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1 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1 OBJETIVOS 1. Caracterizar as principais vulvovaginites (candidíase, vaginite bacteriana e tricomoníase) considerando manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento, prognóstico e prevenção. REFERÊNCIAS Linhares IM, Amaral RL, Robial R, Eleutério Junior J. Protocolo Febrasgo – Vaginites e vaginoses. São Paulo, nº 24, 2018. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília, 2015. HOFFMAN, B.L. et.al. Ginecologia de Williams. 2ª ed. AMGH. São Paulo: ARTMED, 2014. INTRODUÇÃO As vulvovaginites são causas comuns de corrimento vaginal patológico e se caracterizam por alterações do epitélio estratificado da vulva e vagina causadas por inflamação infecção ou desequilíbrio da flora vaginal normal. OBS: Diferente de cervicites, que acometem a mucosa glandular. As vulvovaginites representam as queixas mais frequentes nos consultórios de ginecologia(40% dos motivos de consulta). O meio vaginal é composto pelo resíduo vaginal, restos celulares e microorganismos – tanto aeróbios quanto anaeróbios. Dentre os microorganismos presentes, incluem-se patógenos oportunistas que, na mulher saudável, não ocasionam doenças. Os lactobacilos mantêm o pH normal fisiológico, através do metabolismo da glicose realizado utilizando-se do glicogênio no epitélio vaginal. A glicose é convertida em ácido lático, tornando o pH vaginal normal entre 3,5 e 4,5. Essa acidez também é parte dos mecanismos de defesa contra infecções. Alguns fatores podem acabar desequilibrando esse ecossistema: muco cervical, sêmen, antibióticos, duchas vaginais, doenças sexualmente transmissíveis, sangue menstrual, doenças sistêmicas (diabetes mellitus, por exemplo), gravidez e menopausa. CANDIDÍASE VULVOVAGINAL É uma das formas mais comuns de vulvovaginite e atinge boa parte das mulheres ao menos uma vez durante a vida. ETIOLOGIA. Em 80% a 90% dos casos, o agente causador da CVV é a Candida albicans. O restante é causado por outras espécies específicas de Candida: Candida glabarata, tropicalis, krusei, etc. Esses microrganismos podem fazer parte da flora endógena em até 50% das mulheres assintomáticas. FATORES PREDISPONENTES • Gravidez; • Diabetes mellitus (descompensado); • Obesidade; • Uso de contraceptivos orais; • Uso de antibióticos, corticoides, imunossupressores ou quimio/radioterapia; • Hábitos de higiene e vestuário que aumentem a umidade e o calor local; • Contato com substâncias alergênicas e/ou irritantes (ex.: talcos, perfumes, sabonetes ou desodorantes íntimos); • Alterações na resposta imunológica (imunodeficiência), incluindo a infecção pelo HIV. CLASSIFICAÇÃO Forma não-complicada: esporádica ou infrequente; leve a moderada; cujo provável agente é a Candida albicans e em pacientes não- imunocomprometidas. Vulvovaginites Problema 03 2 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1 Forma complicada: infecção recorrente por cândida (4 ou mais surtos em um ano); infecção grave; candidíase não-albicans; diabetes não controlado; imunossupressão; debilidade ou gravidez. FISIOPATOLOGIA A Candida albicans pode fazer parte da flor normal em baixas concentrações. Por fatores ainda pouco conhecidos, passa do estado de saprófita para o estado infeccioso, ocorrendo invasão das camadas do epitélio vaginal, resposta inflamatória e aparecimento de sintomas. São produzidas enzimas com atividade proteolítica (proteinases) que favorecem a aderência e o dano às células epiteliais, o que favorece a invasão. Possuem, ainda, a capacidade de formação de biofilmes, o que facilita as recidivas. QUADRO CLÍNICO • Prurido • Ardência • Corrimento geralmente grumoso, inodoro, com aspecto de “leite coalhado” e aderente à parede vaginal • Dispareunia de introito vaginal • Disúria externa Os sinais característicos são: eritema e fissura vulvares, corrimento grumoso com placas aderidas à parede vaginal, de cor branca, edema vulvar, escoriações e lesões satélites. DIAGNÓSTICO BACTERIOSCOPIA A FRESCO À citologia a fresco, o pH vaginal é normal (ácido) <4,5; e o exame microscópico da leucorreia, após aplicação de solução salina ou KOH a 10%, mostra a levedura ou hifas. Essa citologia deve ser realizada antes de prescrever o tratamento empírico. Microfotografia de Candida albicans ao exa- me citológico em preparação com KOH. Observam-se pseudo-hifas serpenginosas CULTURA De maneira geral, iremos colher a cultura de pacientes com sintomas clínicos cuja citologia a fresco veio negativa; em caso de falha do tratamento e em casos de episódios recorrentes. TRATAMENTO Formas não-complicadas: os azóis costumam ser muito eficazes. PRIMEIRA OPÇÃO MICONAZOLA creme a 2%, via vaginal, um aplicador cheio, à noite ao deitar-se, por 7 dias NISTATINA 100.000 UI, 1 aplicação, via vaginal, à noite ao deitar-se, por 14 dias SEGUNDA OPÇÃO FLUCONAZOL Dose única de 150mg, VO ITRACONAZOL 100 mg, 2 comprimidos, VO, 2xdia, por 1 dia OBS: O tratamento oral está contraindicado na gestação e lactação. Formas complicadas: geralmente usa-se um esquema vaginal de 7 dias ou múltiplas doses de fluconazol (150mg a cada 72h, em 3 doses). Formas recorrentes: faz-se indução de terapia azólica por 14 dias (tópica ou oral), seguida de regime supressivo de 6 meses (150mg de fluconazol semanal, durante 6 meses). Em casos de Candida glabarata, aplicar ácido bórico tópico em cápsulas gelatinosas, 600mg diariamente por 14 dias. 3 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1 Em CVV causadas por outras espécies de cândida, a nistatina é a primeira escolha. Podem- se usar também óvulos de anfotericina via vaginal. VAGINOSE BACTERIANA É a causa mais comum de corrimento vaginal, afetando cerca de 10% a 30% das gestantes e 10% das mulheres atendidas na atenção básica. A vaginose bacteriana não é considerada uma doença sexualmente transmissível, e não está indicado o tratamento do parceiro, mas pode ser desencadeada pela relação sexual em mulheres predispostas (o contato com o esperma, que apresenta pH elevado, contribui para o desequilíbrio da microbiota vaginal). FATORES DE RISCO Sexo oral Duchas vaginais Etnia negra Tabagismo Sexo no período menstrual Uso de DIU Relação sexual em idade precoce Múltiplos ou novos parceiros sexuais ETIOLOGIA A bactéria Gardenerella vaginalis é o patógeno mais frequentemente associado à VB. Outras bactérias podem também estar em supercrescimento, como a Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum e Mobiluncus spp. FISIOPATOLOGIA A flora vaginal normal contém espécies aeróbicas e anaeróbicas, com predomínio de 90% de lactobacilos vaginais. Esses lactobacilos constituem linha de defesa contra infecções – pela manutenção do pH e pela produção de peróxido de hidrogênio. Quando eles diminuem, propicia o desequilíbrio e o consequente crescimento de bactérias patogênicas. Essas bactérias produzem sialidase, que de- compõe produtos do muco cervical e gera o corrimento bolhoso – os lactobacilos também produzem sialidase, mas em quantidade expressivamente menor. No caso da Gardnerella vaginalis, ela produz aminoácidos, que são quebrados em aminas voláteis (putrescina, cadaverina e trimetilamina), aumentando mais o pH e causando o odor desa- gradável muito referido pelas pacientes. QUADRO CLÍNICO Corrimento de odor fétido, que piora após relação sexual e na menstruação (“odor de peixe” ou amoniacal), bolhoso e branco a acinzentado. Não há irritação nem inflamação vulvar ou vaginal. DIAGNÓSTICO Em 1983, foram criados os critérios de Amsele colaboradores, dos quais devem estar presentes 3 dos 4. CRITÉRIOS DE AMSEL 1. Corrimento vaginal homogêneo; 2. pH > 4,5; 3. Presença de clue cells no exame citológico a fresco – essas clue cells são células epiteliais superficiais recobertas por cocobacilos gram- variáveis; 4. Whiff teste positivo (odor fétido das aminas com adição de KOH a 10%). OBS: Os achados de clue cells e whiff teste positivo são patognomônicos da doença, mesmo em pacientes assintomáticas Existem ainda os critérios de Nugent, um sistema de escore que quantifica os elementos microbiológicos. Fundamenta-se na presença ou não de lactobacilos, Gardnerella ou Molibuncus. 0-3: Normal; 4-6: Intermediário; 7-10: vaginose bacteriana. MICROORGANISMOS PONTUAÇÃO SEGUNDO A QUANTIDADE DE MICROORGANISMOS (MICROORGANISMOS POR CAMPO) 0 <1 1-4 5-30 >30 LACTOBACILOS 4 3 2 1 0 GADNERELLA/BATEROIDES 0 1 2 3 4 MOLIBUNCUS 0 1 2 2 2 4 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1 TRATAMENTO Tratamento propostos para a VB em mulheres não- grávidas que visa eliminar os sintomas e restabelecer o equilíbrio da - ora vaginal siológica, principalmente, pela redução dos anaeróbios PRIMEIRA ESCOLHA METRONIZADOL 500 mg, VO, 23/dia, por 7 dias METRONIZADOL gel vaginal 100 mg/g, um aplicador cheio via vaginal, à noite ao deitar- se, por 5 dias. SEGUNDA ESCOLHA CLINDAMICINA 300 mg, VO, 2x dia, por 7 dias. OBS: GESTANTE: Primeiro trimestre: Clindamicina 300 mg, VO, 2xdia, por 7 dias. Após primeiro trimestre: Metronidazol 250 mg, 1 comprimido VO, 3xdia, por 7 dias. Múltiplas recorrências: Metronidazol 250 mg, 2 comprimidos VO, 2xdia, por 10 a 14 dias OU Metronidazol gel vaginal 100 mg/g, um aplicador cheio, via intravaginal,1xdia por 10 dias, seguido de tratamento supressivo com duas aplicações semanais, por 4 a 6 meses. OBS: Durante o tratamento com metronidazol, deve-se evitar a ingestão de álcool, pelo “efeito antabuse”, caracterizado por mal-estar, náuseas, tonturas e gosto metálico na boca; TRICOMONÍASE É considerada a doença sexualmente transmissível não-viral mais comum no mundo. É mais comumente diagnosticada em mulheres, pois a maioria das infecções em homem é assintomática, e a coinfecção com Neisseria gonorrhoeae é comum – bem como com outros patógenos. Isso torna fundamental a busca de outras infecções sexualmente transmissíveis nas pacientes diagnosticadas. Além disso, a transmissão vertical durante o parto é possível. ETIOLOGIA Tem como agente etiológico o parasita flagelado Trichomonas vaginalis, de transmissão sexual e que tem a capacidade de fagocitar bactérias, fungos e vírus, transportando-os para o trato genital superior. FISIOPATOLOGIA Após penetrar na vagina, o Trichomonas vaginalis adere fortemente às células epiteliais, ligando uma proteína de sua superfície (lipofosfoglicano) à membrana das células. Para sua sobrevivência, o parasita adquire nutrientes do meio externo, fagocitando bactérias, fungos e células do hospedeiro. Eritrócitos incorporam sua membrana celular para adquirir o ferro, que utiliza para seu metabolismo e aumento de virulência. Provoca resposta inflamatória e facilita a aquisição de ouras infecções, inclusive a do HIV. A tricomoníase tem sido associada a complicações durante o ciclo gravídico puerperal. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A vagina, uretra, ectocérvice e bexiga podem ser afetadas. • Corrimento abundante, de fluido a espesso, amarelado ou esverdeado e com odor fétido. • Disúria • Dispareunia • Prurido vulvar • Dor Ao exame ginecológico, há vulvite discreta, hiperemia difusa da vagina, secreção amarelada ou esverdeada abundante e colo com aspecto de framboesa ou morango. Pode haver, além da leucorreia, hemorragias subepiteliais ou “manchas vermelhas” na vagina e no colo uterino. 5 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1 DIAGNÓSTICO Teste de Schiller: colo adquire aspecto de “pele de tigre” Bacterioscopia a fresco: o pH vaginal é geralmente superior a 5 e o teste de KOH costuma ser positivo e além disso, permite a visualização de protozoários com movimentos pendulares (sensibilidade de 51% a 65%) Microfotografia de esfregaço vaginal em preparação salina contendo tricomonas (setas). Os tricomonas encontram-se entre células escamosas maiores e células sanguíneas menores. Cultura: tem sensibilidade muito maior, mas se torna impraticável devido à necessidade de um meio especial (meio Diamante). Teste rápido para tricomonas: resultado rápido, tendo sensibilidade e especificidade de 88% e 99%, respectivamente TRATAMENTO Os esquemas de tratamento recomendados são: PRINCIPAIS ESCOLHAS METRONIDAZOL 2g por VO em dose única METRONIDAZOL 250 mg, 2 comprimidos, VO, 2xdia, por 7 dias OBS: É importante referenciar o(s) parceiro(s) sexuais para tratamento de doença de transmissão sexual. RESUMO DOS EXAMES DIAGNÓSTICOS 1. pH vaginal: normalmente é menor que 4,5, sendo os Lactobacillus spp. predominantes na flora vaginal. Esse método utiliza fita de pH na parede lateral vaginal, comparando a cor resultante do contato do fluido vaginal com o padrão da fita. Seguem os valores e as infecções correspondentes: pH > 4,5: vaginose bacteriana ou tricomoníase pH < 4,5: candidíase vulvovaginal 2. Teste de Whiff (teste das aminas ou “do cheiro”): coloca-se uma gota de KOH a 10% sobre o conteúdo vaginal depositado numa lâmina de vidro. Se houver “odor de peixe”, o teste é considerado positivo e sugestivo de vaginose bacteriana. 3. Exame a fresco: em lâmina de vidro, faz-se um esfregaço com amostra de material vaginal e uma gota de salina, cobrindo-se a preparação com lamínula. O preparado é examinado sob objetiva com aumento de 400x, observando-se a presença de leucócitos, células parabasais, Trichomonas sp. móveis, leveduras e/ou pseudo- hifas. Os leucócitos estão presentes em secreções vaginais de mulheres com candidíase vulvovaginal e tricomoníase. 4. Bacterioscopia por coloração de Gram: a presença de clue cells, células epiteliais escamosas de aspecto granular pontilhado e bordas indefinidas cobertas por pequenos e numerosos cocobacilos, é típica de vaginose bacteriana. 6 MÓDULO II: SAÚDE DA MULHER ANA LUÍZA A. PAIVA – T XXV 2022/1
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