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O QUE É A CÁRIE E ONDE ELA COMEÇA? A cárie é uma doença multifatorial. Para que a cárie surja, é necessária a presença e associação de uma série de fatores. A presença de biofilme (placa) e carboidratos fermentáveis (açúcar) provocam uma desmineralização dentária (biofilme–açúcar dependente). É por meio dela que ocorre a lesão cariosa que pode provocar cavitação. Contudo, é uma doença dinâmica, modulada por diversos fatores que se associam à presença do biofilme e do açúcar, tais como: - Dente; - Tempo; - Saliva; - Presença de fluoreto; - Frequência do consumo de açúcar; - Condição de higiene bucal; - Aspectos biológicos, sociais, econômicos e demográficos. Dente: Algumas condições dos elementos dentários, como morfologia dental, anomalias, etc, os tornam mais suscetíveis ao acúmulo de biofilme. Saliva: A saliva possui capacidade de tamponamento por meio da presença de íons bicarbonato e fosfato, ou seja, atua na regulação do PH bucal. Também tem função de autolavagem e limpeza das superfícies dentárias e ação antimicrobiana, por conter proteínas e imunoglobulinas que agem contra microrganismos cariogênicos. Por isso tem papel importante na etiologia da cárie dentária. Contudo, a contagem de microrganismos e avaliação do fluxo salivar não são de praxe na rotina clínica, salvo em casos de doenças sistêmicas ou bucais (radioterapia, xerostomia). Biofilme: A boca tem uma grande diversidade microbiana, apesar disso, poucas estão relacionadas especificamente à doença cárie como o Streptococus mutans, Streptococcus sobrinus e Lactobacillus. As bactérias cariogênicas produzem ácidos a partir da fermentação de açúcares (acidogênicas) e sobrevivem em meio ácido (acidúricas). O acúmulo de placa deve ser monitorado e avaliado clinicamente. Pode ser avaliado tanto por sondagem, quanto pelo uso de evidenciadores. • Muitas vezes não é possível ver o biofilme, mas quando se passa a Cárie sonda é possível perceber, por isso é importante passar a sonda. • Na clínica da faculdade o uso de evidenciadores de placa é protocolo. Dieta: Sem a dieta, não há desenvolvimento da doença. É através da dieta que os microrganismos cariogênicos obtêm o substrato. A frequência de consumo de açúcar é mais atuante que a quantidade de açúcar que se consome. Além disso, a consistência (textura) do carboidrato pode favorecer sua permanência na cavidade bucal. Os dados da dieta podem ser coletados durante a anamnese ou por meio de um diário alimentar. Isso vai direcionar a orientação do profissional. Para obter a verdade do paciente na anamnese, é interessante fazer perguntas direcionadas como: Lancha entre as refeições? Qual tipo de lanche? Consome doces? Com que frequência? A anamnese deve induzir o paciente a dar o máximo possível de informações e isso é feito através de perguntas. No diário alimentar o paciente registra os alimentos que consome por 3 a 7 dias. Pode ser feito em adultos e crianças, mas não é tão comum em adultos. Porém, se observado um alto índice de açucar é interessante pedir. Para que o paciente não minta, é importante fazê-lo entender a importância de por a verdade. Mas mesmo que o paciente invente as informações, ele não “inventará” nada muito distante de sua realidade, então é possível ter noção. As vezes ele põe um alimento que ele julga saudável, mas na verdade não. Escovação: É a escovação, juntamente com o uso de fio dental, que é responsável pela desorganização do biofilme. Portanto, ela é um fator protetor para a cárie dentária, quando realizada de forma e frequência corretas e com dentifrício com mais de 1.000 ppm de flúor. • A escovação correta é um fator protetor mais forte, que o açúcar e o biofilme são um fator de risco. Tempo: Os fatores anteriores, quando associados, necessitam de um período de tempo para fornecer a desmineralização dentária. A cárie não deve ser considerada uma doença infecciosa e transmissível, apesar de algumas literaturas mais antigas abordarem esse conceito. A transmissão de hábitos dos pais para com os filhos é muito mais relevante neste processo que a transmissão de microrganismos. Não existe um único microrganismo responsável pelo desenvolvimento de uma lesão cariosa e sim uma associação de fatores. Contudo, muitos estudos têm sido realizados nessa linha. Como a lesão acontece: Quando há presença de carboidratos fermentáveis no meio bucal, o biofilme aderido à superfície dentária passa a ter uma alta atividade metabólica. O resultado da alta nessa atividade metabólica é a produção de ácidos, que diminuem o PH bucal. O PH bucal é neutro, portanto, diante de sua diminuição ocorre um processo de regulação do PH, onde os minerais presentes no dente passam para a cavidade bucal. Esse processo é um processo natural e normal, chamado de equação des-re. Basicamente tudo o que se come provoca esse processo. Contudo, no caso da cárie, devido a não haver uma higienização adequada, esse processo é muito constante e o dente não é capaz de realiza-lo de maneira saudável. Contínuas quedas de PH Manutenção do equilíbrio inviável Perda de minerais Aparecimento de lesões. Após o consumo de um carboidrato a cavidade bucal demora cerca de 50 min para voltar ao seu estado de normalidade. Mas quando se consome um carboidrato e se realiza a higienização, a tendência é que o PH se normalize. O melhor momento para consumo de doces é após as refeições, pois a salivação está aumentada. O pior momento é durante a noite, pois o fluxo salivar fica reduzido. A cavitação surge devido à desmineralização. Os locais de maior acúmulo de bactérias são mais propensos ao desenvolvimento de lesões, pois são um resultado de sua fermentação. As lesões podem se espalhar por outras regiões do meio bucal, no entanto. O diagnóstico não é uma tarefa fácil, e traçar um plano de tratamento é complexo e desafiador. Para que se consiga essas ações é fundamental que se conheça bem a doença, seja feita a detecção correta e se defina seu estágio. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor. Muitos profissionais, devido à falta de conhecimento, não conseguem diagnosticar a doença e acabam dando alta para os pacientes que estão doentes, como é o caso de não identificar a lesão de mancha branca como uma lesão cariosa. Enquanto clínicos gerais, a cárie é uma grande realidade dentro do consultório. Contudo, mesmo em uma especialização que não lide diretamente com a cavidade bucal, é obrigação do cirurgião dentista alertar o paciente e, no mínimo, encaminha-lo para tratamento da lesão de cárie. É importante ter uma visão menos biologista e mais integral sobre o paciente, ou seja, enxergar além da lesão. Esta é uma visão que tem mudado nos últimos anos. O fator a ser considerado e tratado não é somente a lesão cariosa presente na superfície dentária. É importante que seja levada em consideração toda a integralidade do contexto social, nível de instrução, hábitos de higiene e realidade do paciente. É necessário que se entenda toda a etiologia do problema, para que não se trate somente a sequela, que é a lesão, mas a doença em si, provocada por uma gama de fatores. EPIDEMIOLOGIA DA CÁRIE DENTÁRIA A prevalência da cárie teve uma forte redução nos últimos anos. Contudo, ainda é uma das doenças bucais mais prevalentes, caracterizando-se como um problema de saúde pública no país. No Brasil, a prevalência varia bastante de acordo com a região do país. Isso deve às fortes diferenças culturais e socioeconômicas, que variam de acordo com a região. Algumas regiões apresentam uma média maior ou menor que a média nacional. A essa variação da incidência de cárie nas diversas regiões do país chamamos polarização da cárie dentária. De acordo com a OMS, indivíduos economicamentedesfavorecidos, socialmente marginalizados, com moradias desfavoráveis, baixa escolaridade e presença de hábitos culturais e costumes que não consideram os cuidados necessários com a saúde bucal são os mais vulneráveis. “Os mais pobres são os mais doentes” A OMS recomenda ações de promoção e prevenção considerando esses fatores para melhorar a qualidade dos serviços de saúde para toda a população. Por esse motivo, é fundamental conhecer a realidade social do paciente, para que se possa definir a melhor abordagem para com ele, de modo a trata-lo efetivamente. Estarei cumprindo meu papel social de dentista se eu ignorar o fato de que eu passei para o paciente uma conduta que está fora de sua realidade e, portanto, ele não consegue seguir? Terei tratado o meu paciente? DIAGNÓSTICO O processo analítico-diagnóstico da cárie acontece em duas etapas: 1° etapa: Anamnese – Aqui se avaliam os fatores etiológicos relacionados à manifestação da doença. É fundamental para o tratamento compreender a etiologia da doença. 2° etapa: Exame clínico – Aqui se realizam a detecção e caracterização das lesões de cárie quanto ao seu status (ativa ou inativa), profundidade (esmalte ou dentina) por meio de radiografia, e presença ou não de descontinuidade da superfície (cavitação). • Nem toda cárie será cavitada, bem como, nem toda mancha escura presente na superfície dentária, será cárie. Muitos dentistas não conseguem distinguir uma cárie ativa e uma inativa. O raio x interproximal é o exame complementar para avaliação da cárie. Caso veja a necessidade de avaliar osso ou raiz, pode ser solicitado outro tipo de raio X. Mas inicialmente é o interproximal. Não há um único microrganismo para se combater como em algumas inflamações e infecções. Por isso, a cárie não é tratada com medicação para eliminação de microrganismos específicos. A abordagem diante da cárie consiste na desorganização do biofilme (higiene oral) e consumo racional de carboidratos fermentáveis (substrato), além do uso de flúor. As lesões são manifestações e sequelas da doença, que podem se tornar visíveis após repetidos processos de desmineralização dentária. Se os fatores causadores da doença são controlados, o indivíduo pode ficar sem a doença, com ela inativa, mas as sequelas permanecerão e é preciso tratá-las. O paciente pode ter a doença ativa, porém não cavitada, mas mesmo uma lesão cavitada pode ou não estar ativa. Por isso, é importante saber identificar para não dar alta a um paciente doente. A lesão não cavitada é mais fácil de ser tratada. TRATAMENTO No tratamento o paciente tem papel fundamental. Não é possível ter uma garantia de que o paciente seguirás as orientações, por isso é necessário fazer com que entenda a importância de seguir as recomendações. Além de levar em consideração a realidade do paciente no momento da orientação, para propor soluções efetivas. Essa intervenção será feita por meio de verificação do índice de placa, escovação supervisionada, orientação sobre higienização. Para que não haja recidivas. Se há cavitação, através da mudança de hábitos, é possível conter o avanço da lesão, mas não é possível revertê-la. Nesses casos é necessário tampar por meio de restauração, pois é um sítio de fácil acúmulo de biofilme, o que pode reativar a lesão. A lesão de mancha branca é o primeiro sinal de cárie e pode ser revertida através do controle da placa e aplicação de verniz e flúor, além da mudança de hábitos. Dessa forma, a lesão será remineralizada. Apesar de reverter a lesão, a mancha branca permanece, mas adquire um aspecto brilhante e não opaco. Júlia Baltazar
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