as numerosas glândulas periuretrais nas porções bulbar e pendular da uretra masculina e na uretra feminina inteira. patógenos sexualmente transmitidos são Chlamydia trachomatis (clamídia), Neisseria gonorrhoeae (gonorreia), Trichomonas vaginalis (tricomoníase) e herpes simples são causas comuns em ambos os sexos. Cistite Infecção da bexiga. É comum em mulheres, nas quais casos de cistite não complicada são geralmente precedidos por relação sexual. Em homens, infecção bacteriana da bexiga costuma ser complicada e, em geral, resulta de infecção ascendente da uretra ou próstata ou é secundária à instrumentação uretral. A causa mais comum de cistite reincidente em homens é a prostatite bacteriana crônica. Pielonefrite Infecção bacteriana do parênquima renal. O termo não deve ser utilizado para descrever nefropatias tubulointersticiais, a menos que haja infecção documentada. Cerca de 20% das bacteremias adquiridas na comunidade em mulheres decorrem de pielonefrites. A pielonefrite é incomum em homens com trato urinário normal. Em 95% dos casos de pielonefrite, a causa é a ascensão das bactérias pelo trato urinário. Apesar da obstrução (p. ex., estreitamentos, cálculos, tumores, hipertrofia prostática, bexiga neurogênica, RVU) predispor à pielonefrite, a maioria das mulheres com pielonefrite não apresenta defeitos anatômicos ou funcionais demonstráveis. Em homens, a pielonefrite sempre ocorre devido a algum defeito funcional ou anatômico. Manifestações clínicas É um quadro clínico variável, devido às diversas classificações que essa condição apresenta. Alguns sintomas são mais sugestivos de infecção do trato urinário baixo (cistites) e são eles: disúria (dor ao urinar), dificuldade em urinar, polaciúria, urgência miccional, dor na região suprapúbica, hematúria. As infecções do trato urinário superior (a pielonefrite) apresentam os seguintes sinais e sintomas: febre, vômitos, náuseas, sinal de giordano positivo, dor lombar - lembrar que essa pode ser oligossintomática principalmente em gestantes. Sempre avaliar o estado geral do paciente e considerar internação em suspeita de pielonefrite complicada. Nos casos de ITU associada ao catéter, a febre é um sinal bem comum associada a desconforto abdominal na região de flancos ou região suprapúbica, sensibilidade no ângulo costovertebral e obstrução do cateter. Indivíduos que retiram o cateter recentemente podem apresentar disúria, polaciúria e urgência miccional. Complicações ITU baixa De modo resumido, são consideradas complicações da ITU baixa a refratariedade e a recorrência dos sintomas (persistência, relapso, reinfecção). Além disso, existe uma complicação rara, típica dos diabéticos, conhecida como cistite enfisematosa (gás na parede da bexiga). Os agentes mais comuns são Gram-negativos entéricos (E. coli), e o quadro está relacionado à obstrução, com eventual necessidade de abordagem cirúrgica. ITU alta A pielonefrite aguda pode se associar a uma série de complicações graves: • Sepse: ITU é uma importante fonte de bacteremia por Gram-negativos. Lactentes, idosos, imunodeprimidos e diabéticos são os pacientes de maior risco. • Obstrução urinária: Algumas bactérias (Proteus spp., Providência stuartii, Morganella morgani, Corynebacterium urealyticum) são produtoras da enzima urease, que degrada a ureia em amônia, promovendo alcalinização urinária. O pH aumentado favorece a precipitação de magnésio, cálcio e amônia, formando um tipo especial de cálculo – estruvita frequentemente coraliforme. • Abscesso: pode ser intrarrenal (no próprio parênquima sem ultrapassar a câpsula), ou perinefrético, quando se estende para a gordura perirrenal. É mais comum em diabéticos e/ou quando há obstrução urinária associada. • Pielonefrite enfisematosa: é uma entidade rara, que ocorre geralmente em diabéticos. • Necrose de papila renal: pacientes diabéticos, com obstrução urinária, falcêmicos, usuários crônicos de AINEs... têm mais chance de desenvolver. O quadro clínico caracteriza-se por hematúria macroscópica e obstrução ureteral pela papila necrótica. • Pielonefrite crônica: a pielonefrite crônica processo de atrofia progressiva do parênquima renal, que pode ocorrer em pacientes com história de pielonefrite bacteriana de repetição. As principais consequências são HAS ou IRC. • Pielonefrite xantogranulomatosa: é uma evolução incomum da pielonefrite, marcada pelo desenvolvimento de um processo inflamatório peculiar, o qual se estabelece por conta de uma resposta imune anormal à infecção. As lesões podem exercer efeito de massa e mimetizarem neoplasias. Na maioria das vezes se associa à obstrução urinária. O exame físico costuma revelar massa abdominal palpável, correspondente à nefromegalia. O diagnóstico é sugerido pela tomografia. • Pieloureterite Cística: é uma entidade rara em pacientes com ITU crônica, caracterizada por múltiplos cistos subepiteliais do tamanho de uma ervilha, provenientes da metaplasia das glândulas mucosas ou da hiperplasia dos folículos linfáticos, que podem formar-se, na pelve renal ou no ureter proximal • Malacoplaquia cistite infecciosa crônica pode levar à formação de granulomas em sua parede, manifestando-se como falhas de enchimento em "saca bocado" na bexiga e ureter, observadas na urografia excretora. Essa entidade é denominada malacoplaquia. Diagnostico laboratorial Análise de urina O exame de urina não substitui a urocultura no diagnóstico de ITU, mas pode apresentar alterações permitindo iniciar precocemente o tratamento, já que resultados da cultura demoram 24 a 72 horas para serem obtidos. Alguns centros fazem inicialmente coleta de urina através de saco coletor e, na presença de alterações, fazem uma nova coleta através de método adequado para se realizar urocultura. Figura 1. Sensibilidade e especifi cidade dos componentes de exames de urina Urocultura É o “padrão-ouro” para diagnóstico de ITU, porém o custo adicional e o tempo de execução de 24 a 48 horas limita seu uso em pronto-socorro. Ainda assim justifica-se sua realização para checagem oportuna que possa ratificar o tratamento ou mesmo orientar sua mudança posteriormente. Importante: a amostra deve ser colhida preferencialmente antes do início de antibioticoterapia empírica (caso esteja indicada). USG de rins e vias urinárias ou outros exames de imagem – indicados em pronto-atendimento apenas na suspeita de pielonefrite ou complicações. Indicado também na suspeita de outros diagnósticos. Diagnostico diferencial Dentre os diagnósticos diferenciais mais comuns podemos destacar calculose ureteral e infecções ginecológicas e gastrointestinais. O quadro clínico de infecções genitais por Chlamydia trachomatis muitas vezes é indistinguível do quadro de infecções de trato urinário. A presença de secreção vaginal, antecedente sexual e dor abdomino-pélvica são importantes na diferenciação desse diagnóstico, muitas vezes negligenciado no atendimento. Suspeita de doença de outro foco como do aparelho ginecológico / reprodutor: Balanopostite ou vulvovaginite: Leucorréia acompanhada de eritema, edema ou exulceração da região periuretral. Tratamento A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada logo após a coleta adequada da urocultura, uma vez que seu resultado demora de 1 a 5 dias. A escolha do antimicrobiano mais adequado baseia-se no antibiograma (caso disponível), na observação da resposta ao tratamento prévio com antibióticos empírico e na ocorrência de recorrência ou reinfecção. Pacientes com cistite o tratamento é: • Nitrofurantoina 100mg. VO. 12/12h. 5 dias (1ª escolha!) •SMX-TMP160-800 mg. via oral, 12/12h 3 dias (a depender da resistência local!) • Fosfomicina 3g. via oral, dose única (eficácia menor. Evitar se possível pielonefrite). • Para homens o tratamento deve ter duração de 7 dias. • Gestantes devem ter como opção: Cefalexina ou Amoxicilina por 7 dias. • Idosos: Ciprofloxacina 250 mg. via oral, 12/12h,3 dias. • Caso seja feito o tratamento e não tiver melhora após 72hrs é seja uma ITU recorrente, solicitar exames de imagem. Para pacientes com pielonefrite • Ciprofloxacina 440 mg IV ou 550 mg VO. 12/12h,7- 14 dias • Ceftriaxone 1-2g. IM ou IV. 1x/dia, 7-14 dias • Amicacina 15mg/kg IM ou IV Internação hospitalar Grupos especiais: • Paciente diabético: ITU pode elevar níveis glicêmicos e descompensar o DM, e também aumentar a incidência de complicações: pielonefrite enfisematosa, abcessos perinéfrico e necrose de papila. Se infecção de repetição ou descompensação clínica, considerar antibiótico EV com paciente internado. • Pacientes imunossuprimidos: pacientes em uso de imunossupressor e naqueles com transplante renal devido à mudança da anatomia. Além dos agentes habituais, pode haver uma maior incidência viral, contudo no Pronto Socorro esse diagnostico diferencial não é realizado, devendo a maioria ser internada para melhor definição diagnóstica. • Idoso: avaliar a condição clínica, infecção reincidivante e sintomas atípicos. (desorientação, inapetência). • Uropatia obstrutiva: pacientes com ITU associada ou decorrente de obstrução urinária (exemplo: cálculo ureteral obstrutivo) devem ser internados e preparados para desobstrução do trato urinário com rapidez (notificar urologista de imediato). Prevenção de ITU recorrente • Alterações comportamentais • Profilaxia antimicrobiana • Profilaxia continua • Profilaxia pós-coito • Autotratamento • Imunoterapia Profilaxia • Aumento da ingesta de água • Evitar uso de espermicidas • Estrógeno vaginal na menopausa • Evitar cateterização vesical • Uso de antibióticos Referencias ANDRADE, Luis Carlos V. Protocolo Assistencial Pronto Socorro: Infecção do Trato Urinário. São Paulo: HCor, v. 10. HOOTON, Thomas M.; GUPTA, Kalpana. Acute complicated urinary tract infection (including pyelonephritis) in adults. UpToDate. Waltham, Mass.: UpToDate, 2018. WEIN, Alan J. et al. (Ed.). Campbell-Walsh Urologia/Campbell-Walsh Urology. Ed. Médica Panamericana, 2008.
Compartilhar