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Página 1 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” As alterações vasculares iniciais que ocorrem durante as reações de hipersensibilidade imediata são demonstradas pela reação de pápula e eritema à injeção intradérmica de um alérgeno. Quando um indivíduo que encontrou previamente um alérgeno e produziu anticorpo IgE é desafiado pela injeção intradérmica do mesmo antígeno, o sítio de injeção se torna avermelhado em consequência dos vasos sanguíneos localmente dilatados ingurgitados de hemácias. O sítio então incha rapidamente como resultado do extravasamento plasmático das vênulas. Esse leve inchaço é denominado pápula e pode envolver uma área cutânea que mede alguns centímetros de diâmetro. Subsequentemente, os vasos sanguíneos nas margens da pápula dilatam e se tornam ingurgitados com hemácias, produzindo uma borda vermelha característica chamada eritema. A reação completa de pápula e eritema pode surgir em 5-10 minutos após a administração do antígeno e geralmente desaparece em menos de 1 hora. Hipersensibilidade Imediata (Tipo I) Hipersensibilidade imediata ou do tipo I é uma reação imunológica rápida que ocorre em um indivíduo previamente sensibilizado, e que é impulsionada pela ligação de um antígeno ao anticorpo IgE na superfície dos mastócitos. Essas reações são frequentemente chamadas de alergia e os antígenos que as induzem são os alérgenos. A hipersensibilidade imediata pode ocorrer como um distúrbio sistêmico ou como uma reação local. A reação sistêmica ocorre mais frequentemente após a injeção de um antígeno em um indivíduo sensibilizado (p. ex., por um ferrão de abelha), mas também pode ocorrer após a ingestão de antígenos (p. ex., alérgenos do amendoim). Algumas vezes, em minutos, o paciente entra em estado de choque, que pode ser fatal. As reações locais são diversas e variam dependendo da porta de entrada do alérgeno. Elas podem assumir a forma de erupções cutâneas localizadas ou bolhas (alergia cutânea, urticária), descarga nasal e conjuntival (rinite e conjuntivite alérgicas), febre do feno, asma brônquica ou gastroenterite alérgica (alergia alimentar). Muitas reações de hipersensibilidade tipo I localizadas têm duas fases bem definidas. A reação imediata caracteriza-se por vasodilatação, extravasamento vascular e, dependendo da localização, espasmo muscular liso ou secreções glandulares. Essas alterações geralmente se tornam evidentes em minutos após a exposição a um alérgeno e tendem a retroceder em poucas horas. Em muitos casos (p. ex., rinite alérgica e asma brônquica), estabelece-se uma segunda reação de fase tardia, 2 a 24 horas depois sem exposição adicional ao antígeno, e que pode durar vários dias. Essa reação de fase tardia se caracteriza por infiltração dos tecidos com eosinófilos, neutrófilos, basófilos, monócitos e células T CD4+, bem como por destruição tecidual, tipicamente sob a forma de lesão celular epitelial da mucosa. A maioria das desordens por hipersensibilidade imediata é causada por respostas TH2 excessivas e essas células possuem um papel fundamental por estimular a produção de IgE e promover a inflamação. Essas desordens mediadas por TH2 apresentam uma sequência de eventos característica, descrita a seguir. OBJETIVOS • Relembrar a reação de hipersensibilidade do tipo 1, com foco na alergia alimentar (alérgenos alimentares) (resposta a toxina é a mesma entre o amendoim ou camarão) • Compreender a etiologia, fisiopatologia, manifestações clinicas e diagnóstico da reação alérgica alimentar • Entender as condutas adotadas diante da alergia alimentar (opcional) Página 2 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Ativação das Células TH2 e Produção do Anticorpo IgE O primeiro passo para a geração das células TH2 é a apresentação do antígeno às células T auxiliares CD4+ naive, provavelmente por células dendríticas que capturam o antígeno do seu local de entrada. Por motivos que ainda não são compreendidos, apenas alguns antígenos ambientais geram fortes respostas TH2 e, portanto, exercem a função de alérgenos. Em resposta ao antígeno e a outros estímulos, incluindo citocinas como a IL-4 produzida no local, as células T diferenciam-se em células TH2. As células TH2 recém-criadas produzem uma série de citocinas como consequência do encontro com um antígeno; como mencionado, as citocinas sinalizadoras desse subgrupo são a IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-4 age nas células B estimulando a troca de classe para a IgE e promove o desenvolvimento de mais células TH2. A IL-5 está envolvida no desenvolvimento e na ativação dos eosinófilos, os quais são importantes efetores da hipersensibilidade tipo I (ver adiante). A IL-3 aumenta a produção de IgE e age nas células epiteliais estimulando a secreção do muco. Além disso, as células TH2 (bem como os mastócitos e as células epiteliais) produzem quimiocinas que atraem mais células TH2, bem como outros leucócitos, para o local da reação. Sensibilização e Ativação dos Mastócitos Como os mastócitos são fundamentais para o desenvolvimento da hipersensibilidade imediata, primeiramente nós vamos rever algumas de suas características mais relevantes. Mastócitos são células derivadas da medula óssea que estão amplamente distribuídas nos tecidos. São abundantes perto dos vasos sanguíneos e nervos e em tecidos subepiteliais, o que explica porque as reações de hipersensibilidade imediata locais costumam ocorrer nessas áreas. Os mastócitos têm grânulos citoplasmáticos ligados à membrana que contêm vários mediadores biologicamente ativos, descritos posteriormente. Os grânulos também contêm proteoglicanas ácidas que se ligam a corantes básicos, como o azul de toluidina. (Mast, em alemão, refere-se à engorda de animais, e o nome dessas células vem da crença errônea de que seus grânulos alimentariam o tecido onde essas células estão localizadas.) Como será detalhado a seguir, os mastócitos (e sua contraparte circulante, os basófilos) são ativados por ligação cruzada de alta afinidade a receptores Fc da IgE; além disso, os mastócitos também podem ser ativados por vários outros estímulos, como os componentes do complemento C5a e C3a (chamados anafilatoxinas porque desencadeiam reações que simulam a anafilaxia), que atuam através da ligação a receptores na membrana dos mastócitos. Outros secretagogos dos mastócitos incluem algumas quimiocinas (p. ex., IL-8), fármacos como a codeína e a morfina, adenosina, melitina (presente no veneno das abelhas) e estímulos físicos (p. ex., calor, frio, luz do sol). Os basófilos são semelhantes aos mastócitos em muitos aspectos, incluindo a presença de receptores Fc da IgE na superfície celular e grânulos citoplasmáticos. Ao contrário dos mastócitos, porém, os basófilos não estão normalmente presentes nos tecidos, mas circulam no sangue em número extremamente pequeno. Como os outros granulócitos, os basófilos podem ser recrutados para os locais de inflamação. Os mastócitos e basófilos expressam um receptor de alta afinidade, chamado Fc RI, que é específico para a porção Fc da IgE e, portanto, liga-se avidamente aos anticorpos IgE. Página 3 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Mastócitos revestidos por IgE são ditos sensibilizados, pois são sensíveis ao encontro subsequente com o antígeno específico. Quando um mastócito carregado com anticorpos IgE previamente produzidos em resposta a um antígeno é exposto ao mesmo antígeno, a célula é ativada, resultando na liberaçãode um arsenal de mediadores potentes responsáveis pelos aspectos clínicos das reações de hipersensibilidade imediata. Na primeira etapa da sequência da ativação dos mastócitos, o antígeno liga-se aos anticorpos IgE previamente fixados aos mastócitos. Antígenos multivalentes ligam-se e fazem ligação cruzada com anticorpos IgE adjacentes. Os receptores Fc subjacentes são reunidos, o que ativa as vias de transdução de sinal a partir da porção citoplasmática dos receptores. Esses sinais resultam na produção dos mediadores que são responsáveis pelos sintomas iniciais, algumas vezes explosivos, da hipersensibilidade imediata e também colocam em ação os eventos que levam à reação de fase tardia. Mediadores da Hipersensibilidade Imediata A ativação dos mastócitos leva à degranulação, com a descarga de mediadores pré-formados (primários) que estão armazenados nos grânulos, e à síntese e liberação de mediadores secundários, incluindo produtos lipídicos e citocinas. Os mediadores contidos nos grânulos dos mastócitos são os primeiros a serem liberados e podem ser divididos em três categorias: • Aminas vasoativas. A amina derivada dos mastócitos mais importante é a histamina. A histamina causa intensa contração de músculo liso e aumento da permeabilidade vascular e da secreção de muco pelas glândulas nasais, brônquicas e gástricas. • Enzimas. Estão contidas na matriz dos grânulos e incluem proteases neutras (quimase, triptase) e várias hidrolases ácidas. As enzimas causam dano tecidual e levam à produção de cininas e de componentes do complemento ativados (p. ex., C3a), através da atuação sobre suas proteínas precursoras. • Proteoglicanas. Estas incluem a heparina, anticoagulante bem conhecido, e o sulfato de condroitina. As proteoglicanas servem para empacotar e armazenar as aminas nos grânulos. Os principais mediadores lipídicos são os produtos derivados do ácido araquidônico. Reações nas membranas dos mastócitos resultam na ativação da fosfolipase A2, uma enzima que converte os fosfolipídios da membrana em ácido araquidônico. Esse é o composto original a partir do qual são produzidos os leucotrienos e as prostaglandinas pelas vias da 5-lipoxigenase e ciclo-oxigenase, respectivamente. • Leucotrienos. Os leucotrienos C4 e D4 são os agentes vasoativos e espasmódicos conhecidos mais potentes. Com base na molaridade, eles são vários milhares de vezes mais ativos do que a histamina no aumento da permeabilidade vascular e na promoção da contração da musculatura lisa brônquica. O leucotrieno B4 é altamente quimiotático para neutrófilos, eosinófilos e monócitos. Página 4 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” • Prostaglandina D2. Esse é o mediador mais abundante produzido nos mastócitos pela via da ciclo- oxigenase. Ela causa intenso broncospasmo, bem como aumento da secreção de muco. • Fator ativador de plaquetas (PAF). O PAF é um mediador lipídico produzido por algumas populações de mastócitos, mas não é derivado do ácido araquidônico. Ele causa agregação plaquetária, liberação de histamina, broncospasmo, aumento da permeabilidade vascular e vasodilatação. Seu papel nas reações de hipersensibilidade imediata não está bem estabelecido. Os mastócitos são fonte de muitas citocinas, as quais desempenham um papel importante em vários estágios das reações de hipersensibilidade imediata. As citocinas incluem: TNF, IL-1 e quimiocinas, que promovem o recrutamento de leucócitos (típico da reação de fase tardia); IL-4, que amplifica a resposta TH2, e muitas outras. As células inflamatórias recrutadas pelo TNF e quimiocinas derivados dos mastócitos são fontes adicionais de citocinas e fatores liberadores de histamina que causam degranulação de mastócitos adicional. Esses mediadores são responsáveis pelas manifestações das reações de hipersensibilidade imediata. Alguns, como a histamina e os leucotrienos, são liberados rapidamente a partir de mastócitos sensibilizados e são responsáveis pelas reações imediatas intensas, caracterizadas por edema, secreção de muco e espasmo da musculatura lisa; outros, exemplificados pelas citocinas, incluindo as quimiocinas, preparam o ambiente para a resposta de fase tardia recrutando leucócitos adicionais. Essas células inflamatórias não somente liberam novas ondas de mediadores (incluindo citocinas), mas também causam lesão em células epiteliais. As próprias células epiteliais não são espectadoras passivas nesta reação; elas também podem produzir mediadores solúveis, como as quimiocinas. Reação de Fase Tardia Na reação de fase tardia, os leucócitos são recrutados para ampliar e sustentar a resposta inflamatória sem exposição adicional ao antígeno desencadeante. Eosinófilos geralmente são uma população de leucócitos abundante nessas reações. Eles são recrutados para locais de hipersensibilidade imediata através das quimiocinas, como a eotaxina e outras que são produzidas por células epiteliais, células TH2 e mastócitos. A IL-5 do TH2 é a citocina ativadora de eosinófilos conhecida mais potente. Como consequência da sua ativação, os eosinófilos liberam enzimas proteolíticas, bem como duas proteínas únicas chamadas proteína básica principal e proteína catiônica do eosinófilo, que danificam os tecidos. Atualmente acredita-se que a reação de fase tardia seja a principal causa dos sintomas em alguns distúrbios de hipersensibilidade tipo I, como a asma alérgica. Portanto, o tratamento dessas doenças requer o uso de medicamentos anti-inflamatórios de amplo espectro, como esteroides, em vez de medicamentos anti-histamínicos, que são benéficos na reação imediata, como a que ocorre na rinite alérgica (febre do feno). Desenvolvimento de Alergias A suscetibilidade a reações de hipersensibilidade imediata é geneticamente determinada. Uma predisposição aumentada para o desenvolvimento das reações de hipersensibilidade imediata é chamada de atopia. Os indivíduos atópicos tendem a ter níveis séricos de IgE mais elevados e mais células TH2 produtoras de IL-4 que a população geral. Uma história familiar positiva de alergia é encontrada em 50% dos indivíduos atópicos. A base da predisposição familiar não está clara, mas estudos em pacientes com asma revelam sua ligação a polimorfismos em diversos genes. Alguns desses genes estão localizados na região 5q31 do cromossomo; eles incluem genes codificadores das citocinas IL-3, IL-4, IL-5, IL-9, IL-13 e GM-CSF. Página 5 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Esse locus tem atraído grande atenção em razão dos papéis conhecidos de muitas dessas citocinas na reação alérgica, mas ainda não se sabe como os polimorfismos associados à doença influenciam no desenvolvimento de alergias. Também se observou ligação com o 6p, próximo ao complexo do HLA, sugerindo que a herança de certos alelos do HLA permite a reatividade a certos alérgenos. Os fatores ambientais também são importantes no desenvolvimento de doenças alérgicas. A exposição a poluentes ambientais, que é comum nas sociedades industrializadas, é um fator predisponente importante para a alergia. De fato, sabe-se que os cães e gatos se afastaram dos seres humanos há cerca de 95 milhões de anos e os chimpanzés apenas há cerca de 4-5 milhões de anos, sugerindo que os chimpanzés compartilham mais genes conosco do que os cães e gatos. No entanto, os cães e gatos que vivem no mesmo ambiente que os seres humanos desenvolvem alergiase os chimpanzés, não. Essa observação simples sugere que os fatores ambientais são mais importantes no desenvolvimento de doença alérgica do que a genética. As infecções virais das vias aéreas são gatilhos importantes para a asma brônquica, uma doença alérgica que afeta os pulmões (Cap. 15). Infecções bacterianas da pele estão fortemente associadas com a dermatite atópica. Estima-se que 20% e 30% das reações de hipersensibilidade imediata sejam desencadeadas por estímulos não antigênicos como extremos de temperatura e o exercício e não envolvam células TH2 ou IgE; tais reações são, por vezes, chamadas de alergia não atópica. Acredita-se que, nesses casos, os mastócitos sejam anormalmente sensíveis à ativação por vários estímulos não imunes. A incidência de muitas doenças alérgicas está aumentando nos países desenvolvidos e parece estar relacionada com a diminuição das infecções durante os primeiros anos de vida. Essas observações nos levam a uma ideia, às vezes chamada de hipótese da higiene, de que a exposição a antígenos microbianos no início da infância e mesmo na fase pré-natal educa o sistema imunológico, de forma que as respostas patológicas subsequentes contra alérgenos ambientais comuns sejam evitadas. Dessa forma, o excesso de higiene na infância aumenta as alergias mais tarde na vida. Essa hipótese, contudo, é difícil de ser comprovada, e os mecanismos subjacentes não estão definidos. Com essa consideração dos mecanismos básicos da hipersensibilidade tipo I, voltamo-nos para alguns exemplos clinicamente importantes de doenças mediadas por IgE. Essas reações podem resultar em um amplo espectro de lesões e manifestações clínicas (Tabela 6-2). A anafilaxia sistêmica caracteriza-se por choque vascular, edema generalizado e dificuldade de respiração. Ela ocorre em indivíduos sensibilizados no ambiente hospitalar após a administração de proteínas estranhas (p. ex., antissoro), hormônios, enzimas, polissacarídeos e medicamentos (p. ex., o antibiótico penicilina), ou na comunidade após a exposição a alérgenos alimentares (p. ex., amendoins e crustáceos) ou a toxinas de insetos (p. ex., as encontradas no veneno da abelha). Doses extremamente pequenas de antígenos podem desencadear a anafilaxia, por exemplo, as diminutas quantidades utilizadas no teste cutâneo para várias formas de alergia. Em razão do risco de reações alérgicas graves a quantidades muito pequenas de amendoim, as agências dos EUA estão considerando a proibição de lanches com amendoim servidos nas instalações restritas dos aviões comerciais. minutos após a exposição aparecem o prurido, a urticária e o eritema cutâneo, seguidos por uma contração importante dos bronquíolos respiratórios e dificuldade respiratória. O edema laríngeo resulta em rouquidão e compromete a respiração. Seguem-se vômitos, cólicas abdominais, diarreia e obstrução laríngea, o paciente evolui para o choque e pode morrer dentro de 1 hora. O risco de anafilaxia deve ser mantido em mente quando certos agentes terapêuticos são administrados. Embora os pacientes de risco sejam geralmente identificados pelo antecedente de alguma forma de alergia, a ausência de tal história não afasta a possibilidade de uma reação anafilática. Reações de Hipersensibilidade Imediata Localizadas Página 6 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Cerca de 10% a 20% da população sofre de alergias envolvendo reações localizados a alérgenos ambientais comuns, como o pólen, pelos de animais, poeira doméstica, alimentos e similares. Doenças específicas incluem urticária, rinite alérgica (febre do feno), asma brônquica e alergias a alimentos; estas serão discutidas em outra parte do texto. Doenças Alérgicas em Seres Humanos, Patogênese e Terapia As manifestações de doenças alérgicas dependem dos tecidos em que atuam os mediadores dos mastócitos e as citocinas do tipo 2, bem como da cronicidade do processo inflamatório resultante. Indivíduos atópicos podem ter um ou mais tipos de alergia e as formas mais comuns são a rinite alérgica, asma brônquica, dermatite atópica e alergias alimentares. As características clínicas e patológicas das reações alérgicas variam com o sítio anatômico da reação, por diversos motivos. O ponto de contato com o alérgeno pode determinar os órgãos ou tecidos onde os mastócitos e células Th2 são ativados. Por exemplo, antígenos inalados causam rinite ou asma, antígenos ingeridos costumam causar vômito e diarreia (mas também podem produzir sintomas cutâneos e respiratórios, se doses grandes forem ingeridas), e antígenos injetados produzem efeitos sistêmicos sobre a circulação. A concentração de mastócitos em vários órgãos-alvo influencia a gravidade das respostas. Os mastócitos são particularmente abundantes na pele e mucosa dos tratos respiratório e gastrintestinal, e esses tecidos frequentemente sofrem a maior parte da lesão durante as reações de hipersensibilidade imediata. O fenótipo do mastócito local pode influenciar as características da reação de hipersensibilidade imediata. Exemplificando, os mastócitos do tecido conectivo produzem histamina em abundância e são responsáveis pelas reações de pápula e eritema na pele. Na próxima seção, discutiremos as principais características das doenças alérgicas manifestadas em diferentes tecidos. Reações de Hipersensibilidade Imediata no Trato Respiratório Superior, no Trato Gastrintestinal e na Pele As alergias alimentares são reações de hipersensibilidade imediata a alimentos ingeridos, levando à liberação de mediadores por mastócitos de mucosa e submucosa intestinal do trato gastrintestinal, incluindo a orofaringe. As manifestações clínicas resultantes são prurido, edema tecidual, peristaltismo aumentado, secreção aumentada de fluido epitelial e sintomas associados ao inchaço orofaríngeo, vômito e diarreia. Rinite, urticária e broncoespasmo levem também estão frequentemente associados a reações alérgicas a alimentos, sugerindo exposição antigênica sistêmica, e a anafilaxia ocasionalmente pode ocorrer. Foram descritas reações alérgicas a muitos tipos diferentes de alimentos; alguns dos mais comuns são amendoim e mariscos. Os indivíduos podem ser sensíveis o suficiente a esses alérgenos para que ocorram reações sistêmicas graves em resposta a pequenas ingestas acidentais. Define-se como alérgeno, qualquer substância capaz de estimular uma resposta de hipersensibilidade. Os alérgenos alimentares são na sua maior parte representados por glicoproteínas hidrossolúveis com peso molecular entre 10 e 70 kDa. Podem sofrer modificações conforme o processamento do alimento ou durante a digestão, resultando em aumento ou diminuição da alergenicidade. Um epítopo alergênico pode ser de origem conformacional, quando a estrutura terciária da proteína é que suscita a resposta imunológica. Epítopos conformacionais podem perder sua capacidade de ligação ao anticorpo quando submetidos a processos de cocção, hidrólise ou outros procedimentos químicos. Epítopos também podem ser lineares, uma sequência de aminoácidos que se liga ao anticorpo e, neste cenário, procedimentos químicos simples são incapazes de modificar sua alergenicidade. Página 7 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Os alérgenos alimentares relacionados a manifestações mais graves de alergia são em geral termoestáveis e resistentes à ação de ácidos e proteases. Há três possibilidades de um alimento se tornar capaz de induzir reações: • Quando o alimento é ingerido ou há contato coma pele ou o trato respiratório; • Quando, pela reatividade cruzada, houve produção de IgE específica e sensibilização antes mesmo do contato com o alimento; • Quando há reatividade cruzada entre um alérgeno inalável (ex. polens, látex) responsável pela sensibilização e produção de IgE e ingestão do alimento. Embora virtualmente qualquer alimento possa causar alergia, cerca de 80% das manifestações de alergia alimentar ocorrem com a ingestão de leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos. Deve-se destacar, entretanto, que novos alérgenos têm sido descritos, como kiwi e gergelim, e alguns deles bastante regionais, como a mandioca. O conceito clássico de alérgeno envolve proteínas que suscitam uma resposta de hipersensibilidade; entretanto há, em alergia alimentar, importante exceção que precisa ser destacada: alérgenos compostos por carboidratos. O mecanismo pelo qual estes compostos conseguem estimular a produção de IgE específica ainda não é muito conhecido, mas estima-se que ao conjugar-se com uma proteína do organismo seria capaz de estimular a síntese de IgE específica via receptores presentes na superfície de linfócitos B. Componentes Alérgenos e Alérgenos Alimentares Embora a maior parte das alergias alimentares se restrinja a um pequeno número de possíveis desencadeantes, estes alimentos são muito complexos quando se avalia seu potencial alergênico. Cada um destes alimentos é um conjunto de proteínas que pode, de maneira diferenciada, estimular o sistema imunológico a produzir IgEs específicas e causar reações graves. Até mesmo carboidratos de alguns alimentos têm sido descritos como deflagradores de reações. Esta possibilidade de fracionar o alérgeno e entender alguns de seus componentes como de potencial importância para definição de risco de reação clínica, reatividade cruzada ou mesmo de persistência da alergia, inaugurou uma nova era na alergia, denominada "alergia molecular”. Considerada atualmente um problema de saúde pública, a alergia alimentar é definida como uma doença consequente a uma resposta imunológica anômala, que ocorre após a ingestão e/ou contato com determinado (s) alimento (s). A alergia alimentar representa um capítulo à parte entre as reações adversas a alimentos. De acordo com os mecanismos fisiopatológicos envolvidos, as reações adversas a alimentos podem ser classificadas em imunológicas ou não-imunológicas. A alergia e intolerância são conceitos que muitas vezes são confundidos. A alergia é uma reação exagerada do sistema imunitário em relação a um determinado alimento enquanto que a intolerância é uma reação adversa do organismo a alimentos e é causada por mecanismos não imunológicos. Portanto, assim não existe uma “alergia à lactose”, mas sim uma intolerância à lactose A alergia alimentar é apenas um dos tipos de reações adversas a alimentos. Reação adversa é qualquer resposta anormal do organismo causada pela ingestão de um alimento. As reações adversas a alimentos são inicialmente divididas em tóxicas e não tóxicas. As reações tóxicas dependem de fatores inerentes ao alimento, como as toxinas produzidas na deterioração, afetando qualquer indivíduo que ingira o alimento em quantidade suficiente para produzir sintomas. As reações não tóxicas dependem da suscetibilidade individual e podem ser divididas em reações imunomediadas (alergia alimentar) e não imunomediadas (intolerância alimentar). Atualmente, tem sido sugerido o termo hipersensibilidade alimentar para abranger tanto as reações imunomediadas, chamadas hipersensibilidade alimentar alérgica, quanto as não imunomediadas, Página 8 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” denominadas hipersensibilidade alimentar não alérgica. A intolerância alimentar pode decorrer de deficiências enzimáticas (intolerância a lactose), reatividade anormal a certas substâncias presentes nos alimentos (aditivos alimentares) ou mecanismos desconhecidos. A alergia pode ter mecanismo imune IgE ou não IgE mediado. • As reações não-imunológicas dependem principalmente da substância ingerida (p. ex: toxinas bacterianas presentes em alimentos contaminados) ou das propriedades farmacológicas de determinadas substâncias presentes em alimentos (p. ex: cafeína no café, tiramina em queijos maturados). As reações adversas não imunológicas podem ser desencadeadas também pela fermentação e efeito osmótico de carboidratos ingeridos e não absorvidos. O exemplo clássico é a intolerância por má absorção de lactose. • As reações imunológicas dependem de susceptibilidade individual e podem ser classificadas segundo o mecanismo imunológico envolvido. “Alergia alimentar” é um termo utilizado para descrever as reações adversas a alimentos, dependentes de mecanismos imunológicos, mediados por anticorpos IgE ou não. Classificação As reações de hipersensibilidade aos alimentos podem ser classificadas de acordo com o mecanismo imunológico envolvido em: • Mediadas por IgE Decorrem de sensibilização a alérgenos alimentares com formação de anticorpos específicos da classe IgE, que se fixam a receptores de mastócitos e basófilos. Contatos subsequentes com este mesmo alimento e sua ligação a duas moléculas de IgE próximas determinam a liberação de mediadores vasoativos e citocinas Th2, que induzem às manifestações clínicas de hipersensibilidade imediata. São exemplos de manifestações mais comuns que surgem logo após a exposição ao alimento: reações cutâneas (urticária, angioedema), gastrintestinais (edema e prurido de lábios, língua ou palato, vômitos e diarreia), respiratórias (broncoespasmo, coriza) e reações sistêmicas (anafilaxia e choque anafilático). • Reações mistas (mediadas por IgE e hipersensibilidade celular) Neste grupo estão incluídas as manifestações decorrentes de mecanismos mediados por IgE associados à participação de linfócitos T e de citocinas pró-inflamatórias. São exemplos clínicos deste grupo a esofagite eosinofílica, a gastrite eosinofílica, a gastrenterite eosinofílica, a dermatite atópica e a asma. • Reações não mediadas por IgE As manifestações não mediadas por IgE não são de apresentação imediata e caracterizam-se basicamente pela hipersensibilidade mediada por células. Embora pareçam ser mediadas por linfócitos T, há muitos pontos que necessitam ser mais estudados nesse tipo de reações. Aqui estão representados os quadros de proctite, enteropatia induzida por proteína alimentar e enterocolite induzida por proteína alimentar. Reações de hipersensibilidade: IgE e não IgE mediadas As manifestações clínicas das reações de hipersensibilidade aos alimentos são dependentes dos mecanismos imunológicos envolvidos. Enquanto as reações mediadas por IgE tipicamente ocorrem minutos após a exposição ao alimento envolvido, as não-mediadas por IgE e as formas mistas podem demorar de horas até dias para se tornarem clinicamente evidentes. As respostas de hipersensibilidade induzidas por antígenos alimentares mediadas por IgE podem ser o resultado de falta da indução ou quebra dos mecanismos de tolerância oral no trato gastrintestinal, que ocorrem em indivíduos geneticamente predispostos. Página 9 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Tanto na falta de indução, como na quebra dos mecanismos de tolerância, ocorre produção excessiva de IgE específica ao alimento envolvido. Estes anticorpos ligam-se a receptores de alta afinidade (FceRI), presentes em mastócitos e basófilos e em receptoresde baixa afinidade (FceRII), presentes em macrófagos, monócitos, linfócitos, eosinófilos e plaquetas. Com uma nova exposição ao alérgeno alimentar, ocorre sua ligação aos anticorpos IgE específicos, fixados em mastócitos e basófilos, sendo liberados mediadores como histamina, prostaglandinas e leucotrienos, que promovem vasodilatação, contração do músculo liso e secreção de muco, com indução de sintomas característicos. A ativação de mastócitos também promove a liberação de várias citocinas, que são importantes na fase tardia da resposta IgE-mediada. Embora vários relatos discutam outros mecanismos de hipersensibilidade não mediados por IgE, as evidências que dão respaldo ao seu papel são limitadas, sendo a resposta de hipersensibilidade celular tipo IV (induzida por células), a mais relacionada com várias doenças, e nela a resposta clínica pode ocorrer de várias horas até dias após a ingestão do alimento suspeito. Esta resposta celular pode contribuir em várias reações aos alimentos, como nas enterocolites e nas enteropatias induzidas por proteínas alimentares, mas há necessidade de mais estudos comprovando esse mecanismo imunológico. A alergia alimentar ocorre em duas etapas A sensibilização e a reação propriamente ditam. A etapa de sensibilização ocorre quando a pessoa é exposta pela primeira vez a um determinado alimento, o que acontece, por vezes, ainda antes do nascimento. O sistema imunitário produz, assim, uma grande quantidade de IgE específicas para aquele alimento. O indivíduo, nesta fase, não apresenta qualquer tipo de sintomas. A etapa da reação propriamente dita manifesta-se quando há um segundo contato com o alimento, mesmo que seja em pequena quantidade, sendo que o sistema imunitário reage, desencadeando uma reação alérgica. Neste mecanismo de ação estão envolvidas várias células do sistema imunológico: linfócitos T efetores e reguladores, linfócitos B produtores de imunoglobulinas (IgE), células dendríticas, células efetoras (mastócitos e basófilos) e mediadores inflamatórios (histaminas, citocinas, entre outros)/lipídicos: leucotrienos As alergias alimentares mediadas por IgE iniciam-se por uma interação do composto alergênio do alimento às células dendríticas. As células “apresentam” os alergênios às células T CD4+, as quais se diferenciam em linfócitos Th2. É através das citocinas IL-3 e IL-4 (interleucinas 3 e 4) que os linfócitos Th2 promovem a produção de anticorpos IgE, através dos linfócitos B. Os IgE são incorporados nos mastócitos e basófilos, presentes na pele e mucosas, terminando assim a etapa da sensibilização. Na situação anterior, verifica-se uma diminuição da atividade ou produção dos linfócitos Treg (linfócito T regulador – supressor), estas células inativam os linfócitos Th2, inibindo a resposta inflamatória da reação alérgica. Nesta etapa, os linfócitos T de memória “lembram” este primeiro contato, que ocorreu entre o organismo e o alergénio, durante um intervalo de tempo bastante longo que pode durar vários anos. Numa segunda exposição ao alergénio, a reação alérgica é desencadeada pela ligação do alergénio aos mastócitos ou basófilos, através dos IgE específicos, anteriormente produzidos. Este processo leva à degranulação dos mastócitos, libertação de pequenos grânulos que contêm substâncias químicas, mediadores inflamatórios (histamina, citocinas, leucotrienos, prostaglandinas, entre outros). Estes são responsáveis por todos os sintomas característicos das reações alérgicas alimentares, causando, por exemplo, alterações morfológicas e funcionais da mucosa intestinal. Etiologia Quase qualquer alimento ou aditivo alimentar pode causar uma reação alérgica, mas os gatilhos mais comuns incluem: Página 10 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” • Em recém-nascidos e crianças jovens: leite, soja, ovos, amendoim e trigo; • Em crianças mais velhas e adultos: oleaginosas e frutos do mar. A exposição a outros alérgenos semelhantes aos presentes nos alimentos (como pólen) pode desencadear a produção de anticorpos contra substâncias nos alimentos, resultando em alergia alimentar. Este processo é chamado sensibilização. Por exemplo, crianças alérgicas a amendoim podem ter sido sensibilizadas ao amendoim quando cremes tópicos contendo óleo de amendoim foram usados para tratar erupções cutâneas. Além disso, muitas pessoas alérgicas ao látex também são alérgicas a banana, kiwi, abacate ou uma combinação. O látex e estas frutas contêm alérgenos semelhantes. Epidemiologia Até 15% das pessoas em geral afirmam que podem ser alérgicas a algum alimento. Entretanto, estudos sugerem que a prevalência real da alergia alimentar é de 3 a 4% entre os adultos e de aproximadamente 6% entre as crianças. Fatores de risco Pesquisas reconheceram que apenas a exposição aos alérgenos não determina o aumento global na incidência da doença e, assim, a identificação de possíveis fatores de risco pode ajudar a elaborar recomendações preventivas para indivíduos considerados de baixo, médio e alto risco para alergia alimentar e outras atopias. Uma série de fatores de risco têm sido associados à alergia alimentar, tais como ser lactente do sexo masculino, etnia asiática e africana, comorbidades alérgicas (dermatite atópica), desmame precoce, insuficiência de vitamina D, redução do consumo dietético de ácidos graxos poli-insaturados do tipo ômega 3, redução de consumo de antioxidantes, uso de antiácidos que dificulta a digestão dos alérgenos, obesidade como doença inflamatória, época e via de exposição aos potenciais alérgenos alimentares e outros fatores relacionados à Hipótese da higiene. A predisposição genética, associada a fatores de risco ambientais, culturais e comportamentais, formam a base para o desencadeamento das alergias alimentares em termos de frequência, gravidade e expressão clínica. Apesar de vários fatores de risco para alergia alimentar terem sido identificados, ainda não está claro quais destes fatores são importantes para a elevação da prevalência de alergia alimentar, seja nas formas IgE mediadas como nas não IgE mediadas. Os fatores de risco, quando estão presentes no início da vida, inclusive na gravidez, são de fundamental importância. O ideal seria a avaliação da predisposição genética, antes ou pelo menos ao nascimento, e a partir da identificação dos vários fatores de risco efetuar a aplicação imediata de métodos preventivos. Herança genética Estima-se que os fatores genéticos exerçam papel fundamental na expressão da doença alérgica, especialmente nas formas mediadas pela IgE. Embora não haja, no momento, testes genéticos diagnósticos disponíveis para identificar indivíduos com risco de alergia alimentar, a história familiar de atopia ainda é o melhor indicativo de risco para o seu aparecimento. Em estudo com lactentes comprovadamente diagnosticados com alergia alimentar, o risco de alergia alimentar foi aumentado para 40% se um membro da família nuclear apresentasse qualquer doença alérgica, e em 80% quando isto aconteceu em dois familiares próximos. Assim, a expressão da herança genética é mais intensa quando há antecedentes bilateralmente (pai e mãe), determinando sintomas mais precoces e frequentes. Embora haja alguma evidência que implique genes específicos na susceptibilidade a alergias alimentares, os estudos não foram replicados em grande escala. As mutações que acarretam perda de função no gene da filagrinaforam associadas à alergia ao amendoim, independente da presença da dermatite atópica, e levantou a possibilidade da pele funcionar como uma via potencial de sensibilização. Na Dinamarca, as mutações do gene da filagrina também foram associadas ao aumento de alergia referida a ovo, leite de vaca, trigo e peixes, bem como à presença de níveis elevados de IgE específicos à proteína do leite de vaca, todavia, ainda é controversa Página 11 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” a participação determinante da filagrina na alergia alimentar, especialmente em pacientes com história familiar de doenças alérgicas. Os polimorfismos no gene STAT6 foram associados à sensibilização e retardo na tolerância em alergia ao leite de vaca. Embora pareça muito provável que haja base genética para o desenvolvimento de alergias alimentares, são necessários mais estudos para identificar os loci específicos envolvidos, e como ainda não é possível modificá-la, todas as ações devem ser direcionadas ao ambiente, no sentido de estabelecer os fatores de risco e, a partir destes, tentar evitar a sensibilização alérgica. Fatores dietéticos O aleitamento materno e o ato de amamentar são de extrema importância na promoção da saúde e na prevenção de doenças em curto e longo prazo, para a nutriz e seu filho. Assim, o aleitamento materno deve ser recomendado de forma exclusiva até o sexto mês e complementado (por meio de alimentação complementar balanceada e equilibrada) até os dois anos ou mais. O leite materno contém IgA secretora, que funciona como bloqueador de antígenos alimentares e ambientais, bem como vários fatores de amadurecimento da barreira intestinal e fatores imunorreguladores importantes no estabelecimento da microbiota. O leite materno tem papel importante na indução de tolerância oral, quando o alimento alergênico é introduzido de forma complementar, em pequenas quantidades. O aleitamento materno exclusivo, sem a introdução de leite de vaca, de fórmulas infantis à base de leite de vaca e de alimentos complementares até os seis meses tem sido ressaltado como eficaz na prevenção do aparecimento de sintomas alérgicos. Estudo de revisão de trabalhos que avaliaram o efeito protetor do leite materno entre lactentes com risco familiar de alergia alimentar ao serem amamentados exclusivamente até os quatro meses de vida, demonstrou redução na incidência cumulativa de alergia às proteínas do leite de vaca até os 18 meses, e de dermatite atópica até os três anos de idade. Receber fórmulas de leite de vaca, ainda no berçário, pode ser indutor de disbiose intestinal, e fator de risco importante de alergia alimentar. Da mesma forma, em crianças de alto risco, vários estudos avaliaram o uso de fórmulas de soja ou hidrolisados proteicos na redução do risco de alergia às proteínas do leite de vaca. A soja não determinou redução do risco e não é apropriada para utilização em lactentes menores de 6 meses. O emprego de fórmulas hidrolisadas a crianças sem a possibilidade de aleitamento natural e com alto risco de alergia alimentar, com o intuito de reduzir a incidência de alergia às proteínas do leite de vaca e de outras doenças alérgicas acompanhou-se de resultados contraditórios. Há algumas evidências que sugerem que fórmulas de soro do leite de vaca parcialmente hidrolisadas e fórmulas de caseína extensamente hidrolisadas podem diminuir o risco de desenvolver eczema para lactentes com alto risco de doença alérgica. A evidência de um efeito preventivo de fórmulas hidrolisadas sobre rinite alérgica, alergia alimentar e asma é inconsistente e insuficiente. A introdução precoce de leite de vaca, ovo, amendoim, castanhas, peixe e frutos do mar poderia ser fator de risco e induzir o desenvolvimento de alergia alimentar. Contudo, na atualidade a noção é oposta, de que a exclusão por tempo prolongado de alimentos com potencial alergênico pode ser fator de risco porque a indução da tolerância oral poderia ser alcançada por outras rotas de exposição, particularmente através da pele, em especial quando inflamada em pacientes com dermatite atópica. A maior diversidade de alimentos na infância pode ter efeito protetor sobre a sensibilização alimentar, bem como prevenir a alergia alimentar clínica, mais tarde na infância. Página 12 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” É importante ressaltar que há falta de evidências de benefícios para introduzir alimentos precocemente, visando a prevenção de alergia alimentar. Os estudos disponíveis enfocam a prevenção nas formas de alergia mediadas por IgE, portanto, não se conhece o efeito dessa introdução nas formas não-IgE mediadas. Recomenda-se então manter a norma da OMS, em função dos inúmeros benefícios para a saúde materna e infantil (em curto e longo prazo): "aleitamento materno exclusivo até o sexto mês e complementado (alimentação complementar saudável, balanceada e equilibrada) até dois anos ou mais". Há ainda, como demonstrado pelo EAT Study, preocupações a respeito do aumento do risco de FPIES com a introdução precoce de alimentos alergênicos (antes dos três meses). Logo após o nascimento, inicia-se a colonização do recém-nascido. Alguns fatores que interferem nesse processo são: parto cesariano, uso materno de antibiótico, condições excessivas de higiene e o uso de fórmula complementar oferecida à criança que pode resultar em disbiose. O leite materno é rico em oligossacarídeos, responsáveis pelo efeito bifidogênico, o que faz com que lactentes em aleitamento materno tenham aumento de bifidobactérias em seu trato gastrintestinal. Já as crianças que recebem fórmulas infantis ou leite de vaca integral desenvolvem uma microbiota intestinal com predomínio de enterobactérias e bacteroides, tornando o sistema imunológico mais vulnerável à quebra de tolerância. Algumas pesquisas sugerem que a alimentação precoce com probióticos poderia reduzir o desenvolvimento de doenças alérgicas, particularmente dermatite atópica, mas outros estudos discordam sobre o papel dos probióticos na infância precoce sobre o desenvolvimento de alergia alimentar ou outras doenças alérgicas. Revisão sistemática avaliou a influência da exposição microbiana sobre o aparecimento de alergia alimentar, incluindo nascimento por parto cesariano, presença de irmãos, atendimento em creches e tratamento com probióticos, e não documentou evidências de qualquer efeito protetor. Várias organizações internacionais de especialistas não recomendam o uso de probióticos e prebióticos para a prevenção primária de doenças alérgicas. Metanálise recente envolvendo o documento da World Allergy Organization (WAO) reconhece que as recomendações de ambos, prebióticos e probióticos, é condicional e baseada em recomendações de baixa qualidade de evidência. A insuficiência de vitamina D (abaixo de 15 ng/mL) foi associada a risco aumentado para a sensibilização ao amendoim. A insuficiência de vitamina D como fator de risco para alergia alimentar é mais frequente em países distantes do Equador e com menor radiação ultravioleta, apesar desta associação ser controversa. Estudo duplo cego randômico, ainda em andamento, propôs-se avaliar o papel da suplementação de vitamina D em desfechos relacionados ao sistema imunológico. Fatores culturais e comportamentais Estes fatores também estão associados ao risco de alergia alimentar, e podem ser modificáveis. Os filhos de gestantes que fumaram na gravidez apresentam níveis elevados de IgE e eosinofilia no sangue do cordãoumbilical, sugerindo que este irritante respiratório pode ser indutor de desvio Th2 e consequentemente, de doença alérgica. Do mesmo modo, o consumo de álcool durante a gestação encontra-se documentado como um fator de risco importante, com elevação da IgE específica para antígenos alimentares e aeroalérgenos. Crianças expostas no início da vida a irmãos mais velhos e animais de estimação em casa podem apresentar menor risco de alergia ao ovo aos 12 meses, em decorrência da estimulação do microbioma, o que pode ter efeito protetor em termos de desenvolvimento de alergia. Comorbidades alérgicas Comorbidades alérgicas são fatores de risco para o desenvolvimento de alergia alimentar. Estudos indicam que a alergia alimentar pode predispor à asma, e, da mesma forma, a asma pode predispor à alergia alimentar. Página 13 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Estudo de seguimento de lactentes verificou que a dermatite atópica grave e alergia ao ovo foram fatores de risco para sensibilização ao amendoim. Microbiota intestinal A microbiota intestinal tem íntima relação com os elementos imunológicos subjacentes ao epitélio intestinal e, assim, participa do processo de tolerância imunológica para antígenos alimentares. Inicialmente o efeito ocorre por meio do processamento dos antígenos, reduzindo sua alergenicidade e, posteriormente, melhorando as funções de barreira. A microbiota é capaz de modular a resposta imunológica, com ativação de células linfocitárias intraepiteliais e de linfócitos da lâmina própria, que se diferenciam em células reguladoras, fundamentais para estes mecanismos de tolerância imunológica. Neste sentido, em analogia à influência da microbiota intestinal sobre o sistema imunológico, a utilização de cepas probióticas poderia prevenir o aparecimento de alergias na infância. Em 2001, estudo pioneiro com grávidas de risco para atopia, utilizando Lactobacilos GG ou placebo, no período pré e pós-natal, mostrou redução, aos sete anos de vida, na prevalência de eczema atópico à metade, em comparação àquelas crianças cujas mães receberam placebo durante a gestação; este efeito protetor permaneceu até os quatro anos de idade. Para avaliar a relação entre o uso de probióticos com as alergias cutâneas, respiratórias e alimentares, muitos estudos clínicos e experimentais vêm sendo desenvolvidos. Dentre estes, alguns apontam que cepas probióticas específicas podem ser eficazes no tratamento de um subgrupo de pacientes, sobretudo naqueles onde existe alergia a um único alimento. Neste sentido, a utilização de cepas de Lactobacillus GG adicionadas à fórmula extensamente hidrolisada ou à imunoterapia sublingual promoveram aquisição de tolerância oral mais precocemente em pacientes com alergia às proteínas do leite de vaca e alergia ao amendoim, respectivamente. Metanálise (17 estudos e 4.755 crianças, realizada em 2015) mostrou risco relativo significantemente inferior para desenvolver alergias no grupo probiótico, quando comparado ao controle, sobretudo para aquelas gestantes que receberam mistura de cepas probióticas, em relação às que receberam uma cepa isoladamente. Por conta de desenhos e desfechos diferentes e, sobretudo, pela utilização de cepas diferentes, a interpretação em conjunto destes estudos torna-se inconsistente, sobretudo para uma afirmação consensual. Por isso, os comitês de nutrição das sociedades europeias de alergia (EAACI) e de gastroenterologia pediátrica (ESPGHAN) não recomendam a utilização de pré, probióticos ou outros suplementos dietéticos na prevenção de alergia alimentar. No entanto, a Organização Mundial de Alergia, em 2015, sugere a utilização de probióticos na grávida, na lactante e no lactente de risco para o desenvolvimento de alergias futuras, sobretudo nos com risco de dermatite atópica, realçando a fraca qualidade da recomendação. Mecanismo de defesa do trato gastrointestinal O trato gastrintestinal (TGI) é o único órgão onde existe uma convivência harmônica entre grande número de micro-organismos e o sistema imunológico além de ter a capacidade de receber diariamente grande quantidade de antígenos alimentares sem que haja um processo inflamatório que cause danos. Essa função do TGI de promover a digestão com a incorporação de nutrientes, água, eletrólitos e ao mesmo tempo manutenção de um equilíbrio imunológico só é conseguida pela presença de mecanismos de defesa bem elaborados. Durante a vida, são ingeridas grandes quantidades de alimentos com alta carga proteica e, apesar disto, apenas alguns indivíduos desenvolvem alergia alimentar, demonstrando que existem mecanismos de defesa competentes no TGI, que contribuem para o desenvolvimento de tolerância oral. A permeabilidade da barreira intestinal é variável e pode ser afetada ou mesmo promover o desenvolvimento de várias doenças no lactente e no adulto. Estes mecanismos de defesa existentes podem ser classificados como inespecíficos e específicos. Os mecanismos de defesa inespecíficos englobam: a barreira mecânica representada pelo próprio epitélio intestinal e pela junção firme entre suas células epiteliais (promovida por light junctions, desmossomos, entre outros), a flora intestinal, o ácido Página 14 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” gástrico, as secreções biliares e pancreáticas e a própria motilidade intestinal. Para se manter a integridade da barreira epitelial se faz necessária uma regulação precisa em sua estrutura e função, de modo a promover um balanço entre os mecanismos pró e anti-inflamatórios que ocorrem no TGI. O epitélio intestinal é renovado a cada semana, em decorrência da proliferação, diferenciação e migração das stem-cell progenitoras, das criptas em direção ao lúmen, mantendo sua função de barreira. As stem-cell intestinais geram 80% de enterócitos com capacidade absortiva, além de células de Goblet produtoras de muco, células êntero-endócrinas e células de Paneth produtoras de peptídeos antimicrobianos. Outra célula epitelial bem diferenciada é conhecida como célula M, que não apresenta camada de muco em sua superfície. Um elemento importante da defesa inespecífica é representado pelo muco, que recobre as células epiteliais e contém diferentes mucinas. O muco auxilia na formação de uma primeira linha de defesa e facilita a aderência de bactérias através de componentes de sua parede celular, promovendo sua eliminação pela peristalse. No intestino delgado, essa camada de muco é mais fina e penetrável, em comparação com o cólon, permitindo maior absorção de nutrientes. Também tem a função de matriz onde são mantidos os peptídeos antimicrobianos produzidos pelas células de Paneth, facilitando sua difusão através do muco. Uma função adicional das mucinas é ser fonte nutricional para os micro-organismos comensais, podendo regular a microflora intestinal. As principais moléculas produzidas pelas células de Paneth são: alfa-defensina, lisozima C, fosfolipases e lectina tipo-C, que contribuem para a barreira mucosa e na prevenção da invasão microbiana. Alterações na permeabilidade intestinal e nos mecanismos de barreira podem ser a origem de doenças do TGI envolvendo processos inflamatórios. Entre os mecanismos de defesa específicos encontramos aqueles relacionados à defesa imunológica do TGI, que podem ser encontrados em três níveis, a saber: (1) Barreira epitelial intestinal; (2) Lâmina própria; (3) Sistema imunológico do trato gastrintestinal (GALT - Gut-associated lymphoid tissue).Este último faz parte de um grande sistema de imunidade de mucosas (MALT-Mucosa-associated lymphoid tissue), que entra em contato com o meio externo, sendo considerado o maior órgão linfoide do organismo. O GALT, por sua vez, é composto por diferentes tecidos linfoides organizados, que incluem: as placas de Peyer (PP), folículos linfoides isolados (FLI) e linfonodos mesentéricos (LNM). A quantidade de linfócitos presentes do TGI atinge 5x1010, enquanto a pele contém cerca de 2x10 e o sangue 10, com cerca de 6x10 de plasmócitos produtores de imunoglobulinas. Pode-se considerar as funções do sistema imunológico de mucosas levando em conta locais indutores e locais efetores, sendo os indutores aqueles onde a entrada de antígenos pelas superfícies mucosas ativam os linfócitos "virgens" ou naive e os de memória, tanto T quanto B, presentes nos tecidos linfoides organizados, como classificados acima. Por outro lado, os sítios efetores são representados pelos linfócitos presentes na lâmina própria e nos que permeiam as células epiteliais. Na lâmina própria estão localizadas a maioria das células imunológicas: as que já entraram em contato com antígenos anteriormente (linfócitos T e B de memória), sendo na maioria linfócito do tipo CD4+, mas também estão presentes CD8+, CD4+CD25hi (conhecidos como linfócitos T reguladores - Treg) e outras células imunológicas, como células dendríticas (DC), macrófagos, mastócitos, eosinófilos e células linfoides inatas (ILC). As PP são estruturas linfoides organizadas, distribuídas no intestino delgado, especialmente no íleo distal e que representam os principais sítios indutores. Consistem de um centro germinativo que contém grande quantidade de linfócitos B, circundados de poucos linfócitos T. Os linfócitos B são direcionados principalmente para a produção de IgA. Uma particularidade das PP é a presença de células epiteliais especializadas, as chamadas células M. Página 15 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Essas células M não apresentam microvilosidades e camada superficial de muco, o que facilita a captação de antígenos (Ag) particulados, vírus, bactérias ou parasitas intactos. Sua localização e características permitem o contato na região do domo das PP com uma grande quantidade de DC, que interagem com esses Ag e os colocam em contato direto com linfócitos T e B, induzindo a produção de IgA, mediada por TGF-ß secretado pelos linfócitos T. Após a apresentação antigênica na mucosa do TGI pela captação do antígeno pelas células M, ocorre a captação destes antígenos pelas DC, que representam as células apresentadoras de antígeno (APC) mais competentes para esta função, embora outras células também possam exercer este papel. Estas APC apresentam estes antígenos às células T helper naive (Th0) presentes nos tecidos linfoides associados ao intestino. Na dependência da alergenicidade do Ag e das células presentes no local da apresentação, as células Th0 diferenciam-se em diferentes tipos de linfócitos T, classificados pelo perfil de interleucinas (IL) que produzem. Linfócitos Th1 produzem interferon gama (INFg), IL- 2 e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), e os linfócitos Th2, preferentemente IL-4, IL-5, IL- 9 e IL-13. A ativação de outros tipos de linfócitos T, como os Th-17, que produzem citocinas do tipo IL-17 e IL-22, também pode ocorrer e proteger contra infecção por germes extracelulares. A captação de Ag não ocorre apenas através das células M, mas também pela captação direta no lúmen pelos dendritos das DC que se infiltram entre as células epiteliais da mucosa, através das próprias células epiteliais ou células de Goblet, ou mesmo penetrando através de aberturas entre as tight junction que interligam as células epiteliais As DC também ativam células Treg, resultando no desenvolvimento de tolerância oral. As células Treg são linfócitos que controlam ou suprimem a função de outras células, e podem ser naturais ou induzidos perifericamente, em especial no TGI. Várias células Treg CD4+ foram identificadas (Treg CD4+CD25hi; Tr1; Th3) e são reconhecidas por sua ação supressora sobre outros tipos de linfócitos, seja pela produção de TGF-ß e IL-10, principais inibidores da resposta Th2 ou pela presença de moléculas inibitórias como CTLA4 (cytotoxic T lymphocyte antigen-4). O TGF-ß é o principal indutor da produção de IgA na mucosa pelos linfócitos B. Os linfócitos intraepiteliais (IEL) são linfócitos T que apresentam a função de manter e proteger a barreira mucosa, além de regular e manter a homeostase intestinal. A presença de numerosas células linfoides inatas (ILC) também tem sido implicada no mecanismo imunológico de regulação intestinal. Essas células funcionam como os linfócitos T CD4+dos diferentes tipos Th-1, Th-2 ou Th-17 na dependência de serem ILC grupo 1, 2 ou 3, respectivamente, e produzirem as mesmas IL de cada um dos tipos de linfócitos T. A produção da IgA secretora pelos linfócitos B, induzidos pela presença de TGF-ß, representa um dos principais mecanismos de defesa do TGI, referido como exclusão imunológica e com ação sinérgica com outros mecanismos imunológicos. A IgA secretora incorporada ao muco também representa a primeira linha de defesa da barreira mucosa, e tem a capacidade de inibir a adesão bacteriana às células epiteliais, neutralizar vírus e toxinas bacterianas, e prevenir a penetração de antígenos alimentares na barreira epitelial. A lâmina própria do intestino é o maior local de produção de anticorpos do organismo, onde se encontram cerca de 80% de células B ativadas. Embora a IgA seja encontrada no sangue como um monômero, a IgA secretora é formada por duas moléculas ligadas por um peptídeo chamado de "cadeia J". A IgA secretora, derivada de células B presentes na lâmina própria, é transportada através das células do intestino com a ajuda do componente secretor presente na superfície basal das células epiteliais, que se incorpora ao dímero IgA e favorece a sua resistência à digestão. A falta de IgA secretora pode ser compensada pela presença de IgM secretora e outros mecanismos imunológicos inatos e adquiridos, o que explica porque grande parcela de pacientes com deficiência de IgA não apresenta infecções/parasitoses recorrentes no TGI. Por outro lado, a importância da IgA secretora na mucosa é demonstrada em pacientes com deficiência de IgA, onde a prevalência de hipersensibilidade a Página 16 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” alimentos e aeroalérgenos é mais referida por familiares. Sugere-se que o sistema imunológico imaturo dos neonatos e lactentes jovens favoreça a sensibilização alérgica. Nesta fase da vida, a barreira intestinal é imatura e mais permeável, tornando o epitélio mais suscetível à penetração dos diferentes antígenos, portanto, mais vulnerável à sensibilização alérgica. Além disso, nesta fase da vida há produção diminuída de anticorpos IgA secretores, o que favorece a penetração de alérgenos e consequentemente a ocorrência de alergias. A evolução simultânea da imunidade do ser humano com sua microflora estabeleceu interações regulatórias essenciais para a manutenção da saúde, e uma quebra ou alteração da microbiota pode acarretar no aumento das doenças alérgicas e autoimunes. Outro aspecto fundamental de defesa é representado pelo aleitamento materno nos lactentes jovens, pela similaridade antigênica da espécie e pelos fatores protetores carreados, sejam imunológicos ou não-imunológicos, que contribuem para a manutenção de uma microbiota adequada neste período precoce da vida.A microbiota comensal também auxilia no desenvolvimento dos tecidos linfoides secundários, como as PP e os folículos linfoides isolados, mantendo a homeostasia hospedeiro-microbiota e evitando doenças inflamatórias em longo prazo. Resposta imunológica normal a antígenos ingeridos Em indivíduos saudáveis, a ingestão de alimentos determina um estado de tolerância, que é entendido como um estado ativo de não resposta à ingestão de antígenos alimentares solúveis, mediado por uma resposta do GALT. Na maioria dos indivíduos, os mecanismos de defesa intestinal atuam desde as fases precoces de proteção pela barreira intestinal e na ativação de respostas reguladoras, o que promove a liberação de IL-10 e TGF-ß que, por sua vez, induzem a produção de IgA com seus efeitos de exclusão imunológica. Em indivíduos suscetíveis, ou na presença de fatores que interferem nos mecanismos de barreira, inespecíficos ou mesmo específicos, ocorre o direcionamento para uma resposta Th2 bem definida, com produção de IgE, ligação aos mastócitos e basófilos e liberação de mediadores inflamatórios. Após nova exposição ao mesmo antígeno, ocorre a ativação de linfócitos T de memória, que secretam mais IL de perfil Th2, e induzem maior produção de IgE, com todos seus efeitos locais e sistêmicos. A via intestinal, embora seja a via predominante de sensibilização alergênica, não é a única capaz de induzir alergia alimentar. A pele e o trato respiratório podem também atuar como vias de penetração e sensibilização a antígenos alimentares. Acredita-se que a sensibilização transcutânea ocorra especialmente nos pacientes com dermatite atópica, onde a quebra da barreira cutânea é um mecanismo favorecedor da penetração de alérgenos. A sensibilização primária pela via respiratória é rara, e o principal exemplo é a "asma do padeiro", por sensibilização ao trigo devido à inalação frequente e em grandes quantidades deste alérgeno. As causas para ocorrência da menor ativação das células Treg em indivíduos alérgicos ainda é desconhecida, e o papel dos demais fatores presentes no intestino sobre o sistema imunológico, como a microflora intestinal, ainda necessitam mais estudos para sua compreensão. Para o desenvolvimento de alergia alimentar são necessários: substrato genético, dieta com proteínas com alta capacidade alergênica e quebra dos mecanismos de defesa do trato gastrintestinal, quando há incapacidade do desenvolvimento de tolerância oral. Fatores ambientais e epigenéticos também devem ser considerados para explicar a recente "epidemia" de alergia alimentar. Reatividade Cruzada entre Alérgenos As reações cruzadas ocorrem quando duas proteínas alimentares compartilham parte de uma sequência de aminoácidos que contêm um determinado epítopo alergênico. Alguns alérgenos estão amplamente distribuídos entre diversas espécies e são, por esta razão, denominados pan-alérgenos. Página 17 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Tropomiosina do camarão ou profilinas de plantas são exemplos de alérgenos com ampla distribuição, facilitando a reatividade cruzada. Vale ressaltar, entretanto, que reatividade laboratorial pode não se refletir em reatividade clínica. Dois clássicos exemplos são: (a) a positividade da IgE específica para soja em pacientes com alergia a amendoim – ambos são leguminosos, mas a reatividade clínica é bastante reduzida; (b) a reatividade à carne em pacientes com alergia ao leite de vaca, muito menos frequente do que os resultados de teste cutâneo propõem (instabilidade térmica da proteína comum, albumina sérica bovina). Há, entretanto, algumas situações clínicas de reatividade cruzada que devem ser consideradas: − O leite de vaca é um dos principais alérgenos alimentares em todo o mundo e pacientes alérgicos a suas proteínas apresentam elevadas taxas de reatividade a leites de outros mamíferos, com destaque para cabra, ovelha e búfala. Os leites de égua e de camela apresentam menor percentual de reação; − Pacientes alérgicos a proteínas de ovo de galinha reagem à clara de ovo de outras aves. E quando alérgicos à gema, podem apresentar reação à carne de frango; − Embora pouco frequentes, algumas reações a carnes têm sido descritas envolvendo albumina sérica, um alérgeno menor do leite, também presente em várias carnes de outros mamíferos. Neste cenário, observa-se a alergia a gato e a porco, onde pacientes com reatividade a alguns alérgenos do gato podem reagir à carne de porco, e a possibilidade de reação à carne de vaca em pacientes com alergia às proteínas de leite de vaca. Cerca de 10% apresentam reatividade à realização do teste cutâneo de leitura imediata, com taxas de reatividade clínica bem inferiores, já que a albumina sérica é termo lábil, tornando-se menos presente a pós o cozimento processamento do alimento; • Com relação ao látex, há uma conhecida reatividade cruzada entre alérgenos do látex e algumas frutas. Estima-se que entre 30% e 50% dos alérgicos ao látex apresentem reatividade clínica a algumas frutas, mas somente 11% dos pacientes que apresentam reações a frutas desenvolverão alergia ao látex. Entretanto, não há estudos recentes que estabeleçam a reatividade clínica entre as frutas deste grupamento. Sabe-se que as frutas mais classicamente relacionadas à síndrome látex-fruta são: banana, abacate, maracujá, papaia e kiwi, mas um número crescente de alimentos tem adentrado esta lista, com destaque à mandioca, um alimento de grande consumo regional. Alguns dos componentes do látex estão especialmente relacionados à reatividade a frutas; • A síndrome pólen-fruta, bastante frequente na Europa, é raramente descrita no Brasil. Mas, é importante saber que a sensibilização ocorre durante a inalação de polens, e que as proteínas presentes nestas plantas podem apresentar reatividade cruzada com algumas frutas, especialmente se esta fruta for ingerida em sua forma crua. As reações ocorrem basicamente de duas maneiras: edema e urticária em mucosa oral, caracterizando a síndrome da alergia oral ou reações sistêmicas. Na primeira situação, o alérgeno é provavelmente sensível ao processo digestivo, e as reações somente ocorrem durante o contado com a mucosa oral, tratando-se provavelmente de um epítopo conformacional. No caso das reações sistêmicas, os epítopos são resistentes (lineares) e podem causar reações graves, como a anafilaxia. Aditivos Alimentares Os aditivos alimentares são representados por antioxidantes, flavorizantes, corantes, conservantes ou espessantes. Apesar de serem frequentemente relacionados com reações adversas, os relatos relacionados à alergia que puderam ser confirmados são raros e descritos de maneira isolada. Manifestações como urticária, angioedema, asma ou anafilaxia, consequentes a aditivos alimentares, são extremamente raras, embora possa parecer um pouco mais prevalente entre crianças com atopia (2% a 7%). Página 18 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Reações a aditivos podem ser consideradas em pacientes com história de sintomas a múltiplos e alimentos mal referidos, ou quando o mesmo alimento provocar reações quando ingeridos na forma industrializada, e não na forma “caseira”. Pacientes com manifestações idiopáticas de alergia também merecem investigação quanto aos aditivos, mas outros diagnósticos relacionados à anafilaxia idiopática também devem ser considerados, com destaque à mastocitose. Existem alguns relatos de reações anafiláticas relacionadas a aditivos como os sulfitos, eritritol (adoçantefermentativo presente em cervejas, vinhos, soja, queijos e cogumelo), anato (coloração amarelada em derivados lácteos, pipoca, cereais e sorvete), açafrão e colorau, ou carmim (corante vermelho). Manifestações clinicas Podem envolver vários sistemas orgânicos, incluindo: cutâneo, respiratório, ocular, GI e circulatório, além de reações multissistêmicas. A pele costuma ser um órgão-alvo frequente das reações de hipersensibilidade alimentar mediadas por IgE. Urticária aguda (irritação cutânea), angioedema, rubor e prurido são comumente observados após a exposição ao alérgeno alimentar. Além disso, as reações alimentares mediadas pela IgE podem exacerbar condições cutâneas crônicas subjacentes, como a dermatite atópica. Diagnóstico Para diagnóstico é interessante solicitar, hemograma, dosagem sérica de IgE e teste de provocação oral na qual é considerado o método mais confiável para confirmar diagnóstico de alergia alimentar. O TPO Consiste na oferta progressiva do alimento suspeito e/ou placebo, em intervalos regulares, sob supervisão médica para monitoramento de possíveis reações clínicas, após um período de exclusão dietética necessário para resolução dos sintomas clínicos. Pode ser indicado em qualquer idade, para: – confirmar ou excluir uma alergia alimentar; – avaliar a aquisição de tolerância em alergias alimentares potencialmente transitórias, como a do leite de vaca, do ovo, do trigo ou da soja; – avaliar reatividade clínica em pacientes sensibilizados e nos com dieta restritiva a múltiplos alimentos; – determinar se alérgenos alimentares associados a doenças crônicas podem causar reações imediatas; avaliar a tolerância a alimentos envolvidos em possíveis reações cruzadas; e – avaliar o efeito do processamento do alimento em sua tolerabilidade. Os testes de provocação oral são classificados como aberto (paciente e médico cientes), simples cego (apenas o médico sabe) ou duplo cego e controlado por placebo (TPODCPC), quando nenhuma das partes sabe o que está sendo ofertado. O TPODCPC é considerado padrão ouro no diagnóstico da alergia alimentar. A decisão da escolha do TPO e do momento de sua execução podem ser influenciadas pela história clínica, idade, tipo de sintoma, tempo da última reação, resultados dos testes cutâneos e/ou dos níveis séricos de IgE específicas, bem como pelo valor nutricional do alimento e pela decisão conjunta com pacientes maiores e seus familiares. Doenças cardiovasculares, gravidez e condições médicas que possam interferir na interpretação, tais como dermatite grave e asma não controlada, também funcionam como contraindicações relativas para a execução do teste. Os pacientes não devem ser submetidos ao TPO se tiverem recebido corticosteroides sistêmicos recentemente (por exemplo, dentro de 7 a 14 dias), porque a recuperação da doença pode confundir a interpretação dos resultados. O teste cutâneo ou PRICK TEST É um método diagnóstico de alergia seguro e geralmente indolor. Deve ser realizado pelo médico especialista que, após história clínica e exame físico, determinará quais substâncias podem ter importância no quadro clínico e, portanto, deverão ser avaliadas. O desconforto pode ocorrer pelo prurido (coceira) localizado na área do teste, no caso da reação positiva. Na maioria das vezes, é realizado no antebraço após higiene local com algodão e álcool. O resultado é obtido em 15 a 20 minutos e a reação positiva consiste na formação de uma pápula vermelha, semelhante a uma picada de mosquito. Página 19 de 19 SOI IV “Bom que não é bom” Esta reação indica presença de IgE específica ao alimento testado. Algumas vezes, torna-se necessário realizar o teste com o próprio alimento in natura. Em algumas situações, o teste cutâneo pode ser substituído pela dosagem de IgE específica no sangue. São elas: necessidade de uso diário de anti- histamínicos (antialérgicos), não disponibilidade de material para teste, presença de eczema severo ou história sugestiva de reação intensa (reação anafilática) a determinado alimento. Muitas vezes, o alergista realiza as duas formas de avaliação para ter maior segurança no diagnóstico. Estes testes permanecem não recomendados para o uso na prática clínica, devido à ausência de padronização e à baixa sensibilidade.
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