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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA GUARULHOS - SP SUMÁRIO 1 FILOSOFIA ANALÍTICA ...................................................................................... 4 1.1 Contexto histórico ....................................................................................... 5 1.2 As duas vertentes ....................................................................................... 5 1.3 Definindo a filosofia analítica ...................................................................... 8 1.4 Bertrand Russell ......................................................................................... 9 1.5 A filosofia analítica em Cambridge ............................................................ 12 1.6 A filosofia analítica em Oxford .................................................................. 13 2 A FILOSOFIA DO SENSO COMUM .................................................................. 13 2.1 O Falibilismo e o Bom senso .................................................................... 17 3 MOORE: ÉTICA ................................................................................................. 20 4 FREGE E RUSSELL: SENTIDO E REFERÊNCIA ............................................. 36 4.1 A crítica de Russell a Frege ...................................................................... 40 4.2 Frege e Russell: distinções ....................................................................... 44 5 FORMA LÓGICA ................................................................................................ 47 5.1 Lógica de Aristóteles ................................................................................. 49 5.2 Proposições .............................................................................................. 53 5.3 Verdade e validade ................................................................................... 54 6 LUDWIG WITTGENSTEIN ................................................................................. 55 6.1 Linguagem e percepção............................................................................ 56 6.2 Linguagem e comportamento ................................................................... 57 6.3 Conhecimento empírico ............................................................................ 59 7 POSITIVISMO LÓGICO ..................................................................................... 59 8 EMOTIVISMO ..................................................................................................... 61 9 A ‘NOVA LÓGICA’ E A FILOSOFIA DE W.V. QUINE NO BRASIL .................. 61 10 HOLISMO ........................................................................................................... 65 11 NATURALISMO ................................................................................................. 67 12 REFERENCIAS .................................................................................................... 4 12.1 BIBLIOGRAFIA BÁSICA .......................................................................... 4 4 1 FILOSOFIA ANALÍTICA A Filosofia Analítica é um movimento filosófico, originado no século XX, que se baseia no conceito de que a Filosofia deve utilizar técnicas lógicas para obter clareza conceitual e que deve ser consistente com o sucesso da Ciência Moderna. Para muitos filósofos analíticos, a linguagem é a ferramenta principal e a Filosofia consiste no esclarecimento de como se deve utilizá-la. Fonte: estudopratico.com.br Vertente do pensamento contemporâneo, a filosofia analítica é reivindicada por diferentes filósofos que possuem um ponto em comum. Trata-se de um conjunto de tendências, e não exatamente de um movimento homogêneo. As correntes têm em comum a visão de que a filosofia é, antes de qualquer outra coisa, uma análise realizada de acordo com um estudo dos termos expostos, ou seja, seu interesse está voltado essencialmente para a lógica e para a análise dos conceitos, considerando a resolução da maioria dos dilemas filosóficos. Na Inglaterra, a corrente filosófica posicionava-se contra o hegelianismo, integrante do idealismo alemão e, por suas concepções, a filosofia analítica ligava-se à tradição empirista anglo-saxônica, tendo seu início com os filósofos britânicos de Cambridge Bertrand Russel e G. E. Moore. 5 O primeiro, abordava os problemas filosóficos por meio da lógica formal, e considerava que a única forma de obter conhecimentos relacionados ao mundo, eram as ciências físicas. Sua teoria foi relacionada ao positivismo. O segundo, por sua vez, sustentava que questionar-se a respeito da causa de um problema filosófico era o suficiente para resolvê-lo. 1.1 Contexto histórico Na transição entre os séculos XIX e XX, a filosofia sofreu uma remodelação chamada a virada linguística, passando a ser considerada como, basicamente, um método lógico de analisar os pensamentos. Em seguida, com os autores do Círculo de Viena, além dos positivistas lógicos, a filosofia passou a ser vista como método de análise da ciência, ou ainda uma tentativa de descrever conceitos que construíram o esquema conceitual. Dessa forma, teve início a filosofia analítica. No começo, a filosofia analítica assumia que a lógica, desenvolvida por filósofos como Gottlob Frege e Bertrand Russel, além de outros, poderia ter consequências gerais, além de ajudar na análise dos conceitos e também no esclarecimento das ideias. 1.2 As duas vertentes A filosofia analítica teve duas vertentes chamadas Positivismo Lógico e Filosofia Linguística. Positivismo lógico O positivismo teve seu precedente no atomismo lógico de Bertrand Russel, além da filosofia inovadora de Wittgenstein.1 Fortemente influenciado pelo Tractatus do Wittgenstein, um grupo de filósofos em Viena, em 1920 iniciou um movimento que veio a ser conhecido como Positivismo Lógico, e o grupo de filósofos se tornou famoso como o Círculo de Viena. 1 Texto de Natália Petrin. Extraído: www.estudopratico.com.br 6 O Círculo de Viena foi liderado por Moritz Schlick (1882-1936), professor na Universidade de Viena, e os outros dirigentes foram pessoas como Rudolf Carnap (1891-1970), Otto Neurath e Friedrich Waismann. AJ Ayer (1910-1989) pertenceu ao círculo como um homem jovem e mais tarde tornou-se um dos seus porta-vozes mais entusiastas no mundo de língua inglesa. Diz-se que o Positivismo Lógico começou quando Wittgenstein escreveu Tractatus que a filosofia não é um corpo de doutrina, mas sim, uma atividade. E essa única frase faz resumir todo o positivismo lógico. Fonte: grupoescolar.com Positivistas lógicos acreditavam que o objetivo da filosofia não era produzir novas proposições que descrevem o universo ou realidade, mas sim, o objetivo era analisar as proposições já existentes para saber se a afirmação é matemática, científica ou sem sentido. O Círculo de Viena acreditava que uma proposição significativa tem que ser uma proposição da lógica formal ou uma proposição da ciência. Qualquer outra declaração seria simplesmente absurda, não é verdadeiro, não é falso, mas absurdo. 7 Se tivesse algum significado, seria 'poética' ou 'emotiva', mas não cognitiva. Para os positivistas lógicos, "Deus existe nos céus" é tão sem sentido como "Um duende existe nos jardins." Os positivistas lógicos assumiram a distinção analítico / sintético. Como já sabemos, uma proposição analítica é aquela que é necessariamente verdadeira, porque a sua verdade decorre do seu significado, ou seja, seria contraditório negá-lo. "Todos os bacharéis são homens solteiros" é uma declaração de análise. A proposição sintética é aquela que não é analítica e que requeruma investigação empírica para o estabelecimento de sua vigência. "Todos os bacharéis vão ao teatro, aos sábados" é uma declaração sintética. Pode ser verdade, mas você não pode dizer que apenas pela análise da própria declaração. Por outro lado, juízos analíticos não nos dizem nada sobre o mundo. A declaração "A pena azul é de cor azul", apesar de ser verdade não nos diz se uma pena azul existe no mundo ou não. Mas a afirmação "A caneta azul está deitada na minha mesa", se for verdade, não nos diz algo sobre o mundo. Em outras palavras, proposições analíticas são triviais, mas proposições sintéticas são informativas.2 Filosofia Linguística Já a filosofia linguística teve origem no filósofo G. E. Moore, destacando a importância da análise do senso comum e da linguagem cotidiana. O período compreendido por essas duas vertentes, muitas vezes é conhecido como era da Análise Clássica, em que a filosofia era muito mais um movimento do que uma escola, já que os seguidores não tinham as mesmas bandeiras conceituais, mas sim alguns princípios gerais em comum. Na filosofia analítica, os pontos em comum são de que o motivo principal da filosofia é a linguagem, e que a ideia que deve ser seguida pela metodologia filosófica é a análise lógica. 2 Texto de: Caio Mariani, extraído: www.afilosofia.com.br 8 1.3 Definindo a filosofia analítica Todos os que tentaram definir a filosofia analítica, a linguagem ocupa um lugar considerável no seu âmbito: os filósofos analíticos estão quase sempre dispostos a falar da linguagem — do que tal enunciado, ou tal palavra, quer dizer, etc. Os filósofos analíticos não perguntam: “O que é a justiça?” Em vez disso perguntam: “Que queremos dizer com os predicados “justo” e “injusto”?” E apressam-se a decompor esta questão metalinguística em várias outras: “Que tipos de coisas atribuímos estes predicados? Uma tal atribuição é susceptível de verdade e falsidade? Se sim, sob que condições é essa atribuição julgada verdadeira? Que processos utilizamos quando nos empenhamos numa tal avaliação?”, etc. Fonte: gradoceroprensa.wordpress.com Do mesmo modo, as investigações dos filósofos analíticos sobre o conhecimento tomam a forma de uma reflexão sobre os enunciados da forma “X sabe que P”, as suas investigações sobre a causalidade consistem em analisar os 9 “enunciados causais”, e assim por diante. Em filosofia da religião, por exemplo, têm- se títulos como O Estatuto Lógico de “Deus” (ou seja, da palavra “Deus”); em filosofia moral temos os títulos seguintes: A Linguagem da Moral; A Linguagem da Ética; Ética e Linguagem; A Lógica do Discurso Moral; etc. Uma das críticas que mais frequentemente se fazem aos filósofos analíticos assenta numa interpretação errada desta característica: acusam-nos de ter abandonado o projeto tradicional da filosofia e de já não se interessarem pelas coisas, pelo mundo que nos rodeia, mas apenas pelas palavras, decaindo por isso da categoria de filósofos para a de linguistas. Esta crítica é inteiramente infundada. Com efeito, se é verdadeiro que os filósofos analíticos estão quase sempre dispostos a falar da linguagem, isso não implica que não falem da mesma coisa que os outros filósofos. Existem duas formas de defender a tese segundo a qual os filósofos analíticos, ainda que se ocupem essencialmente da linguagem, falam da mesma coisa que os outros filósofos. A primeira consiste em sustentar que também os outros filósofos falam constantemente da linguagem (mesmo quando não se dão conta disso), e a segunda que falar da linguagem pode ser uma forma de falar do resto — do que não é linguagem. Vamos considerar estas duas concepções, associadas respectivamente aos nomes de Carnap e de Quine, cada uma por sua vez. 1.4 Bertrand Russell Durante os anos 1910-1930, filósofos analíticos, como Russell e Wittgenstein, se empenharam em criar uma linguagem ideal para a análise filosófica, que seria destituída das ambiguidades da linguagem comum. Os filósofos analíticos acreditavam que tais ambiguidades frequentemente prejudicavam a Filosofia. Bertrand Russell (1872-1970) foi um filósofo, matemático e historiador britânico. Ele foi um dos principais filósofos do século XX. Foi um escritor famoso que incentivava a paz e que escreveu sobre assuntos sociais, políticos e morais. Ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1950. Russell não concordava com o Idealismo de Hegel. Ele e outros filósofos analíticos buscaram eliminar as afirmações filosóficos que julgavam ser insensatas ou incoerentes. Eles buscavam clareza e precisão em seus argumentos ao utilizar linguagem precisa e ao quebrar proposições filosóficas em seus componentes 10 gramaticais mais simples. Russell, em particular, considerava que a Lógica Formal e as Ciências eram as principais ferramentas do filósofo. Ele desejava pôr fim aos excessos da Metafísica. Principia Matemática é um dos trabalhos fundamentais da Lógica Matemática. Russell escreveu a obra, ao longo de 10 anos, em colaboração com o matemático Alfred North Whitehead. O objetivo de Principia Matemática era defender a tese de que a Matemática pode ser reduzida à Lógica. Russell acreditava que o conhecimento lógico era superior aos outros tipos de conhecimentos. Ele argumentava que se soubéssemos que a Matemática é derivada puramente da Lógica, poderíamos ter mais certeza de que esse campo de conhecimento é verdadeiro. Atomismo lógico A teoria de Atomismo lógico é uma ferramenta fundamental do método filosófico de Russell. O Atomismo lógico afirma que, por meio de análise rigorosa e precisa, a linguagem, assim como a matéria física, pode ser quebrada em partes menores. Quando uma frase não pode mais ser quebrada, restam seus “átomos lógicos”. Ao analisar os átomos de uma afirmação, expomos suas assunções e podemos julgar melhor sua verdade ou validade. A Teoria das Descrições A Teoria de Descrições foi a contribuição mais significativa de Russell à Teoria Linguística. Russell acreditava que a linguagem do dia a dia é imprecisa e ambígua demais para representar a verdade: era necessária uma linguagem mais pura e rigorosa para livrar a Filosofia de seus erros e assunções. Tal linguagem formal e idealizada seria baseada na Matemática Lógica e se assemelharia a uma série de equações matemáticas. Russell também dividiu o conhecimento humano em conhecimento por familiaridade e conhecimento por descrição. O filósofo argumentava que conhecer algo significa ter conhecimento direto e imediato, sem que haja interferência de um intermediário. Conhecimento por descrição requer que façamos inferências, baseadas em conhecimentos gerais sobre fatos e em nosso conhecimento sobre objetos similares. 11 Por exemplo, a maioria de nós sabe apenas por meio de descrição que o Everest é a montanha mais alta do mundo. Poucas pessoas já visitaram o Everest. Portanto, dependem do relato de outros para “saber” tal fato. Para ter conhecimento por familiaridade da altura do Everest, seria necessário visitar e medir a montanha. Para ter conhecimento por familiaridade que o Everest é a montanha mais alta do mundo, seria necessário visitar e medir todas as montanhas do mundo. Fonte: the-tls.co.uk Pode-se afirmar, portanto, que ninguém tem conhecimento por familiaridade de tal fato. Se não houvesse conhecimento por descrição, nosso conhecimento a respeito de tudo estaria limitado às nossas experiências pessoais. Russell ensinava que conhecimento por familiaridade e por descrição operam juntos para criar a totalidade do conhecimento humano.3 3 Texto extraído: www.educabras.com 12 1.5 A filosofia analítica em Cambridge Nos nossos dias, uma filosofia nova, a da linguagem, desenvolveu-se em dois grandes centros, Cambridgee Oxford, razão por que tanto se fala de Cambridge- Oxford Philosophy. Trata-se mais de um movimento do que de uma escola filosófica, em que o fundador investiga, raciocina, discute e propõe a um círculo, mais ou menos estreito de iniciados, o seu sistema. O que existe de comum entre eles é um tipo de trabalho, que se exerce sobre a língua, para ver como funciona a linguagem. Em Cambridge, Bertrand Russel (1872-1970) foi estudante e professor. Outros nomes de prestígio são George Edward Moore (1873-1958) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951). George Edward Moore centrou-se na rejeição do idealismo (1) e na defesa da veracidade do senso comum (2). Na filosofia da ética (3) defendeu o intuicionismo, isto é, a ideia da indefinibilidade do bem, qualidade do que é indefinível, ensinando a fazer filosofia analítica. Seu sucessor foi Ludwig Wittgenstein. Sua primeira filosofia é a do Tractatus Logico-Philosophicus, publicado primeiramente em alemão (4). A sua segunda está focalizada no princípio de uso e na teoria dos jogos de linguagem. Por isso, a função da filosofia é a de descrever os usos que fazemos das palavras e fazer emergir o conjunto de regras que regulam os diversos jogos de linguagem. Em Cambridge, Bertrand Russel, George Edward Moore, Ludwig Wittgenstein, M. E. Johnson, Charlie Dunbar Broad e Frank Plumpton Ramsey sustentaram que filosofia é análise da linguagem e, portanto, do pensamento. A sua revista Analysis propunha-se a publicar breves artigos sobre questões filosóficas circunscritas e definidas com precisão, em vez de abstratas especulações metafísicas. O que é análise? John Wisdom (1904-1993), sucessor de Ludwig Wittgenstein, dedicou-se a analisar o seu conceito. Interessado pelos problemas da arte, da religião e das relações humanas, escreveu com humor (5) sobre as mentes alheias e analisou a aventura metafísica que, para ele, é paradoxo, tentativa de dizer o que não se pode dizer. Além de John Wisdom, não podem ser esquecidos outros nomes como G. A. Paul, M. Lazerowitz e Norman Malcolm. 13 Em Cambridge, a característica desse trabalho é a análise filosófica concebida como terapia. Para George Edward Moore, os filósofos tentam dar respostas sem antes ter analisado as perguntas às quais respondem. Para Ludwig Wittgenstein, o filósofo trata de uma questão como uma doença e assim resolve os problemas, desatando os nós linguísticos do nosso cérebro. Para John Wisdom, a perplexidade filosófica deve ser tratada como na psicanálise. 1.6 A filosofia analítica em Oxford O movimento analítico firmou-se em Oxford, a partir de 1951, inclusive quantitativamente, arrastando milhares de pessoas interessadas em filosofia, enquanto que em Cambridge eles não passavam de poucas dezenas. Gilbert Ryle (1900-1976) escreveu sobre Platão (6) e, muito antes, em 1932, sobre expressões sistematicamente desviadoras (7), mostrando que nelas a forma gramatical não corresponde à estrutura lógica dos fatos. Em Categories (8), diz que o ofício do filósofo se deve exercer sobre a linguagem, para descobrir os erros lógicos, que consistem em atribuir um conceito e uma categoria à qual não pertence. Em Philosophical Arguments (9), propõe-se mostrar a estrutura lógica de um tipo de argumento próprio do pensamento filosófico, que é a reductio ad absurdum, isto é, um raciocínio que consiste em refutar uma asserção, demonstrando que leva a uma consequência absurda.4 2 A FILOSOFIA DO SENSO COMUM Dificilmente, o brilhante esforço de Descartes de provar a existência da alma e de Deus seria capaz de converter um infiel ou um ateu. Por outro lado, a crítica cética também não pode servir de alternativa a um modo de vida. Ninguém conseguiria viver duvidando constantemente de tudo. Por conta disso, todos procuram, bem ou mal, seguir a maioria de suas crenças comuns sobre o mundo, por falta de um motivo mais forte para descartá-las, ainda que elas possam ser completamente falsas. 4 Máriton Silva Lima. Extraído: www.jus.com.br 14 No final do século XX e do segundo milênio, apesar de todas tentativas, a filosofia e as ciências não encontraram um fundamento seguro que permitisse o abandono da maior parte das interpretações do senso comum. Todos jornais sustentam colunas de horóscopos; enquanto, no dia a dia, costuma-se dizer que o sol nascerá a leste e morrerá a oeste, como se a astronomia e a física não tivessem provado que a Terra gira em torno do Sol e a distante e fraca influência dos astros na tomada de decisão de uma pessoa. Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br Essa deficiência explicativa para sugerir um argumento definitivo e último, que provasse as coisas no mundo, gerou uma nova forma de abordagem dos temas filosóficos, menos dogmática e mais afeita ao falibilismo. Ou seja, já se reconhece que a razão pode falhar, por diversos motivos, e que um certo pragmatismo ante estas questões é a melhor postura a ser adotada. O senso comum e seu modo de vida, baseado em crenças e desejos, permanecem inabaláveis, tal como na origem helênica da filosofia ocidental. 15 Dada a incapacidade de a filosofia fornecer respostas definitivas que fechassem qualquer uma de suas questões, volta-se a discutir, hoje, os problemas cognitivos a partir de um ponto de vista mais aproximado das características intuitivas, intencionais e explicativas do senso comum. As crenças e desejos dos indivíduos passam a ser base do pensamento filosófico contemporâneo. O individualismo metodológico, então, passa a ser a principal marca das investigações feitas pelas ciências humanas, sem que para isso tenha de se perder uma atitude crítica e inquiridora. Contribuiu para isso, um certo descrédito nas promessas da tendência positivista das ciências. Já não se pensa, hoje, como se pensava, no final do século passado, que o desenvolvimento das ciências e da investigação filosófica iria proporcionar maior progresso e bem-estar da maioria da população. As ações desastrosas cometidas em nome do desenvolvimento científico e da soberania da razão, ao longo deste século, foram suficientes para abalar essas pretensões. Porém, antes disso tudo acontecer, o senso comum já encontrava um defensor contundente entre um daqueles filósofos que seguem a tradição analítica de abordar um tema filosófico, isto é, tendo como ponto de partida a compreensão precisa do significado das expressões da linguagem. Este filósofo foi o inglês George Edward Moore (1873-1958), que escreveu um ensaio intitulado Uma Defesa do Senso Comum (1925). Neste ensaio, ele sustenta que certos truísmos derivados do senso comum podem ser tidos como verdadeiros. Por exemplo, saber que um corpo humano presente e vivo é meu ou não; que em tempos diferentes, muitas diversas coisas aconteceram e que eu nasci num determinado tempo no passado, etc. Para Moore, cada indivíduo, na maioria das vezes, sabe sobre si mesmo todas aquelas afirmações de sua história pessoal que ele afirma saber, no que diz respeito a seu pensamento e corpo. A confusão criada pelos filósofos em torno desse tipo de conhecimento dar-se-ia pelo fato deles tomarem essas questões do ponto de vista de uma terceira pessoa, fora daquele que afirma saber o que diz. Em outras palavras, outros seres humanos poderiam ter outros corpos sem que o sujeito soubesse que eram corpos humanos, já que da posição subjetiva não há como saber o que aconteceu no passado com outros seres humanos, além do próprio sujeito. Ora, da perspectiva externa, ninguém pode assegurar a verdade das proposições do senso comum. Só do ponto de vista interno e pessoal é que alguém 16 pode dizer que sabe algumas sentenças triviais do senso comum, pertinentes ao seu próprio saber. O que Moore quer garantir é esse conhecimento mínimo de que cada um sabe que sabe a verdade das proposições do sensocomum. (...) Falar com desprezo daquelas "crenças do senso comum" que mencionei é certamente o máximo dos absurdos. E há, obviamente, grande número de outras características na "visão do mundo do Senso Comum" que, se aquelas [crenças] são verdades, são certamente verdade também: por exemplo, que viveram sobre a superfície da terra não apenas seres humanos, mas também muitas espécies diferentes de plantas e de animais etc. etc. (MOORE, G. Op. Cit., in Escritos Filosóficos, p. 253). Com isso, Moore quer dizer é que se uma pessoa sabe que uma proposição do senso comum é verdadeira, não há motivos para se duvidar que ela saiba, de fato, essa verdade. Isso não impede que outros acontecimentos venham a negar tal verdade. Entretanto, é preciso que alguma pessoa saiba que essa nova informação seja verdadeira, para que ela possa ser sustentada. O senso comum não precisa de mais nada, para provar a sua verdade, a não ser do conhecimento interno de alguém que sustenta uma dada afirmação como verdadeira. Além disso, uma vez posto esse conhecimento básico, a verdade do mundo exterior também poderia ser sustentada, do mesmo modo que as sentenças triviais, a partir da certeza de quem sabe. Fora essa defesa de aspecto analítico, outras formas de encarar o comportamento humano tiveram de recorrer às expressões do senso comum, a fim de explicarem a ação do agente humano. Para se conhecer as verdadeiras causas do ato de um agente, seria preciso apelar, então, ao uso de termos como crenças e desejos que interagiriam na mente produzindo uma determinada conduta. O vocabulário de uma psicologia popular - para autores como Donald Davidson e Daniel Dennett, por exemplo - não poderia ser reduzido aos enunciados de uma ciência da natureza, como a física e a neurologia. Os defensores da psicologia popular afirmam que a complexidade dos mecanismos de decisão para uma ação não permite que se abandone as crenças e desejos do senso comum, em favor de uma simples explicação fisiológica, sem levar em consideração as características intencionais de um evento mental. Se uma série de neurônios é afetada pela presença de determinado neurotransmissor, esse fato por si só não explica porque uma pessoa prefere ir para o trabalho a pé, de ônibus, metrô 17 ou táxi. As escolhas de um agente humano, entendida em termos de preferência, não se deixam reduzir a sua base física e material. Embora nenhum evento na natureza possa ocorrer sem o suporte material, isso não quer dizer que a melhor interpretação desse evento deva se dar no âmbito das ciências naturais. Sobretudo quando se trata da ação humana, palavras como livre arbítrio, desejos, crenças e hábitos são indispensáveis para o entendimento adequado das causas que estão "por detrás" do ato. A representação da informação na mente e o processo de deliberação feitos pelos indivíduos precisam ainda da esfera da psicologia popular, típica do senso comum, para que uma explicação do fenômeno mental seja bem-sucedida. Fonte: universiaenem.com.br Nesse sentido, a intencionalidade está além da descrição neurofisiológica do comportamento humano. Apesar de não conseguir, ainda, propor leis sobre esse comportamento, a psicologia popular não pode ser dispensada e o senso comum tem aqui um papel a desempenhar. 2.1 O Falibilismo e o Bom senso As ciências humanas têm como acréscimo a dificuldade de explicar as circunstâncias em que a razão falha, sem que isso seja causado por um distúrbio 18 mecânico funcional do organismo. Se acaso alguém resolve seguir seus instintos, a despeito de todas as razões contrárias, o máximo que se pode dizer é que essa pessoa age de modo irracional. Mas não há uma lei natural que possa descrever com precisão quando a razão falhará ou não. Outros fatores como a falta de informações suficientes, desejos, influências diversas e observações distorcidas podem ter uma participação efetiva nas tomadas de decisão. Por vezes, a sorte deverá também ser considerada, sob a rubrica de uma margem de segurança das previsões. Nesse contexto, é com a intuição que se conta. Alternativas contra intuitivas, geralmente, tendem a ser desastrosas, mas mesmo assim isso não constitui uma regra. Dada a imponderabilidade dos fatores envolvidos num fenômeno qualquer, a razão deve apoiar-se em última instância no bom senso do senso comum, onde as chances de algo vir a ocorrer como o previsto se baseiam num hábito consolidado por sucessivas observações empíricas registradas pela tradição. O reconhecimento das limitações da razão e uma postura crítica diante de normas dogmáticas podem ser a saída mais recomendável nos dias de hoje. A filosofia do senso comum deve, então, estar atenta a esses dois guias que só o amadurecimento da investigação empírica pode gerar. Já não cabe mais apelos a doutrinas idealizantes que tenham respostas para tudo, como também não se aceita mais o recurso a superstições e lendas fantasiosas. Entre o rigorismo das ciências do passado e a imprecisão do senso comum, a filosofia contemporânea encontra seu caminho. O senso comum deixa de ser, portanto, o "primo-pobre" que precisa de ajuda, mas se transforma numa fonte rica de informações brutas a serem trabalhadas por uma pesquisa criteriosa, todavia não conclusiva. O desdobramento dos eventos dos últimos cem anos serviu para reabilitar o conhecimento pré-filosófico da tradição, ao mesmo tempo em que refreou os impulsos fundamentalistas dos filósofos e cientistas reducionistas. Em nenhum campo do conhecimento humano, a filosofia conseguiu sozinha melhores resultados do que o senso comum. Os problemas éticos e cognitivos da civilização helênica permanecem sem solução até hoje. Não há uma conclusão sobre a melhor forma de agir ou validar uma ação. 19 Assim como não se sabe com certeza como os eventos do mundo físico irão se comportar no futuro, graças à imponderabilidade gerada pelas complexas interações entre todos elementos na natureza. A indeterminação na natureza, reconhecida pelas ciências naturais no início desse século foi outro fator a tornar o conhecimento cada vez mais relativo ao ponto de vista do observador. Estendida à filosofia, o indeterminismo alimenta o relativismo e outras tendências falibilistas, tais como o pragmatismo que se apoiam numa investigação do mundo desde a ótica assumida de um modo de vida estabelecido. Nesse caso, a melhor alternativa perante as circunstâncias é que deve ser considerada apropriada a uma ocasião, o que constitui um conhecimento provisório, mas plausível, tendo em vista todos elementos envolvidos. Agora, livre dos preconceitos, a filosofia pode trabalhar com os dados do senso comum, a fim de encontrar os esclarecimentos críticos necessários que proporcionem ao homem contemporâneo tomadas de decisões adequadas e uma melhor compreensão da complexidade dos fatos do mundo. A despeito de tentativas reducionistas anacrônicas, a filosofia e o senso comum seguem lado a lado permitindo a abertura de novas linhas de pesquisa como a recente abordagem sobre o conhecimento humano sugerida pela teoria da mente - que discute o processo mental, a partir da perspectiva da psicologia popular e do desenvolvimento da ciência computacional - e pela teoria da justiça como imparcialidade - que tem em John Rawls seu principal defensor e pretende estabelecer princípios de política justos sem apelar para concepções metafísicas, utopias irrealizáveis e fundamentos últimos, supondo um equilíbrio reflexivo de uma sociedade já formada. Junto ao senso comum, a filosofia contemporânea põe, finalmente, os pés no chão e começa a caminhar, tendo como objetivo atender as exigências explicativas de seres humanos de carne e osso, portadores de crenças, desejos, sofrimentos e histórias particulares.5 5 Texto extraído: www.uniafi.webnode.com.br20 3 MOORE: ÉTICA A análise do problema moral a partir de uma abordagem linguística começa a se constituir de forma mais vigorosa e sistematizada no início do século XX, precisamente a partir de 1903, com a publicação da obra Principia Ethica de George Moore. Moore inaugura a filosofia moral de inspiração analítica cuja influência seria marcante durante a primeira metade daquele século. Antes de investigar a natureza do universo moral, a filosofia deveria analisar o conteúdo dos termos empregados nos enunciados prescritivos. A esta nova modalidade de abordagem que toma a linguagem como paradigma de toda investigação possível no campo da moral deu-se o nome de teoria ética ou meta-ética. Fonte: farolpolitico.blogspot.com 21 Sob este nome designa-se o estudo concernente às formas linguísticas das proposições prescritivas e à significação dos predicados morais. Trata-se, pois, de elucidar o sentido dos conceitos éticos e a maneira como são linguisticamente expressos em um enunciado. A importância da linguagem para a ética é representada pelo significado que as proposições morais assumem nas interações e embates que marcam o universo axiológico dos indivíduos. A análise do fenômeno moral torna-se um estudo sobre a matéria simbólica do nosso modo de “ser-no-mundo-moral-pela- linguagem”. Moore influenciou decisivamente a pesquisa analítica em ética, na medida em que seu projeto teórico tenta evidenciar as articulações possíveis da experiência moral a partir da avaliação das condições formais e do conteúdo proposições normativas. Examinar o que se passa no terreno da moral significa inicialmente interrogar sobre o que nós queremos dizer quando atribuímos, por exemplo, o predicado bom ou justo para designar um evento, um comportamento, uma decisão. Moore abre caminho para que o problema da justificação ética seja formulado no âmbito da análise dos enunciados morais. Com isso, a análise semântica dos enunciados de valor, empreendida por ele na supracitada obra, fornecerá novas ferramentas ao tratamento dos problemas referentes à justificação lógica das expressões normativas. Para Moore, a análise é o húmus da filosofia e o objetivo final desta é a clarificação dos conceitos. De posse da acuidade e do rigor analítico, sua função consiste, pois, em tornar explícito o que se afigura difuso, nebuloso, intransparente. Assim, acrescenta ele, a capacidade de analisar sem descanso, a necessidade de observar as diferentes perspectivas, constituem o exercício essencial do filosofar. O primeiro passo de toda atitude pensante consiste em analisar, pois somente assim poder-se- ia oferecer uma representação adequada da realidade. O procedimento de Moore, convém alertar, não repousa na mera exegese das palavras, mas na análise dos conceitos e das proposições que os manifestam. Eis por que, de posse dessa démarche analítica, podemos, mediante o refinamento da análise, aceder com mais segurança ao universo dos fatos. Moore busca um caminho para conhecer de modo mais límpido as entranhas da realidade, os objetos do mundo. Isto o permite erigir as bases de uma filosofia destituída de todo desejo de doutrinamento moral. O que importa, para ele, não é o fato moral em si, mas o 22 enunciado que o traduz ou que o torna inteligível. Antes de interrogar sobre o valor das ações, as regras de conduta e seus critérios de justificação, deve-se clarificar o discurso normativo, seus enunciados de base, seus termos constitutivos. A função da filosofia consiste em demonstrar que certas coisas são boas ou más em si mesmas e que as proposições de caráter moral não estão sujeitas à demonstração. Para Moore, tais proposições são evidentes em si mesmas, razão pela qual não existe força probatória capaz de esclarecer o seu sentido sem que, previamente, se possa perscrutar o seu conteúdo proposicional. Nesta concepção encontramos os eixos fundamentais da teoria ética mooreana: a crítica ao naturalismo, o intuicionismo enquanto via de acesso à caracterização do que bom e o realismo moral como resposta ao idealismo de sua época. Essas três dimensões serão, amiúde, exploradas em nosso percurso. Fonte: hermanoprojetos.com 23 Rejeitando as formulações tradicionais da ética que pressupõem o problema da virtude (Aristóteles) ou da boa vontade (Kant) como fundamentais à constituição do mundo moral, o filósofo inglês afirma que, independentemente do status questiones ou do acervo de construções categoriais provenientes da tradição, é necessário começar por uma investigação sobre o que significa o termo good. Assim, antes de julgar os comportamentos e de prescrever aos indivíduos normas morais, é necessário perguntar o que é o bem/bom em geral. A análise concernente ao bem antecipa toda e qualquer exortação ou comando de caráter normativo. Partindo da distinção – e por vezes da complementaridade – entre o que designamos como bem/bom (adjetivo) e isto que tomamos como o bem/o bom (substantivo), Moore acrescenta um novo elemento ao debate. O bom, segundo Moore, não é de forma alguma indefinível; ele é o substantivo ao qual se aplica o adjetivo bom. Certos atributos como honestidade, solidariedade, simpatia, podem ser considerados como convenientes ao que é bom, ou mesmo como elementos constitutivos de sua definição. Portanto, isso que chamamos o bom nada mais é do que substantivo ao qual se pode aplicar o predicado bom. É neste sentido que ele se torna passível de definição. Assim, diz Moore, “o bom é definível, enquanto bom em si mesmo não o é”. A propriedade das coisas boas não é suficiente para definir o que é bom, posto que ela não é inteiramente idêntica à propriedade de ser bom. Se isso fosse possível, dever-se-ia dar razão ao naturalismo. Para Moore, o naturalismo tenta justificar sua posição mediante um raciocínio sofístico do tipo “se bom é definido como sendo outra coisa que não ele mesmo, então se torna impossível provar que uma definição é má ou de recusar alguma”. O naturalismo postula uma definição daquilo que é, a rigor, indefinível. Segundo Moore, seu erro consiste em reduzir o bem a uma forma substancial. Em sua opinião, o termo bom somente pode ser apreendido quando o designamos como algo diferente disto que entendemos correntemente como sendo uma coisa. Os naturalistas negligenciam o sentido das categorias ou expressões que as pessoas utilizam para descrever isso que elas consideram como boa conduta ou ação adequada. À guisa de esclarecimento, Moore formula a seguinte ideia: se alguém diz “eu sou feliz” e acrescenta que “a felicidade é algo bom”, isto não quer dizer que a felicidade seja idêntica o bom e que bom signifique felicidade. Com efeito, seria errôneo associar um objeto natural ao predicado bom. Isto porque a propriedade que 24 confere a qualidade de bondade a uma realidade é uma propriedade não natural. Moore ilustra sua concepção com um exemplo muito simples: “Quando dizemos que uma laranja é amarela, não pensamos que a nossa afirmação nos obrigue a considerar que ‘laranja’ não significa outra coisa senão amarelo ou que além da laranja nada mais possa ser qualificado de amarelo. Suponhamos que a laranja seja doce! Porventura isto nos obriga a afirmar que ‘doce’ é exatamente a mesma coisa que ‘amarelo’, que ‘doce’ deve ser definido como ‘amarelo’?” Ao contrário, diz ele, só existe uma maneira de afirmar corretamente que as maças são amarelas: apreender o amarelo como uma noção indefinível. Porém, ao contrário da cor amarela, a bondade não tem existência empírica nem é perceptível pelos nossos sentidos. Segundo Francis Jacques, “Moore não diz jamais que este ou aquele bem particular é indefinível. Sem isto, aliás, nós não poderíamos tratar da moral. Da mesma forma, ele não afirma que o conjunto das coisas que possuem a propriedade de bondade nosjulgamentos morais não é susceptível de definição. Ele diz apenas que o predicado bom, ele mesmo, não o é”. Mas como poderíamos a ele aceder? O que nos faz discernir ou mesmo julgar um ato e identificar nele aquilo que julgamos ser o bem? A intuição. Eis a resposta que Moore nos oferece. Fonte:manhoodbrasil.com.br 25 O intuicionismo é uma das marcas características da filosofia moral de Moore. Todavia, ele não atribui a esta faculdade o sentido de instância cognoscente, como o fizeram alguns representantes (Descartes, Kant) da tradição que o antecedeu. Para Moore, as proposições que definem a justeza ou o valor dos nossos atos não podem jamais nos informar sobre a maneira como nós os conhecemos, nem, tampouco, sobre a origem do nosso conhecimento. Moore considera que as proposições relativas às práticas não são susceptíveis de prova e que os homens têm um conhecimento imediato dos valores morais. Ele estima igualmente que as ações morais se impõem de maneira incondicional e que suas consequências não são levadas em consideração pelas regras que as disciplinam. A ideia de valor intrínseco oferece a Moore a possibilidade de conceber good como uma categoria simples, evidente em si e irredutível a uma propriedade natural. A apreensão das coisas intrinsecamente boas supõe a existência de um sujeito moral capaz de apreender intuitivamente a propriedade simples que as constitui. O primado da evidência intuitiva se oferece ainda como um anteparo à ameaça reducionista propugnada pelo naturalismo. Com efeito, a valorização do sujeito moral mediante o apelo às suas aptidões intuitivas fortalece as posições de Moore em sua cruzada contra o subjetivismo idealista, uma vez que, ao recusar subordinar os fatos à consciência, ele passa também a rejeitar o ponto de partida psicológico como instância possível de identificação das verdades éticas. Nesse aspecto, Geoffrey Warnock considera indiscutível a contribuição de Moore ao intuicionismo ético. A eminente função atribuída à evidência intuitiva no quadro dos julgamentos morais serve para que ele possa conter a “ameaça” naturalista e seu afã reducionista. Moore se esforça em revalorizar o sujeito e seu poder intrínseco relativo aos valores, ao mesmo tempo em que se insurge contra o subjetivismo de inspiração metafísica. É isso que o permitirá fortalecer suas posições contra o idealismo, corrente que dominava a atmosfera intelectual de sua época. A embate entre os idealistas e seus adversários, que marcou a filosofia britânica ao longo de pelo menos meio século, serviu para engendrar a crítica de Moore ao internalismo subjetivista de seus partidários. O teor dessa recusa encontra sua forma mais original no célebre artigo The Refutation of Idealism, de 1903. Aqui Moore denuncia primeiramente uma das maiores pretensões do idealismo, aquela que consiste em afirmar que tudo existe na consciência. Para ele, carecemos de razão 26 para acreditar na existência efetiva de coisas como as chamadas imagens mentais. O monismo transcendental, constitutivo da empresa idealista, representa uma via ilegítima à compreensão do verdadeiro objeto da moral. Ora, Moore recusa a dependência dos fatos em relação à consciência, como pretendia o idealismo de seu tempo, com o mesmo vigor com que ele condena a pretensão do naturalismo de explicar good como um predicado empírico natural. Em sua origem, o realismo mooreano tenta denunciar as insuficiências do internalismo e de seu sistema de crenças. O princípio da coerência ideal, frequentemente adotado pelo subjetivismo em matéria de moral, é confrontado à questão de saber se existe verdadeiramente uma ligação interna entre o reconhecimento dos postulados éticos e a motivação à ação. Moore defende a ideia segundo a qual a moral é um domínio de pesquisa sui generis, posto que seus conceitos se distinguem claramente dos axiomas científicos, dos princípios teleológicos e das ideias metafísicas. Assim, antes de qualquer démarche epistemológica acerca da origem de uma ação ou das motivações desencadeadoras da conduta moral, é necessário, convém relembrar, saber o que é o bem. Eis o que o permite reafirma sua concepção segundo a qual o bem existente e seus constituintes de base independem de nossas escolhas e atitudes. O realismo recupera a questão acerca das condições de possibilidade de uma verdade ética existir independentemente da apreensão do sujeito. Se os valores morais existem e se essas propriedades são irredutíveis a nossas escolhas e atitudes, então os predicados morais (bem, mal, solidário, justo) que os representam denotam também propriedades reais. É verdade que, para a compreensão dos “fatos morais” – e das proposições que os exprimem – não poderiam concorrer, em razão de seu caráter de objetividade, nem nossas crenças nem nossos sentimentos. Resta saber como verificar em termos práticos isto que se pode chamar de verdade ética e qual o critério de justificação que ela admite. A resposta de Moore é simples: não existe ponto de partida subjetivo, nem autonomia da vontade. O bem é irredutível à vontade perfeita e à pura cognição. A determinação do que é bom salvaguarda as verdades éticas enquanto elementos constitutivos dos objetos da nossa intuição. Moore deixa de lado, assim como a maior parte dos realistas que o sucedem, o problema da liberdade, da ação justa e responsável, da relação entre nossas crenças e as ações morais que empreendemos. 27 Da mesma forma, ele se exime de um estudo detalhado acerca da justeza dos princípios normativos e das motivações que nos fazem segui-los ou negá-los. Ademais, Moore não deixa de considerar relevantes tais questões, porém só devemos delas nos ocupar a posteriori, ou seja, somente depois de uma análise minuciosa dos conceitos fundamentais da ética é que estaríamos aptos a tratá-las. Até porque, segundo ele, uma asserção do tipo “isso é um bem” nada diz sobre a nossa liberdade de escolha, nem sobre a racionalidade no nosso querer. Com efeito, ela não pode ser reduzida ou confundida com a asserção “isso é desejado”, uma vez que ela nada revela acerca das motivações internas ou das intenções particulares dos agentes morais. Fonte: sites.google.com Mas esse postulado defendido pelo realismo moral não está livre de refutações. Contra ele, John Mackie, em sua obra Ethics – Inventing Right and Wrong, apresenta três argumentos. O primeiro diz respeito ao princípio do desacordo (os conflitos de crenças descritivas são diferentes dos conflitos de crenças axiológicas), em seguida o argumento da coisa estranha (se por um lado as propriedades morais pertencem às coisas, por outro elas não são propriedades empíricas ordinárias) e, finalmente, a ideia de motivação moral (os enunciados morais não são unívocos, pois eles provocam 28 frequentemente ações e reações particulares e específicas). A fim de fugir a essa dificuldade, o realismo moral deve reconhecer que existe um desacordo efetivo entre as propriedades morais estranhas e que as mesmas possuem caracteres motivacionais distintos. E a melhor maneira de fazê-lo seria adotar uma ontologia realista do senso comum para os fatos e valores morais. Esse tema encontra-se presente nas formulações teóricas de Moore acerca do common sense (senso comum). O projeto de Moore de restaurar as proposições do senso comum lhe conferindo uma nova força probatória serviu para fortalecer sua cruzada contra o idealismo. Em outras palavras, a crítica de Moore ao idealismo o conduziu inexoravelmente a uma defesa do senso comum. Para Moore as proposições do senso comum não precisam de prova, mas de análise. Moore com isso pretende denunciar o abstracionismo e o hermetismo do pensamento idealista, reconhecendo, in extremis, o valor da “visão de mundo do senso comum” (common sense view of the world). Em seu artigo A defence of CommonSense, Moore demonstra o poder revelador desse modo não convencional de evidência contido nas proposições do senso comum, pois muitas delas são reveladoras de verdades inelutáveis. Os objetos apreendidos pelo senso comum não são inferidos, eles são objetos de percepção. O que podemos dizer do mundo é, quase sempre, aquilo que dele podemos perceber. Disso se infere que a certeza das proposições empíricas do senso comum é intrínseca. Todavia, Moore reconhece que o senso comum não é uma fonte privilegiada de conhecimento. Suas proposições manifestam simplesmente uma certa modalidade de saber. Longe de manter-se preso a uma estéril restauração das verdades do senso comum, a proposta mooreana se constituiu como um importante instrumento teórico para a filosofia pragmática da linguagem, ainda que Wittgenstein discorde da linha diretriz da sua filosofia do senso comum. Os desacordos entre esses dois autores se afiguram importante à compreensão das articulações e desdobramentos da meta-ética no século XX. Wittgenstein rejeita a ideia de que possa haver uma prova objetiva ou uma verdade inquestionável concernente às proposições que exprimem a visão de mundo do senso comum. Ele julga ilegítimo e arbitrário conferir a essas proposições o estatuto de verdades absolutas, pois a verdade de certas proposições empíricas pertence a nosso sistema de referência. Ao desconsiderar a heterogeneidade dessas 29 proposições, Moore, diz Wittgenstein, desejou estabelecer um acordo tácito entre o saber e a realidade. Assim, o sentido do verbo saber comporta em seu pensamento uma certeza objetiva, apesar de o mesmo carecer de um método de verificação ou de um procedimento de legitimação. Assim, Moore deixa de reconhecer o papel que a dúvida e o erro podem exercer na constituição dessas proposições aparentemente evidentes. Moore, afirma Wittgenstein, ignora que a significação de um termo depende de sua utilização, quer dizer, do seu uso prático; ele desconhece a importância dos jogos de linguagem enquanto critério doador de sentido às expressões do senso comum. Segundo Bouveresse, “um dos argumentos mais importantes que Wittgenstein utiliza contra Moore é que as proposições da forma ´eu sei que p´ não tem sentido claro senão em um contexto apropriado, ou seja, que o uso de ‘eu sei’ é muito mais especializado do que geralmente se imagina”. Wittgenstein deseja, pois, conferir um valor relativo às evidências do senso comum. Este “relativismo” está a serviço de sua defesa da vida ordinária e, sobretudo, da ideia segundo a qual um enunciado recebe seu significado do uso e da circunstância no interior da qual ele se revela. O primado da atitude prática fundada sobre o reconhecimento dos laços estreitos entre linguagem e ação, reflete o valor que Wittgenstein confere às lebensformen, isto é, às formas de vida que dão sentido à nossa linguagem sobre o real. Ora, vimos que as expressões normativas se configuram como pseud. proposições em razão de sua incapacidade de dar conta da contingência dos fatos. A ideia segundo a qual toda formulação ética é refratária a uma análise lógica deixa fora do mundo a estrutura essencial da ação prática. Como consequência tem-se o fato de que todo julgamento de valor sobre os princípios que guiam o agir moral torna-se ilegítimo. Disso se conclui que só podemos apreender os fatos que compõem a totalidade do mundo. É ética, se ela existe, não trata do mundo, mas antes pode se constituir como uma condição deste. Para Wittgenstein, a ética resiste a toda especulação e a toda tentativa de teorização. Trata-se de um projeto que se insere no interior de uma forma de vida. “A ética, diz ele, é a investigação sobre o sentido da vida ou daquilo que faz com que a vida mereça ser vivida, ou sobre a maneira correta de viver”. Com efeito, os valores são inapreensíveis pelo julgamento e indizíveis pelo discurso factual. As proposições 30 éticas não possuem correlato objetivo, haja vista que elas pertencem ao domínio do insensato. Wittgenstein exclui a ideia de sistema moral único a fim de eliminar o primado do monismo axiológico. Vários sistemas orientam diferentes formas de vida, de modo que nenhum goza de um estatuto privilegiado. Apesar disso, os indivíduos são geralmente tentados a conferir um sentido absoluto às referências morais do seu sistema convencional particular. Entretanto, como realizar a convergência entre os valores relativos a cada existência concreta e sua aspiração a um princípio absoluto sem o concurso de um a priori? Wittgenstein reconhece que todos os sistemas éticos são engendrados por uma motivação em direção ao absoluto. Todavia, pensa ele, as soluções oferecidas a um dilema moral concernem somente a cada situação concreta. Nada pode ser prescrito ao conjunto dos seres humanos. Uma máxima que aspira à universalidade é uma quimera, uma vez que seu sentido é sempre irredutível a uma forma proposicional. Falar de ética é ultrapassar os limites da linguagem. “A ética é transcendental”, conclui Wittgenstein. Fonte: uab.ufsc.br 31 A propósito da ética, Wittgenstein nos alerta que é melhor guardar o silêncio, isto porque todas as prescrições universais e suas instâncias moralizadoras se volatilizam diante da relatividade dos fatos. Não há, pois, referências morais a priori e universalmente válidas, posto que “apesar de que se possa mostrar que todos os juízos de valor relativos são meros enunciados de fato, nenhum enunciado de fato pode ser nem implicar um julgamento de valor absoluto”15. O filósofo, a quem Wittgenstein mostrou que há um tempo de falar e um tempo de calar, deve, em matéria de moral, fugir à tentação de dizer alguma coisa. O caráter inexprimível das proposições ética decorre da impossibilidade mesma de se as justificar logicamente como verdadeiras e falsas. “Parece evidente, diz Wittgenstein, que nada do que somos capazes de pensar ou de dizer pode constituir-se o objeto”16. A linguagem definitivamente não pode subverter a condição imanente de sua relação com o mundo. Eis o que torna a experiência moral inexprimível por qualquer que seja a forma de teorização. Assim, enquanto Moore acreditava encontrar na análise filosófica um procedimento conveniente para o estudo dos julgamentos morais e dos conceitos normativos, Wittgenstein bloqueia esse caminho ao denunciar a impossibilidade das proposições de conteúdo moral. Ora, tudo se passa como se a ética fosse um terreno impróprio ao cultivo de ideias filosóficas, ou ainda como se o silêncio da filosofia revelasse, enfim, que a ética, se ela existe, é transcendental. Aqui o primado da linguagem formal não oferece chance à especulação sobre o sentido dos termos que empregamos para designar a essência da ação moral. Assim, por exemplo, o bem que havia se constituído em objeto de elucidação na teoria ética de Moore, é, para Wittgenstein, uma categoria inefável. A crítica da linguagem moral, em nome do caráter ininteligível de suas proposições, elimina a possibilidade de o sujeito representar, de maneira sensata, pela via da linguagem, convicções, julgamentos e atitudes morais. A deflação do mundo moral, enquanto mundo próprio à linguagem, não elimina a crença numa existência moralmente legitimada. O agnosticismo moral de Wittgenstein não o impede de conferir uma atenção cuidadosa ao problema da boa conduta, sobretudo da conduta concernente aos dilemas particulares da vida de cada um. O problema moral faz parte da ordem da existência. Ter um comportamento moral 32 significa agir de acordo com certos valores que a vida de cada um impõe à sua liberdade de ação. Wittgenstein concorda com a ideia mooreena segundo a qual não compete à filosofia prescrever regras de ação, mas apenas elucidar a natureza das expressões linguísticas de caráter normativo. Da mesma forma lhe parece correto afirmar, comoo fez Moore, que a ética é a investigação geral sobre o bem e que este é, a rigor, indefinível. O problema, diz Wittgenstein, surge quando Moore propõe-se a pensar a ética como uma ciência. Não obstante esses pontos de divergência, podemos indicar algo que os aproxima: a defesa da ideia de irredutibilidade do dever-se ao ser. Assim, enquanto Moore demonstra a impossibilidade dessa passagem mediante a crítica à falácia naturalista, Wittgenstein o faz ao denunciar a impossibilidade das proposições éticas. O dualismo de origem humana entre ser e deve-ser encontra no plano da linguagem uma nova forma de configuração e representação. Instaura-se a partir daí a distinção entre as proposições declarativas factuais e as proposições éticas normativas. A questão consiste em saber se há de fato, do ponto de vista das construções lingüísticas, um abismo instransponível entre a constatação de um estado de coisa e as prescrições que engendram determinadas formas de conduta moral. Ao condenar as tentativas de pensar good como qualidade natural e, igualmente, de derivação do valor a partir do fato, Moore preferiu preservar a divisão entre propriedades naturais e não naturais. A impossibilidade de definir good reenvia à interdição de, no plano da linguagem, se passar do descritivo ao normativo. Mas se podemos inferir a presença de um tal dualismo em Moore, ele não fala na sua obra Principia Ethica acerca do que bloqueia a passagem dos valores aos fatos. Para Moore, o mundo consiste numa pluralidade de coisas independentes e distintas entre si. 33 Fonte: valdenycruz.blogspot.com Segundo Putnam, a exegese conceitual proposta por Moore, apesar de sua crítica ao naturalismo, não foi suficientemente vigorosa para ultrapassar as fronteiras entre fatos e valores. Mesmo que seu objetivo fosse o de defender a existência de “propriedades não naturais”, alguns críticos, dentre os quais situa-se Putnam, interpretam essa pretensão como uma maneira de demonstra, por absurdo, a inexistência de propriedades de valor. Putnam utiliza a noção de identidade sintética das propriedades para criticar o “analiticismo” de Moore, pois, segundo ele, é necessário a realização de pesquisas teóricas e empíricas para descobrir o que é uma propriedade natural. O equívoco de Moore, diz Putnam, foi o de identificar as propriedades com os conceitos. Com efeito, tal incongruência tornaria ilegítima a ideia de Moore segundo a qual uma propriedade natural não pode ser uma propriedade essencial do bem. Apesar de reconhecer a fragilidade da crítica de Moore aos naturalistas, Putnam não considera exitosa a compreensão fisicalista do bem como propriedade natural. Assim, é verdade que o monismo naturalista se afigura incapaz de dar conta da complexidade dos acontecimentos morais, porém seus detratores não trouxeram 34 contribuições capazes de superar esse impasse. Putnam considera que Moore visualizou bem o alvo, mas não conseguiu atingi-lo. Em face dessas lacunas e tendo em vista o teor de tais refutações, o que se pode depreender como legado do pensamento do Moore à filosofia moral contemporânea? É certo que podemos pensar que os termos éticos possuem significações variadas segundo seu emprego ou contexto de uso, razão pela qual o sentido geral de um termo não poderia jamais determinar a maneira como eles são utilizados num domínio específico. Disso se infere que uma investigação do sentido seria largamente insuficiente para uma solução das questões morais. Da mesma forma, é correto reconhecer que recurso ao intuicionismo como alternativa à clivagem naturalismo/cognitivismo teve uma eficácia duvidosa. O mesmo raciocínio - e a mesma reserva – poderiam ser aplicados ao modo intransparente com que Moore aceita a dualismo ser/dever-ser. Ora, sabemos que o problema concernente à possibilidade de uma dedução dos valores a partir dos fatos, que se constituiu como background dos debates filosóficos no início do século XX e nas décadas subsequentes, não encontrou na filosofia mooreana o tratamento que merecia. Alguns ainda denunciam a abstração conceitual de sua teoria e a recusa em tratar os problemas concretos que envolvem as situações morais. O reconhecimento das insuficiências e limitações da teoria ética mooreana não deve obnubilar o fato de que seu pensamento contribuiu decisivamente para o alargamento do campo de investigação em filosofia moral. Moore não se propõe a resolver os grandes problemas que vicejaram no terreno da ética desde sua origem grega. Muitos dos quais, aliás, continuam a habitar a morada da filosofia e a desafiar nosso pensamento. Ele tão somente nos alerta para a necessidade de se partir de uma interrogação de segunda ordem que possa dar conta da linguagem que usamos para prescrever, transmitir e elaborar juízos acerca dos elementos que compõem nosso universo moral. 35 Fonte: claudiofilosofo.blogspot.com O traço inovador das pesquisas mooreanas não reside no desejo de inventar em ética, nem na crítica aos sistemas de morais tradicionais, mas na tentativa de apreender os componentes do universo moral a partir de suas expressões particulares. Trata-se, como vimos, de interrogar, no seio mesmo da linguagem que traduz os postulados e os eventos da moral, as condições necessárias para aplicação dos termos que lhe concernem. Ademais, importância de Moore não reside apenas no fato de ele ter instituído as bases do intuicionismo ético ou a sua denúncia da chamada falácia naturalista. Muito menos deve ele tão-somente ser reconhecido pela crítica à metafísica tradicional. Sua contribuição decisiva consiste na defesa intransigente da ideia segundo a qual a filosofia precisa adotar um procedimento rigoroso em seu trabalho de investigação: o método analítico. Ou ainda no fato de demonstrar que a tarefa precípua do filosofar é a de clarificar os conceitos e tornar inteligível as significações. Assim, pode-se dizer que Moore, mais do que uma doutrina, nos legou um modo de fazer filosofia que 36 marcou boa parte da investigação filosófica do século XX e cuja importância jamais devemos esquecer ou negligenciar.6 4 FREGE E RUSSELL: SENTIDO E REFERÊNCIA Embora não seja um linguista, Frege é um dos primeiros a se interessar em sistematizar a questão do pressuposto. Além disso, sua teoria é utilizada até hoje como ponto de partida nas pesquisas semânticas tradicionais, especialmente na semântica norte-americana. Antes de apresentarmos o pressuposto na perspectiva fregeana, é necessário passarmos os olhos pela sua teoria de forma mais geral. Fonte: dialogues.org Para Frege, é necessário distinguir três coisas: o sentido, a referência e a representação de um nome. Assim, só podemos falar de algo no mundo, de um objeto, dando-lhe uma descrição. Isso é o sentido. Mas o objeto permanece lá, e essa é a referência. E, no interior de cada consciência, os indivíduos farão representações distintas desse objeto. Assim, em: 6 Texto extraído na integra de file:///C:/Users/ThinkCentre/Downloads/14603-45025-1-PB.pdf - Prof. Dr. Marconi Pimentel Pequeno. 37 (1) O Brasil está em crise; e (2) O maior país da América Latina está em crise. os dois nomes (Brasil e o maior país da América Latina) possuem a mesma referência (referem-se ao mesmo objeto), mas sentidos diferentes, pois apresentam – descrevem – aquele objeto de maneira diferente. Assim, desde que dois nomes possuam o mesmo referente, eles podem ser intercambiáveis, na medida em que não alteram o valor de verdade global do enunciado. Pode-se trocar os nomes de (1) e (2) e os dois enunciados permanecem verdadeiros, pois possuem a mesma referência. Esquematicamente, o sentido de um nome é a descrição que esse nome faz de um objeto, e a referência de um nome é precisamente este objeto do qual o sentido dá adescrição. O valor de verdade de um enunciado, portanto, permanece inalterado se o referente permanece o mesmo. Quanto à representação, o mais importante a se fazer notar é que ela é individual, enquanto o sentido e a referência são objetivos. A referência é objetiva por ser sensorialmente perceptível, enquanto que a representação difere essencialmente do sentido de um sinal, o qual pode ser propriedade comum de muitos, e, portanto, não é uma parte ou modo da mente individual; pois dificilmente se poderá negar que a humanidade possui um tesouro comum de pensamentos, que é transmitido de uma geração a outra (Frege, 1892, p.65). O próprio frege deixará bem clara a distinção entre os termos com a sua metáfora do telescópio: A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que dele temos é inteira- 14 mente subjetiva; entre uma e outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a própria representação, mas também não é o próprio objeto. (…) Alguém observa a lua através de um telescópio. Comparo a lua à própria referência; ela é o objeto de observação, proporcionado pela imagem real projetada pela lente no interior do telescópio, e pela imagem retiniana do observador. A primeira, comparo-a ao sentido, a segunda, à representação ou intuição (idem, ibidem). Bastante importante na teoria de Frege é o fato de que um nome possa ter um sentido sem, contudo, possuir uma referência. O primeiro homem a morar na lua é uma expressão que tem sentido, mas absolutamente nenhuma referência. É devido a 38 esse tipo de possibilidade que a linguagem oferece que, para Frege, ela se torna suscetível de criar um mundo de ficções, de mentiras. É por isso, reconhece Frege, que expressões como a vontade do povo (cuja referência também é inexistente universalmente) podem ser usadas com fins demagógicos. Visando estender essa teoria à análise de sentenças, Frege precisa fazer algumas reformulações. Veja-se: (3) Ele gosta de sorvete e ela gosta de suco Temos duas sentenças unidas pelo conectivo e. Diferentemente dos nomes, no caso das sentenças, o esquema seria: o sentido de uma sentença é o pensamento, um julgamento acerca da realidade (uma proposição), e a referência de uma sentença é um valor de verdade. Nesse contexto, uma sentença é apenas um sentido diferente dado ao verdadeiro e ao falso. Consequentemente, do mesmo modo que ocorre com os nomes, alterar- -se o sentido de uma sentença não altera o valor de verdade global do enunciado, desde que a referência seja a mesma. Se a referência de uma sentença é justamente seu valor de verdade, ela só pode ser substituída por outra de mesmo referente, isto é, de mesmo valor de verdade. Então, (4) Ele gosta de sorvete e o Brasil está em crise. possui o mesmo referente (valor de verdade) de (3) (supondo-se que ele goste de sorvete, que o Brasil esteja em crise e que ela goste de suco, é claro). Mas possui sentidos (pensamentos) diferentes. Como se vê, é perfeita a simetria na teoria de Frege entre nomes e sentenças. Tanto num caso como em outro, desde que os referentes permaneçam os mesmos, os sentidos podem ser múltiplos e o valor de verdade global de um enunciado não se alterará. Frege, no entanto, irá propor algumas alterações nessas “teoria geral” para dar conta de enunciados que introduzem pressupostos. Citemos o exemplo mais que consagrado do próprio Frege: (5) Aquele que descobriu a forma elíptica das órbitas planetárias morreu na miséria. 39 Como se pode notar, há duas sentenças distintas: aquele morreu na miséria e que descobriu a forma elíptica das órbitas planetárias. No entanto, se alterarmos a segunda sentença por outra de mesmo referente, ou seja, de mesmo valor de verdade, o valor de verdade global do enunciado irá se alterar completamente: (6) Aquele que descobriu o vírus da AIDS morreu na miséria. Frege nota, então, que em casos como esse as duas sentenças não são separáveis, e que, dessa forma, não há como transcrevê-las em sentenças independentes. O que Frege propõe é, por conseguinte, considerar que a subordinada relativa (que descobriu a forma elíptica das órbitas planetárias) seja tratada como se fosse um nome que, na verdade, é o sujeito da oração principal. Como tal, seu referente não é mais um valor de verdade, mas sim um objeto no mundo, a saber: Kepler. Mas, e isso é importante, o julgamento de existência de Kepler, para Frege, não está contido no enunciado, mas está pressuposto por sua utilização. Uma prova disso é que tanto na forma afirmativa como na negativa mantém-se o julgamento da existência de Kepler. Se é assim, é porque não está em jogo no enunciado a existência de Kepler, ou melhor, essa existência está pressuposta. No caso de outro exemplo indicado por Frege, (7) Napoleão, que reconheceu o perigo para seu flanco direito, comandou pessoalmente sua guarda contra a posição inimiga, este chega a um momento de hesitação. A subordinada pode ser vista como uma sentença, e por isso tem como referente um valor de verdade? Ou, ao contrário, é apenas um nome (e tem como referente um objeto, o qual pressupõe), como em (5)? O autor chega à conclusão de que, nesse caso, a subordinada realmente exprime um pensamento, ou seja, é uma proposição. Se é assim, pode-se pensar (de acordo com a “teoria geral” de Frege) que a subordinada pode ser substituída por outra de mesmo valor de verdade sem alterar o valor de verdade global do enunciado. Frege, entretanto, irá acrescentar o fato de que, nesses casos assim como em (5), a relação entre as duas sentenças é tal que elas enriquecem o sentido. Elas não podem ser substituídas por outras de mesmo valor de verdade. Mais do que isso, em casos como 40 (7), Frege nota que há provavelmente um terceiro pensamento, a saber: o reconhecimento do perigo foi a razão do ataque por Napoleão. Teríamos, por conseguinte, três pensamentos, mas apenas duas sentenças, o que é embaraçoso do ponto de vista lógico. Mesmo percebendo isso, Frege admite que em casos como (5) e (7) as sentenças exprimem juntas mais do que o fariam isoladamente. Temos, assim, na exposição de Frege, dois problemas que surgem e que estão inextrincavelmente ligados: a) o problema de expressões sem referência mas com sentido; e b) o problema dos pressupostos. Os dois problemas, de fato, são um e mesmo só problema: em a) pressupõe-se a existência de um ser inexistente e em b) pressupõe-se a existência de um ser que, no entanto, não está no “dizer” (isto é, na forma linguística) no enunciado e que também pode ser inexistente. Gostaríamos, para finalizar essa apresentação extremamente sumária da teoria de Frege, de chamar a atenção do leitor para alguns pontos finais. No caso de nomes sem referente, Frege nota o princípio do “defeito” da linguagem comum. Mas, no caso de expressões, a coisa se complica mais um pouco, pois as relações entre as sentenças, do ponto de vista lógico, não se apresentam claramente perceptíveis, como se vê em (5) e (7). Assim, se no caso de nomes sem referente a coisa repousa mais ou menos sobre uma “evidência” (e é por isso que Frege pode propor que, na Ciência, sejam verificados os referentes de cada nome), no segundo caso, nas sentenças, há algo de mais complexo e não evidente. Além disso, o fato de que as sentenças não sejam separáveis em proposições independentes afeta seriamente uma descrição estritamente objetiva do enunciado, que é o que Frege propõe, pois a relação entre as sentenças, para usar a expressão de Frege, poderia estar seguindo leis psicológicas: “quase sempre, ao que parece, aos pensamentos principais que exprimimos, relacionamos pensamentos secundários que, embora não expressos, são associados a nossas palavras, inclusive pelo ouvinte, consoante leis psicológicas” (Frege, 1892, p.82). 4.1 Acrítica de Russell a Frege A crítica de Russell à teoria de Frege (que ele havia anteriormente defendido) é bastante obscura. Em parte por causa do caráter profundamente complexo da nova teoria que propõe, em parte porque, em muitos momentos, Russell interpreta de 41 maneira diversa as colocações de Frege. Sem querer insistir nesse segundo ponto, mas apenas assinalá-lo, iremos discutir qual é a teoria que Russell propõe em relação à teoria fregeana. Fonte: territoriosdefilosofia.wordpress.com Os pontos de vista de Frege ou de Russell são os de um lógico. Não lhes interessa o que se pode fazer com a linguagem ou com a língua, mas sim procurar explicar a relação desses termos com a verdade, o mundo. Frege, no entanto, depara- se a todo o momento com algo que não se encontra estritamente no enunciado, mas que é externo a ele, sem, no entanto, deixar de lhe fazer parte importante. E esse algo exterior pode ou não existir. É a isso que Frege denomina pressuposto. Ou, por outro lado, esse algo exterior pode ser uma intenção do sujeito (como se vê na hesitação de Frege em relação a (7)). Assim, Frege não só admite que há algo na linguagem que foge à lógica (por isso ele chama a linguagem ordinária de defeituosa) como irá propor um uso lógico da linguagem, uma lógica (na sua chamada “conceitografia” ou “ideografia” - Begriffsschrift). Russell, por sua vez, parece estar baseado em outra tentativa, que é a de buscar a lógica da linguagem. Para isso, será necessário afastar a introdução da noção de pressuposição e de sentido e referência. Esse tripé, sentido, referência e pressuposição, como vimos, é essencial para Frege, mas, ao mesmo tempo, revela o 42 “defeito” da linguagem comum (pode-se usar nomes com sentido e sem referência, pode-se usar pressupostos falsos – que tornam um enunciado sem valor lógico –, etc.). Se a intenção de Russell é mostrar a lógica da linguagem, esse tripé deve ser completamente abolido. Vejamos, então, qual é o fundamento da teoria russelliana. Inicialmente, Russell distingue as três maneiras em que uma expressão denotativa pode aparecer: (1) A phrase may be denoting, and yet not denote anything; e.g., ‘the present King of France’. (2) A phrase may denote one definite object; e.g., ‘the present King of England’ denotes a certain man. (3) A phrase may denote ambiguously; e.g. ‘a man’ denotes not many men, but an ambiguous man (Russell, 1905). Nesse sentido, Russell tomará como fundamental a noção de variável: “I use ‘C(x)’ to mean a proposition in which x is a constituent, where x, the variable, is essentially and wholly undetermined” (id.). Dessa maneira, (8) Eu encontrei um homem pode ser logicamente descrita como C(x), e significa, se admitimos que a classe dos homens possui o predicado humano, “‘eu encontrei x e x é humano’ não é sempre falso”. O que Russell nota de importante 18 aí é que “this leaves ‘a man’, by itself, wholly destitute of meaning, but gives a meaning to every proposition in whose verbal expression ‘a man’ occurs”(id.). Em consequência, uma frase como (9) Todos os homens são mortais implica que “‘se x é humano, então x é mortal’ é sempre verdadeiro”. Mas vejamos como Russell lida com a distinção fregeana entre sentido e referência. Para Frege, o enunciado (10) O Rei da França não é calvo 43 seria logicamente inavaliável, pois não possui referência e, portanto, não é verdadeiro nem falso. Russell, por outro lado, fará uma distinção entre ocorrências primárias e secundárias. Quando dizemos George VI desejava saber se Scott é o autor de Waverley, normalmente estamos dizendo que George IV desejava saber se um e apenas um homem escrevera Waverley e Scott era esse homem. Por outro lado, podemos também estar afirmando: Um e apenas um homem escreveu Waverley e George IV desejava saber se Scott era esse homem. Neste caso, o autor de Waverley tem uma ocorrência primária; naquele, secundária. Seguindo-se essa linha de raciocínio, um enunciado como (10) pode ser falso ou verdadeiro, dependendo da ocorrência de o Rei da França. Se (10) significa que “há uma entidade que é atualmente Rei da França e não é calvo”, então a afirmação é falsa; mas, se (10) significa “é falso que exista uma entidade que é atualmente Rei da França e que é calvo”, então é verdadeira. Ou seja, se a ocorrência é primária, é falso; se a ocorrência for secundária, porém, é verdadeira. Pode-se supor, portanto, que, para Russell, o exemplo (5) pode ser logicamente descrito como: a) Existe um e apenas um X; b) X descobriu a forma elíptica das órbitas planetárias; c) X morreu na miséria. Ou, em outros termos, C(x) tal que… etc. Aqui, como se vê, a afirmação de existência de X (Kepler) está no próprio conteúdo do enunciado e não, como em Frege, pressuposta. O que ocorre aqui é que, ao contrário de Frege, Russell não atribui nenhum estatuto especial à afirmação de existência em seu modelo. A existência de Kepler e sua morte teriam o mesmo estatuto no enunciado. Em Frege, como vimos, a afirmação da morte de Kepler estaria “posta” no enunciado, em sua forma lingüística, enquanto que a afirmação da existência de Kepler estaria apenas pressuposta. Além disso, no modelo fregeano, a falsidade de X, isto é, caso Kepler não houvesse existido, tornaria o enunciado logicamente sem valor, pois não este poderia ser avaliado. Russell, todavia, ao atribuir o mesmo estatuto às três afirmações, produz o fato de que a falsidade de uma das asserções implique na falsidade de todas as outras asserções. Além das colocações acima, algo que ressalta da leitura do artigo de Russell é sua teoria a respeito do conhecimento. Para ele, há objetos que conhecemos por 44 “acquaintance”, isto é, dos quais temos uma apreensão imediata e, por outro lado, há os objetos de que só temos conhecimento por expressões denotativas. Assim, no caso da “mente humana”, por exemplo, não há um conhecimento por “acquaintance”, mas nós os conhecemos como algo que tem tais e tais qualidades. Em resumo, a “mente humana” só nós é dada a saber através de expressões denotativas. Para repetir o autor, “in such a case, we know the properties of a thing without having acquaintance with the thing itself, and without, consequently, knowing any single proposition of which the thing itself is a constituent” (id.). 4.2 Frege e Russell: distinções Imaginemos Frege escrevendo seu artigo: como filósofo, ele busca apreender a lógica da linguagem. Mais que isso, Frege, numa espécie de materialismo empirista, rejeita a psicologia como explicação de tudo. Tanto é assim, que Frege, após explicar a representação, irá abandoná-la, passando a concentrar-se no sentido e na referência. A partir daí, Frege irá buscar as relações entre a linguagem e o mundo, relações essas que, dado seu “materialismo”, devem ser explicadas em si mesmas, sem referência a um sujeito. No entanto, ele constata que há certa defasagem entre linguagem e mundo: não se pode falar sobre algo sem lhe dar uma descrição. Daí que os nomes não são apenas etiquetas, e daí sua distinção entre sentido e referência. Mas, mais importante que isso, há nomes que não se ligam a coisa nenhuma. Frege percebe, dessa maneira, que é da ordem da linguagem a possibilidade de se criarem mundos imaginários, de se discutirem coisas que absolutamente não existem. O que o estonteia é, também, a questão do pressuposto. É interessante notar que Frege só recorre ao pressuposto quando encontra, no dito, algo que, no entanto, não está no dizer. É precisamente quando, para dar conta do enunciado, Frege tem que recorrer à enunciação que a questão do pressuposto surge. É então que Frege irá atribuir à linguagem ordinária um “defeito”, uma espécie de mal-entendido crônico a permeá-la. Frege irá então sustentar que a Ciência, tal como 20 ela a vê, deve, a todo
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