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SIMULAÇÃO DA EXPERIÊNCIA SENSORIAL E MOTORA DE SER IDOSO Maria de Lurdes Ferreira de Almeida (mlurdes@esenfc.pt) Doutora em Ciências de Enfermagem; Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra RESUMO As práticas laboratoriais (PL) em Enfermagem assumem uma importância vital na preparação dos futuros profissionais, pela oportunidade de treino que proporciona uma situação simulada. O estudo de situações práticas através da simulação apresenta-se como uma forma de aprimorar a aprendizagem dos conceitos, de desenvolver novos conhecimentos e também como um meio de motivar os estudantes. Com introdução da simulação como recurso didáctico pretendíamos que os estudantes de enfermagem identificassem as áreas de comprometimento motor e sensorial e descrevessem as dificuldades que experienciaram na realização de algumas actividades de vida diária. Participaram no estudo estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem, inscritos na unidade curricular de Enfermagem de Saúde do idoso. As opiniões dos estudantes sobre o desenvolvimento de habilidades reforçam a contribuição da simulação em laboratório, considerando-a um recurso que facilita o ensinar e o aprender, particularmente na compreensão das dificuldades do idoso. Palavras-chave: simulação; idoso; sensorial; motora; mobilidade INTRODUÇÃO A simulação como estratégia foi, a princípio, uma forma encontrada de fazer com que os estudantes se envolvessem e se comprometessem mais com a disciplina de Enfermagem de Saúde do Idoso e Geriatria. A simulação tem como positivo a possibilidade de expor um grupo de estudantes a uma mesma experiência que ilustre a aprendizagem que se pretende que ocorra. O projecto de usar a simulação como estratégia de ensino aprendizagem desde o seu início criou expectativa e interesse nos estudantes. As práticas laboratoriais (PL) em Enfermagem assumem uma importância vital na preparação dos futuros profissionais, pelas oportunidades e treino que proporcionam em situação simulada. São um tipo de ensino realizado em laboratório, com base na simulação de situações práticas que têm por finalidade a aprendizagem e exploração dos métodos, processos e técnicas de aplicação da compreensão dos factos, considerados no ensino teórico e/ou teórico-prático, que conduzem ao desenvolvimento de competências cognitivas e psicomotoras. Os cenários de simulação oferecem experiências cognitivas, psicomotoras e afetivas, contribuindo para a transferência de conhecimento da sala de aula para os ambientes clínicos (Tuoriniemi, Schott-Bauer, 2008) que procuram uma aproximação com a anatomia, a fisiologia e as respostas ao processo saúde-doença dos seres humanos. Com a utilização desta metodologia de ensino/aprendizagem pretendemos identificar, de forma experienciada, as áreas de comprometimento motor e sensorial que ocorrem no processo de envelhecimento, descrever as principais dificuldades na realização de actividades diárias e contribuir para a compreensão das dificuldades dos idosos e, dessa forma, para a melhoria dos cuidados. METODOLOGIA Simular uma situação didática, em qualquer contexto, envolve a preparação do local, do material, do conteúdo e do instrutor. Em cenários preparados nos laboratórios (sala de estar com vários tipos de cadeiras; quarto de hospital; escadarias; sistema de som, sacos de água quente e de gelo, revistas, copo, caneca, garrafa de água, porta moedas com moedas de vários tamanhos) procedeu-se à utilização do simulador de velhice, modelo de baixa fidelidade, composto por óculos, luvas, tampões auditivos, bengala, constritores para aplicação nos membros superiores, inferiores e região dorso lombar e pesos (com 500grs cada) para as pernas e braços. O estudante com todos os constritores colocados realiza actividades propostas no guião direccionadas para a mobilidade (marcha sentar e levantar da cama e cadeira; subir e descer escadas) e sensoriais (audição, visão e tacto) e regista, em grupo, as alterações que experienciam. Participaram nas aulas práticas, com o simulador de idoso, 360 estudantes do 3º ano do Curso de Licenciatura em Enfermagem, inscritos na unidade curricular de Enfermagem de Saúde do Idoso e Geriatria, mas os resultados que apresentamos contemplam a análise dos relatos de 6 grupos (entre 12 e 15 elementos por cada grupo). Cada sessão teve a duração de três horas/ grupo com a orientação do professor. No final, em grupo, os estudantes relataram, sob forma de texto, sensações aquando da utilização do simulador. Os relatos foram analisados com recurso á técnica de análise de conteúdo, adaptada de Bardin (2004). A análise compreendeu três etapas: a pré-análise, na qual é feita a leitura flutuante para a identificação dos indicadores que fundamentam a interpretação dos dados; a exploração do material para a codificação dos dados, a partir das unidades de registros; o tratamento dos dados que consiste na classificação dos elementos explorados, considerando-se as semelhanças e as diferenças entre eles, para posterior categorização com ênfase nas características comuns. RESULTADOS A experiência relatada pelos estudantes resultou na construção de três categorias: comprometimento sensorial, comprometimento motor e vantagens da experiência de “ser idoso”. As duas primeiras categorias foram trabalhadas por subcategorias. Na apresentação e análise das mesmas explicitamos os materiais utilizados, as actividades propostas de acordo com um guião prévio e as alterações relatadas pelos estudantes. COMPROMETIMENTOS SENSORIAL Seguidamente apresentamos cada uma das subcategorias encontradas. Audição Para simular os efeitos do envelhecimento a nível da audição os estudantes utilizaram tampões nos ouvidos ou em sua substituição pequenos rolos de algodão. As actividades consistiam em identificar a origem do som, o tipo de som e a audição de uma música. Nos relatos foi evidenciada: a dificuldade na localização da origem do som e em diferenciar alguns tipos de sons, principalmente os mais agudos; a diminuição da acuidade auditiva (os sons só se tornam perceptíveis quando apresentam uma frequência elevada) e aumento da sensibilidade ao ruído de fundo. Visão Para simular os efeitos do envelhecimento a nível da visão os estudantes utilizaram os óculos do equipamento e objectos e folhas de papel de várias cores. Nos relatos, os estudantes referiram: diminuição do campo de visão (visão periférica); diminuição da acuidade visual; visão turva, com maior dificuldade na leitura e percepção do tamanho e limites das imagens; diminuição da percepção das cores, com amarelecimento; dificuldade em identificar as cores: azul, o verde e o roxo; dificuldade na avaliação da profundidade, quando realizavam o exercício de descer e subir escadas. Tacto Para simular os efeitos do envelhecimento a nível do tacto os estudantes utilizaram luvas brancas de algodão. As actividades consistiam em identificar várias texturas de materiais a sensibilidade o quente e ao frio com recurso a saco de água quente e saco de gelo. Os relatos evidenciaram: diminuição da capacidade táctil acompanhada por uma perda da sensibilidade a texturas (lisas e ásperas); dificuldade de preensão das folhas e objectos de textura lisa; diminuição da sensibilidade térmica (registaram maior dificuldade na percepção do frio). COMPROMETIMENTO MOTOR Para simular os efeitos do envelhecimento a nível da mobilidade os estudantes “vestiam” todas as partes do simulador (colete, constritores para restringir a mobilidade dos membros superiores e inferiores e mãos, acompanhados de pesos que se colocam no punho e no tornozelo). As actividades propostas consistiam em fazer marcha, subir e descer escadas, sentar em vários tipos de cadeiras/cadeirões. A nível da mobilidade considerámos as subcategorias mobilidade global, do tronco e cabeça, membrosinferiores, membros superiores e motricidade fina e que explicitamos seguidamente. Mobilidade global A nível da mobilidade global todos os relatos incluíam os achados seguintes: marcha mais lenta, arrastada e hesitante com necessidade de apoio em corrimões; passos curtos, dificuldade em levantar os pés do chão (“esta dificuldade sente-se tanto na locomoção em zonas com obstáculos e escadas como também em zonas planas; membros “mais pesados”); dificuldade no controlo dos movimentos articulares devido não só ao peso dos membros exercido sobre o corpo, como também à diminuição da mobilidade das articulações (são exemplo a articulação do joelho); redução de equilíbrio e/ou coordenação dos movimentos. Tronco e cabeça Nos movimentos do tronco e cabeça, os estudantes referiram: dificuldade nos movimentos amplos com o pescoço e tronco, em baixar-se ou curvar-se tornando mais difícil manter a posição erecta, tanto sentado como em pé, com acentuada tendência para a curvatura do tronco; dificuldade em passar da posição erecta para sentada e/ou vice-versa ou da posição erecta para deitado e/ou vice-versa. Membros inferiores A nível dos membros inferiores foram referidas as alterações seguintes: dificuldade na execução dos movimentos articulares; aumento da sensação de peso e falta de força, assim como dificuldade em ultrapassar degraus altos; dificuldade na extensão e/ou flexão dos membros. Membros superiores Nos membros superiores também foi sentido o aumento de peso, com diminuição da força, diminuição da flexão do punho; diminuição dos movimentos articulares, nomeadamente da flexão e redução da amplitude dos movimentos. Na mão relataram: diminuição da amplitude dos movimentos e flexão dos dedos; dificuldades na preensão e falta de força para segurar alguns objectos. Motricidade fina Nesta subcategoria os estudantes relataram dificuldades mais específicas no manuseamento de objectos para actividades específicas (escrever, utilização de talheres, abertura de garrafas, utilizar o telemóvel e teclado do computador); dificuldade na realização de acções que exigem maior movimentação dos dedos, parecendo que há uma diminuição de força e dificuldade na percepção das dimensões dos objectos. VANTAGENS DA EXPERIÊNCIA DE “SER IDOSO” O resultado da aprendizagem mostrou-se evidente no momento em que os estudantes conseguiam sentir os efeitos do envelhecimento e discutiam os resultados obtidos. Na opinião dos mesmos a utilização desta metodologia permite uma melhor compreensão das alterações fisiológicas do envelhecimento e as repercussões das mesmas nas actividades de vida diária, ao mesmo tempo que, possibilita a reflexão sobre a adopção de práticas conducentes à promoção do bem-estar da pessoa idosa, como está explicitado nos relatos seguintes: “ (…) foi uma experiência (…) interessante (…) importante, na medida em que pudemos “sentir na pele” (…) o que os idosos sentem e pelo que passam todos os dias para se movimentar e realizar algumas actividades que para nós não apresentam dificuldades. Desta forma, levou-nos a perceber o porquê de alguns comportamentos que os idosos adoptam de forma a compensar as suas dificuldades. (APL5) “ “(…) com todas estas alterações torna-se complicado e difícil realizar as actividades de vida diária de forma eficaz e com a rapidez a que estávamos habituados, ou seja, depois de sabermos qual a sensação de “sermos idosos”, mesmo que por apenas alguns momentos, percebemos o quão complicado é o seu dia-a-dia”. (APL4) Esta experiência também contribuiu para a aquisição de competências sociais e de cidadania, expressas nos relatos seguintes: “ (…) com as experiências vivenciadas nesta aula, concluímos que: o envelhecimento provoca grandes alterações a nível físico que se reflecte numa menor qualidade de vida; que nunca olharemos para as pessoas mais velhas da mesma forma; ficamos mais despertos para as dificuldades dos idosos e devemos interagir e ajudar pessoas nesta faixa etária quando nos cruzamos com elas na rua, nos autocarros, etc. “(Bpl4) “A experiência com o simulador de Idoso, fez-nos perceber (…)a angústia das limitações que a perda dessas capacidades representa(…) o mundo que antes nos era ajustado deixa de o ser, começam os obstáculos, proporcionados pelas incapacidades físicas em conjunto com a falta de adaptação do meio social aos Idosos”(BPl6) CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização das actividades propostas, permitiu que os estudantes experienciassem diferentes alterações que ocorrem ao longo do processo de envelhecimento, nomeadamente a nível sensorial e motor, identificassem as dificuldades mais comuns com que as pessoas idosas se deparam no seu dia-a-dia, ajudando-os ainda, nesta fase de aprendizagem, a entender os comportamentos dos idosos em situações do dia-a-dia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - Bardin, L (2004). Análise de conteúdo. 3.ed. Lisboa: Edições 70. - Teixeira, Carla Regina de Souza, Kusumota, Luciana, Braga, Fernanda Titareli Merizio Martins, Gaioso, Vanessa Pirani, Santos, Cláudia Benedita dos, Silva, Vivian Libório de Sousa e, & Carvalho, Emilia Campos. (2011). O uso de simulador no ensino de avaliação clínica em enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, 20 (spe), 187-193. Consultado a 27 de Maio de 2013, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 07072011000500024&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S0104-070720110005000 - Tuoriniemi, P.; Schott-Baer, D (2008). Implementing a highfidelity simulation program in a community college setting. Nursing Education Perspectives, .29 (2), p.105-109.
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