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Guia CompactoGuia Compacto do Procedo Processsso Penalo Penal conforme a Teoria dos Jogosconforme a Teoria dos Jogos Guia CompactoGuia Compacto do Procedo Processsso Penalo Penal conforme a Teoria dos Jogosconforme a Teoria dos Jogos www.lumenjuris.com.br www.lumenjuris.com.br EditoresEditores João de AlmeidaJoão de Almeida João Luiz da Silva AlmeidaJoão Luiz da Silva Almeida ConselConselho Edho Editorialitorial AdriaAdriano Pno P ilattiilatti Alexandre Morais da RosaAlexandre Morais da Rosa Cezar Roberto BitencourtCezar Roberto Bitencourt Diego Araujo CamposDiego Araujo Campos Emerson GarciaEmerson Garcia Firly Nascimento FilhoFirly Nascimento Filho Frederico Price Frederico Price GrecGrechihi Geraldo L. M. PradoGeraldo L. M. Prado Gustavo Sénéchal de GoffredoGustavo Sénéchal de Goffredo Helena Elias PintoHelena Elias Pinto Jean Carlos FernandesJean Carlos Fernandes João Carlos SoutoJoão Carlos Souto João Marcelo de Lima AssafimJoão Marcelo de Lima Assafim Lúcio Antônio Chamon Junior Lúcio Antônio Chamon Junior Luigi BonizzatoLuigi Bonizzato Luis Carlos AlcoforadoLuis Carlos Alcoforado Manoel Messias PeixinhoManoel Messias Peixinho Marcellus Polastri LimaMarcellus Polastri Lima Marco Aurélio Bezerra de MeloMarco Aurélio Bezerra de Melo Marcos ChutMarcos Chut Nilo Batista Nilo Batista Ricardo Lodi RibeiroRicardo Lodi Ribeiro Rodrigo KlippelRodrigo Klippel Salo de CarvalhoSalo de Carvalho Sérgio André RochaSérgio André Rocha Sidney GuerraSidney Guerra Conselheiro benemérito: Marcos Juruena Villela Souto (Conselheiro benemérito: Marcos Juruena Villela Souto (in memoriamin memoriam)) Conselho ConsultivoConselho Consultivo Andreya Mendes de Almeida Scherer NavarroAndreya Mendes de Almeida Scherer Navarro Antonio Carlos Martins SoaresAntonio Carlos Martins Soares Artur de Brito Gueiros SouzaArtur de Brito Gueiros Souza Caio de Oliveira LimaCaio de Oliveira Lima Francisco de Assis M. TavaresFrancisco de Assis M. Tavares Gisele CittadinoGisele Cittadino João Theotonio Mendes de Almeida Jr.João Theotonio Mendes de Almeida Jr. Ricardo Máximo Gomes FerrazRicardo Máximo Gomes Ferraz FiliaisFiliais Sede: Rio de JaneiroSede: Rio de Janeiro Centro – Rua da Assembléia, 36,Centro – Rua da Assembléia, 36, salas 201 a 204.salas 201 a 204. CEP: 20011-000 – Centro - RJCEP: 20011-000 – Centro - RJ Tel. Tel. (21) 2224-(21) 2224-03050305 São PSão P aulo (Distribuidoraulo (Distribuidor)) Rua Correia Vasques, 48 – Rua Correia Vasques, 48 – CEP: 04038-010CEP: 04038-010 Vila Clementino - São Paulo - SPVila Clementino - São Paulo - SP Telefax (11) 5908-0240Telefax (11) 5908-0240 Minas Gerais (Divulgação)Minas Gerais (Divulgação) Sergio Ricardo de SouzaSergio Ricardo de Souza sergio@lumenjuris.com.br sergio@lumenjuris.com.br Belo Horizonte - MGBelo Horizonte - MG Tel. Tel. (31) 9296-(31) 9296-17641764 Santa Catarina (Divulgação)Santa Catarina (Divulgação) Cristiano Alfama MabiliaCristiano Alfama Mabilia cristiano@lumenjuris.com.br cristiano@lumenjuris.com.br Florianópolis - SCFlorianópolis - SC Tel. Tel. (48) 9981-(48) 9981-93539353 Folha de Rosto Alexandre Morais da Rosa Doutor em Direito (UFPR); Professor de Processo Penal da UFSC; Juiz de Direito (TJSC). dos programas de Mestrado e Doutorado, em Direito, da UFSC e UNIVALI. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos Editora Lumen Juris Rio de Janeiro 2013 Créditos Copyright © 2013 by Alexandre Morais da Rosa Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Produção de ebook S2 Books A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pela originalidade desta obra nem pelas opiniões nela manifestadas por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Ros788 Rosa, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos / Alexandre Morais da Rosa. — 1. Ed. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2013. ISBN 978-85-375-2235-6 (broch.) 1. Processo Penal – Brasil. 2. Teoria dos jogos. I. Título. CDD 345.8105 Agradecimentos Dedico este Guia aos parceiros de caminhada, em especial aos a lunos da UFSC. Valeu “Morcegada”, UNIVALI, ao pessoal da 4a Vara Criminal de Florianópolis e da Turma de Recursos. Aos amigos Jacinto Coutinho, Aldacy Coutinho, Lenio Streck, Aury Lopes Jr, Diogo Malan, Júlio Marcell ino Jr, Juliano Keller, Rodrigo Mioto, Jonas Ramos, Marli Modesti, Deise Krantz, Gláucio Vincentin, Eugênio Pacelli, Rosivaldo Toscano, André Karam Trindade, Rafael Tomaz de Ol iveira, Clarisse Tessinari, Clara Roman Borges, Marco Marrafon, Sylvio Lourenco da Silveira Filho, Juarez Tavares, Geraldo Prado, Rubens Casara, Leonardo Costa de Paula, Márcio Staffen, Fernanda Becker, Izaura Hack, Aline Gostinsk i, Ana Cláudia Pinho, Gabriel Divan, Alexandre Matzbacher, Ilidia Oliveira, Alexandre Bizzoto, Elmir Duclerc, Maria Claudia Antunes de Souza, Jaqueline Quintero, Paulo Ferrarezi, Alexandre Simas Santos, Juliano Bogo, Alceu de Ol iveira Pinto, Paulo Cruz, Jorge Andrade, Sérgio Cademartori, Sérgio Graziano, Nereu Giacomolli, Aramis Nassif, Alice Biachini, Rosberg Crozara, Leonardo de Bem, José Antônio Torres Marques, Maurício Zanóide, Ruth e Gabriel Gauer, Álvaro Oxley Rocha, Marcelo Carlin, Felipe Amorim Machado, Flaviane Barros, Cristiano Mabilia, Gustavo Noronha Àvila, Thiago Fabres de Carvalho, Il ton Robl, Chico Monteiro Rocha, Felippe Borring Rocha, Guilherme Merolli, Salo de Carvalho, Marcelo Pertill e, Marcelo Pizolati, Guilherme Boes, Giovani Saavedra, Rui Cunha Martins, Aroso LInhares, Adriano Lima, Márcio Rosa, Leandro Gornick, Maurício Salvadori, Ivan Cavalazzi, Ana Carolina Ceritotti. Não fiquem bravos. No próximo coloco mais gente!!! Silvia Espósito está correta ao dizer: “Em pleno 2013 ainda vivemos na Lei de Segurança Nacional .” Em especial para Ana Luisa por me mostrar que se pode amar! Em fevereiro de 2013. Alexandre Mora is da Rosa Instruções de Uso 1. O Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos pretende aproximar a teoria do processo penal ao que se passa no mundo real. Não se trata de construção transcendente e imaginária, desvinculada do que acontece nos foros. Daí que sua estrutura diferencia-se da manualística em geral. Não é resumido, nem esquematizado. Muito menos simplificado. É compacto. Indicam-se online[1] as referências bibliográficas que devem necessariamente ser consultadas para se ter a dimensão do que se passa. Fornece, assim, elementos para releitura do processo penal brasileiro a partir da noção de guerra e da teoria dos jogos. 2. Este Guia Compacto não pretende expor teorias mirabolantes e que se desfazem na primeira ida ao Fórum, nem aos repositórios de julgados. Também não pretende ser realista , ou seja, simplesmente acomodar as diversas decisões dos tribunais, em especial do STF e STJ, fazendo parecer algo harmônico. Esse universo em que os manuais se apresentam, a saber, expondo os princípios (diversos) e depois repetindo o que se construiu no século passado acerca das noções de Jurisdição, Ação e Processo, já foi feito. Alguns muito bem e outros nem tanto. A pretensão desse livro compacto é o de apresentar uma visão em paralaxe[2] da questão do processo penal a partir da noção de guerra e da teoria dos jogos. 3. Alguns mais apressados dirão que não é novidade. Sim, há textos que trabalham a questão, inclusive renomados. Entretanto, na lógica que se pretende estabelecer para o ensino e prática do processo penal[3] , as noções trazidas serão de conteúdo variado (Rui Cunha Martins), longe de conceitos eclipsados no imaginário, desprovidosde serventia. Alguns poderão dizer que se pretende reinventar a roda (processo). É sempre uma possibilidade de crítica. O tempo dirá! 4. Importante: as questões relativas ao processo penal serão apenas referenciadas. Deve-se complementar, necessariamente , mediante a leitura de um dos Manuais a seguir: a) Aury Lopes Jr – Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2013; b) Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Direito Processual. São Paulo: Atlas, 2013; c) Paulo Rangel. Direito Processual Penal. São Paulo: Atlas, 2012; d) Gustavo Badaró. Processo Penal. São Paulo: Elsevier Campus, 2012; e) Elmir Duclerc. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011; f) NICOLITT, André. Manual de Proceso Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. Dentre outras, poucas... Sumário Capa olha de Rosto Créditos gradecimentos nstruções de Uso releção ntrodução Capítulo 1° Para entender o Processo Penal a partir da Teoria dos Jogos e da Guerra 1. O processo como jogo 2. Teoria dos Jogos 3. O Jogo de Guerra Processual 4. A teoria de processo como jogo processual Capítulo 2° Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social 1. Para introduzir o Garantismo Penal 2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal 3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo Capí tulo 3° Sistemas e Devido Processo Legal Substancial 1. Para uma noção de Princípio 2. Princípio Acusatório versus Inquisitório: o falso dilema 3. Devido processo legal substancial 4. A Presunção de Inocência Capítulo 4° Para um Processo Penal Democrático 1. Nova leitura do Processo Penal: o discurso da eficiência 2. Jurisdição revisitada: o lugar do julgador 3. Ação: nova leitura 4. Processo como procedimento em contraditório Capítulo 5° Subjogos Pré-Processuais e Incidentais (Cautelares, Prisão e Liberdade, nquérito Policial, Flagrante) 1. Aspectos Preliminares (Denúncia Anônima, Testemunha Protegida, Investigação e Legalidade) 2. Inquérito Policial (CPP, art. 4° – 23) 3. Prisão em Flagrante 4. Prisão Cautelar como Tática (de Guerra) no Jogo Processual 5. Medidas Cautelares Assecuratórias 6. Busca e Apreensão 7. Interceptação Telefônica 8. Quebra de Sigilo Fiscal e Bancário Capítulo 6° O Jogo Processual: Lugar, Procedimentos e Nulidades 1. Lugar do Jogo: Competência 2. Regras da Partida: Procedimentos (ordinário, sumário, sumaríssimo, júri, especiais) 3. Subjogo de Nulidades Capítulo 7° Prova e Decisão: o Resultado do Jogo 1. Subjogo Probatório 2. Decisão Penal como bricolage Capítulo 8° Prorrogação: Recursos e Ações de Impugnação autônomas 1. Recursos 2. Ações Impugnativas Autônomas Preleção É costume começar prefácios com orgulhosas exibições de modéstia – com perdão do paradoxo (“perdão”? paradoxos não são pecados carentes de perdão). Para não fugir à tradição, tampouco ao contexto deste livro, declaro solenemente que me sinto como um gandula de várzea convidado a comentar um gol de Messi. O resultado de uma experiência dessas tem tudo para ser jocoso. Bem, como jocoso ( jocosus) vem de jogo ( jocus), parece apropriado. Ora, o que dizer? Que Alexandre Morais da Rosa marcou um golaço! Só que isso é o “óbvio ululante”. Considerando que “só os profetas enxergam o óbvio” (Nelson Rodrigues), preciso urgentemente dizer algo a mais, nem que seja errado. Até para não correr o risco de ter seguidores. Então, vamos lá. No princípio, era o ego. Assim como na guerra e no jogo, no processo cada um busca egoisticamente a vitória (desequilíbrio), não a “justiça” (equilíbrio) – Huizinga. A Teoria dos Jogos diz que esse comportamento egoístico produz um resultado pior para o conjunto de jogadores. O detalhe é que há jogadores que não se limitam às suas partidas. É o “populismo penal” citado neste livro: mídia, políticos, crime organizado, pressões corporativas e atores forenses. Em defesa de seus interesses (egoísticos, estamentais, de classe etc.), querem criar condições para que os resultados do conjunto de jogos de seu interesse, inclusive os alheios, sejam praticamente determináveis ex ante. (Ou não, pois normalmente tiram proveito profissional do cenário que criticam. Não obstante, levantam essa bandeira. E é assim que atuam na esfera pública.) Se isso até pode ser defensável no processo civil sumulado, não o é tão facilmente no processo penal. Porque o espetáculo da punição (Nietzsche), potencializado pela sociedade do espetáculo (Debord), faz do processo penal o palco perfeito para o populismo penal: sua interferência desequilibra ainda mais o jogo, pois tende a temperá- lo com pânico, como bem observa Alexandre Morais da Rosa, no presente livro. Ou seja, a demanda populista por segurança alimenta justamente a insegurança. Não à toa, esse círculo vicioso costuma ser o germe de tendências autoritárias. Há exemplos para todos os gostos, de Patriot Act a Star Wars. Insuflada pelo clima de pânico, a turba que cerca o patíbulo forense pede uma palmatória maior, mas quem garante que ela será usada com “justiça”? Considerando as “cicatrizes” que ela traz desde sua própria invenção, justificação e produção (Castoriadis), talvez o próprio tamanho dela seja um fator a considerar. Se uma palmatória pequena como uma agulha é inócua, como manejar com precisão outra com o comprimento de um poste? Como aplicar um “corretivo” com isso, sem errar o alvo? Ou sem esmagar a mão punida? É necessário – novamente – equilíbrio, que gera segurança, mas não predeterminação do resul tado , que chamaremos aqui de “certeza”. Explico. Por incrível que pareça, a falta de predeterminação (i.e., a “incerteza”) faz parte do equilíbrio. Tomemos por exemplo um jogo muito mais constrangido pelos limites espaciais, temporais e de regras: o xadrez. O primeiro lance das brancas pode resultar em 20 posições distintas: 16 com o movimento de um peão, 4 com o de um cavalo. A mesma diversidade de posições se repete com o primeiro lance das pretas. Isso significa que, após esses dois primeiros lances, nada menos que 400 posições diferentes são possíveis. Com o segundo movimento das brancas, são possíveis 5.362 posições distintas (cf. Bonsdorff et alii). E assim por diante. Como adivinhar qual delas será jogada? Eis a incerteza. Num jogo estruturalmente equilibrado como o xadrez, não se tem certeza da vitória, mas a segurança de que ela não se dará por um lance ilegal ou por injunções externas – nem sequer essa segurança oferece o jogo processual. Muito pelo contrário. Claro que, dessas 5.362 posições, boa parte delas não costuma aparecer nos tabuleiros, porque resultariam de péssimas jogadas (p.ex., 1.P3TR). Ou seja, razões de ordem estratégica (escolha do tipo de abertura e de defesa) e tática (combinações) criam padrões de jogo que restringem, na prática, a enorme diversidade de posições previstas na teoria – ordem no caos? Mesmo assim, continua sendo impossível adivinhar, com 100% de certeza, qual será a posição intermediária (subjogo). Que dirá a posição final. Daí que cada jogo é único. Bem assim cada processo (como nota Alexandre) – e com maior razão, dada sua maior complexidade. É claro que há momentos na partida em que um jogador se vê encurralado, obrigado não pela busca da melhor estratégia, mas pela posição desfavorável e pelas próprias regras do jogo, a fazer apenas um movimento forçado (p.ex., após um xeque bem aplicado). Ou impedido de fazer qualquer novo movimento (xeque-mate; trânsito em julgado). Porém, um afunilamento de opções como esse reflete um desequilíbrio posicional (estratégico) em favor do seu oponente. Permanece viva, portanto, a hipótese lançada: maior desequilíbrio, maior certeza. E quando há desnível técnico entre os jogadores? Quanto maior ele for, maior é a possibilidade de adivinhar não a posição final, que continua insondável, mas o resultado da partida, que é o que importa. Creio ser desnecessário explicitar o paralelo disso com o jogo processual. Em resumo, o jogo é equilibrado na justa medida em que seu resultado não é predeterminável. Isso me faz crer que as demandas populistas por um processo penalque assegure um resultado predeterminado, seja ele condenatório ou absolutório, não conseguem disfarçar o fato de que são demandas de desequilíbrio, i.e., que precisam deste para impor sua pauta, sua agenda. Essas forças políticas, muitas vezes antagônicas, não fazem seus lances no varejo. Elas jogam um meta-jogo, muito mais complexo. Enquanto isso, deixam-nos brincar no tabuleiro processual. Servimos de cobaias, presas à ilusão – mimicry – do círculo mágico do jogo (Caillois). Como ratos de laboratório procurando a saída do labirinto – e o sistema kaiano exige essa metáfora. Quem se contenta com um fio de Ariadne para encontrar o pedacinho de queijo com que quer ser recompensado ao final do trajeto (malgrado o risco de topar com o Minotauro), faça um favor a si mesmo: feche este livro, vá buscar um manual de auto-ajuda processual e seja feliz. Mas quem quiser olhar acima das paredes do labirinto, procurar o que está realmente “em jogo” neste laboratório (garantismo ou populismo, democracia ou eficiência, etc.), parabéns pela escolha: este é seu Guia. L.A. Becker Mestre em direito pela UFPR, árbitro de xadrez pela Uniandrade e gandula ad hoc de futebol-de-botão. Introdução 1. Perguntaram a um louco que havia perdido a sua chave na floresta, por que estava a procurando sob a luz do poste da rua, no que ele respondeu: aqui tem mais luz. Procurar flexibilizar as garantias constitucionais na perspectiva de resolver os problemas de Segurança Pública é procurar, como o louco, a chave no mesmo lugar. Lugar caolho, a saber, dos neoliberais. 2. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho há muito denuncia a maneira pela qual o discurso da eficiência , inclusive Princípio Constitucional (CR, art. 37), para os incautos de plantão, embrenhou-se pelo processo penal em busca da sumarização dos procedimentos, da redução do direito de defesa, dos recursos, enfim, ao preço da democracia (Júlio Marcellino). A razão eficiente que busca a condenação “fast-food” implicou nos últimos anos na “McDonaldização” do Direito Processual Penal: Sentenças que são proladas no estilo “peça pelo número”. A “standartização” da acusação, da instrução e da decisão. Tudo em nome de uma “McPena-Feliz”. Nada mais cínico e fácil de ser acolhido pelos atores jurídico, de regra, “analfabetos funcionais.” 3. A primeira questão, com efeito, a ser enfrentada é a do “ator jurídico analfabeto funcional”, ou seja, ele sabe ler, escrever e fazer conta; vai até à feira sozinho, mas é incapaz de realizar uma leitura compreensiva. Defasado filosófica e hermeneuticamente, consegue ler os códigos, mas precisa que alguém – do lugar do Mestre – lhe indique o que é o certo. Sua biblioteca é composta, de regra, pela “Coleção de Resumos”, um livro ultrapassado de Introdução ao Estudo de Direito – desses usados na maioria das graduações do país –, acompanhado da lamúria eterna de que o Direito é complexo, por isso é seduzido por Paulo Coelho. Quem sabe, com alguns comprimidos de “prozac” ou algo do gênero, para, imaginariamente, dar conta. Complementa o “kit nefelibata” – dos juristas que andam nas nuvens – com um CD de Jurisprudência ou acesso aos “sites” de pesquisa jurisprudencial, negando-se compulsivamente a pensar. O resultado disto, por básico, é o que se vê: um deserto teórico no campo jurídico, em que cerca de 60% – sendo otimista – dos atores jurídicos são incapazes de compreender o que fazem. Para além da “opacidade do direito” (Carcova) e sua atmosférica mito-lógica (Warat), existe uma geléia de “atores jurídicos analfabetos funcionais”. Esses, por certo, não sabem compreender hermeneuticamente, porque para isso precisariam saber pelo menos do giro linguístico (Rorty), isto é, deveriam superar a Filosofia da Consciência em favor da Filosofia da Linguagem. Seria pedir muito? Talvez. Mas é preciso entender que o sentido da norma jurídica (norma: regra + princípio) demanda um círculo hermenêutico (Heidegger e Gadamer), incompatível com os essencialismos ainda ensinados na graduação: vontade da norma e vontade do legislador, tão bem criticados por Lenio Streck. 4. No campo Direito e Processo Penal, a situação é patológica. É que as gerações antecedentes, a saber, os atuais atores jurídicos (professor, juiz, promotor, procurador, advogado, delegado, etc), em grande parte, não sabem também compreender. São, na maioria, “juristas analfabetos funcionais” que pensam que pensam juridicamente e, não raro, ocupam as cátedras de ensino, incapazes, porque não dominam, de repassar uma cultura democrática. Estes, portanto, muitos de boa-fé – reconheço –, acreditam que ensinam Direito, quando na verdade ensinam o estudante de Direito a fazer a “feira da jurisprudência”. Esse processo de fazer a “feira da jurisprudência” significa encontrar uma decisão consolidada, remansosa – como gosta de dizer o “senso comum teórico dos juristas” (Warat). É facilitada atualmente pela adoção de posturas totalitárias, como a do Supremo Tribunal Federal ao editar no seu “site” a Constituição da República interpretada pelos Ministros! Aplaudida pelos incautos de sempre, este documento é fascista, porque sob a fachada de informação, esconde interesses inconfessáveis de “normatização”, de uma “Constituição do Conforto Hermenêutico”. Não foi à toa que a Emenda Constitucional n. 45 consagrou a Súmula Vinculante, a qual deve ter resistência constitucional, como quer Lenio Streck, redundando no que aponta como a “baixa constitucionalização do Direito”. 5. Cabe destacar, também, no campo penal, que com a queda do Muro de Berlim e o fim da guerra fria, para justificação da opressão, precisou-se de um novo inimigo , não mais externo , mas interno. Nesse contexto, o discurso de almanaque tornou, por razoável tempo, a droga o grande bode expiatório dos males mundiais, justificando, assim, a intervenção dos “Guardiães Mundiais”, os Estados Unidos da América – EUA – na preservação do “bem mundial” (Rosa del Omo). Entretanto, com os ataques de 11 de setembro, o foco modificou-se para os “terroristas” (Walter Russel Mead). Essa figura oculta, de difícil compreensão, desde uma intolerância ocidental, num mundo globalizado (Beck), autoriza, pela “necessidade” a suspensão do Estado Democrático de Direito (Agamben). O desconhecido, o estrangeiro (Julia Kristeva, com base na psicanálise, sabe que ele atua justamente em nós), o mito, o demônio com nova roupagem, materializado pelo “terrorista” que funciona como um estereótipo de tudo o que atrapalha a “paz” da nova “ordem mercadológica neoliberal mundial”. 6. Agamben aponta que o poder encontra-se na “exceção”, a saber, na possibilidade de que se exclua a regra de aplicação geral e se promova, para o caso, uma outra decisão, apartada dos Princípios da Legalidade e da Igualdade. Esse poder encontra-se indicado pela estrutura, segundo a qual existe um lugar autorizado a escolher, que se encontra, ao mesmo tempo, dentro e fora de uma estrutura jurídica, conforme o pensamento de Carl Schmi, na interseção entre o jurídico e político. Esta distinção, todavia, entre jurídico e político precisa ser problematizada, não se podendo colocar, em absoluto, incomunicáveis, apesar de ocuparem lugares diversos (Zizek e Werneck Vianna). Neste pensar, segundo Agamben, “o estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode ter forma legal.” Desta maneira, rompendo com uma concepção platônica de Verdade e Justiça, bem assim de que a linguagem não é o meio de adequação da realidade (Heidegger e Streck), o processo ganha um lugar de limite (Fazzalari e Catoni). U m limite que cerca, mas não consegue segurar o “poder de exceção”, até porque se mantido o discurso da salvação, em nome da “bondade dos bons” (Agostinho Ramalho Marques Neto), vale tudo. 7. Evidentemente que esta afirmação precisa ser adubada com muita empulhação ideológica – Direito Penal do Inimigo de Günter Jakobs, ou Teoria das Janelas Quebradas – importada do aplaudido primeiro mundo. Essa postura Pangloss (Voltaire) serve, muito bem, aos interesses ideológicosque manipulam os atores jurídicos. Com estes ingredientes, facilmente instaura-se o processo penal de exceção , cujo fundamento de conter as mazelas sociais e brindar os privilegiados consumidores com segurança, encontra antecedente histórico nas ditaduras. Plenos poderes, apreensões de averiguação, prisão provisória de regra, tortura (psicológica, física e química), tudo passa a ser justificado em nome de um argumento cínico maior: o “bem comum”, consistente na segurança de todos, inclusive de quem está sendo apreendido e, eventualmente, excluído. O Direito de Exceção , em nome do bem dos acusados, e antes da Sociedade, suspende as garantias processuais, previstas na Constituição da República e nos Tratados de Direitos Humanos, por entender que elas são um entrave à redenção moral do infrator e à Segurança Coletiva. Assim é que, seguindo Agamben, é necessário se buscar parar esta máquina, para que os acusados não se transformem – mais ainda – na figura do “musulmán” de Auschwitz retratada por Agamben. Embalados pela necessidade de conter a (criada) escalada de atos criminal, ou seja, a estrutura cria a exclusão e depois sorri propondo a exclusão novamente, via sistema penal, e os excelentes funcionários públicos nefelibatas – tal qual Eichmann –, na melhor expressão Kantiana, cumprem suas funções, sem limites. Existe uma co-responsabilidade social (Zafaroni-Pierangeli), da qual somente se pode tangenciar – como de costume – cinicamente. Para esses, no interesse do acusado, a necessidade derruba qualquer barreira processual, pois, sabe-se com Agamben, que a necessidade não tem lei , isto é, não reconhece qualquer limitação, criando sua própria lei. A construção fomentada e artificial de um estado de risco, adubada pelo terrorismo, faz com o que o discurso se autorize, em face das ditas necessidades, a suspender o Estado Democrático de Direito, promovendo uma incisão de emergência e total. 8. Em nome da claridade surge a explosão do controle total, lembrando George Orwell, em seu “1984”. Entretanto, a obscena pretensão de transparência total, em nome do (dito) interesse público, bem demonstrada na tese de doutorado de Túlio Lima Vianna, esconde interesses ideológicos obliterados da discussão manifesta. É no latente, no que marca o “sublime objeto da ideologia”, para usar uma expressão de Zizek, que desponta o que tocaia. Por isto que estas considerações procuram estabelecer um diálogo a partir da Economia. A eficiência do controle é compartilhada pela questão dos custos. A Análise Econômica do Direito Penal – “AEDP” – defendida por muitos, dentre eles Posner, inclusive uns que se alastram no Brasil, defende que o “crime” precisa, ainda e necessariamente, atender o critério de custos. O cárcere é caro, custa muito. O RDD – Regime Disciplinar Diferenciado – é simbolicamente importante para o discurso totalitário (e inconstitucional), mas não justifica sua universalização por aumentar despesa. Logo, a pretensão de muitos é o estabelecimento de controles em liberdade, de toda a sociedade, tornando-se esta num “panóptico digital”. Perceba-se que com isto se controla, via um simples GPS ou um fone NEXTEL, a localização, por rua, do assujeitado, por Monitoramento Eletrônico ou mesmo via cartão de crédito e telefone celular, por suas antenas. Além disso, controla-se onde se esteve e se impede, pensam, as re-uniões criminosas. Daí é que em nome da eficiência do controle, invoca-se “Tim Maia” e “vale tudo”. O Direito que procura fazer obstáculo é tornado, em nome da segurança de todos, reflexivo. Puro embuste. 9. De qualquer forma, isto é evidente, existe um inescondível condicionante econômico para que a realidade, entendida como os limites simbólicos, seja manipulada na ambivalência “medo-segurança”, que toca no mais íntimo e estranho do sujeito (Freud) . Monitorar, registrar e reconhecer , diz Túlio Vianna, para o seu próprio bem, implica, necessariamente numa versão de Estado Totalitário. A banalização ideológica, em nome do discurso único do capital, apresenta sob a flâmula sedutora da Liberdade toda sorte de justificativas para o fenecimento da solidariedade. Com o egoísmo, os meios, tudo passa a se justificar. As pretensões éticas (bem) e morais (bom) devem se adaptar às necessidades de um Mercado sem lei, sem limite, cujo muro se avizinha . Sem limite, por básico, não há desejo. A questão parece ser que a destruição da ficção Estado abre espaço para a Liberdade representada pelo Mercado. Nessa ironia de defender a iberdade de todos mediante o agigantamento do controle, parece-me, num giro de linguagem, aplicável plenamente ao discurso neoliberal e suas teorias (Justiça, Direito Penal do Inimigo, etc..). O Direito Penal, no projeto Neoliberal , possui papel fundamental na manutenção do sistema, eis que mediante a (dita) legitimação do uso da coerção, impõe a exclusão do mundo da vida com sujeitos engajados no projeto social-jurídico naturalizado, sem que se dêem conta de seus verdadeiros papéis sociais. Acredita-se que se é um excepcional funcionário público, tal qual Eichmann (em Jerusalém), ou seja, um sujeito cuja normalidade indicava a “Normalpatia” apontada por L.F. Barros, isto é, no seu excesso patológico. Esta a submissão alienada é vivenciada dramaticamente pelos metidos no processo penal. 10. O discurso do ‘determinismo positivista’ é realimentado em face das condicionantes sociais, reeditando a necessidade de ‘tutelar’ os desviantes – consumidores falhos, “lixo humano”, como se refere Bauman – mediante prevenção , repressão e terapia. O Estado Intervencionista da ‘Nova Escola Penal’ está de volta na sua missão de defender os cidadãos ‘bons e sadios’ dos ‘maus e doentes’, desenterrando o discurso etiológico, perfeitamente conveniente para mídia e para classe dominante. Sob o mote de curar ao mal , tendo a sociedade como um organismo vivo, na perspectiva de uma vida social sadia, a violência oficial se mostra mais do que justificada: é necessária à sobrevivência social, ainda mais contra o “terrorista social”. 11. Agamben deixa evidenciado que o poder soberano se apropria do poder de dizer o direito, podendo o Princípio da Legalidade cercar, sem nunca segurar, por básico, o sentido que advém de um processo constante de compreensão. Entre texto (fato gráfico) e norma (produto da interpretação), diz Cordero, existem opções múltiplas que somente os iludidos de sempre conseguem acreditar, em sua fé inabalável, em sentidos unívocos, ou seja, em segurança jurídica. O Princípio da Legalidade e a Segurança Jurídica, assim, são dois presentes trazidos por “Papai Noel” aos felizes “atores jurídicos analfabetos funcionais” em Direito e que se esgueiram, todos os dias, nos foros deste imenso país. A sensação que se apresenta, em cada processo penal, é a de que se vive numa fantasia paranóica, a saber, imaginária: uma farsa. Algo que foi nomeado (por mim) como sendo Complexo de Truman. Muitos acreditam que o processo é a realidade, perfeitamente construída para apaziguar a falta nossa de cada dia. Uma fraude para manter os atores jurídicos artificialmente felizes. Não há mundo além do processo, do semblante construído por significantes. É a posição nefelibata. No filme foi preciso arrombar a porta para se dar conta de que existe mais. Enfim, que existe um mundo para além do construído artificialmente. Este é o desafio. Zizek, Warat e Mellman falam do homem sem gravidade , de baixa calorias, que vive por viver, vai – talvez embalado por uma destas teorias orientais da moda – sem eira nem beira. Mas existem vítimas! Que se danem – dizem –, não sou eu. Essa lógica “do meu umbigo” move, de regra, os enleados no processo penal. Uma fraude encenada em que se mantém a pose de democrata, com muita maquilagem cínica e a vítima, o Homo-Sacer de Agamben, não tem pena, se aplica pena. 12. As vidas que se escondem nos processos penais, na sua grande maioria, são irreais para os promotores, advogados e juízes que assistem como se fosse mais um filme de mau-gosto, protagonizado por artistas que nãomerecem o papel. Deveriam ser retirados de cena. E são!. É preciso retornar ao que Zizek aponta como o “Deserto do Real”, saindo do semblante do universo processual artificial construído para que possamos, como jogadores do processo, esquecer que existem pessoas morrendo. Gente. Como qualquer um intervenientes do processo. Mas como não se consegue ter a dimensão do que acontece, dado que o semblante da ficção e suas verdades, para alguns Real, ocupa o lugar do que se passa. Esse discernimento entre o real e o ficcional é o desafio num mundo sem perspectivas que não o “Shopping Center”. 13. Acrescente-se a isto tudo um vagaroso e eficaz processo de cooptação ideológica , na linha de Gramsci, dos atores jurídicos, pretensamente participantes da classe média e do consumo. Sedentos por segurança querem excluir, prender, matar simbolicamente, os de sempre: o diferente. A perspectiva de que querem acabar com a nossa paz social – nunca obtidade ou mesmo existente – que transforma o “furtador” – de xampu a carteiras – no “terrorista” responsável por nossa toda a infelicidade coletiva. Então, cadeia neles!. Penas mais altas. Exclusão! Mas como não funciona, porque não dá conta, mesmo, surge a compulsão por mais condenações, prisões, execuções, ideías loucas de castração, coleiras, Sex offender , apitos.... 14. Esses dias, um amigo – o Zé –, pessoa do povo, perguntou-me porque quem é preso em flagrante não vai direto cumprir pena? Por que o processo? Respondi que estamos, ainda, numa democracia em que o processo como procedimento em contraditório (Fazzalari) é o mecanismo democrático para se apurar a responsabilidade de alguém. Ele me respondeu que não precisa. Entendi a posição dele, até porque um homem pragmático. No Brasil, essa posição de execução antecipada, embora vedada pela Constituição, continua sendo a prática. Basta perceber que se homologa flagrante formalmente em diversas comarcas, nega-se a soltura de meros conduzidos com as justificativas mais loucas, tudo em nome da paz da sociedade, como Bush fez para atacar o mundo, bem sabem os Iraquianos. Isto bem demonstra a estrutura Inquisitória do Sistema Processual Penal brasileiro que mantém a pose democrática, mas exerce a mais violenta forma de sequestro preliminar da liberdade . Todavia, quem respira um pouco de oxigênio democrático, sabe que somente o processo pode fazer ceder, via decisão transitada em julgado, a muralha da presunção de inocência , justamente porque é a urisdição a única que pode assim proceder. Ferrajoli bem sabe da impossibilidade de se extinguir as prisões cautelares (Leandro Goernick). Entretanto, mostra-se intolerável que as pessoas fiquem presas sem culpa, sem processo, presas pelo que são e não pelo que fizeram, em processos decorrentes de “furtos de moinhos de ventos”. O processo precisa de tempo, e tempo é dinheiro. No mundo da eficiência, todavia, quer-se condenações no melhor estilo dos Tribunais Nazistas. Imediatamente. Sem direito de defesa e transmitidas ao vivo, com patrocinadores a peso de ouro e muita audiência: plim-plim. A fórmula é a de sempre: Juvenal dizia: Pão e Circo. E quando acontecem prisões/condenações como a de Zé Dirceu e/ou Paulo Maluf a coisa fica pior, porque a Esquerda Punitiva é caolha, bem sabe Maria Lúcia Karam, não se dá conta de que relegitima o sistema penal, indica Juarez Cirino dos Santos. “ Agora até o fulano vai preso”. E se Ele vai preso, com mais razão o “ladrãozinho” de frango de Televisão de Cachorro também. Então, quando se fala, na EC/45 de prazo razoável para os processos, muitos aplaudem a novidade, não fosse ela já uma velha disposição Constitucional, aderida ao corpo dos direitos fundamentais por força do art. 5o, § 2o, da CR/88. Para saber disso, contudo, seria preciso conhecer os Direitos Humanos, coisa que poucos conhecem... Daí que a barbárie se instaura e dá no que dá! Mediante um giro de sentido, os nazistas de plantão passaram a dizer que o a Sociedade (e não o acusado) precisa da decisão num prazo razoável e por isso a sumarização do processo, com a restrição da defesa. As alquimias, como fala Aury Lopes Jr, começaram. Inverte-se a lógica em nome do Bem, do Justo, lugar sempre empulhador. 15. Demora-se muito para julgar porque fora a esculhambação que são os Juizados Especiais Criminais , onde vale tudo e se dá um tratamento rápido e inconstitucional a questões sociais, a saber, dificilmente um Termo Circunstanciado é crime: pode ser briga entre parentes, vizinhos, xingamentos, latido de cachorro, direito de vizinhança. Mas como não se têm acesso ao Judiciário no Cível, resta a “queixa” na Delegacia. Um programa de auditório de mau-gosto, onde os pobres entram com sua ficha de antecedentes e, até, com o corpo. No juízo comum, denuncia-se falta de pagamento de imposto, furto de sabonete, calcinha e coisas do gênero. Não sobra tempo, de fato, para o que importa numa sociedade em que o Direito Penal deveria ser mínimo (Ferrajoli e Salo de Carvalho). Se for mínimo, contudo, não faz o que é sua função oculta (Baraa): criminalizar a pobreza, os consumidores falhos, mantendo a “hi-Society” nas suas coberturas sociais. 16. Alguma coisa anda fora da ordem, dizia Caetano há um tempo. Hoje as coisas já estão dentro da nova ordem neoliberal mundial, inclusive o processo penal: Sumário, eficiente. De outro lado, o Conselho Nacional da Justiça, órgão criado para ser o Grande Irmão de Orwell. Diretamente de 1984 para 2013, começa a fazer seus estragos, apesar de seu possível papel democrático. Um “denuncismo” sem precedentes, onde não raro surgem as vaidades afloradas, os narcisismos das pequenas diferenças, diria Freud. Números, eficiência, empulhação... Para que direito de defesa se tenho que baixar o meu mapa? Para que ouvida de testemunhas se o processo vai ficar no mapa? O Juiz Astrólogo: só quer saber de mapa . Ainda mais quando depende da produtividade para conseguir promoção! A pretensão de transparência e eficiência do Judiciário tornou a situação extremamente ambígua. Por outro lado, defende-se a formação permanente dos magistrados via Escolas da Magistratura, as quais escondem o efeito de normatização dos juristas analfabetos funcionais e, por outro, não se quer pensamento crítico, mas cumprimento das decisões do STF e STJ. Eficiência, facilidade, cursos “rápidos de como fazer uma decisão” para aprender a posição dominante, controlar as idéias e do acesso à carreira, bem sabia Lyra Filho. Enfim, a docilização, normatização indicada por Foucault. 17. O Processo Penal Democrático , assim, parafraseando Dworkin, precisa ser levado a sério. O problema fundamental reside no fato de que a justificativa para a exceção encontra-se encoberta ideologicamente. Acredita-se, muito de boa-fé, a maioria, de que se está realizando o bem. Salvando a Sociedade de um “Terrorista Social”. Esqueceu-se de que para o uso do poder existem pelo menos dois limites: o processo e o ético (Dussel). Exercer uma parcela do poder em face dos acusados é muito mais tranquilo para os kantianos de sempre, fiéis cumpridores das normas jurídicas, sejam elas quais forem. Os “acusados-terroristas-sociais” passam a ser uma das faces da vida nua, isto é, “homo sacer”, a que é matável, mas não sacrificável. Assim, os rostos do poder encontram-se maleáveis, mutantes, em torno de um lugar pensado para não pensar, mas para cumprir acriticamente. Os soldados juízes estão aí para aplicar a regra, numa Filosofia de “Cruz Vermelha” (Cyro Marcos da Silva), rumo a salvação eficiente das almas destes pobres de espírito. Até quando viverão felizes para sempre? Rever e compreender a mirada é o desafio, sempre. A tarefa, percebe-se, não é singela, mormente porque é necessário abjurar o que se acreditou com tanta fé, além de se expor à crítica virulenta dos iludidos de sempre, cujo véu moral cega qualquer pretensão democrática, já que acreditam – o Imaginário deslizando – estar comprando um lugar no céu, na Ilha dos bençoados. Não se pode ter medo de resistir . É preciso resgatar a Constituição Originária,na linha de Paulo Bonavides, exercitar o controle de constitucionalidade difuso e deixar de fazer como todo mundo faz. Porque assistir de camarote o que se passa com as vítimas do sistema penal não exclui nossa responsabilidade ética com as mortes: somos co-autores, do nosso lugar, por omissão. Por isso que ao se defender garantias constitucionais, hoje, o sujeito pode ser preso em flagrante, sem liberdade provisória diante dos “maus antecedentes”... 18. Quando Georg Lukács foi preso, o policial perguntou se estava armado, tendo este lhe entregue calmamente a caneta. É preciso que as canetas pesem democraticamente, mediante processo penal garantista (Ferrajoli) a partir da teoria dos jogos. É preciso correr-se riscos, porque preferível perecer pelas extremos do que pelas extremidades, como aponta Baudrillard. Capítulo 1° Para entender o Processo Penal a partir da Teoria dos Jogos e da Guerra 1. O processo como jogo 1.1. Em texto clássico – O processo como jogo[4] – Calamandrei afirmava que decorar as regras de xadrez não torna o sujeito um grande enxadrista[5] , bem como saber as regras processuais não o capacita, por si, como grande jogador processual. É claro que entender de dogmática (crítica) se constitui como pressuposto de atuação adequada. Isso porque o jogo processual se estrutura em 3 (três) níveis: (a) o das normas processuais; (b) do discurso lançado processualmente e seus condicionantes internos/externos e, (c) da singularidade do processo (seu julgador e seus jogadores). Ao mesmo tempo em que a estrutura é universal (pelo menos normativamente, ainda que se possa discutir a aplicabilidade de algumas disposições em face da CR), a singularidade do caso demanda, no campo penal, a especialidade: cada decisão é uma decisão, não se podendo julgar em “bloco” no crime. 1. 2. As normas processuais ainda que possam buscar a estabilização das expectativas de comportamento processual , na sua dinâmica temporal e singular, acabam ganhando sentidos muitas vezes impensados ou mesmo condicionados a fatores externos. Esses elementos podem ser vistos desde uma postura estruturalmente (a) estática e (b) dinâmica, com informação (a) completa ou (b) incompleta . Daí que a compreensão idealizada do processo penal não se sustenta porque desconsidera as contingências de cada jogo processual e a complexidade da questão hermenêutica[6]. É preciso ir adiante e entender o processo penal como jogo dinâmico e de informação incompleta. Para além do cumprimento das normas processuais deve existir tática vinculada à estratégia de conteúdo variado[7] , a saber, por mais que durante a instrução processual a tese acusatória ou defensiva esteja antecedentemente posta, no decorrer, diante dos significantes probatórios envolvidos, do contexto processual, dos jogadores, do acusado, do julgador, cabem novos desígnios [8]. Enfim, as normas processuais aparentemente apresentam elementos de universalidade, embora se saiba que as contingências podem alterar os sentidos por diversos fatores (internos e externos)[9]. A imaginação enleada pela trama processual penal é de fundamental importância. O Fair lay (jogo democraticamente limpo) decorre da batalha de habilidades entrecortada nos autos, não sendo permitido, assim, trapacear[10]. 1. 3. Estratégia não é apenas o nível operacional do jogo processual. É mais. Cada ato do jogo processual existe no contexto de um processo singular no qual existem diversas táticas (meios de produzir provas, selecionar perguntas, temas, etc.). A sucessão de êxitos pode terminar na próxima batalha (subjogo), dado que a cada momento a partida pode se reequilibrar. Há movimento no jogo processual e a batalha não está ganha até o final: dinamicidade. Assim é que as táticas (o que os jogadores fazem no decorrer da partida) e a estratégia (o uso dos resultados no objetivo do jogo) fornecem dupla articulação , comunicando-se a todo o tempo. 2. Teoria dos Jogos 2.1. A teoria dos jogos apresenta nova dinâmica de compreensão do processo penal[11]. O pressuposto é que o sujeito racional toma (sempre) decisões que lhe são mais favoráveis, egoísticas, ou seja, as que lhe indicam maiores benefícios. Entretanto, nem sempre as decisões aparentemente melhores individualmente o são no contexto de jogos interdependentes , como acontece no Processo Penal, sendo o Dilema do Prisioneiro o exemplo teórico de tal modelo. Para se entender a proposta é preciso estabelecer os lugares do jogo: a) julgador (juiz, desembargadores, ministros; b) jogadores (acusação, assistente de acusação, defensor e acusado); c) a estratégia de cada jogador (uso do resultado), d) tática das jogadas (movimentos de cada subjogo) e; e) os ayoffs (ganhos ou retornos) de cada jogador com a estratégia e tática. 2.2. Com efeito, a Microeconomia[12] busca indicar as expectativas de comportamento dos sujeitos (escolha racional na busca de maximização de utilidade) a partir da relação entre fins (alternativos entre si) e meios (de recursos escassos) [13]. Cooter e Ulen afirmam: “O direito frequentemente se defronta com situações em que há poucos tomadores de decisões e em que a ação ótima a ser executada por uma pessoa depende do que outro agente econômico escolher. Essas situações são como os jogos, pois as pessoas precisam decidir por uma estratégia. Uma estratégia é um plano de ação que responde às reações de outras essoas. A teoria dos jogos lida com qualquer situação em que a estratégia seja mportante.”[14] No caso no processo Penal pode ser utilizado para fundamentar tanto estratégia processual como tática específica . Aceitar ou não a suspensão condicional do processo, transação penal, enfim, cotejar as informações e propiciar a tomada de decisões de maneira a mais informada possível. 2.3. O Dilema do Prisioneiro foi criado por Merrill Flood e Melvin Dresher, em 1950, com repercussões em diversos campos do conhecimento, também no direito processual. É apresentado por Robert Nozik da seguinte forma: “Um delegado oferece a dois prisioneiros que aguardam julgamento as seguintes opões. (A situação é simétrica para os prisioneiros; eles não podem se comunicar para coordenar as ações em resposta à proposta do delegado ou, se puderem, ele não tem nenhum meio para forçar qualquer acordo que possam desejar). Se um prisioneiro confessar e outro não, o primeiro é l iberado e o segundo recebe uma pena de 12 anos de prisão; se ambos confessarem, cada um recebe uma pena de 10 anos de prisão; se nenhum confessar, cada um recebe uma sentença de 2 anos.” Pimentel explica: “Qualquer que seja a ação do outro, cada prisioneiro obtém um resultado melhor para si se confessar, isto é, se não cooperar com seu parceiro. Imaginemos que o prisioneiro A confesse. O prisioneiro B pode confessar e ambos pegam 10 anos de prisão, ou não confessar e pegar 12 anos de prisão: o melhor é confessar. Se A não confessar, B pode confessar e ficar livre, ou não confessar e pegar 2 anos de prisão. Mais uma vez, o melhor é confessar. O que quer que A faça, o melhor resultado individual para B é confessar, isto é, não cooperar e entregar o companheiro. O mesmo raciocínio vale para A. O que há de paradoxal nesta situação no entanto é que ao buscar o maior benefício individual, ambos chegam a um resultado pior do que aquele que teriam obtido se tivessem cooperado. e fato, se ambos confessarem, ambos terão uma pena de 10 anos, e se nenhum dos dois o fizer, terão uma pena de 2 anos. Há um conflito entre o cálculo do benefício individual e o melhor resultado coeltivo: se julgarmos que a decisão racional é aquela que leva o maior benefício individual, dois agentes que tomassem suas decisões seguindo um cálculo racional não conseguiriam o melhor resultado. Dito de outro modo, se ambos os jogadores confessarem, cada um irá piorar o resultado obtido do que aquele obtido se não confessar, mas é possível atingir uma solução melhor para ambos se ambos desistirem de confessar.”[15] 2.4. A não cooperação entre os agentes leva a um resultado pior individualmentedo que se houvesse a cooperação, isto é, a estratégia dominante é prejudicial. Daí que não se pode começar ou permanecer numa guerra/jogo por meio de julgamentos aparentemente racionais, desprovidos de avaliações contingentes das consequências das consequências. O Dilema do Prisioneiro demonstra que o resultado coletivo não decorre necessariamente de escolhas individuais egoístas, mas de contingências e interações inerentes ao jogo processual.[16] 2.5.. A teoria dos jogos para fins desse escrito será utilizada exclusivamente a partir da noção de “Jogos dinâmicos e de informação incompleta” . Dentre as diversas classificações, acolhe-se a que se dá em 4 (quatro) modelos: a - jogos estáticos e de informação completa: analisada todas as possibilidades e informações, a decisão se dará pelo equilíbrio de Nash, uma vez que jogadores racionais fariam a melhor opção pessoal. Entretanto, tal situação é confrontada pelo Dilema do Prisioneiro, já que não seria um ótimo de Pareto, a saber, a melhor racionalidade individual significa resultado prejudicial para todos; b – jogos dinâmicos e de informação completa : ao contrário de uma jogada, a sucessão de estágios faz com que etapa – subjogo – exija constante avaliação das possibilidades e antecipações de sentido, mas acabam, em cada subjogo, reiterando a opção individual do equilíbrio de Nash, ou seja estratégias não-cooperativas; c – jogos estáticos de informação incompleta; ainda que apenas um estágio de jogo, não se sabe a avaliação dos demais jogadores, por exemplo, como acontece nos leilões em que não sabe o valor que os demais jogadores darão ao bem leiloado. Prevalece a lógica de Thomas Bayes, a saber, depende da crença nas probabilidades pessoais e morais, então subjetivas, não exclusivamente racionais/objetivas, e; d – jogos dinâmicos de informação incompleta: é o modelo que se pretende aplicar ao processo penal, pelo qual se precisa entender que tipo de jogador se está enfrentando e qual o julgador a quem se dirige a informação do jogo. Na fusão de horizontes de informação representando pelo processo penal, é importante (saber) antecipar as motivações (objetivas, subjetivas e inconscientes) dos jogadores e julgador, especialmente no tipo de informação apresentada e nas surpresas (trunfos) ainda não informados. O resultado depende da sucessão de subjogos e da informação-prova validamente trazida ao contexto do jogo. 3. O Jogo de Guerra Processual 3.1. Se o processo é uma guerra autorizada pelo Estado em que o mais forte não necessariamente ganha, mesmo assim, os fundamentos da Teoria da Guerra[17] podem ser invocados para se buscar entender a lógica do processo penal desde que vinculadas à teoria dos jogos[18] , até porque o fundamento da guerra e da pena é o mesmo (teoria agnóstica da pena[19]). A guerra processual busca o confronto e a vitória , muitas vezes sem levar em conta os custos e os recursos necessários e disponíveis, especialmente diante da escassez[20]. Daí que a existência de uma tática bem sucedida pode gerar espaço para negociação no iter processual. No decorrer da instrução, diante das sucessivas jogadas (subjogos), não raro, surge realinhamento dos objetivos possíveis. 3.2. A dinâmica do jogo processual entendido pela metáfora da guerra sustenta algo e m desequilíbrio. A questão é bem complexa e nessa versão compacta cabe sublinhar que no processo penal se instaura modalidade de competição (jogo), na qual se pode invocar o Equilíbio de Nash e entender o motivo da dificuldade de cooperação. No jogo processual, de regra, o julgador e os jogadores[21] tomam decisões egoístas a partir da análise de custos e benefícios individuais (payoffs) e não levam em consideração as consequências das consequências , a saber, as externalidades[22] e prejuízos individuais (dos demais jogadores) e à coletividade[23]. 3.3. A incerteza e opacidade[24] do campo de batalha processual podem ser chamados de atritos , como queria Clausewitz, ao exigirem a tomada de posição estratégica e tática , antecipando os movimentos do jogador. A transformação do processo em jogo de guerra possibilita entender a pressão externa de personagens, especialmente do populismo penal[25]: a) mídia – vende o produto crime; b) políticos – que usam o medo como plataforma política; c) máfia, crime organizado , - lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e pessoas, os quais podem intervir na prova (coação); d) polícia – para valorizar seu status; e) magistrados, Ministério Público, defensores . Esses novos jogos penais viciados pelo populismo não servem para estabilizar, mas para renovar o estado de medo e pânico. Se sabe que a pena não resolve, nem encaminha a questão. A crença no aumento de punições e processos penais céleres, sem garantias processuais, fomenta a sensação de segurança, tão imaginária quanto as histórias infantis, ainda que vendidas pela mídia delivery e manejadas politicamente. Vende-se o crime como o sintoma do mal a ser extirpado[26]. É preciso entender a relação entre jogo processual e política. Sem isso a leitura do processo penal e dos movimentos de recrudescimento é ingênua. O processo pode cooperar com o controle social. Não pode ser um aliado de trincheira. Se assim se postar perde a dimensão coletiva de garantia que a razão exige. É necessária certa autonomia do processo penal. Não se pode condenar ninguém, em Democracia, em nome de fins políticos ou midiáticos. Daí a função contramajoritária do processo penal: deve ser o jogo democrático pelo qual se pode, ao final, se e somente se, cumpridas as normas, aplicar-se uma sanção estatal (Cap. 3o). Do contrário a trapaça prevalecerá[27]. 3.4. Daí que o domínio das normas processuais, ainda que importante para compreensão do fenômeno processual, depende, ainda, das noções teóricas (penais, processuais e criminológicas) do julgador e dos jogadores envolvidos, não só formalmente, mas sim materialmente[28]. Poderão ser movidos pela vitória a qualquer custo – mesmo de provas ilícitas – em nome de um “bem” (dito) maior, por exemplo, a diminuição da criminalidade, ou pelo acolhimento de função de garantia (defesa dos direitos individuais). Talvez a assunção alienada da noção de guerra seja verificável quando o jogador, em nome do resultado, aceita mitigar os princípios da própria guerra, uma vez que a necessidade de vitória exclui a legalidade impeditiva do êxito. Ainda que haja vitória, tal qual na trapaça, há mácula democrática. Se o resultado condenar sempre é o leitmov , pouco resta para impedir a fraude e a ilegalidade[29]. Essa tensão entre segurança coletiva e direitos individuais não é novidade[30]. De qualquer sorte, dependerá de escolhas antecedentes a maneira pela qual o julgador e os jogadores se postarão diante da informação probatória trazida. 3.5. O processo judicial possui a tendência de ficar intenso e o momento de produção probatória encontra seu ápice[31]. O atrito como a forma de dificuldades de informação faz com que a prova seja sempre uma exceção e, como tal, inserida numa lógica singular, sem universalismos. Deve-se, pois, (i) dominar a teoria processual e de direito penal; (ii) ter-se experiência de jogo (de combate) ou treinamento e (iii) entender o caráter cambiante do jogo e das sucessivas rodadas (subjogos). 3.6. Parece inevitável que se possa compreender a ação do julgador e dos jogadores no processo penal como o resultado de uma fusão temporal de horizontes (decisão judicial) e perspectivas sobre o(s) mesmo(s) acontecimentos do mundo da vida (imputação). A racionalidade pública pela qual se apurará a responsabilidade penal do agente (culpabilidade) é o processo penal[32] , pelo qual os jogadores (acusador e defensor) lançarão a estratégia (pretensões de validade) nos subjogos , mediados pelas normas processuais (regulação da informação-prova), com o fim de obter a vitória (decisão favorável do julgador). 4. A teoria de processo como jogo processual 4.1. O processo penal, assim, é um jogo assimétrico de informação. Os jogadores não possuem, ex ante , todasas informações que comporão o acervo processual ao final da instrução e há necessidade constante de reavaliações das táticas utilizadas. No jogo simétrico os jogadores sabem de antemão o conteúdo das informações existentes. Aqui, diferentemente, as informações são antevistas, mas somente acontecem na cena processual, a saber, no decorrer dos subjogos. É certo que as provas periciais e documentais são elaboradas de forma paralela e/ou antecedente. Mesmo assim, a valoração – atribuição de sentido – será debatida e consolidada somente no momento da decisão judicial. 4.2. Nas situações estratégicas, nas quais o jogo não é cooperativo, a situação fica mais complexa, pois o resultado depende das decisões dos demais jogadores e o resultado é de conteúdo variável. Assim é que o enfrentamento do processo penal brasileiro depende de posições antecedentes em relação a noções de Direito, Tipo Penal[33], Constituição, Princípios, Regras, Norma Jurídica, etc., não se podendo falar em processo penal idealizado. Embora se tenha regras processuais disposta na CR e no CPP, em cada processo individualizado, com seu julgador e seus seus jogadores , acontecerá jogo único. As diversas compreensões comporão o fenômeno processual numa verdadeira fusão de horizontes, naquilo que se chamou de bricolage de significantes[34] (Cap. 7o). 4.3. No caso do processo penal o jogador-acusador possui o dever legal de antecipar às informações que pretende trazer ao jogo, enquanto o jogador-defensor organiza a estratégia e táticas a partir dos movimentos do jogador-acusador . Diante de uma ação da parte, no campo do discurso, abrem-se 3 (três) movimentos táticos[35]: a) silêncio/inação; b) contra-ataque; c) tangenciar/derivação. Essa dinâmica se divide em diversos momentos probatórios e processuais, vinculadas à finalidade. No ponto de partida da ação penal sabe-se que o jogador-acusador quer a vitória (expectativa de decisão favorável: condenação), enquanto o jogador-defensor pretende também a vitória (expectativa de decisão favorável: absolvição). Diante da presunção de inocência, pressuposto do processo penal democrático, a saber, o acusado larga absolvido, a função do jogador-defesa é evitar a tomada do “forte”, como nos jogos de guerra, ou seja, impedir a tomada dos domínios da presunção de inocência. Daí que ao longo da corrida procesual os subjogos vão se sucedendo e é preciso antecipar os movimentos processuais[36] , prevendo, ex ante , táticas críveis[37]. A quantidade e a qualidade das informações antes de cada rodada processual (subjogo) implicam em constantes alterações táticas[38] e de estratégia[39]. Buscar a Verdade Real “do” e “no” processo penal é uma forma ingênua e absurda de atuação. O desvelar subjetivo do jogo processual[40] apresenta o processo penal dentro do contexto dinâmico e sujeito às contingências do mundo da vida[41]. 4.4. No estabelecimento da dinâmica ataque-defesa a informação é assimétrica . A acusação como primeiro ataque deve esperar a contra-ofensiva. Nas palavras de guerra a “tomada do forte” do jogador oponente é a meta. Nesse objetivo, não raro, precisa-se analisar as possibilidades, adiar a ofensiva, alterar os meios probatórios, cotejando a todo o momento as melhores oportunidades. Não se trata de um check-list , nem de protocolo linear. A instabilidade de cada rodada do jogo processual exige jogadores atentos ao lance do oponente, bem assim a antecipação da antecipação das possíveis jogadas. A incerteza aqui é inerente ao jogo processual e os cálculos permanentes. A informação é sempre parcial e vindoura. Depende das rodadas (subjogos). Ao final haverá a oportunidade de alegações finais, claro, mas isso não impede a existência de surpresas. Aliás, a surpresa , o benefício do terreno (conhecer o lugar e o julgador onde a partida se desenrola) e o ataque convergente (focado nos tipos penais objeto da ação penal) se constituem como elementos necessários à compreensão do fenômeno processual. Antecipam, por assim dizer, as jogadas possíveis com o objetivo de vitória e a capacidade de compreensão do julgador. Esse desenrolar se dará pela “informação” incluída no jogo processual. 4.5. O controle da prova, dos jogadores, das cartas probatórias (informação), do conteúdo da audiência, da credibilidade, do boato, enfim, dos fatores cambiantes (significantes) da partida (guerra). A diferença no processo penal é que a acusação larga na ofensiva, mostrando as cartas que pretende usar no jogo processual, enquanto a defesa se posta na espera. A acusação procura antecipar os movimentos da defesa, mitigando eventual álibi, mas mesmo assim a postura é pro-ativa. No decorrer da batalha probatória, eventual sucesso parcial não necessariamente conduz à vitória, justamente porque o impacto pode ser revertido pelas jogadas posteriores. Daí que a manutenção das vitórias parciais (subjogos) deve se dar a todo o momento, transformando a atitude de ataque em atitude defensiva. Dito de outra forma, obtidos significantes suficientes para condenação, a juízo do acusador, a postura passa a de defender o universo probatório já alcançado. A reciprocidade de lugares (ataque e defesa) variam no decorrer do processo. Ainda que a defesa nada tenha que provar, a assunção de postura passiva ignora a lógica da guerra. Não se trata de aceitar a carga probatória da defesa na busca da comprovação da inocência, a qual é pressuposta – o acusado larga absolvido –, dado que é a acusação que deve provar, no tempo processual, a culpa. A defesa [42] deve adotar táticas de resistência e atacar em dois campos: (i) coerência e (ii) completude. A coerência e a completude das jogadas em face da acusação formalizada (imputação), ou seja, devem no seu todo guardar pertinência narrativa[43] e não deixar lacunas suscetíveis de inserir a dúvida ( favor rei). A inserção de atrito na narrativa, instaurando lacunas, omissões, contradições, dúvidas, obscuridades, parece ser uma das táticas defensivas, as quais não jogam com a qualidade isolada das jogadas, mas justamente apontam as contradições de seu conjunto (CPP, art. 386, VII). 4.6. Estratégia , para acusação , é o uso do processo para objetivo da pena, enquanto para defesa é o uso do processo para objetivo da absolvição. As estratégias são simetricamente opostas. Superada a visão da verdade real, o processo como jogo e inspirado pela guerra acolhe pretensões menos idealizadas e mais próximas da realidade. O processo penal é o uso do confronto em contraditório para garantia da Democracia . É o palco onde acontece a guerra de informações , estratégias e táticas com o fim de vencer o jogo processual. Esperar pelo momento de ação e não sofrer pela ânsia do golpe final. Ao mesmo tempo que cada jogo processual é singular (único), está inserido na dinâmica de processos repetitivos. Daí a formação de padrões táticos que podem não funcionar pela ausência de cuidado com as informações preliminares e as possibilidades probatórias. É o meio pelo qual o Estado sustenta o monopólio da força e justifica a aplicação de pena. Significa a estratégia para se evitar os combates reais, substituídos pela metáfora de guerra: jogo processual, no qual as táticas de cada batalha (subjogos) se apresentam. 4.7. A dinâmica caótica do processo impede a linearidade . A fusão de horizontes apresentada no processo judicial implica no reconhecimento de versão inventada e corroborada. Jamais o certificado de acontecimento definitivamente comprovado. A distinção entre Verdade Formal e Material demanda reconhecer em Kant [44] sua origem. A distinção entre duas formas de verdade forjou o mal entendido. A verdade formal vinculava proposições a leis do pensamento, falseando a realidade, enquanto a segunda fundia essas percepções. A teoria da história mostra que fatos tidos como verdadeiros são controvertidos e que a versão oficial pode se distanciar no que de fato ocorreu, embora nunca se possa colocar-se uma última e definitiva versão. É claro que o processo ao ser aparentemente retrospectivo[45] implica naescolha dos elementos mais interessantes, os quais restam sublinhados. Sempre, contudo, são parciais e representam interesses não ditos. É nos jogos de linguagem[46] que o significante probatório ganhará sentido no contexto em que é invocado. 4.8. O domínio da informação nos jogos dinâmicos implica na possibilidade de se tomar decisões terminativas do processo, ou seja, sem análise do mérito. Reside justamente na avaliação da prova possível (informação) a aceitação de benefícios processuais (conciliação, transação penal, suspensão condicional do processo, delação premiada[47] , leniência, etc..). Com a informação até então apurada e as expectativas dos subjogos no horizonte, o jogador pode avaliar quais as implicações de se jogar ou não[48]. Dependendo do quantum da pena e da quantidade de processos em tramitação, bem assim da gestão da Unidade Jurisdicional, pode-se optar pelo processo e se buscar uma prescrição, como aliás, é a tónica nos processos dos Juizados Especiais Criminais.[49] Na estratégia manejada no caso de jogos repetitivos pode acontecer que com a interação continuada os jogadores possam antecipar os sentidos já dados e observar novas estratégias ou concessões. Podem transformar, com isso, o jogo em mais cooperativo ou não. 4.9. Dito de outra forma, o processo penal é um jogo mediado pelo Estado Juiz em que a fortaleza da inocência, ponto de partida do jogo, é atacada pelo jogador acusador e defendida pelo jogador defensor, sendo que no decorrer as posturas (ativa e passiva) se alternam reciprocamente, devido ao caráter dinâmico do processo, a cada rodada probatória (subjogos) e em face das variáveis cambiantes. O jogador-acusador pretende romper com a fortaleza da inocência, enquanto a defesa sustenta as muralhas. Rompido ou antevisto ou rompimento, bem assim a impossibilidade, por que não negociar? Constitui-se num jogo de táticas processuais no decorrer do jogo processual guiado por estratégia dos efeitos pretendidos (pena). 4.10. Em resumo: O processo penal se estrutura como uma modalidade de jogo processual no qual há (a) conjunto de normas jurídicas; (b) que estabelecem expectativas de ganho/perda em momentos específicos (recebimento/rejeição da denúncia; absolvição sumária; produção probatória (informação), condenação/absolvição – em diversas instâncias), (c) mediante jogadas temporalmente indicadas (denúncia/queixa, defesa preliminar, alegações finais, recursos, similares), (d) para os quais o Estado Juiz emite comandos (despachos, interlocutórias, decisões, acórdãos, similares) de vitória/derrota (total ou parcial). Capítulo 2° Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social 1. Para introduzir o Garantismo Penal 1.1. Embora tenha sido editada uma nova Constituição em 1988 há inescondível déficit hermenêutico nos campos do Direito e Processo Penal no Brasil. A compreensão do Direito Penal e Processual válido precisa de realinhamento constitucional do sentido democrático, uma vez que tanto o Código Penal como o Código de Processo Penal são documentos editados, na matriz , sob outra ordem constitucional e ideológica, bem assim porque houve significativa modificação do desenho político criminal contemporâneo[50]. Ademais, a Constituição acolheu os Direitos Humanos em patamar capaz de dar eficácia imediata no campo de Controle Social[51]. De sorte que há a necessidade de adequação da própria noção do papel e função do Direito e do Processo Penal diante da redemocratização do país. E, esse trabalho ainda está sendo realizado, basicamente por força da (i) baixa constitucionalidade, entendida como a ausência de cultura democrática no Direito; (ii) necessária superação do aparente dilema entre sistemas acusatório versus inquisitório; (iii) herança equivocada de uma imaginária e nefasta “Teoria Geral do Processo”, quando, na verdade, os fundamentos do processo penal democrático assumem viés individual e não coletivo, a saber, não cabe “instrumentalidade processual penal pro societate”[52]; (iv) difusão de modelo coletivo de “Segurança Pública” que fomenta uma certa “Cultura do Medo”; (v) expansionismo do Direito Penal e recrudescimento dos meios de controle social, a partir da lógica de diminuição dos custos estatais; (vi) prevalência de teorias totalitárias, como Direito Penal do Inimigo, atreladas ao discurso da Lei e da Ordem[53]. 1.2. Nesse contexto, parece que se mostra necessário repensar as coordenadas simbólicas do campo do Direito e Processo Penal adotada perspectiva crítica, mas sem se descolar da realidadae, ou seja, da possibilidade de diálogo entre o saber produzido no campo da Universidade e o que acontece no plano da prática forense, não na perspectiva unitária, mas sim de um diálogo proveitoso, em que o ponto de partida seja a realização do Estado Democrático de Direito[54]. Ainda assim, deve-se superar a noção idealizada de Jurisdição, Ação e Processo (Cap. 4o), partindo-se da teoria dos jogos (Cap. 1o). 2. Garantismo não é Religião: é limitação do Poder Estatal 2.1. Para o fim de entender a intervenção Estatal se recorrerá ao balizamento apresentando pelo “Garantismo Penal” de Luigi Ferrajoli [55] , sem que ele se transforme em Religião[56] , pois é passível de muitas criticas[57]. Partindo de sólida Teoria do Direito[58], Ferrajoli apresenta quatro frentes para compreensão de sua proposta[59]: (i) revisão da teoria da validade , diferenciando validade/material e vigência/formal das normas jurídicas; (ii) distinção entre as dimensões da Democracia entre formal e substancial, tendo os Direitos Fundamentais como índice; (iii) ratificação do lugar de garante do magistrado numa democracia mediante a sujeição do juiz à lei, não mais pela mera legalidade, mas da estrita legalidade, na qual a validade da norma (princípio e regra) devem guardar pertinência material e formal com a Constituição da República; e (iv) revisão do papel critico da ciência jurídica não mais com a missão exclusivamente descritiva, mas acrescentando contornos críticos e de projeção ao futuro. Supera, assim, a noção meramente técnica, a saber, reconhece a responsabilidade do ator jurídico e não de singelo aplicador da norma. 2.2. Essa perspectiva teórica encontra esteio na Constituição da República dado que baseada na dignidade da pessoa humana[60] e nos Direitos Fundamentais[61] , os quais devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação democrática da ação. Em face da supremacia Constitucional dos direitos indicados no corpo de Constituições rígidas ou nela referidos (CR, art. 5º, § 2º), como a brasileira de 1988, e do princípio da legalidade , a que todos os poderes estão submetidos, emerge a necessidade de garantir esses direitos a todos os sujeitos, principalmente os processados criminalmente, pela peculiar situação que ocupam. Há filiação à tradição de defesa dos Direitos Individuais em face do Estado, na linha Iluminista, sem se descurar das contingências históricas[62]. 2.3. Nesse pensar, Ferrajoli aponta quatro classes de direitos: (i) Direitos Humanos, os quais são os direitos primários das pessoas e concernem indistintamente a todos os seres humanos; (ii) Direitos públicos , que são os direitos primários reconhecidos somente aos cidadãos; (iii) Direitos civis , os quais são direitos secundários adstritos a todas as pessoas humanas capazes de agir, tais como a liberdade de contratar, de negociar, de escolher e trocar de trabalho, vinculados à autonomia privada, na matriz capitalista de Mercado; e (iv) Direitos políticos , os quais são direitos secundários reservados exclusivamente aos cidadãos, no qual se baseia a representação e a democracia política[63]. 2.4. A partir desta matriz e aprofundando a proposta, Ferrajoli propõe quatro teses em relação aos Direitos Fundamentais: (i) A diferença de estrutura entre Direitos Fundamentais e Direitos Patrimoniais, dado que os primeiros são vinculados a todos ou a uma classe de sujeitos, sem exclusão dos demais, enquanto os direitos patrimoniais, pela sua formulação, excluemtodos os demais que não são titulares. Por certo o acordo semântico de Direito Subjetivo tem sido utilizado pelo Direito para ocultar as caraterísticas antagônicas que subjazem a esta classificação aparentemente homogênea, mas que esconde uma enorme heterogeneidade. Para comprovar tal assertiva, basta indicar: direitos inclusivos/exclusivos, universais/singulares, indisponíveis/disponíveis [64]; (ii) O respeito e implementação dos Direitos Fundamentais representam interesses e expectativas de todos e formam, assim, o parâmetro da igualdade jurídica, capaz de justificar a aferição da democracia material . Essa dimensão não é outra coisa senão o conjunto de garantias asseguradas pelo Estado Democrático de ireito; (iii) A pretensão supranacional de grande parte dos Direitos Fundamentais, uma vez que com as declarações internacionais, além do direito interno, uma ordem externa impõe limites externos aos poderes públicos; (iv) A relação entre direitos e garantias. Os Direitos Fundamentais se constituem em expectativas negativas ou positivas, as quais correspondem obrigações de prestação ou proibição de lesão – garantias primárias. A reparação ou sancionamento judicial constituem em garantias secundárias, decorrentes da violação das garantias primárias. A inexistência de garantias para efetivação dos direitos, em suma, leva a uma lacuna que torna os direitos declarados inobservados [65]. 2.5. Esse retorno à Teoria Geral do Direito se mostra absolutamente importante desde que acolhidas as quatro teses, eis que implica revisão da estrutura do Direito Positivo, com reflexos inafastáveis no Direito Penal e Processual Penal. Revisitada, portanto, a formulação dos Direitos Fundamentais, restam fixadas as diferenças marcantes, consistente a primeira na circunstância de que os Direitos Fundamentais são universais, enquanto os Direitos Patrimoniais são singulares, excludentes dos demais. Aqui existe um titular determinado; nos Direitos Fundamentais todos o são. Não se diferencia Direitos Fundamentais pela qualidade ou quantidade, como se procede nos Direitos Patrimoniais. Os Direitos Fundamentais são inclusivos e formam a base da igualdade jurídica, enquanto os Direitos Patrimoniais são exclusivos (se eu sou proprietário da casa, o outro não é). A segunda diferença é, talvez, a mais relevante. Os Direitos Fundamentais são indisponíveis, inalienáveis, imprescritíveis, invioláveis, intransigíveis e personalíssimos. Ao contrário, os Direitos Patrimoniais são disponíveis por sua natureza, negociáveis e alienáveis. Estes se acumulam e aqueles permanecem invariáveis. Os bens se adquirem, trocam se e se vendem. As liberdades não se trocam nem se acumulam. O fato de serem indisponíveis impede que interesses políticos e/ou econômicos violem os Direitos Fundamentais; não se pode vender ou trocar sua liberdade. O ser humano os possui como tal, sem que lhe seja acrescido. Resultado disso é que se não pode alienar a vida, a liberdade pessoal ou o direito ao devido processo legal, por exemplo, mesmo que se queira. Em processo penal não é admitida a confissão desprovida de outros elementos, como era na Inquisição. A terceira diferença, consequência da segunda, é que os Direitos Patrimoniais são disponíveis, podendo ser modificados, extintos, por atos jurídicos. Os Direitos Fundamentais, ao revés, são reconhecidos ex vi legis , por normas gerais, normalmente de status constitucional. Em suma, enquanto os Direitos Fundamentais são normas, os Direitos Patrimoniais são regulados por normas. A quarta diferença consiste em que os Direitos Patrimoniais são horizontais, os Direitos Fundamentais são verticais, em um duplo sentido. Enquanto umas são civilistas, privadas, decorrentes de relações intersubjetivas da esfera privada, as de Direitos Fundamentais são publicistas, do indivíduo para com o Estado. Ademais, há que se considerar que os Direitos Patrimoniais são disposições de não lesão entre os particulares; já no caso de Direitos Fundamentais, sua violação repercute na invalidade de leis e decisões estatais[66]. 2.6. A Teoria Garantista representa ao mesmo tempo o resgate e a valorização da Constituição como documento constituinte da sociedade. Esse resgate Constitucional decorre justamente da necessidade da existência de um núcleo jurídico irredutível/fundamental capaz de estruturar a sociedade, fixando a forma e a unidade política das tarefas estatais, os procedimentos para resolução de conflitos emergentes, elencando os limites materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e, ainda, disciplinando o processo de formação político-jurídico do Estado, aberto ao devir. A Constituição é uma disposição fundante da convivência e fonte da legitimidade estatal, não sendo vazio[67] , mas uma coalizão de vontades com conteúdo, materializados pelos ireitos Fundamentais. A história do constitucionalismo é a progressiva ampliação da esfera pública de direitos, de conquistas e rupturas . Em outras palavras, a Constituição, nesta concepção garantista, deixa de ser meramente normativa (formal), buscando resgatar o seu próprio conteúdo formador, indicativo do modelo de sociedade que se pretende e de cujas linhas as práticas jurídicas não podem se afastar, inclusive no âmbito do Direito e do Processo Penal. Como primeira emanação normativa do Estado, aponta os limites e obrigações, sem se perder de vista que é no processo de atribuição de sentido (concretização) que se realiza. 2.7. Assim é que a Constituição da República é a norma maior, sendo o fundamento de validade material e formal do sistema. Advem disto o fato de que todos os dispositivos e interpretações possíveis, inclusive o de transformar substantivo em adjetivo – exclusivamente –, como acontece com o art. 144, § 4o, da CR, por exemplo, devem perpassar pelo seu controle formal e material, não podendo ser infringida ou modificada ao talante dos governantes públicos, mesmo em nome da maioria – esfera do indecidível –, dado que as Constituições rígidas, como a brasileira de 1988, devem sofrer processo específico para reforma, ciente, ainda, da existência de cláusulas pétreas. Na prática, a aplicação de qualquer norma jurídica precisa sofrer a preliminar oxigenação constitucional [68] de viés garantista , para aferição da constitucionalidade material e formal da norma jurídica. É somente assim se dá a devida força normativa à Constituição[69]. 3. Garantismo Penal e Direito Penal Mínimo 3.1. No campo do Direito Penal o manejo do poder no Estado Democrático de Direito deve se dar de maneira controlada, evitando-se a arbitrariedade dos eventuais investidos no exercício do poder Estatal. Desta forma, para que as sanções possam se legitimar democraticamente precisam respeitar os Direitos Fundamentais, apoiando-se numa cultura igualitária e sujeita à verificação de suas motivações, porque o poder estatal deve ser limitado, a saber, somente pode fazer algo – por seus agentes – quando expressamente autorizado.[70] 3.2. Assim é que no modelo ideal de Ferrajoli são indicados onze princípios necessários e sucessivos de legitimidade do sistema penal e, desta forma, da sanção [71]. São eles: pena, delito, lei, necessidade, ofensa, ação, culpabilidade, jurisdição, acusação, rova e defesa. A ausência de um deles torna a resposta estatal, lida a partir do Garantismo, ilegítima, constituindo, cada um (dos princípios), condição da esponsabilidade penal. São, assim, prescritivas de regras processuais ideais ao modelo garantista sem que o seu preenchimento in totum obrigue uma sanção; mas o contrário, pois somente com o preenchimento (de to)das implicações deônticas do modelo é que o sistema está autorizado a emitir um juízo condenatório[72]. 3.3. A classificação divide-se em: a) garantias penais: “delito”, “lei”, “necessidade”, “ofensa”, “ação” e “culpabilidade”; e b) garantias processuais: “jurisdição”, “acusação”, “prova” e “defesa”. Em sendo a “pena” excluída do rol de garantias, por ser apenas uma possibilidade ao cabo do processo, o modelo ideal full é composto
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