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I © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA ABDOME AGUDO Clínica e Imagem II © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Outros livros de interesse CLÍNICA E PROPEDÊUTICA MÉDICAS Amâncio – Causas de ... Guia de Diagnóstico Diferencial 2a ed. Bassan – Síndrome Coronariana Aguda nas Unidades de Dor Torácica Batlouni e Ramires – Farmacologia e Terapêutica Cardiovascular Beltrame Ribeiro – Atualização em Hipertensão Arterial – Clínica, Diagnóstico e Terapêutica Bethlem – Pneumologia 4a ed. Bevilacqua – Fisiopatologia Clínica 5a ed. Browse – Exame Clínico do Paciente Cirúrgico – Fundamentos Diagnósticos Castro – Propedêutica do Equilíbrio Hidroeletrolítico e Ácido-Básico Cruz Lima – Raciocínio Diagnóstico – Estudo com 40 Histórias Clínicas Comentadas Doretto – Fisiopatologia Clínica do Sistema Nervoso – Fundamentos da Semiologia 2a ed. Evandro Tinoco – Semiologia Cardiovascular Ferreira e Póvoa – Cardiologia para o Clínico Geral Florêncio – Testes Funcionais e Terapêutica Ambulatorial em Endocrinologia Franco Jr. – (Série Hospital Universitário USP) – Vol. 1 – Manual de Terapia Intensiva Friedman – Manual de Diagnóstico em Medicina Interna Galvão – Choque Gayotto – Doenças do Fígado e Vias Biliares (2 vols.) Gerude, Pires, Alves e Mannarino – Terapia Nutricional Gilberti – Semiologia Cardiovascular Orientada para a Prática Diária Ghorayeb e Meneghelo – Métodos Diagnósticos em Cardiologia Clínica Goldberger – Tratamento das Emergências Cardíacas Gonçalves Reis – Laboratório para o Clínico 8a ed. Hoppenfeld – Propedêutica Ortopédica – Coluna e Extremidades Josivan – Aulas em Endocrinologia Clínica – Texto Básico com a Apresentação de 622 Slides Didáticos Knobel – Condutas no Paciente Grave 2a ed. (2 vols.) Levene e Davis – Dor Torácica: Seu Diagnóstico e o Diagnóstico Diferencial Luz – O Médico, esta Droga Desconhecida Macambira – Febre Prolongada de Origem Obscura Menna Barreto – Semiologia do Aparelho Respiratório Nicolau e Marin – Síndromes Isquêmicas Miocárdicas Instáveis Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial 2a ed. Nobre, Mion e Oigman – MAPA – Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial 2a ed. (edição em espanhol) Novais – Como Ter Sucesso na Profissão Médica 2a ed. Oliveira – Semiologia Médica – Quadros Sinópticos Otto Miller – O Laboratório e as Técnicas de Imagem na Clínica Pedroso – Clínica Médica – Os Princípios da Prática Ambulatorial 2ªed. Perez – Hipertensão Arterial – Conceitos Práticos e Terapêutica Pessoa – Pneumologia Clínica e Cirúrgica Protásio da Luz – Nem só de Ciência se Faz a Cura Ratton – Medicina Intensiva 3a ed. Rocha e Silva – Choque Rocha e Silva – Série Fisiopatologia Clínica (com CD-ROM) Vol. 1 Rocha e Silva – Fisiopatologia Cardiovascular Vol. 2 Zatz – Fisiopatologia Renal Vol. 3 Carvalho – Fisiopatologia Respiratória Vol. 4 Laudana – Fisiopatologia Digestiva Vol. 5 Yasuda – Fisiopatologia Neurológica Rooth Gosta – A Prática do Equilíbrio Ácido-Base e Eletrolítico – Aprendendo a Calcular na Prática o Equilíbrio Ácido-Base com o Nomograma Retificado de Siggard-Andersen e com a Régua de Cálculo de Severinghaus Rotellar – ABC das Alterações do Balanço Hidroeletrolítico e Ácido-Base - Texto Ilustrado com Cartoons para o Estudante de Medicina, Enfermagem e Nutrição Rubin e Hochstein – Manual de Exame do Paciente para o Estudante de Medicina Sanvito – Propedêutica Neurológica Básica 5a ed. Sanvito – Síndromes Neurológicas 2a ed. SBC (Soc. Bras. Card.)/Funcor – Prevenção das Doenças do Coração – Fatores de Risco Schor – Clínica Médica – Medicina Celular e Molecular, Genoma Seibel – Dependência de Drogas Silva e Friedman – Sepse Tavares – Manual de Antibióticos e Quimioterápicos Antiinfecciosos 2a ed. Timerman – Ressuscitação Cardiopulmonar Veronesi e Focaccia – Retroviroses Humanas HIV/AIDS – Etiologia, Patologia, Patologia Clínica, Tratamento, Prevenção Vilela, Borges e Ferraz – Gastrenterologia e Hepatologia Williams – Asma – Guia Prático para o Clínico Zago – Hematologia – Fundamentos e Prática III © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA São Paulo • Rio de Janeiro • Ribeirão Preto • Belo Horizonte ABDOMEABDOMEABDOMEABDOMEABDOME AGUDOAGUDOAGUDOAGUDOAGUDO Editores ANTONIO CARLOS LOPES Professor Titular da Disciplina de Clínica Médica do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP-EPM SAMUEL REIBSCHEID Médico Radiologista e Chefe da Coordenadoria de Radiodiagnóstico do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP-EPM. Doutor em Clínica Médica JACOB SZEJNFELD Professor Adjunto Livre-docente e Chefe do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, UNIFESP-EPM Clínica e Imagem IV © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA EDITORA ATHENEU PROJETO GRÁFICO: Equipe Atheneu PRODUÇÃO EDITORIAL: Liciane Corrêa CAPA: Magma Comunicação e Design Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Índices para catálogo sistemático: 1. Abdome agudo: Diagnóstico e tratamento: Medicina 617.55 São Paulo — Rua Jesuíno Pascoal, 30 Tels.: (11) 6858-8750 Fax: (11) 6858-8766 E-mail: edathe@terra.com.br Rio de Janeiro — Rua Bambina, 74 Tel.: (21) 3094-1295 Fax: (21) 3094-1284 E-mail: atheneu@atheneu.com.br Ribeirão Preto — Rua Barão do Amazonas, 1.435 Tel.: (16) 3323-5400 Fax: (16) 3323-5402 E-mail: editoratheneu@netsite.com.br Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — Conj. 1.104 Abdome agudo: clínica e imagem/editores Antonio Carlos Lopes, Samuel Reibscheid, Jacob Szejnfeld. — São Paulo: Editora Atheneu, 2006. Vários colaboradores. 1. Abdome agudo — Diagnóstico 2. Abdome agudo — Tratamento 3. Diagnóstico por imagem 4. Sistemas de imagem em medicina I. Lopes, Antonio Carlos. II. Reibscheid, Samuel. III. Szejnfeld, Jacob. CDD-617.55 04-1176 NLM-WI 900 LOPES, A. C.; REIBSCHEID, S.; SZEJNFELD, J. Abdome Agudo — Clínica e Imagem ©Direitos reservados à EDITORA ATHENEU — São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto, Belo Horizonte, 2006 V © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA ANDRÉ DE MORICZ Professor Instrutor (Mestre) da Disciplina de Cirurgia de Emergência do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Chefe de Equipe do Serviço de Emergência Cirúrgica da Santa Casa de São Paulo CRISTIANA COSTACURTA Médica Especializanda do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina DANIEL BEKHOR Médico Radiologista do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Mestre em Radiologia Clínica DARIO BIROLINI Professor Titular da Disciplina de Cirurgia do Trauma do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo DAVID CARLOS SHIGUEOKA Médico Radiologista e Chefe da Coordenadoria de Ultra-sonografia do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Doutor em Radiologia Clínica COLABORADORES ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ EDIVALDO M. UTIYAMA Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia Geral do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo EDMUND CHADA BARACAT Professor Titular Livre-docente, Vice-chefe do Departamento de Ginecologia e Pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina FRANZ R. APODACA TORREZ Médico Colaborador do Grupo de Fígado e Vias Biliares e Pâncreas da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Mestre em Gastroenterologia Cirúrgica GASPAR DE JESUS LOPES FILHO Professor Adjunto Livre-docente da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federalde São Paulo – Escola Paulista de Medicina GEORGE QUEIRÓS ROSAS Médico Radiologista e Pós-graduando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina VI © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA GIUSEPPE D´IPPOLITO Professor Visitante do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina GLÁUCIA ANDRADE E SILVA PALÁCIO Médica Radiologista e Pós-graduanda do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina GLORIA MARIA MARTINEZ SALAZAR Médica Residente do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina IONÁ GROSSMAN Médica Radiologista JOSÉ CARLOS COSTA BAPTISTA-SILVA Professor Associado Livre-docente da Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina JOSÉ MARIA SOARES JUNIOR Médico Ginecologista e Pós-graduando do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Doutor em Medicina JOSÉ ROBERTO FERRARO Professor Assistente da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina LORY DEAN COUTO DE BRITO Médico Radiologista e Especializando do Setor de Neurorradiologia do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina LUÍS RONAN M. F. DE SOUZA Médico Especializando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina MARCELO RODRIGO SOUZA-MORAES Médico Cirurgião do Pronto-socorro do Hospital São Paulo – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Mestre em Cirurgia Vascular MARCO AURÉLIO ALVARENGA FALCÃO Médico Radiologista e Especializando do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina ROGÉRIO PEDRESCHI CALDANA Médico Radiologista do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Doutor em Radiologia Clínica ROSIANE MATTAR Professora Adjunta e Chefe de Clínica Obstétrica da Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina SALOMÃO FAINTUCH Médico Pós-graduando do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Clinical Fellow, Interventional Radiology Beth Israel Deaconess Medical Center – Harvard Medical School, Boston, EUA SAMIR RASSLAN Professor Titular da Disciplina de Cirurgia de Emergência do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Diretor do Serviço de Emergência Cirúrgica da Santa Casa de São Paulo VII © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA SÉRGIO HERNANI STUHR DOMINGUES Mestre em Gastroenterologia. Médico Contratado da Disciplina de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. SÉRGIO MANCINI NICOLAU Professor Adjunto da Disciplina de Obstetrícia do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina SUZAN MENASCE GOLDMAN Médica Radiologista e Chefe do Urinário e da Ginecologia e Obstetrícia do Setor de Abdome do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Doutora em Radiologia Clínica TARCISIO TRIVIÑO Professor Adjunto e Chefe da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina VIII © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA IX © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Aos Mestres, Jairo Ramos, Alípio Correia Neto e Feres Secaf, que nos deram o conhecimento que possibilitou escrever este livro. “Quem salva uma vida salva toda a humanidade.” Do Talmude “O lugar do médico é ao lado de seu doente.” Hipócrates DEDICATÓRIA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ X © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA XI © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA A atitude do médico diante de um doente comquadro de abdome agudo deve ser de cau- tela e humildade. É uma situação clínica difícil, que exige raciocínio e decisões rápidas e precisas. O julgamento não será nem apressado nem de demora. A natureza do quadro clínico impõe re- gras de disciplina para o médico e para o doente. A história minuciosa e o exame físico clássi- co são a chave para a conduta e o diagnóstico. Apesar do quadro de dor e da angústia do doente que, com freqüência, acompanham o quadro, quase sempre é possível fazer o interro- gatório complementar e chegar a dados impor- tantíssimos para o diagnóstico. O exame clínico associado ao exame de ima- gem, após anamnese, interrogatório complementar e conhecimento dos antecedentes pessoais, são de importância capital para o diagnóstico desta enti- dade mórbida que, freqüentemente, representa um desafio para os médicos mais experientes. Esta sistemática permite estabelecer os diagnósticos com base na fisiopatologia dos processos de doença e não apenas na possibilidade e semelhanças. Um quadro de apendicite aguda, por exem- plo, obriga à realização de celiotomia. O exame de imagem terá inestimável valor para detectar as complicações do processo inflamatório, sua exten- são e propagação para outros locais do abdome. INTRODUÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O diagnóstico clínico traça a diretriz de con- duta e, em última análise, o destino e o caminho que o doente vai seguir. O doente com abdome agudo pode ser sub- metido a exames clínicos e de imagem evolutivos. Em poucas horas, é possível a definição de um quadro duvidoso horas antes. O conhecimento da história natural da doen- ça é essencial. Uma doença abdominal pode co- meçar como cólica, passar a quadro inflamatório, perfurativo e/ou oclusivo: cada momento da do- ença, cada fase, terá sintomas e sinais clínicos e quadros de imagem distintos. Também é essencial o conhecimento anatô- mico o mais aprofundado possível. Os caminhos da infecção pela cavidade peritoneal foram rees- tudados e redefinidos com os conhecimentos tra- zidos pelos exames radiológicos modernos e é possível a previsão e a definição da extensão das infecções. Também a distribuição do gás na ca- vidade abdominal, bem como suas modificações temporais, pode ser compreendida e utilizada para o diagnóstico, desde que critérios anátomo- funcionais sejam considerados. A doença abdominal aguda, por mais catas- trófica que seja a evolução, pode começar insidio- samente. O tratamento rápido é obrigatório. XII © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Apesar de o quadro ser essencialmente dolo- roso, deve-se evitar a prescrição de medicamen- tos analgésicos e antiespasmódicos para que o diagnóstico não fique mascarado. O paciente e sua família devem ser escla- recidos sobre a possível gravidade do quadro, bem como sobre a necessidade de intervenções cirúrgicas. Este livro traz a experiência prática de mé- dicos que convivem, no seu dia-a-dia, com os problemas de diagnóstico e tratamento do abdo- me agudo. Sem pretender esgotar o tema, quer apre- sentar, de maneira simples e concisa, os aspectos mais complicados do quadro. A intenção dos au- tores foi a de casar, em um único livro, os proble- mas e as soluções clínicas, laboratoriais e os da imagem. Conta com a colaboração de eminentes es- pecialistas, tornando-o atual e útil para alunos, residentes e médicos. Os autores XIII © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA PARTE I — FUNDAMENTOSBÁSICOS 1. ANATOMIA DO ABDOME POR IMAGEM, 3 Samuel Reibscheid 2. SEMIOLOGIA CLÍNICA DO ABDOME, 27 Antonio Carlos Lopes 3. PROPEDÊUTICA DA IMAGEM, 41 Jacob Szejnfeld PARTE II — ABDOME AGUDO 4. ABDOME AGUDO — CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO, 49 Sergio Hernani Stuhr Domingues 5. ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO, 51 Clínica Franz R. Apodaca Torrez Tarcisio Triviño Imagem Salomão Faintuch Gloria Maria Martinez Salazar SUMÁRIO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ XIV © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA 6. ABDOME AGUDO PERFURATIVO, 79 Clínica Samir Rasslan André de Moricz Imagem Gláucia Andrade e Silva Palácio Daniel Bekhor 7. ABDOME AGUDO VASCULAR, 95 Clínica Marcelo Rodrigo Souza-Moraes José Carlos Costa Baptista-Silva Imagem George Queirós Rosas Rogério Pedreschi Caldana 8. ABDOME AGUDO OBSTRUTIVO, 111 Clínica Gaspar de Jesus Lopes Filho José Roberto Ferraro Imagem Ioná Grossman Giuseppe D’Hipolitto 9. ABDOME AGUDO HEMORRÁGICO, 129 Clínica Edivaldo M. Utiyama Dario Birolini Imagem Marco Aurélio Alvarenga Falcão 10. ABDOME AGUDO EM OBSTETRÍCIA, 151 Clínica Rosiane Mattar Imagem Lory Dean Couto de Brito David Shigueoka XV © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA 11. ABDOME AGUDO EM GINECOLOGIA, 173 Clínica Edmund Chada Baracat José Maria Soares Júnior Sérgio Mancini Nicolau Imagem Suzan Menasce Goldman Luís Ronan M. F. de Souza PARTE III — CASOS DE ABDOME AGUDO CASO 1, 193 Samuel Reibscheid CASO 2, 197 Samuel Reibscheid CASO 3, 199 Cristiana Costacurta Lory Dean Couto de Brito CASO 4, 205 Gaspar de Jesus Lopes Filho José Roberto Ferraro CASO 5, 209 George Queirós Rosas CASO 6, 213 Rosiane Mattar CASO 7, 217 Samuel Reibscheid ÍNDICE REMISSIVO, 223 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Parte I FUNDAMENTOS BÁSICOS © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA . 2 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA . 3 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA INTRODUÇÃO O conhecimento da anatomia normal e de suas variantes é essencial para a compreensão do diag- nóstico e das complicações da doença abdominal aguda. Os exames de imagem são meio auxiliar de grande valor nessas afecções. A análise e o diagnóstico anatômicos foram potencializados com o estudo da anatomia dinâmi- ca do abdome. A preocupação do radiologista pas- sou a ser o diagnóstico da dinâmica da doença, com o conhecimento prévio da anatomia clássica e das vias de disseminação dos processos mórbidos. Com o conhecimento dessas vias de disseminação, das cavidades virtuais e dos neocompartimentos pós-operatórios, muitos processos deixaram de ser aleatórios e se tornaram previsíveis. A imagem obtida pelos raios X e posteriormente pela tomografia computadorizada depende das di- ferenças de densidade radiológica dos vários tecidos e estruturas do corpo. A mesma estrutura aparece com diferentes as- pectos conforme a técnica da sua obtenção. Pelo exame radiológico, a primeira técnica criada para a obtenção da imagem, definem-se algumas den- sidades básicas, como densidade de líquido (tecidos e líquidos), densidade gasosa (gás em qualquer lo- cal ou tipo, seja gastrointestinal, intraperitoneal ou pulmonar ou num abscesso), densidade cálcica (os- ANATOMIA DO ABDOME POR IMAGEM sos e calcificações em geral), densidade gordurosa (tecidos gordurosos ou acúmulos tumorais de gor- dura) e densidade artificialmente introduzida das substâncias de contraste. Quando o feixe de raios X do exame conven- cional passa pelo fígado ou pelo rim, por exem- plo, ele não discrimina, na imagem obtida, o que é parênquima e o que é vaso ou duto, uma vez que todas essas estruturas têm densidade radioló- gica de líquido. Já a tomografia computadorizada, que utiliza os mesmos raios X, porém com o tubo em movi- mento circular ou espiral em torno do objeto a ser estudado, permite, com o auxílio de decodificação por computador, a discriminação de estruturas com densidades radiológicas muito próximas. Outras técnicas, como a ressonância magnéti- ca e a ultra-sonografia, mostram as imagens ba- seadas em diferentes princípios. A imagem produzida pelos raios X depende da contrastação entre densidades radiológicas distin- tas e vizinhas; por exemplo, a borda hepática pos- terior pode aparecer claramente demonstrada na radiografia simples desde que haja gordura sufici- ente no compartimento pararrenal posterior, de contigüidade anatômica com o fígado. Ora, o fígado é palpado pelo propedeuta na sua borda anterior. Então, freqüentemente a he- patomegalia descrita pelo radiologista não tem Capítulo 1 1 1 1 1 Samuel Reibscheid ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ . 4 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.1 — Radiografia localizada do hipo- côndrio direito em decúbito dorsal, incidên- cia anteroposterior, efetuada durante urografia excretora. Observa-se o rim di- reito (RD) com contraste no sistema cálico- pielo-ureteral. O fígado (Fig) aparece delimitado como estrutura homogênea com densidade de líquido nas porções superior e direita. Fígado e rim direito estão sepa- rados por faixa de gordura, no caso, a gor- dura perirrenal (pontas de seta negras). A parede abdominal (pontas de seta brancas) é representada como faixa com densidade de líquido. O compartimento de gordura pararrenal posterior, também chamado de linha de gordura dos flancos, aparece como faixa de densidade de gordura, escura, ime- diatamente para dentro da parede muscu- lar do abdome (seta branca). correspondência clínica e vice-versa. Da mesma maneira, o pólo inferior do baço é contrastado pela gordura perirrenal esquerda. Entretanto, os ângulos hepático e esplênico do colo podem ser deslocados em casos de aumento de volume do fígado ou do baço, representando, então, cres- cimento dos órgãos no sentido anterior (Figs. 1.1 a 1.5). Não se trata simplesmente de conhecer a for- ma, os contornos, as dimensões e os demais parâ- metros anatômicos de uma dada estrutura. Para estudar a imagem radiológica é necessário o co- nhecimento das relações entre as estruturas, como fáscias, distribuição das gorduras intra e extraperi- toneais e leis gerais da física das radiações e da for- mação da imagem. Os exames de corte (por ressonância magnéti- ca, ultra-sonografia e tomografia computadoriza- da) modificaram a maneira de se encarar a radio- grafia simples; então, mais dados passaram a ser analisados e antigos sinais foram revalorizados. A insistência no valor dos raios X convencionais não é matéria de tradição. Continua sendo a téc- nica mais rápida, barata e difundida para a obten- ção da imagem diagnóstica. Seu estudo é essen- cial, pois uma radiografia simples pode ser obtida em qualquer centro médico. Algumas imagens apresentadas nessa seção re- presentam estados de doença: há espaços virtuais que só aparecem quando há lesão expansiva no seu interior. De outra maneira, não seria possível sua descrição. A radiologia convencional pode adquirir as imagens de maneira digitalizada, pois, em vez de empregar os écrans reforçadores (que emitem luz quando estimulados pelos raios X e assim impres- sionam o filme radiográfico que será processado quimicamente), pode utilizar receptores eletrôni- cos, com rápida obtenção da imagem. Essa ima- gem é digital e pode ser trabalhada quanto aos parâmetros de brilho e contraste. A imagem é me- lhorada de maneira significativa, o que evita repe- tições do exame. OS ESPAÇOS RETROPERITONEAIS Até há pouco tempo, a análise radiológica do retroperitônio praticamente se limitava à visuali- zação ou não da borda do psoas. A não-visualiza- ção era atribuída a derrames ou processos inflama- tórios. Tal sinal era e é incerto, pois em aproxima- damente 40% dos indivíduos normais as bordas dos psoas são demonstradas de maneira desigual. . 5 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.3 — Reconstrução coronal de ressonância magnética do abdome. A reconstruçãointeressa o rim es- querdo (RE). A fáscia renal está indivi- dualizada (seta negra). Observam-se os compartimentos de gordura pararre- nal posterior em ambos os lados (pon- tas de seta negras). As faixas de gordura estão representadas pela cor branca (hiper-sinal). De um lado e do outro da coluna aparecem os múscu- los psoas (Ps) com as bordas bem carac- terizadas contra as gorduras perirrenal (na porção superior) e pararrenal poste- rior (na porção inferior). O fígado (Fig) e o baço aparecem em cor negra (hi- possinal). Observe que a superfície medial do baço se relaciona com a gordura perirrenal (seta negra). Fig. 1.2 — Tomografia computadorizada. Corte no nível da porção média dos rins. O fígado (Fig) e o rim direito (RD) estão separados por uma faixa de teci- do gorduroso (2). O peritônio parietal posterior do lado direito aparece como uma fina linha (seta branca). Imediatamente para trás observa-se uma faixa es- cura (3) que representa o compartimento de gordura pararrenal posterior. A su- perfície convexa lateral do fígado está bem delimitada e separada da parede abdominal (1). Ambos os rins foram contrastados por contraste iodado injetado por via endovenosa e é possível ver os parênquimas renais e a aorta realçados. . 6 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.5 — Radiografia do abdome obtida em anteroposterior com o doente em decúbito dor- sal, durante enema baritado com insuflação de gás nos colos. Observa-se o baço (seta branca) como estrutura de densidade de líquido. O pólo inferior do baço (pontas de seta brancas) mar- ca o ângulo esplênico do colo. Por sua vez, o ângulo esplênico é demonstrado por conter gás. As demais porções do colo contêm bário ou ar, como o colo transverso (CT). Fig. 1.4 — Reconstrução axial de ressonância magnética do abdome. O corte representa ima- gem no nível dos rins direito (RD) e esquerdo (RE). A fáscia renal é nítida (setas negras), delimi- tando a gordura perirrenal. O compartimento de gordura pararrenal posterior projeta-se para trás do folheto posterior da fáscia renal e estende-se anteriormente pelo flanco (pontas de seta negras). . 7 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Uma série de estudos anatômicos e radioana- tômicos demonstrou detalhes da anatomia que são absolutamente úteis para o diagnóstico e que fize- ram as frases: “Muitas reputações clínicas perma- necem enterradas atrás do peritônio. Nesta selva de solidão mesenquimatosa, com limites vagos e im- precisos, o clínico é geralmente abandonado ape- nas com seu instinto e princípios básicos do diag- nóstico para conduzi-lo.” (Editorial: Periureteric fibrosis. Lancet 2:780-781, 1957), ultrapassadas. A anatomia dos espaços e fáscias é muito bem de- monstrada pelas técnicas de obtenção da imagem. O espaço retroperitoneal é delimitado pelo pe- ritônio parietal pela frente e pela fáscia transversal por trás. Ele pode ser dividido em três comparti- mentos ou espaços: espaço perirrenal, espaço parar- renal posterior e espaço pararrenal anterior (Fig. 1.6). Os espaços perirrenais são limitados pelos folhe- tos anterior e posterior da fáscia renal (Gerota). Os espaços, geralmente, não são comunicantes através da linha média. Medialmente, o folheto posterior funde-se com a fáscia do psoas ou do quadrado lombar. O folheto anterior mistura-se na massa de tecido conjuntivo que circunda os grandes vasos e a raiz do mesentério, para trás do pâncreas e do duodeno. Os rins contêm gordura e as glândulas supra-renais. A gordura perirrenal é responsável pela visualização dos rins. As supra-renais normais não são visíveis e só o serão na presença de calci- ficações. Lateralmente, os folhetos anterior e pos- terior se fundem e formam o ligamento látero-co- nal que, por sua vez, se funde lateralmente com o peritônio parietal da parede abdominal. O espaço pararrenal posterior está situado para trás do folheto posterior da fáscia renal e do ligamen- to látero-conal e é anterior à fáscia transversal, não contendo órgãos. Medialmente, chega até a borda do psoas. Lateralmente, continua com o flanco, for- mando a faixa de gordura extraperitoneal do flan- co (Figs. 1.7 e 1.8). A largura da faixa de gordura é muito variável de indivíduo para indivíduo e se co- munica com a gordura extraperitoneal pélvica. O espaço pararrenal anterior situa-se anterior- mente ao espaço perirrenal e é limitado pela fáscia látero-conal. É potencialmente contínuo com o es- paço oposto e contém diversos órgãos e estruturas, tais como pâncreas, parte do duodeno e colos des- cendente e ascendente (Fig. 1.9). O pâncreas normal não é visível, apesar da gor- dura circundante; suas bordas circinadas não de- Fig. 1.6 — O esquema representa os três compartimentos do espaço retro- peritoneal do lado esquerdo. O compar- timento anterior (1) é o compartimento de gordura pararrenal anterior e con- tém vísceras, representando o colo descendente (C). O compartimento pe- rirrenal (2) envolve o rim (R), limitado pela fáscia renal. O compartimento pa- rarrenal posterior (3) inicia-se imediata- mente para trás do rim e se estende para frente, acompanhando a face late- ral do abdome. Observa-se que o espa- ço pararrenal posterior é delimitado pelo peritônio parietal por dentro (seta negra) e pela fáscia transversal (ponta de seta negra) por fora. O músculo pso- as (MP) tem íntima relação com o com- partimento de gordura perirrenal. (Modificado de Meyer, 1.) 1 C R MP 2 3 . 8 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.7 — Tomografia computadorizada. Corte efetuado no hipogástrio. Tra- ta-se de um doente esfaqueado no flanco esquerdo três dias antes e que desen- volveu abscesso no compartimento pararrenal posterior. Há solução de continuidade no plano muscular do flanco esquerdo (asterisco branco) provo- cada pelo instrumento perfurante. O compartimento pararrenal posterior está aumentado e contém massa de densidade heterogênea (seta branca), correspon- dente a abscesso de grandes dimensões. O peritônio parietal posterior está des- locado para frente (pontas de seta brancas) pela presença de massa. O músculo psoas do lado direito (Psd) e o quadrado lombar (Qd) têm aspecto normal. Do lado esquerdo, o alargamento do espaço pararrenal posterior provocado pelo abscesso afasta o músculo psoas (Pse) do quadrado lombar (Qe). Fig. 1.8 — A figura representa um scout film, feito como parte inicial da tomografia computadorizada do doente representado na Fig. 1.7. Os compartimentos de gordu- ra pararrenal posterior são visíveis em ambos os lados. Do lado direi- to, onde o aspecto é normal (seta negra), aparece delimitado pelo ceco (Ceco) e pelo colo ascen- dente por dentro, e pelo plano muscular por fora (pontas de seta negras). A faixa de gordura parar- renal posterior do lado esquerdo (seta branca) está ocupada pela massa abscedada (Col); o colo des- cendente (CDc), por dentro e a parede muscular (ponta de seta branca), lateralmente. A diferença de aspecto e espessura dos com- partimentos de gordura pararre- nais posteriores é notória. Na Fig. 1.7, o abscesso está apontado pela seta branca. O scout film é uma radiografia digital e como tal deve ser analisada. . 9 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA terminam condições adequadas de contrastação. O pâncreas calcificado é característico, exibindo a to- pografia do órgão. O duodeno quase nunca é visua- lizado na radiografia simples. Os colos costumam ser demonstrados devido ao conteúdo gasoso e fe- cal característicos. O espaço pararrenal anterior também se comunica com a gordura extra- peritoneal na pelve. Se separados pelas fáscias, os compartimentos não são absolutamente estanques, podendo entrar em comunicação por processos de doença, seja nos locais de comunicação descritos através da gordu- ra extraperitoneal, seja por permeação de membra- nas, como ocorre nas pancreatites, quando o exsu- dato pancreático, de origem retroperitoneal, ultra- passa o peritônio posterior e invade a retrocavida- de dos epíploons. PSOAS Inicia-se na altura da quartavértebra lombar e se estende para baixo até o pequeno trocanter, juntamente com os músculos ilíacos. A borda late- ral do psoas é visível pela contraposição à gordura perirrenal, na sua parte alta, e pela presença da gor- dura pararrenal posterior, na parte mais distal. Com freqüência elevada, a borda do músculo não é visível, seja pela presença de escoliose postural, seja pela presença de alças com líquido na cavida- de peritoneal. O sinal clássico — desaparecimento da borda do músculo — tem validade quando o apagamen- to é segmentar: a borda desaparece e volta a apa- recer abaixo da zona suspeita. Essa análise vale, como várias outras relativas a estruturas com den- sidade de líquido, para a radiografia convencional, uma vez que na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética as bordas musculares são bem demonstradas (Figs. 1.3, 1.4 e 1.24). Quadrado Lombar Jaz para trás e para fora do psoas. É parte da parede posterior do abdome e separado do psoas pela fáscia transversal. Nas radiografias clássicas, depende da presença de gordura para sua visuali- zação. Sua demonstração é habitual nos exames de corte (Figs. 1.10 e 1.11). Fig. 1.9 — Esquema dos vários espaços do abdome. A fáscia transversal envolve todas as estruturas do abdome desde a porção posterior até a porção mais anterior. A figura mostra que vários órgãos estão contidos no compartimento pararrenal anterior, que se estende através da linha média. (Modificado de Meyer, 1.) Fáscia Transversal Peritônio Duodeno RimColo Descendente Pâncreas Duodeno Rim Colo Ascendente Ao VCI . 10 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.10 — Tomografia computadorizada. O corte foi feito na altura de ambos os rins (RD e RE). Um corpo vertebral (CV) bem como os músculos psoas (Ps) e os quadrados lom- bares (1 e 2) estão apontados. A fáscia renal esquerda (pontas de seta brancas) está afas- tada da superfície do rim esquerdo por alargamento da camada de gordura perirrenal devido ao efeito de edema. Ambos os rins têm sinais de nefropatia crônica. Há zona de espessamento localizada no folheto anterior da fáscia renal (seta branca), com formato de lágrima. Também o músculo quadrado lombar do lado esquerdo (2) tem o volume muito aumentado, com aspecto diverso do quadrado lombar contralateral (1). O exame foi efetuado após punção do flanco esquerdo com passagem de cateter de nefrostomia. O fígado (Fig) tem aspecto normal. Fig. 1.11 — Detalhe da figura ante- rior: a trajetória da agulha de pun- ção, representada pela linha AB, vai da superfície cutânea dorsal até o fo- lheto anterior da fáscia renal; atra- vessa o músculo quadrado lombar, que tem sinais de espessamento (seta branca), e o rim esquerdo. A fáscia renal (pontas de seta brancas) e a le- são por espessamento na fáscia renal anterior (seta negra) são nítidas. O compartimento perirrenal (e) tem o volume aumentado. . 11 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.12 — Tomografia computadorizada. Corte feito no nível do pólo superior do rim direito (RD). O fígado (Fig), o baço (B) e um corpo vertebral (CV) estão assinalados. Os pilares diafragmáticos direito e esquerdo (setas brancas) aparecem com forma caracte- rística abraçando a aorta (Ao). Pilares do Diafragma São mais bem demonstrados quando o feixe de raios X é dirigido ao diafragma ou na incidência ápi- co-lordótica das cúpulas. A gordura pararrenal poste- rior contrasta os pilares desde que atinja a região sub- diafragmática. Aparecem rotineiramente na tomogra- fia computadorizada, onde sua presença ou ausência assume importância diagnóstica (Figs. 1.12 e 1.13). A CAVIDADE PERITONEAL A cavidade peritoneal é um espaço bem delimi- tado, praticamente fechado, em que os órgãos con- tidos mantêm uma relação complexa entre si. Cada estrutura é sujeita a inúmeras doenças com amplo espectro de alterações anatômicas que po- dem ser detectadas nos exames de imagem. INSERÇÕES PERITONEAIS POSTERIORES O esquema da Fig. 1.14 mostra as raízes de inserção, a partir da parede posterior do abdome, dos segmentos peritoneais do intestino, bem como as pregas peritoneais do fígado e baço. Os com- partimentos que são descritos a seguir não são es- tanques, possuindo zonas de comunicação maio- res ou menores. O mesocolo transverso divide a cavidade peri- toneal em dois grandes compartimentos, que são supra e inframesocólico. A raiz do mesentério, de direção oblíqua de cima para baixo e da esquerda para a direita, di- vide o compartimento inframesocólico em dois es- paços: o direito, limitado para baixo pela junção do mesentério com a inserção do colo ascendente, e o esquerdo, que se abre para a pelve. Em ambos os lados da inserção dos colos as- cendente, descendente e sigmóide estão as goteiras parietocólicas. A da esquerda, estreita e rasa, é in- terrompida na porção superior pelo ligamento fre- nocólico (Fig. 1.14). A goteira parietocólica direita, larga e profun- da, é contínua na parte superior com o espaço sub- hepático direito e com sua extensão posterior, a bolsa de Morison. . 12 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.13 — Tomografia computadorizada. O doente tem rotura traumática do diafragma esquerdo com corte efetuado na porção média do fígado (Fig). Assi- nalam-se a aorta (Ao) e um corpo vertebral (CV). Foi demonstrado o pilar do diafragma direito (setas brancas), mas não o pilar do lado esquerdo, ausente pela rotura do músculo. Fig. 1.14 — Recessos peritoneais poste- riores e reflexões do peritônio. A figura es- quematiza a face anterior da parede posterior do abdome depois da retirada dos intestinos e do fígado. 1. Espaço subfrê- nico direito; 2. Ligamento coronariano di- reito; 3. Ligamento coronariano esquerdo; 4. Ligamento gastroesplênico; 5. Ligamen- to frenocólico; 6. Goteira paracólica direi- ta; 7. Goteira paracólica esquerda; 8. Inserção do colo descendente e sigmóide; 9. Inserção do colo ascendente; 10. Raiz do mesocolo transverso; 11. Espaço infracóli- co direito; 12. Espaço infracólico esquerdo; B. Baço; VCI. Veia cava inferior; RD. Rim di- reito; BM. Bolsa de Morison; FX. Forame de Winslow; Rc. Retrocavidade dos epíploons. O estômago está representado por linhas oblíquas. D. Duodeno; AE. Ângulo esplêni- co do colo; RM. Raiz do mesentério; Bex. Bexiga. (Modificado de Meyers, 1.) 1 2 3VCI B RcFW BM RD .........4 ......5 AE D 9 1110 6 RM 12 8 7 Bex . 13 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Para trás do estômago destaca-se da cavidade peritoneal, mas em continuidade com a mesma o saco peritoneal menor ou retrocavidade dos epíplo- ons (Fig. 1.15). Ela é uma cavidade virtual localiza- da atrás do pequeno epíploon, do estômago, do bul- bo duodenal e do ligamento gastrocólico. Por baixo, é limitada pelo mesocolo transverso e pelo colo trans- verso. Na porção posterior, está o pâncreas. Por conseguinte, as massas localizadas na retrocavidade dos epíploons podem deslocar os órgãos vizinhos: o estômago para frente e o colo transverso e seu meso para baixo (Fig. 1.16). No lado esquerdo, a retrocavidade é limitada pelos ligamentos gastroesplênico e esplenorrenal. Uma vez que o espaço sub-hepático direito co- munica-se com o espaço subfrênico direito, com a bolsa de Morison, com a retrocavidade dos epíplo- ons e, ainda, com a goteira parietocólica (e esta com a cavidade pélvica), fica claramente demons- trado o caminho que um processo infeccioso pode fazer, e com freqüência faz, na cavidade peritone- al, bolsas e recessos comunicantes (Fig 1.17). No lado direito, a cavidade se estende para a direita da linha média e se comunica com a cavi- dade peritoneal, pelo forame de Winslow. A parede anterior do forame contém o ligamento hepatoduo- denal. No lado esquerdo, o caminho pela goteira pa- rietocólica é dificultado, e até mesmo bloqueado, pelo ligamento frenocólico. Essas considerações anatômicas explicam os caminhos preferenciais das infecções peritoneais. Os abscessos e as coleções da retrocavidade dos epíploons ocorrem pela oclusão poredema do fo- rame de Winslow. Da mesma maneira, bolsas e ca- vidades podem ser criadas no abdome em locais com paredes delimitadas e que permitam, por contigüidade anatômica, a passagem e retenção de material séptico, como ocorre nos espaços subfrê- nicos, sub-hepáticos e outros. Finalmente, vale lembrar que essas relações anatômicas entre os compartimentos abdominais são muito alteradas pelas diversas cirurgias que têm como finalidade remover órgãos e barreiras. A Fig. 1.18 mostra um caso de extravasamento peritoneal de contraste por bário ingerido por via oral em doente submetido à gastrectomia total com re- Fig. 1.15 — Esquema de um corte sagital na porção mediana do abdome. A retroca- vidade dos epíploons (Rc) é virtual e separa o pâncreas (P) da parede posterior do es- tômago (Est). O duodeno (D) é retro- peritoneal. O mesocolo tranverso (Mt) parte da porção posterior do abdome, como reflexão peritoneal, e continua, en- volvendo o colo transverso (C). Também aparecem os pequeno (Pe) e grande epí- ploons (Ge). A raiz do mesentério (M) e o intestino delgado (I) também estão esque- matizados. Observe a continuidade dos folhetos de reflexão peritoneal que envol- vem as vísceras e o estômago como cama- da serosa dos mesmos. Pe Est Rc p DMt C Ge M I . 14 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.16 — Radiografia em perfil do abdo- me em posição ortostática. O doente tem pseudocisto pancreático que ocupa a retro- cavidade dos epíploons (Rc), que está ocupa- da por massa com densidade de líquidos com boceladuras anteriores. Há desloca- mento anterior do estômago, com impres- sões na parede posterior (setas negras) das boceladuras da massa pancreática. A cavi- dade gástrica deslocada é reconhecida pelo conteúdo de gás (pontas de seta brancas). Para baixo da massa é demonstrado o colo transverso (pontas de seta negras). Fig. 1.17 — Os caminhos da infecção pe- ritoneal. As setas demonstram as direções tomadas pelas infecções. Conhecida a ori- gem, é compreensível e previsível o cami- nho da propagação do processo infeccioso. CP. Cavidade pélvica; FW. Forame de Wins- low; 1. Espaço infracólico direito; 2. Espaço infracólico esquerdo; 3. Espaço subfrênico direito; 4. Bolsa de Morison; 5. Goteira pa- rietocólica direita; 6. Goteira parietocólica esquerda; 7. Ligamento frenocólico; Seta curva, indica o caminho para a região subfrênica esquerda a partir uma lesão na parede anterior do estômago. 3 ...7 FW 4 5 1 2 6 CP . 15 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA construção esôfago-jejunal término-lateral. Havia suspeita clínica de deiscência de sutura com saída de abundante volume líquido por dreno abdominal lo- calizado no flanco direito. O contraste escapou pela fístula e preencheu os espaços subfrênicos e sub-he- páticos, desenhando os contornos das estruturas. OS CAMINHOS DO GÁS PELOS LIGAMENTOS Observações recentes definem os caminhos do gás através dos ligamentos e inserções peritoneais das alças. Com efeito, em três doentes com quadro de pneumatose cistóide (Figs. 1.19 a 1.22), em que o gás intraluminar escapou da luz duodenal ou do intestino delgado pela presença de úlceras, foi pos- sível demonstrar a presença desse gás em compar- timentos insuspeitos. Na pneumatose cistóide, o gás extravasado da luz intestinal forma bolhas de diferentes dimensões na parede serosa das vísceras. A partir daí, o gás percorre fáscias e ligamentos, atingindo locais dis- tantes e outros compartimentos. Em dois doentes, portadores de estenose pilórica por úlcera péptica, a lesão ocorreu após feitura de endoscopia digesti- va em que não foi possível a passagem do endos- cópio pela zona estenosada. Em outro doente, por- tador de processo de enterite inespecífica pelo exa- me histológico, as bolhas subserosas provinham de microúlceras no íleo. Fig. 1.18 — Radiografia do abdome em anteroposterior, em decúbito dorsal, obtida após ingestão de bário. Doente com deiscência de esôfago-jejuno-anastomose realizada após gastrectomia total. O exame foi efetuado duas semanas após a cirurgia. O doente apre- sentou má evolução clínica, com formação de fístula com drenagem de alto débito pelo orifício cutâneo de drenagem peritoneal. Também havia pneumoperitônio residual. O bário ingerido extravasou pela sutura da anastomose e se espalhou pela cavidade ab- dominal, causando uma peritoneografia. São demonstrados a superfície hepática (setas negras) e os contornos da vesícula biliar (ponta de seta negra). O lobo direito do fíga- do (Fig) tem dimensões dominantes. O ligamento falciforme (pontas de seta brancas) é contrastado pela presença de gás em ambos os lados. O diafragma esquerdo (seta bran- ca) é visualizado pela presença do pneumoperitônio. As superfícies demonstradas pelo bário e pelo gás têm aspecto normal e grande valor anatômico. O bário ingerido ex- travasou logo após a passagem pelo esôfago (Es) contrastando o trajeto fistuloso (fist). . 16 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.19 — Radiografia do tórax em incidência póstero-anterior, em de- cúbito ortostático. O doente era portador de uma úlcera duodenal esteno- sante, com formação de extensa pneumatose cistóide. Apresentava perfuração da úlcera, tamponada pelo grande epíplo e por alça do íleo dis- tal, além do quadro de estenose. Havia pneumoperitônio. A superfície diafragmática do fígado (Fig) é nítida. As hemicúpulas frênicas (pontas de seta brancas) estão contrastadas pelo gás do pneumoperitônio (1 e 2), na superfície inferior, e pelo gás pulmonar, na superior. As bolhas de gás nas superfícies serosas das alças intestinais são de grandes dimensões e muito numerosas (seta branca), aparecendo como bolhas com densidade de gás. Elas estão assinaladas pela seta branca, numa topografia inusitada inter- hepatodiafragmática. Deduziu-se que o gás intraluminar saiu pela efração mucosa da úlcera duodenal e penetrou o espaço subseroso, onde formou bolhas e dissecou ligamentos intestinais, atingindo estruturas distantes. A ro- tura de bolhas subserosas originou o pneumoperitônio. Fig. 1.20 — Tomografia computa- dorizada do mesmo doente da Fig. 1.19. Corte efetuado no nível da porção média do rim direito (RD) e do baço (Bc). As bolhas subserosas são volumosas (seta branca). O es- tômago está muito distendido (Est). Outros cortes mostravam gás em suas paredes. O pâncreas aparece à frente dos grandes vasos – aorta (A) e veia cava inferior (V). O es- paço retrogástrico (ponta de seta branca) está com as dimensões muito aumentadas e ocupado por gás. Não foi caracterizado se esse gás era de uma bolha subserosa vi- zinha ou proveniente do pneumo- peritônio. . 17 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.22 — Tomografia computadorizada do mesmo doente da Fig. 1.21. Corte efetuado no nível do baço (Bc) e do fígado (Fig). O estômago (Est) está com au- mento das dimensões. No leito da vesícula biliar (ponta de seta negra), há ima- gem de gás com aspecto de formação de bolhas. Também existe imagem de gás no interior do ligamento falciforme (seta negra). Presumiu-se que o gás intra- luminar, proveniente da luz duodenal, penetrou o espaço subseroso através da efração mucosa da úlcera e atingiu o leito vesicular e o ligamento falciforme por dissecção pelo ligamento hepatoduodenal e pela cápsula hepática. Fig. 1.21 — Radiografia em anteroposterior do andar superior do abdome, em ortostática. O doente, assim como o das Figs. 1.19 e 1.20, é portador de úlcera péptica estenosante do bulbo duodenal. O estômago tem o volume aumentado (Est), caracterizando-se o fundo e o antro gástricos. As pontas de seta negras apontam a grande curvatura do órgão. Na topografia do hilo do fígado (Fig), há coleção de gás com aspecto bolhoso (seta branca). . 18 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Nos três casos, havia pneumoperitônio de lon- ga duração (semanas a meses), insuspeito e assin- tomático. FÍGADO Órgão de grandes dimensões, ocupa o qua- drante superior direito do abdome. É preso à pa- rede abdominalposterior pelo ligamento coroná- rio, folheto de reflexão peritoneal que delimita a sua área vazia, extraperitoneal. O fígado varia de forma e dimensões, bastante relacionadas ao bió- tipo do doente. No brevilíneo, há domínio volu- métrico do lobo direito; no longilíneo e mediolí- neos, equilíbrio das dimensões dos lobos direito e esquerdo. Aproximadamente 10% da população tem uma extensão proeminente do lobo direito do fígado, conhecida como lobo de Riedel, e que pode esten- der-se até a crista ilíaca, não sendo indicativa de hepatomegalia. Quase não há gordura peri-hepática. O órgão é visível quando há gordura extraperitoneal (pa- rarrenal posterior e perirrenal), sendo habitual- mente visualizado na radiografia na sua borda posterior. VESÍCULA BILIAR Ocupa a fossa sub-hepática entre os lobos di- reito e esquerdo, em situação anterior. Tem íntimas relações anatômicas com o bulbo duodenal, antro gástrico e ângulo hepático do colo (Figs. 1.18 e 1.23). BAÇO Jaz logo abaixo do diafragma esquerdo, para fora da grande curvatura e do fundo gástricos. A bor- da inferior com freqüência é contrastada por gordu- ra extraperitoneal e é visível na radiografia sem con- traste. As vísceras vizinhas de conteúdo gasoso favo- recem a visualização do órgão (Fig. 1.5). ESTÔMAGO Quase sempre contém gás e líquido que permi- tem a análise de inúmeros dados. As alterações de sua forma e topografia permitem inferir alterações do tipo expansiva de estruturas vizinhas como o lobo esquerdo do fígado, as coleções na retrocavi- dade dos epíploons, o aumento de volume do pân- Fig. 1.23 — Radiografia do hipocôndrio direito, em anteroposterior, decúbito dorsal. Na porção média da borda hepática inferior e anterior (pontas de seta negras), há abau- lamento correspondente à vesícula biliar. O abaulamento é localizado e há impressão no ângulo hepático do colo (seta branca) provocada pela vesícula. Fígado (Fig) e bor- da hepática (seta negra) com aspecto normal. . 19 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA creas e a esplenomegalia. Em decúbito dorsal, o gás se acumula junto à parede anterior; em ortostáti- ca, no fundo gástrico. Entre nós, a acalasia da cár- dia provoca o sinal da “ausência da bolha de gás gástrica” (Figs. 1.24 a 1.29). É comum uma radi- ografia do tórax, efetuada por outros motivos, mos- trar alterações da bolha gástrica que necessitarão de outros exames para elucidar os achados. INTESTINO DELGADO O intestino delgado e seu mesentério ocupam a porção central do abdome. As alças do delgado, no adulto normal, contêm pouco gás, dada a rá- pida absorção do gás deglutido. Assim, grandes quantidades de gás e líquido são indicativas de pro- blemas de adinamia ou de oclusão. O radiologista deve usar nomenclatura clara quando descrever as alterações das alças intestinais. Usualmente, o del- gado é demonstrado quando contém algum gás, pela presença das válvulas coniventes, finas e deli- cadas e que vão de parede a parede, atravessando toda a luz do órgão. Essas válvulas podem ter as- pecto em espiral, empilhadas ou mais irregulares. É necessário e importante que o radiologista forme seu próprio conceito sobre o aspecto das alças e das pregas, acompanhando o maior número possível de doentes (Figs. 1.30 e 1.31). COLO O colo do adulto, em geral, contém gás e ma- terial fecal (Fig. 1.30). Com o doente em decúbi- to dorsal, o colo sigmóide e o transverso se con- trastam pelo gás inerente por serem mais anteri- ores. O contorno dos colos é marcado pelas haus- trações, abaulamentos da parede formados por contrações das tênias do colo. As marcas são de di- mensões grandes. As pregas mucosas, válvulas se- milunares, são espaçadas e não atravessam a alça (Figs. 1.5 e 1.24). O calibre dos colos varia de 3 a 8cm, usualmente mais calibroso no ceco. O sig- móide e o transverso são intraperitoneais, suspen- sos pelos mesocolo tranverso e pelo mesossigmói- de. Por outro lado, os colos ascendente e descen- dente, bem como o reto, são retroperitoneais, fi- xados na parede posterior. Devem ser lembradas as diversas variações do grau de peritonização das alças: não é raro o doente ter o ceco intraperito- neal sujeito, por exemplo, a sofrer torção. A pre- sença de níveis de gás nos colos deve ser interpre- tada com cautela: com freqüência, eles surgem após emprego de catárticos, após enteroclismas e com o uso de morfina. Surgem também em ou- tras condições que serão discutidas quando da apresentação dos casos. O apêndice cecal, com elevada freqüência, é contrastado no enema bari- tado (Fig. 1.32). PELVE A presença de gordura extraperitoneal permite, com freqüência, a demonstração dos músculos e das vísceras pélvicas. A ausência das interfaces deve ser interpretada com cuidado, pois pode ocorrer sem presença de doença. MÚSCULO PIRIFORME Localiza-se na parede posterior, porção súpero- lateral. Sua borda inferior pode ser visualizada como uma interface convexa que vai do sacro ao forame ciático. O nervo ciático sai da pelve caudal- mente ao piriforme. Hérnias internas — com con- teúdo de intestino grosso e bexiga — podem-se es- tender pelo forame ciático. MÚSCULO OBTURADOR INTERNO Jaz na parede lateral da pelve e cerca o forame obturador. Pode ser visualizado na radiografia habi- tual por causa da gordura subperitoneal que o envol- ve por cima e pela gordura isquiorretal por baixo. MÚSCULO ELEVADOR DO ÂNUS O assoalho pélvico é formado pelo elevador do ânus, anteriormente, e pelo sacrococcígeo, posteri- ormente. MÚSCULO GRANDE GLÚTEO A borda posterior da fossa isquiorretal é forma- da por esse músculo, uma vez que sua face medi- al, contrastada pela gordura subcutânea, aparece nas radiografias como linha regular que se estende para baixo, a partir do sacro. . 20 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.24 — Radiografia do abdome em incidência anteroposterior, decúbito dor- sal. O estômago (Est) aparece por contraste do gás na sua parede anterior. Como o colo transverso também contém gás, delimita-se a faixa com densidade de lí- quido que representa as paredes da grande curvatura do estômago e do colo transverso. É um espaço virtual conhecido como espaço gastrocólico (pontas de seta brancas). As bordas dos psoas (P) são bem representadas. As válvulas semi- lunares do colo tranverso (setas brancas) são visíveis contra a coluna de gás in- traluminar. As Figs. 1.24 a 1.27 representam diferentes aspectos do estômago e de seu conteúdo gasoso. Fig. 1.25 — Radiografia do tórax, incidência póstero-anterior, decúbito ortostático. A bolha de ar do estôma- go (seta branca) ocupa a topografia subfrênica. Há nível de líquido (pon- ta de seta negra) na altura do corpo gástrico. À diferença da radiografia anterior, obtida em decúbito dorsal, com espalhamento do gás na pare- de anterior do estômago, na posição ortostática desenha-se a imagem da bolha gástrica por acúmulo do gás na zona do fundo. . 21 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.26 — Radiografia do tórax, em póstero-anterior, decúbito or- tostático. O doente é portador de acalasia da cárdia, de etiologia chagásica, com megaesôfago. A seta negra aponta uma ausência: não se demonstra a bolha de gás do estômago. Entre nós, o acha- do de ausências da bolha gástri- ca é altamente sugestivo de acalasia do esôfago. Fig. 1.27 — Radiografia do hemiabdome superior em incidência anteroposte- rior, decúbito ortostático. O doente é portador de câncer do fundo gástrico per- furado e tamponado no hilo esplênico. O estômago mostra a clássica imagem de bolha (Est) e, logo acima, aparece imagem com nível de líquido, subfrênica (seta branca) e extragástrica. O ângulo hepático (C) do colo e outras estruturas de densidade de líquido, como fígado (Fig), baço (Bc) e rim esquerdo estão bem representados. . 22 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.29 — Tomografia computadorizada do abdome com administração de contraste por via oral do mesmo doente das Figs. 1.27 e 1.28. Corte no nível do fígado (Fig) e do baço (Bc). Há dois níveisde líquido: de bário intragástrico, com imagem de massa (M), na zona do fundo, e de líquido (ponta de seta branca) extragástrico, no hilo do baço, onde há imagem de massa (seta negra). Os exa- mes de imagem definem a massa gástrica e sua complicação. Fig. 1.28 — Estudo contrastado do estômago do mesmo doente da Fig. 1.27. O estômago (Est) está contrastado por bário ingerido. Há nível líquido do bário (ponta de seta branca) assim como outro nível de lí- quido (seta branca) extragástrico. Fig . 23 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.30 — Radiografia do abdome em in- cidência anteroposterior, com o paciente em decúbito dorsal. No estômago (Est) e nos co- los, há gás que “emoldura” o abdome, com a característica disposição periférica. O ma- terial fecal no ângulo hepático (seta branca) tem aspecto bolhoso, diferente do contido no ângulo esplênico (seta negra), com caracterís- ticas de fezes formadas e sólidas. O reto (R) contém gás. O intestino delgado (ponta de seta negra) é mal demonstrado pela pobreza de gás presente nas alças. O aspecto do del- gado é muito variado e quantidades maiores de gás podem estar normalmente presentes. Fig. 1.31 — Radiografia do abdome em an- teroposterior, decúbito dorsal, obtida durante feitura de trânsito intestinal, quatro horas após a ingestão do contraste. Alças jejunais apare- cem no flanco esquerdo (J), e alças ileais (I), no hemiabdome inferior e direito. Algumas alças ileais estão contrastadas por bário e por gás, com aspecto de duplo contraste (seta branca). A mucosa jejunal demonstra as vál- vulas coniventes. Nessa radiografia, há con- trastação do ceco e do colo ascendente (Asc). . 24 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Fig. 1.32 — Radiografia em incidência anteroposterior do abdome, em decúbito dorsal. Foi obtida após introdução de bá- rio e ar por via retal na vigência de ene- ma baritado por duplo contraste. Os colos se distribuem na periferia do abdome, em “moldura”. As haustrações são evidentes (setas brancas). A ampola retal (R) é me- diana. O apêndice cecal com aspecto vermiforme (ponta de seta branca) é mé- dio-cecal. VÍSCERAS PÉLVICAS A gordura subperitoneal pode delinear a super- fície lateral e superior da bexiga. O útero também pode ser visto, particularmente se anteverso. O reto é visível pela presença de gás intraluminar. O CONTEÚDO GASOSO DO TUBO DIGESTIVO O gás deve ser considerado um meio de con- traste natural. Usualmente, o intestino do adulto contém pou- co menos que 200cc de gás. Ele provém de três fon- tes: deglutição, produção bacteriana intestinal e di- fusão do sangue. O gás ocupa as porções mais altas do tubo digestivo e sua demonstração depende do seu volume e do decúbito do doente. Em decúbito dor- sal, acumula-se e contrasta os segmentos mais an- teriores. Em ortostática, as porções mais altas. O exame por imagem deve: 1. Identificar o segmento que contém gás; 2. Avaliar o calibre do segmento; 3. Definir o ponto mais distal da coluna de gás; 4. Avaliar o estado da mucosa contrastada pelo gás. No exame radiológico, as radiografias em an- teroposterior e em decúbito dorsal mostram, de cima para baixo: • Estômago médio e distal; • Colo transverso, junto à grande curvatura do es- tômago, separado pelo espaço gastrocólico. Também os colos ascendente, descendente e sig- móide, que, pela topografia geral, desenham uma “moldura” do abdome. O sigmóide ocupa a porção ínfero-medial do abdome e pode ser re- conhecido pelas haustrações; • Reto: porção média até a altura da sínfise púbica. O delgado tende a ocupar a porção central do abdome e as alças têm menor calibre que as do colo. As haustrações do colo têm 2 a 3cm de largura e ocorrem de 1 em 1cm. As plicas ou pregas circu- lares do delgado têm 1 a 2mm de espessura e ocor- rem de 1 em 1mm. As pregas do delgado atraves- sam a luz intestinal de lado a lado. O delgado tem calibre de até 3cm, o grosso, de até 5cm. Às vezes, só é possível a definição do segmento com o emprego de meios de contraste, e o radio- . 25 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA logista não deve hesitar na realização do exame contrastado. O gás permite o estudo de detalhes da muco- sa. Na radiografia sem contraste, demonstram-se úlceras e processos proliferativos e infiltrativos do estômago. Também é possível demonstrar proces- sos granulomatosos do intestino e tumores cólicos. ROTINA DE ANÁLISE DA RADIOGRAFIA DO ABDOME A rotina da análise do exame de imagem é orientada no sentido do diagnóstico anatômico e sindrômico. Independentemente da suspeita clínica, emprega- mos a seguinte seqüência no estudo da radiografia: 1. Bacia, coluna lombossacra e articulações sacroi- líacas e coxofemorais; 2. Estruturas paravertebrais e psoas; 3. Órgãos com densidade de líquido (fígado, baço, rins); 4. Estruturas que contêm gás (estômago, bulbo duodenal, delgado, grosso, reto); 5. Diafragma e espaços subfrênicos; bases pulmo- nares; 6. Compartimentos de gordura extraperitoneais (linhas dos flancos, linhas paravesicais); 7. Calcificações; 8. Massas; 9. Estruturas retroperitoneais (pâncreas, linfonodos, grandes vasos, supra-renais). A análise deve ser sistemática e interessar todos os itens arrolados. Cada região será examinada na busca de todas as alterações possíveis. Uma vez definidos os achados, eles serão va- lorizados dentro da história e do quadro clínico do doente. Os exames de imagem exibem acha- dos que, com freqüência, nada têm a ver com a doença atual. Os quadros de abdome agudo são evolutivos e mutáveis: uma alça intestinal sofre processo de tor- ção, produz oclusão intestinal; há sofrimento da alça pela torção do mesentério e seus vasos; há mi- croperfurações; há quadro de peritonite, com pneu- moperitônio etc. Então, interessa conhecer o está- gio da doença em que o exame está sendo realiza- do, se inicial ou tardio, pois os achados podem ser diferentes. Interessa também conhecer a história em detalhes. Em outras palavras, quando se define a apen- dicite aguda como doença inflamatória aguda — e ela o é —, o radiologista não se deve limitar ape- nas a procurar os sinais que definem quadro infla- matório, mas deve procurar, de acordo com a sis- tematização da análise das radiografias, todos os sinais possíveis. Além dos apendicolitos e sinais in- flamatórios locais, a radiografia definirá quadros oclusivos, de pneumoperitônio, de sofrimento de alças, presença de gás na veia porta, abscessos subfrênicos ou ascite. O agrupamento dos sinais leva a diagnósticos mais completos. BIBLIOGRAFIA 1. Baker SR. Imaging of pneumoperitoneum. Abdom Ima- ging 21:413-414, 1996. 2. Bragg DG, Rubin P, Hricak H. Oncologic Imaging, 2nd edition. Ed WB Saunders Company, Philadelphia, 2002. 3. Cope Z. Diagnóstico precoz del abdome agudo. Ed. Ma- rin, Barcelona, 1963. 4. Dodds WJ, Darweesh RMA, Lawson TL et al. The retro- peritoneal spaces revisited. AJR 147:1155-1161, 1986. 5. Eisenberg R. Gastrointestinal Radiology, A Pattern Ap- proach, 4th edition. Ed. Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia, 2002. 6. Javors BR. Pertinent embriology of the gastrointestinal tract: a brief review. Radiologist 2:51-63, 1995. 7. Lee JKT, Sagel SS, Stanley RJ, Heinken JP. Computed body tomography with MRI correlation, 3rd edition. Ed. Lippincott-Raven, Philadelphia, 1998. 8. Meyers MA (1). Dynamic Radiology of the Abdomen, 5th Edition. Ed. Springer, New York, 2000. 9. Meyers MA (2). The spread and localization of acute in- traperitoneal effusions. Radiology 95:547-554, 1970. 10. Netter FH. Digestive system: Part III. Liver, biliary tract and pancreas. The Ciba Collection of Medical Illus- trations, vol 3, New Jersey, 1957. . 26 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA . 27 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA A Semiologia Clínica do Abdome continua de- sempenhando importante papel em clínica médica ambulatorial, hospitalar e nas situações de urgên- cia, a despeito do grande progresso na tecnologia que coloca à disposição do médicoos exames de imagem, tão valiosos para quem exerce a medici- na à beira do leito. Sua sistemática deve ser rigorosamente segui- da, uma vez que, como dizia Jairo Ramos, o grande criador da clínica médica brasileira, “a Clínica é soberana”. A sistemática apresentada nesses capítulos se- gue fielmente a escola de Jairo Ramos e é a utili- zada na Disciplina de Clínica Médica da Universi- dade Federal de São Paulo — Escola Paulista de Medicina. ANAMNESE A anamnese deve ser sempre cuidadosa e pre- cisa, dentro dos princípios da relação médico-pa- ciente. Por meio dela, pode-se estabelecer o diag- nóstico em aproximadamente 70% dos casos. Para sua eficiência é fundamental que o médico e o doente se encontrem em posição confortável e de cordialidade, e o diálogo deve ser o mais harmo- nioso possível. SEMIOLOGIA CLÍNICA DO ABDOME INTERROGATÓRIO COMPLEMENTAR Neste item, aborda-se por meio de interrogató- rio os vários sistemas orgânicos, e cada sinal e sin- toma referido pelo paciente deverá ser explorado em sua plenitude. O médico precisa estar atento para o fato de que nossos pacientes, em geral, possuem duas ou mais doenças que podem interferir no diagnóstico. ANTECEDENTES PESSOAIS E FAMILIARES Os antecedentes pessoais e familiares são de gran- de importância, e não devem ser relegados a um se- gundo plano. Freqüentemente, uma doença no pas- sado poderá ser a causa direta ou indireta da atual. Doenças com caráter hereditário poderão ma- nifestar-se em qualquer época da vida. Diabete melito, hipertensão arterial, tabagismo, alcoolismo e hábitos de vida são sempre relevantes tanto para o diagnóstico da doença principal como para o das doenças secundárias. TERAPÊUTICA EM USO Os medicamentos dificilmente são destituídos de efeitos colaterais, os quais poderão ser o moti- Capítulo 2 Antonio Carlos Lopes ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ . 28 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA vo da queixa do doente. O médico sempre deverá levar em consideração as possíveis interações me- dicamentosas. EXAME CLÍNICO DO ABDOME CARACTERÍSTICAS DA PAREDE ANTERIOR DO ABDOME Antes de entrar no estudo das modificações da forma da parede anterior do abdome, é recomen- dável conhecer o aspecto que a inspeção nos mos- tra quando se trata de uma pessoa normal. As saliências provocadas pela parte superior dos músculos retos podem simular tumores gástri- cos ou hepáticos. Esse engano na inspeção pode conduzir ao erro de diagnóstico, mormente quan- do a contratura muscular impede uma palpação profunda eficiente. A aparência da parede abdominal anterior é muito variável de um indivíduo para outro, mas en- quadra-se facilmente numa descrição geral. Há, no entanto, diferença acentuada nos dois sexos: o abdo- me da mulher e do homem são diferentes entre si. Os acidentes da superfície da parede abdomi- nal anterior só podem ser notados nos indivíduos magros ou portadores de moderado tecido celular subcutâneo. Quando o tecido adiposo atinge uma espessura maior, assume o abdome a forma abau- lada, uniformemente lisa e regular, apenas demar- cada pela presença da cicatriz umbilical, transfor- mada em fenda mais ou menos profunda, e pelas saliências da moldura óssea. Nos homens jovens e vigorosos, nota-se que a porção supra-umbilical da parede anterior do abdome se mostra quase plana, deprimida em relação ao rebordo costocondroxifoi- diano. Abaixo do umbigo, ela é mais arredondada e uniforme, um pouco mais saliente. Na porção su- pra-umbilical da linha mediana, nota-se uma de- pressão longitudinal — o sulco mediano — que vai do processo xifóide até a orla umbilical, ou até um pouco mais abaixo. Aí os pêlos são mais abundan- tes e convergentes no sentido axial do corpo. Late- ralmente, essa goteira rasa é delimitada por duas elevações longitudinais suaves que se estendem do rebordo condral para baixo, passam a cicatriz um- bilical e se atenuam nas regiões infra-umbilicais. Nos indivíduos fortes e magros, nota-se que essas elevações não são uniformes de cima até em bai- xo e sim apresentam depressões transversais que as cruzam de um lado a outro. A mais evidente é qua- se sempre a primeira, pouco abaixo da moldura condroóssea. Raramente, à inspeção, pode-se notar que essas depressões transversais são em número de três acima do umbigo; apenas duas são bem evi- dentes. A goteira mediana corresponde à linha branca do abdome. As elevações laterais são produ- zidas pelos músculos retos anteriores, com as suas interseções tendinosas. Lateralmente, a elevação longitudinal parame- diana é limitada por um sulco menos pronunciado que o mediano e mais largo. Iniciado logo abaixo do rebordo costal, esse sulco desce verticalmente dois dedos abaixo da cicatriz umbilical, depois se inclina para dentro e para baixo até que as suas extremidades se encontrem na linha mediana, na depressão transversal da parte inferior do abdome, denominada sulco suprapúbico. Essa é a linha se- milunar que corresponde ao ponto em que as fibras mais desenvolvidas do músculo grande oblíquo se inserem no seu tendão aponeurótico. As linhas em que essa transição se dá, nos di- ferentes músculos, não se superpõem no mesmo plano anteroposterior. Abaixo do umbigo, não há mais sulco mediano, pois ele é substituído por uma linha mais pigmentada em que há pêlos em maior abundância. Para fora do sulco lateral do abdome, entre a saliência formada pela metade inferior do múscu- lo reto anterior medialmente e a parte muscular do pequeno oblíquo para fora, vemos uma elevação mais acentuada quanto menos vigoroso e mais ido- so é o indivíduo. É o relevo supra-inguinal, que corresponde ao canal inguinal. É a parte menos re- sistente da parede abdominal. Quando o indivíduo, estando em decúbito dorsal, ergue a cabeça ou se esforça para levantar, essa saliência oblonga torna- se ainda mais pronunciada. Além desses sulcos verticais, vamos notar outros que cortam o abdome no sentido transversal e que assumem o aspecto de pregas da pele, bem nítidas e em forma de linha como as da palma da mão. Nota-se em primeiro lugar, logo acima da cica- triz umbilical, ou em seu nível, uma prega que vai do bordo externo do músculo reto de um lado ao de outro. É a prega de flexão do corpo. A prega inguinal constitui o limite inferior da superfície do abdome. Pode ser considerada como a dobra de flexão da coxa sobre a parede abdomi- nal anterior. Vai de uma espinha ilíaca a outra, pas- sando logo acima dos órgãos genitais externos. Na sua porção média, é quase sempre recoberta de pê- los. Acima dela, encontra-se a prega supra-inguinal curva para cima, de raio menor que a anterior, si- tuada cerca de 3cm acima do púbis. Na parte média do abdome, nota-se a de- pressão conhecida pelo nome de cicatriz umbili- . 29 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA cal. Dada a importância cirúrgica desse acidente da parede abdominal anterior, ele tem sido par- ticularmente estudado pelos anatomistas e cirur- giões. Apenas assinalaremos aqui que ele é cons- tituído por rebordo saliente limitado para dentro por um sulco muito profundo que, por sua vez, constitui o limite externo de uma elevação profun- damente situada — tubérculo umbilical. No cen- tro desse tubérculo ou mamilo, situa-se uma cica- triz branca, aderente — a cicatriz umbilical. Como se vê, o umbigo é sempre uma depressão mais profunda quanto mais avantajado é o teci- do celular subcutâneo do indivíduo. Em geral, nos indivíduos de 1,70m de altura, cuja linha xifopu- biana mede 35cm em média, o umbigo fica 16cm acima do púbis. Portanto, um pouco abaixo do centro do abdome. Em 20 indivíduos magros me- didos, cujas alturas variavam de 1,65m a 1,10m, a umbilical estava praticamente em meio cami- nho do apêndice xifóide ao púbis. No homem, o plano frontal que passa pelas espinhas ilíacas an- teriores e superiores é também tangente à face anterior da sínfise pubiana. Nos flancos, o umbigo desce o plano muscular do rebordo costal ao arco da crista ilíaca quase ver-ticalmente. Aí vemos a prega de flexão lateral do tronco quando o indivíduo se inclina para o lado. Não observamos, nessa região, acidentes maiores. Na mulher, o abdome aparece com menos acidentes de superfície. O tecido celular subcutâ- neo, sempre mais abundante, mascara as saliên- cias e torna menos evidentes os sulcos longitudi- nais. Os sulcos transversais são mais pronuncia- dos, principalmente o supra-inguinal que se apre- senta com raio maior e é mais extenso. Devido à maior amplitude da bacia e à maior depressão do tórax, o abdome feminino é mais alargado e mais saliente na porção infra-umbilical. O plano fron- tal que passa pelas espinhas ilíacas está em posi- ção anterior ao plano que toca o púbis, devido ao fato de a lordose lombar ser mais acentuada; fato este que também explica a forma abaulada da porção inferior do abdome. O flanco não é plano como no homem, mas forma uma depressão por o quadril ser mais evidente por causa do diâme- tro lateral maior da bacia. A prega de flexão do flanco é mais acentuada. Sendo na criança o tronco muito mais desen- volvido que os membros, o abdome toma um as- pecto preponderante que vai-se atenuando com o crescimento. DIVISÃO TOPOGRÁFICA DO ABDOME Várias são as linhas convencionais usadas pelos propedeutas para a divisão topográfica do abdome, com o fim de melhor localizar os órgãos intra-ab- dominais, as zonas dolorosas e a situação de forma- ções anômalas verificadas à palpação e à percus- são. A Fig. 2.1 representa a divisão que adotamos, seguindo a maioria dos autores. Nesse caso, a divi- são topográfica do abdome é realizada por três li- nhas transversais, três verticais, os rebordos costais e a arcada inguinal. As linhas horizontais são traça- das, umas paralelas às outras, na altura do apên- dice xifóide, extremidade da 10a costela e altura das espinhas ilíacas anteriores e superiores; as li- nhas verticais são ligeiramente oblíquas de cima para baixo e de fora para dentro, partindo da ex- tremidade da 10a costela e vindo a atingir as extre- midades direita e esquerda do ramo horizontal do púbis. O limite inferior é dado pela arcada ilíaca e ramo horizontal do púbis. Usando as linhas anteriormente mencionadas, dividiremos o abdome em três andares distintos: superior, médio e inferior. Cada um desses anda- res poderá ser subdividido em três sub-regiões, uma central e duas periféricas, situadas à direita e à esquerda das duas linhas verticais que, do re- bordo costal, dirigem-se para o ramo horizontal do púbis. Assim delimitadas teremos as seguintes regiões: 1a. Andar superior: a) epigástrio, b) e c) hipocôndrios, direito e es- querdo, respectivamente; 2a. Andar médio: a) região umbilical, b) e c) regiões laterais ou flancos, direito e esquerdo, respectivamente; 3a. Andar inferior: a) região hipogástrica, b) e c) fossas ilíacas ou regiões inguinais, direita e esquerda, respecti- vamente. PROPEDÊUTICA DO ABDOME Inspeção O exame sistemático do abdome deve ser ini- ciado por uma inspeção bem conduzida, uma vez que essa etapa propedêutica traz ensinamentos muito úteis. Para uma inspeção abdominal eficiente é necessário que o paciente e o médico se coloquem em posição adequada. O doente deverá estar dei- tado em decúbito dorsal ou em pé, de fronte a uma . 30 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA única fonte luminosa. Há casos, entretanto, em que a incidência oblíqua dos raios luminosos favorece a visibilidade; nessas condições, o médico deve orien- tar a posição do paciente de acordo com as neces- sidades de cada caso em particular. O médico se colocará à direita ou à esquerda do paciente, de- vendo também, em certas ocasiões, colocar-se para o lado do segmento cefálico (estando o paciente deitado), de modo que a parte abdominal, a ser inspecionada, fique situada entre o médico e a fon- te luminosa. Inicia-se a inspeção pelo estudo das alterações da forma do abdome. Esta sofre alterações que dependem do tipo morfológico, portanto enquadra- das dentro da normalidade. Distinguem-se duas formas extremas: o abdome do tipo longilíneo, que é muito longo, achatado no sentido anteroposterior e de pequeno diâmetro transversal, e o abdome do tipo brevilínio, que é curto, com diâmetros antero- posterior e transverso exagerados. Entre esses dois tipos extremos é possível verificarmos uma série enorme de formas intermediárias. Nesses limites, a forma do abdome não adquire valor patológico. Há, entretanto, alterações da forma que devem ser conhecidas, pois fogem desses limites e adquirem significado patológico; podem ser de dois tipos: al- terações simétricas e alterações assimétricas. As alterações assimétricas da forma do abdome são as seguintes: 1a. Abdome retraído, pronunciadamente achatado no sentido anteroposterior, tornando-se visíveis os relevos dos rebordos costocondrais, das cristas ilí- acas e da sínfise púbica. Encontra-se nos indi- víduos caquéticos, particularmente nos desidra- tados, como em casos de vômitos incoercíveis ou de diarréia com pronunciada perda de líquido. 2a. Abdome globoso com distensão uniforme e re- gular. Encontra-se nos indivíduos obesos; nos portadores de grandes ascites; nos casos de for- te meteorismo intestinal, como pode acontecer nas estenoses com obstrução; nas paralisias in- testinais; no pneumoperitônio e nos portadores de grandes tumores abdominais (cisto de ová- rio, por exemplo). 3a. Abdome de batráquio, que se caracteriza pela dilatação exagerada dos flancos, trazendo au- mento do diâmetro lateral. Encontra-se em geral nos indivíduos ascíticos com diminuição Fig. 2.1 — Linhas convencionais para a divisão topográfica do abdome. Hipocôndrio direito Hipocôndrio esquerdo Epigástrio F la n co d ir e it o F la n co e sq u e rd o Região umbilical Região abdominal lateral ou direita Região abdominal lateral ou esquerda Região inguinal ou fossa ilíaca direitas Região púbica ou hipogástrica Região inguinal ou fossa ilíaca esquerdas . 31 . © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA da tonicidade da musculatura da parede abdo- minal. 4a . Abdome pendular, caracterizado pela queda do hipogástrio sobre a sínfise púbica, vindo a parte inferior do abdome colocar-se em nível mais baixo que o da sínfise púbica. Nos estados mais avançados, é conhecido com o nome de abdo- me em bisaccia, no qual a parede abdominal anterior chega até a região inguinal, alcançan- do e mesmo recobrindo-a inteiramente. As alterações assimétricas têm sempre significa- ção patológica. É necessário, entretanto, que a as- simetria seja bem evidente para podermos atribuir valor semiológico. Em geral, as assimetrias são de- vidas a abaulamentos localizados. Conforme a si- tuação destes, assim será o órgão lesado e a signi- ficação clínica: abaulamentos — consideraremos os abaulamentos devidos à distensão localizada de segmentos do tubo gastrointestinal e descritos com a denominação de meteorismo localizado. O me- teorismo localizado é facilmente diagnosticado pela inspeção auxiliada da percussão, a qual mostra a existência de som timpânico, que caracteriza o tubo gastrointestinal cheio de ar. Conforme a loca- lização do abaulamento, temos uma indicação diagnóstica preciosa que nos orienta de maneira es- quemática para a identificação da parte do tubo gastrointestinal que é a sede do meteorismo. Qual- quer que seja a sua situação, o meteorismo locali- zado indica distensão de um segmento do tubo gastrointestinal devido ao obstáculo que deverá es- tar situado abaixo da porção dilatada. Exceção a essa regra: a possibilidade de o abaulamento de- pender de formação herniária ou de eventração, ocorrências clínicas de fácil diagnóstico. De acordo com a localização e a forma do abaulamento, poderemos distinguir as seguintes variedades de meteorismo localizado: 1a. Localização epigástrica, mais evidente à es- querda da linha mediana devido à distensão do estômago. Nesses casos, a forma do abaula- mento pode reproduzir os contornos gástricos, vendo-se melhor a grande curvatura e menos nitidamente a
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