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Problemas mentais e do comportamento 1 Mírian Santos da Silva – 5° semestre P03 - “Meu companheiro está deprimido” Objetivos Compreender a depressão e a ideação suicida (sintomas psicóticos). • Conceito; • Epidemiologia; • Etiologia – Síndromes depressivas; • Fisiopatologia; • Quadro clínico – Inicial e evolução (riscos associados); • Diagnóstico; • Diagnóstico diferencial; • Exames complementares (ECG, hemograma completo, T3, T4L, TSH, TGO, TGP e GAMA – GT); • Tratamento medicamentoso e não- medicamentoso (CAPS). Conceituar o CAPS; A DEPRESSÃO faz parte dos transtornos do humor, que são caracterizados pelas alterações patológicas do humor, cognitivas e psicomotoras. São doenças fásicas que evoluem em episódios únicos ou repetidos e podem ter início súbito e remitir espontaneamente ou apresentar curso crônico ao longo da vida com sintomas de intensidade leve a grave ou incapacitantes. Eles são classificados em 2 grandes grupos, o transtorno do humor (ou afetivo) bipolar (TAB) e os transtornos depressivos. Além disso, tem uma diferença entre TAB tipo I, exige-se a presença de pelo menos 1 episódio de mania durante a vida, e o TAB tipo II cursa exclusivamente com hipomanias. A condição é diferente das flutuações usuais de humor e das respostas emocionais de curta duração aos desafios da vida cotidiana. Especialmente quando de longa duração e com intensidade moderada ou grave, a depressão pode se tornar uma crítica condição de saúde. Epidemiologia A depressão é um transtorno mental frequente. Em todo o mundo, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram com esse transtorno. É a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças. Ela pode causar à pessoa afetada um grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola ou no meio familiar, podendo levar ao suicídio. De acordo com a OMS, cerca de 5,8% da população brasileira sofrem de depressão – Problemas mentais e do comportamento 2 Mírian Santos da Silva – 5° semestre um total de 11,5 milhões de casos. O índice é o maior na América Latina e o segundo maior nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. Etiologia Existem múltiplos fatores etiológicos, resultantes da combinação de fatores ambientais (dieta, álcool, ritmos biológicos), individuais relacionados à personalidade e dos relacionamentos pessoais, que desencadeiam a doença em indivíduos biologicamente vulneráveis. São resultado de vários processos psicológicos, ambientais, genéticos e biológicos. O sistema límbico representa a região de convergência desses fatores, produzindo desequilíbrio das aminas biogênicas, especialmente a noradrenalina, a serotonina e, em segundo plano, a dopamina, e dos sistemas de mensageiros secundários (p. ex., adenil ciclase) e peptídeos neuroativos. Além disso, ocorre desregulagem dos eixos endócrinos, hipotálamo-adrenal, tireoidiano e ligado ao hormônio do crescimento, anormalidades do sono, desajuste dos ritmos circadianos, anormalidades do sistema imunológico e alterações da morfofisiologia cerebral. Síndromes depressivas O termo depressão é utilizado para caracterizar tanto um estado afetivo normal quanto um sintoma, uma síndrome ou uma (ou várias) doença(s). A depressão como sintoma pode surgir em outras condições médicas e mentais, em resposta a situações estressantes ou a circunstâncias sociais, psicológicas ou econômicas adversas. Todavia, a síndrome depressiva pode ocorrer em outras doenças, psiquiátricas ou não, e em decorrência do uso de vários medicamentos e substâncias de abuso, como álcool e drogas. Do ponto de vista psicopatológico, as síndromes depressivas têm como elementos mais salientes o humor triste e, na esfera volitiva, o desânimo, mais ou menos marcantes. Tal tristeza e desânimo são, na depressão, desproporcionalmente mais intensos e duradouros do que nas respostas normais de tristeza que ocorrem ao longo da vida. Também podem estar presentes, em formas graves de depressão, sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações), marcante alteração psicomotora (geralmente lentificação ou estupor), assim como fenômenos biológicos (neuronais ou neuroendócrinos) associados. Episódio de depressão e transtorno depressivo maior recorrente Problemas mentais e do comportamento 3 Mírian Santos da Silva – 5° semestre A aparência do deprimido pode ser percebida durante a entrevista por meio da expressão facial triste, do olhar melancólico, a testa franzida, os ombros curvados e a tendência ao choro ou olhar arregalado, apreensivo. Há alguns sintomas fundamentais para o diagnóstico de depressão: humor depressivo e/ou falta de interesse e motivação, lentificação psicomotora (redução da energia mental e física) e redução ou ausência da capacidade hedônica (de sentir prazer, alegria, felicidade em situações cabíveis e proporcionais a elas). O humor é polarizado para depressão de forma autônoma, isto é, não adianta distrair o paciente do sofrimento, pois ele volta a sentir-se deprimido. A redução da energia física ocorre em graus de intensidade variáveis e caracteriza as depressões em leves, moderadas ou graves. É expressa por dificuldade em levantar de manhã e iniciar as tarefas (inclusive as relacionadas à higiene pessoal), que dura algumas horas do dia, avançando para exaustão o dia todo, incapacitação e falta de vontade. Há tendência a ficar deitado e ao isolamento. No episódio depressivo, evidentes sintomas depressivos (diminuição da concentração e da autoestima, ideias de culpa e de inutilidade, distúrbios do sono e do apetite) devem estar presentes por pelo menos 2 semanas e não mais que 2 anos de forma ininterrupta. Os episódios na comunidade podem ser curtos (cerca de 50% dura menos do que três meses) ou longos. Cerca de 15 a 26% das pessoas com depressão maior apresentam um curso crônico de depressão, com duração de mais de dois anos. A depressão pode ocasionar quaisquer sintomas dolorosos ou físicos (difusos, descritos com sofrimento desproporcional) e acentuar dores preexistentes. Transtorno depressivo persistente e transtorno distímico Um grupo de pacientes desenvolve a forma crônica de depressão, muito duradoura (pelo menos dois anos ininterruptos), que pode ser de intensidade leve (distimia) ou de moderada a grave. Ela começa geralmente na adolescência ou no início da vida adulta e persiste por vários anos. Os sintomas depressivos mais importantes são, em primeiro lugar, o humor Problemas mentais e do comportamento 4 Mírian Santos da Silva – 5° semestre deprimido, triste, na maior parte do dia, na maioria dos dias. Além disso, o paciente deve ter pelo menos dois dos seguintes sintomas: diminuição da autoestima, fatigabilidade aumentada ou falta de energia, insônia ou hipersonia, apetite diminuído ou aumentado, dificuldade em tomar decisões ou em se concentrar e sentimentos de desesperança. Também são comuns na distimia o mau humor crônico e a irritabilidade. Em adultos, os sintomas devem estar presentes de forma ininterrupta por, pelo menos, dois anos e, em crianças e adolescentes, por pelo menos um ano (nesse grupo, o humor básico pode ser a irritabilidade em vez do humor triste). Depressão atípica ou depressão com características atípicas Trata-se de um subtipo de depressão que pode ocorrer em episódios depressivos de intensidade leve a grave, em transtorno unipolar ou bipolar. Além de reatividade do humor aumentada (melhora rapidamente comeventos positivos e piora rapidamente com eventos negativos), o indivíduo deve apresentar 2 ou mais dos seguintes sintomas: 1. ganho de peso ou aumento do apetite (principalmente para doces); 2. aumento do sono; 3. sensação de corpo, braços ou pernas muito pesados (paralisia “de chumbo”); 4. a pessoa se sente, de modo geral, “ pesada”, com uma sobrecarga sobre os ombros; 5. sensibilidade exacerbada a rejeição interpessoal, às vezes a indicativos mínimos e subjetivos de possível rejeição, podendo se manter mesmo quando a pessoa não esteja no episódio depressivo. Depressão tipo melancólica ou endógena Trata-se de um subtipo no qual predominam os sintomas classicamente endógenos. Nesse caso, a pessoa deve apresentar: 1) perda de prazer ou incapacidade de sentir prazer (anedonia) em todas ou quase todas as atividades; 2) falta de reatividade a estímulos em geral prazerosos; Além de um desses dois sintomas, deve apresentar pelo menos três dos seguintes sintomas: 1) humor depressivo característico com prostração profunda, desespero, hiporreatividade geral; 2) lentificação psicomotora, demora em responder às perguntas (aumento da latência entre perguntas e respostas) ou agitação psicomotora; 3) ideias ou sentimentos de culpa excessivos e/ou inadequados; Problemas mentais e do comportamento 5 Mírian Santos da Silva – 5° semestre 4) perda do apetite e/ou de peso corporal; 5) depressão pior pela manhã, que pode melhorar um pouco ao longo do dia. Na depressão melancólica ou endógena, também se pode constatar a chamada tristeza vital, que é uma tristeza diferente, um peso, uma agonia“sentida no corpo” (qualitativamente diferente da tristeza normal). Pode ser observado também um padrão de sono característico em que o indivíduo tende a apresentar a chamada insônia terminal (acorda de madrugada, às 3h ou 4h, e não consegue mais dormir). Depressão psicótica ou depressão com sintomas psicóticos Trata-se de depressão muito grave, na qual ocorrem, associados aos sintomas depressivos, um ou mais sintomas psicóticos, como delírio e/ou alucinação. Nesse caso, os mais frequentes são sintomas como delírio de ruína ou culpa, delírio hipocondríaco ou de negação de órgãos ou alucinações com conteúdos depressivos, com vozes que dizem “você não presta”, “você vai morrer na miséria” ou “seus filhos vão passar fome”. As alucinações também podem ter o conteúdo de “punição merecida” (“vou morrer, vou sofrer, pois mereço isso”). Se os sintomas psicóticos são de conteúdo negativo, depressivo, classificam-se como sintomas psicóticos humor-congruentes (de culpa, doença, morte, negação de órgãos, punição merecida, entre outros). Caso contrário, são denominados sintomas psicóticos humor-incongruentes (delírio de perseguição, de inserção de pensamentos, autorreferente, entre outros). Os delírios ocorrem em cerca de 5% das pessoas internadas com quadros depressivos e em 15% daquelas com depressões ambulatoriais. Na maior parte das vezes (≈65%), trata-se de delírio humor-congruente, e, em cerca de 18% dos casos, o delírio é humorincongruente (em ≈9% dos deprimidos delirantes, há delírios dos dois tipos). Alucinações auditivas ocorrem em 5 a 59% dos pacientes com depressão maior, e alucinações visuais, em 1 a 25%. De modo geral, indivíduos deprimidos encontrados na comunidade e na atenção primária (UBS) têm frequência menor de sintomas psicóticos; aqueles em ambulatórios especializados, frequência intermediária; e pessoas internadas por depressão, frequências mais altas. Problemas mentais e do comportamento 6 Mírian Santos da Silva – 5° semestre Por fim, cabe notar que a depressão psicótica revela mais alterações cerebrais do que a não psicótica, o que indica maior gravidade fisiopatológica dessa forma da doença. Estupor depressivo ou depressão com catatonia Trata-se de estado depressivo muito grave, no qual o paciente permanece dias na cama ou sentado, em estado de catalepsia (imóvel; em geral rígido), com negativismo que se exprime pela ausência de respostas às solicitações ambientais, geralmente em estado de mutismo (não fala com as pessoas, apesar de estar consciente e não ter afasia), recusando alimentação, às vezes urinando no leito. O indivíduo pode, nesse estado, desidratar e vir a falecer por complicações clínicas (pneumonia, insuficiência pré-renal, desequilíbrios hidreletrolíticos, sepse, entre outras). Depressão ansiosa ou agitada ou com sintomas ansiosos proeminentes e transtorno misto de depressão e ansiedade A ansiedade é, de modo geral, um componente frequente e importante nos quadros depressivos. O DSM-5 e a CID-11 propõem que se distinga uma forma de depressão, geralmente moderada ou grave, com marcante componente de ansiedade, tensão e inquietação psicomotora, chamada depressão ansiosa ou depressão agitada. O paciente se queixa de angústia ou ansiedade acentuada associada aos sintomas depressivos; sente-se nervoso, tenso, não para quieto; apresenta-se insone; irritado; anda de um lado para outro, desesperado. Pode ter, ainda, dificuldade para se concentrar devido a muitas preocupações; tem medo de que algo horrível possa ou irá acontecer. Também pode ter o sentimento de perda do controle de si mesmo. Na depressão ansiosa, há risco ainda maior de suicídio. A depressão ansiosa grave é, muitas vezes, difícil de diferenciar de um episódio misto do transtorno bipolar (TB). Já a CID-11 propõe o transtorno misto de depressão e ansiedade, no qual há sintomas, geralmente leves, de ambas as condições na maioria dos dias, por pelo menos duas semanas. A diferença em relação ao DSM-5 é que, na CID-11, nesse transtorno misto não pode haver sintomas suficientemente graves e numerosos para justificar o diagnóstico de episódio depressivo, distimia ou transtorno de ansiedade (como ansiedade generalizada ou pânico). Assim, essa categoria estaria reservada para ser mais utilizada na atenção primária (nas Problemas mentais e do comportamento 7 Mírian Santos da Silva – 5° semestre UBSs), onde os quadros de humor são, de modo geral, leves ou moderados, e uma mistura de sintomas depressivos e ansiosos leves é muito frequente. Depressão unipolar ou depressão bipolar Ao se diagnosticar um quadro depressivo que ocorre pela primeira vez na vida, os profissionais, os pacientes, seus familiares e amigos podem se perguntar se esse episódio está abrindo um possível transtorno depressivo recorrente (o que é frequente, e a depressão, então, é denominada “ unipolar”) ou se é o início de um TB, com episódios futuros de mania ou hipomania (então a depressão é denominada “bipolar”). A mania é caracterizada por alterações no humor, na cognição, na psicomotricidade e nas funções vegetativas, mas com características opostas as da depressão. O paciente apresenta humor eufórico e/ou irritável, aumento de energia e ativação psicomotora, aceleração de pensamentos e idéias de grandeza que podem ser delirantes, além de aumento da impulsividade. O deprimido pode rir de forma desproporcional ou à toa, exibir grande entusiasmo por interações sociais, sexuais ou profissionais e ter humor contagiante, visivelmente “alto astral”. A hipomania deve ser observável por outros, não ser acompanhada de sintomas psicóticos, nem produzir comprometimento funcional do indivíduo. Sintomas: irritabilidade, alegria, jocosidade, sociabilidade, procura por companhia, aumento do desejo e do comportamento sexual, tagarelice, autoconfiança e otimismo exagerados, desinibição e atitudes despreocupadas. Depressãocomo transtorno disfórico pré- menstrual Trata-se de forma grave de depressão relacionada à síndrome pré-menstrual que se caracteriza por ocorrer na semana final antes da menstruação, na maioria dos ciclos menstruais. Está presente pelo menos um dos seguintes sintomas intensos de humor: tristeza marcante, nervosismo/ansiedade acentuada, sentimentos de estar “no limite para explodir”, oscilações do humor ao longo do dia ou labilidade afetiva, irritabilidade ou raiva acentuada. Também devem estar presentes outros sintomas, na maioria dos ciclos menstruais, que, quando somados aos anteriores, irão resultar em pelo menos cinco sintomas. São eles: interesse diminuído, dificuldade de concentração, falta de energia ou fadiga fácil, alteração do apetite, hipersonia ou insônia, “sentir-se sobrecarregada” ou “fora do controle”, sintomas físicos como Problemas mentais e do comportamento 8 Mírian Santos da Silva – 5° semestre inchaço e aumento da sensibilidade nas mamas, dor articular ou muscular e “ sensação de inchaço” no corpo. Depressão mista ou depressão com características mistas A possibilidade de uma síndrome depressiva ocorrer ao mesmo tempo que uma síndrome maníaca, como que encavaladas uma com a outra, já foi suspeita desde o fim do século XIX. Nesse caso, durante a maioria dos dias da depressão, ocorrem também sintomas maníacos (devem ocorrer pelo menos três deles), como humor elevado ou expansivo, grandiosidade e autoestima elevada, inflada; o paciente se apresenta loquaz, falando muito e com pressão para falar; há aceleração do pensamento até fuga de ideias, aumento da energia no trabalho ou na vida sexual ou envolvimento em atividades excitantes, mas perigosas. Pode haver também redução da necessidade de sono. Depressão secundária ou orgânica (transtorno depressivo devido a outra condição médica ou induzido por substância ou medicamento) Aqui estão presentes as síndromes depressivas causadas ou fortemente associadas a uma doença física, a um quadro clínico primariamente somático, seja ele localizado no cérebro (p. ex., doença de Parkinson, trauma ou tumor cerebral), seja ele sistêmico, isto é, em outra parte do organismo, mas com consequências para todos os órgãos, inclusive o cérebro. Condições somáticas sistêmicas, como doenças endocrinológicas do tipo hipo ou hipertireoidismo, síndrome de Cushing, carências vitamínicas, como déficit de vitamina B12 (e, possivelmente, de vitamina D), doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, sepse e câncer, com significativa frequência, produzem quadro depressivo que faz parte da própria condição somática patológica (a síndrome depressiva é de causa orgânica). No caso dos AVCs, ocorre depressão após o episódio agudo, e, de modo geral, AVCs no hemisfério esquerdo e mais próximos do polo frontal tendem a desencadear mais frequentemente depressões secundárias. A condição médica que causa a depressão deve ser confirmada por história clínica, exame físico e/ou achados laboratoriais referentes à doença somática. Pode ocorrer também o transtorno depressivo induzido por substância ou medicamento. Nesse caso, há um quadro depressivo intimamente associado durante ou logo após a intoxicação por substâncias ou fármacos. Drogas associadas à depressão são, por exemplo, álcool, cocaína, maconha, Problemas mentais e do comportamento 9 Mírian Santos da Silva – 5° semestre inalantes, opioides ou medicamentos como hipnóticos e ansiolíticos (p. ex., benzodiazepínicos), anti-hipertensivos e corticosteroides (no seu uso ou em sua retirada abrupta). Depressão e personalidade Uma linha consistente de estudos tem associado as síndromes depressivas com aspectos da personalidade antes, durante e depois dos episódios de depressão. De modo geral, pessoas que apresentam episódios depressivos moderados ou graves tendem a apresentar o perfil de personalidade, com base no Big-Five, aumentado para neuroticismo (instabilidade emocional, tensão, tendência à ansiedade, preocupação e autopiedade) e diminuído para extroversão (propensão à atividade, assertividade, energia, entusiasmo, busca dos outros, socialização). Os transtornos da personalidade ocorrem em 14 a 44% das pessoas com depressão, sendo os diagnósticos mais frequentes: transtorno da personalidade borderline (16- 31%), obsessivo-compulsiva (≈16%), paranoide (≈10%), esquizoide (≈7,4%), evitativa (≈6,5%) e antissocial (≈6,3%). Curso e diagnóstico INÍCIO - Cerca de 50% dos pacientes que estão tendo o 1° episódio de transtorno depressivo maior exibiram sintomas depressivos significativos antes do primeiro episódio identificado. Portanto, a identificação precoce e o tratamento dos sintomas iniciais podem prevenir o desenvolvimento de um episódio depressivo completo. Mesmo que sintomas possam ter estado presentes, pessoas com transtorno depressivo maior geralmente não têm um transtorno da personalidade pré-mórbido. O primeiro episódio depressivo ocorre antes dos 40 anos em cerca de 50% das pessoas. Um início mais tardio está associado com ausência de história familiar de transtornos do humor, transtorno da personalidade antissocial ou abuso de álcool. DURAÇÃO - Um episódio depressivo não tratado dura de 6 a 13 meses; a maioria dos episódios tratados dura cerca de 3 meses. A retirada dos antidepressivos antes desse período quase sempre resulta no retorno dos sintomas. À medida que o curso do transtorno progride, os pacientes tendem a vivenciar episódios mais frequentes, que duram mais tempo. DESENVOLVIMENTO DE EPISÓDIOS MANÍACOS - Cerca de 5 a 10% dos indivíduos com o diagnóstico inicial de transtorno depressivo maior têm um episódio maníaco 6 a 10 anos após o 1° episódio depressivo. Problemas mentais e do comportamento 10 Mírian Santos da Silva – 5° semestre Prognóstico - O transtorno depressivo maior não é uma condição benigna. Ele tende a ser crônico, e os indivíduos costumam ter recidivas. Pacientes que foram hospitalizados no primeiro episódio desse transtorno têm cerca de 50% de chance de se recuperarem no primeiro ano. A porcentagem de pacientes que se recuperam após hospitalizações repetidas diminui com o passar do tempo. Muitos não recuperados se mantêm afetados com distimia. A incidência de recidiva é menor do que em pacientes que continuam o tratamento psicofarmacológico profilático e naqueles que tiveram apenas 1 ou 2 episódios depressivos. Em geral, à medida que um paciente experimenta cada vez mais episódios depressivos, o tempo entre eles diminui, e a gravidade aumenta. Indicadores de prognóstico - Episódios leves, ausência de sintomas psicóticos e internação hospitalar curta são bons indicadores. Os indicadores psicossociais de um curso favorável incluem história de amizades sólidas durante a adolescência, funcionamento familiar estável e funcionamento social geralmente sadio nos cinco anos anteriores ao transtorno. Outros sinais de bom prognóstico são ausência de um transtorno psiquiátrico comórbido e de um transtorno da personalidade. A possibilidade de um mau prognóstico aumenta com a coexistência de distimia, abuso de álcool ou outras substâncias, sintomas de transtorno de ansiedade e a história de mais de um episódio depressivo anterior. Os homens têm mais probabilidade do que as mulheres de vivenciar um curso cronicamente comprometido. Tratamento O tratamento de pacientes depressivos deve ser direcionado para vários objetivos. 1°, a segurança do paciente deve ser garantida. 2°, uma avaliação diagnóstica completa do paciente é necessária. 3°, deveser iniciado um plano de tratamento que trate não apenas os sintomas imediatos, mas também vise ao bem-estar futuro do paciente. Os acontecimentos estressantes da vida também estão associados com aumentos nas taxas de recaída. Portanto, o tratamento deve ser voltado à redução do número e da gravidade dos estressores nas vidas dos pacientes. Hospitalização - primeira e mais crítica decisão que um médico precisa tomar é quanto a hospitalizar o paciente ou tentar um tratamento ambulatorial. Problemas mentais e do comportamento 11 Mírian Santos da Silva – 5° semestre Indicações claras para hospitalização são o risco de suicídio ou homicídio, a capacidade acentuadamente reduzida do indivíduo de obter alimento e abrigo e a necessidade de procedimentos diagnósticos. Uma história de sintomas de rápida progressão e a ruptura do sistema de apoio habitual também são indicações para a hospitalização. Terapia psicossocial - Embora a maioria dos estudos indique – e a maioria dos médicos e pesquisadores acredite – que uma combinação de psicoterapia e farmacoterapia é o tratamento mais eficaz para transtorno depressivo maior, alguns dados sugerem outra visão: tanto uma quanto a outra isoladas são eficientes, pelo menos em episódios depressivos maiores leves. Tem 3 tipos de psicoterapia de curto prazo – terapias cognitiva, interpessoal e do comportamento – foram estudados para determinar sua eficácia no tratamento do transtorno depressivo maior. A psicoterapia de orientação psicanalítica é o método principal. O que a diferencia dos 3 métodos de psicoterapia de curto prazo são os papéis ativo e diretivo do terapeuta, os objetivos diretamente reconhecíveis e os desfechos para a terapia de curto prazo. Terapia cognitiva. A terapia cognitiva, desenvolvida originalmente por Aaron Beck, focaliza as distorções cognitivas postuladas como presentes no transtorno depressivo maior. Essas distorções incluem atenção seletiva aos aspectos negativos das circunstâncias e inferências mórbidas não realistas sobre suas consequências. O objetivo da terapia cognitiva é aliviar os episódios depressivos e prevenir sua reincidência ajudando-o a identificar e testar as cognições negativas; desenvolver formas de pensar alternativas, flexíveis e positivas; e ensaiar novas respostas cognitivas e comportamentais. Terapia interpessoal - A terapia interpessoal, desenvolvida por Gerald Klerman, concentra-se em um ou dois dos problemas interpessoais atuais do paciente. Ela tem base em dois pressupostos. 1°, é provável que os problemas interpessoais atuais tenham suas raízes em relacionamentos disfuncionais precoces. 2°, esses problemas podem estar envolvidos na precipitação e na perpetuação dos sintomas depressivos atuais. Terapia comportamental - A terapia comportamental baseia-se na hipótese de que padrões comportamentais mal- Problemas mentais e do comportamento 12 Mírian Santos da Silva – 5° semestre adaptativos resultam de o indivíduo receber poucas respostas positivas e talvez rejeição direta da sociedade. Farmacoterapia Transtorno depressivo maior. A utilização da farmacoterapia específica quase duplica a chance de que um paciente deprimido se recupere em um mês. Todos os antidepressivos atualmente disponíveis podem levar até 3 a 4 semanas para exercer efeitos terapêuticos significativos, embora possam começar a apresentar seus efeitos mais cedo. A escolha dos antidepressivos é determinada pelo perfil de efeito colateral menos prejudicial a condição física, temperamento e estilo de vida de um determinado paciente. DIRETRIZES CLÍNICAS GERAIS - O erro clínico mais comum que leva a uma tentativa malsucedida de um medicamento antidepressivo é o uso de uma dosagem muito baixa por um tempo muito curto. A menos que eventos adversos impeçam, a dosagem de um antidepressivo deve ser elevada ao nível máximo recomendado e mantida nesse nível por pelo menos 4 ou 5 semanas antes que a tentativa seja considerada infrutífera. De modo alternativo, se um paciente estiver melhorando clinicamente com uma dosagem baixa do medicamento, essa dosagem não deve ser aumentada a menos que a melhora clínica pare antes de o benefício máximo ser obtido. DURAÇÃO E PROFILAXIA - O tratamento antidepressivo deve ser mantido por pelo menos 6 meses ou de acordo com a duração de um episódio anterior, o que for maior. O tratamento profilático com antidepressivos é eficaz para reduzir o número e a gravidade de reincidências. Outro fator que sugere tratamento profilático é a gravidade dos episódios depressivos anteriores. Episódios que envolveram ideação suicida significativa ou comprometimento do funcionamento psicossocial podem indicar a necessidade desse tratamento. Quando o tratamento antidepressivo é interrompido, a dose do medicamento deve ser diminuída gradualmente ao longo de 1 a 2 semanas, dependendo da meia-vida do composto em particular. SELEÇÃO DO MEDICAMENTO INICIAL - Os antidepressivos disponíveis não diferem na efiácia global, na velocidade de resposta ou na eficácia de longo prazo. Entretanto, diferem em sua farmacologia, nas interações medicamentosas, nos efeitos colaterais de curto e de longo prazos, na probabilidade de sintomas de descontinuação e na facilidade de ajuste da dose. Problemas mentais e do comportamento 13 Mírian Santos da Silva – 5° semestre A falha em tolerar ou responder a um medicamento não significa que outros medicamentos também irão falhar. A escolha do tratamento inicial depende da cronicidade da condição, do curso da doença, da história familiar de doença e resposta ao tratamento, da gravidade dos sintomas, das condições clínicas gerais ou outras condições psiquiátricas concomitantes e outros. Fases do tratamento do episódio depressivo: Fase aguda: remissão dos sintomas e melhora do funcionamento psicossocial; duração de seis a oito semanas. Fase de continuação: prevenção de recaídas e recuperação, com retorno ao funcionamento psicossocial prévio; duração de quatro a nove meses. Fase de manutenção: prevenção de recorrências (novos episódios) nos indivíduos com depressão recorrente; duração de pelo menos um a dois anos. Tricíclicos, Tetracíclicos e Inibidores da Monoaminoxidase Os ADTs agem pela inibição da recaptação nos transportadores de NA e serotonina. Esse efeito combinado é provavelmente mediado por metabólitos ativos dos ADTs, bem como por substâncias primárias. Entretanto, outros receptores também são antagonizados pelos ADTs, a saber: adrenérgicos, histaminérgicos, muscarínicos e dopaminérgicos. Eles produzem muitos dos efeitos colaterais indesejáveis. Os efeitos colaterais anticolinérgicos (boca seca, constipação), juntos com hipotensão, sonolência e arritmias cardíacas, tornam esses agentes os menos usados. Outros efeitos colaterais incluem confusão, retenção urinária e visão borrada em idosos, bem como apetite aumentado e ganho de peso. Algumas interações medicamentosas dos ADTs precisam ser levadas em consideração. Geralmente, elas resultam de metabolismo induzido ou prejudicado pelo sistema de citocromo microssomal P450 hepático. Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) - agem pela inibição da enzima pré-sináptica MAO. Isso produz um aumento nas concentrações sinápticas de todas as monoaminas. Outros Antidepressivos A bupropiona é um inibidor da recaptação de noradrenalina e dopamina (IRND). Ela também pode facilitar a liberação pré- sináptica dessas monoaminas. Esse fármaco pode poupar indivíduos deprimidos dos efeitos colaterais sexuais desencadeados por agentesserotonérgicos. Outrossim, ela parece apresentar uma tendência mais baixa de induzir ciclagem Problemas mentais e do comportamento 14 Mírian Santos da Silva – 5° semestre rápida ou mania se comparada a outros antidepressivos. A bupropiona também é aprovada para o tratamento de cessação do tabagismo. Os efeitos adversos incluem ansiedade, agitação, tontura e náusea. O risco de convulsões pode ser significativamente aumentado, e ela deve ser usada com cautela em indivíduos com quaisquer fatores predisponentes para tal condição. CAPS – Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nas suas diferentes modalidades são pontos de atenção estratégicos da RAPS: serviços de saúde de caráter aberto e comunitário constituídos por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. Os centros oferecem um atendimento interdisciplinar, composto por uma equipe multiprofissional que reúne médicos, assistentes sociais, psicólogos, psiquiatras, entre outros especialistas. Os CAPS foram implementados em vários municípios do País e consolidaram-se como dispositivos estratégicos para a superação do modelo asilar no contexto da reforma psiquiátrica, e para a criação de um novo lugar social para as pessoas com a experiência de sofrimento, decorrentes de transtornos mentais, incluindo aquelas com necessidades relacionadas ao uso de álcool e de outras drogas. O cuidado, no âmbito do CAPS, é desenvolvido por intermédio de Projeto Terapêutico Singular (PTS), envolvendo, em sua construção, a equipe, o usuário e sua família; a ordenação do cuidado estará sob a responsabilidade do CAPS e/ou da Atenção Básica, garantindo permanente processo de cogestão e acompanhamento longitudinal do caso. As práticas dos CAPS são realizadas em ambiente de “portas abertas”, acolhedor e inserido nos territórios das cidades, dos bairros. Os PTS, acompanhando o usuário, em sua história, cultura, projetos e vida cotidiana, ultrapassam, necessariamente, o espaço do próprio serviço, implicando as redes de suporte social e os saberes e recursos dos territórios. Todo paciente que comete suicídio representa uma tragédia tanto para o clínico, quanto os para os sobreviventes. Problemas mentais e do comportamento 15 Mírian Santos da Silva – 5° semestre O suicídio de pacientes é um risco ocupacional da prática psiquiátrica, acompanhado pelo aumento da exposição a processos por erro médico. A única forma de evitar pacientes com tentativas de suicídio ou pacientes suicidas é não atendendo. Estatísticas A taxa de suicídio é maior na população masculina, porém, a população feminina tenta o suicídio por mais vezes; Em média, um indivíduo se suicida a cada 16,6 minutos. Para os jovens, a média é de um indivíduo a cada 2 horas e 11 minutos. Os métodos de suicídio mais comuns são por armas de fogo (51,6%), sufocação/enforcamento (22,6%) e envenenamento (17,9%); A presença de armas na residência aumenta o risco de suicídio em pacientes psiquiátricos, assim como a compra recente de uma, sobretudo as de pequeno porte, para mulheres. Avaliação do risco de suicídio Avaliar a possibilidade de suicídio deve ser uma competência do clinico, mas principalmente do psiquiatra; O objetivo da avaliação de risco de suicídio é identificar aspectos de periculosidade modificáveis e tratáveis, assim como fatores de proteção que orientem o tratamento do paciente e as necessidades para manejo da segurança. Foram propostos vários métodos para avaliação de risco de suicídio. A despeito do método utilizado, uma avaliação de risco de suicídio deve estar além do necessário para atender os padrões de cuidado. A avaliação de risco de suicídio estimula o médico a coletar informações suficientes para realizar uma análise competente. O risco e os fatores de proteção são classificados como baixo, moderado ou alto, de acordo com a apresentação clínica do paciente. Então, é determinado um parecer geral do nível do risco de suicídio. A avaliação do risco de suicídio e dos fatores de proteção gera um mosaico individualizado de risco de suicídio global. O clínico avalia os fatores agudos (magnitude e a intensidade do sintoma) de alto risco, especialmente a resposta ao tratamento, durante o curso clínico do paciente. Problemas mentais e do comportamento 16 Mírian Santos da Silva – 5° semestre O método de avaliação do risco de suicídio apresentado na Tabela 43-2 é apenas uma das formas de conceitualizar a análise do risco de suicídio e não deve ser usado como formulário ou protocolo. Obviamente, os pacientes suicidas podem exibir fatores de risco escassos ou não identificados em um formulário ou protocolo. Nenhum formulário ou protocolo é capaz de incluir todos os fatores de risco. O uso de formulários isolados de avaliação de risco pode ocasionar um exame mecânico, incapaz de captar os riscos e os fatores de proteção exclusivos de cada paciente em risco de suicídio. As escalas padronizadas para previsão de risco de suicídio não identificam qual paciente tentará o suicídio ou levará tal situação a cabo, elas apenas complementam a avaliação sistemática do risco de suicídio. Malone e colaboradores, observaram que os instrumentos de rastreamento melhoram a avaliação clinica de rotina na documentação e detecção de comportamentos suicidas. A avaliação sistemática de risco de suicídio é um processo indutivo, com raciocínio a partir de dados específicos do paciente para a obtenção de um julgamento Problemas mentais e do comportamento 17 Mírian Santos da Silva – 5° semestre clínico que forneça informações para o tratamento e o manejo com segurança. Existe uma analogia entre a avaliação de risco de suicídio e a previsão do tempo de acordo com Monahan e Steadman. E aí eles falam que as avaliações de risco de suicídio são determinações “aqui e agora” feitas para o tratamento e o manejo; não são previsões. Além disso, não há fatores de risco de suicídio para suicídio “iminente”. Porém, a analogia é imperfeita. A previsão do tempo pode predizer o tempo com razoável precisão, porém não pode mudá- lo. Os psiquiatras não podem prever quem vai cometer suicídio, mas podem reduzir ou até mesmo eliminar a ameaça por meio de tratamento e manejo de segurança. Fatores de risco O suicídio é resultado da soma de vários determinantes, incluindo diagnóstico (psiquiátrico e médico) e fatores psicodinâmicos, genéticos, familiares, ocupacionais, ambientais, sociais, culturais e contextuais. Não há um fator de risco patognomônico. Um único fator de risco não tem poder estatístico sobre o qual seria possível basear uma avaliação de risco suicida. Os fatores de risco agudos para suicídio em geral são tratáveis, ou modificáveis, sendo eles: Os fatores de risco de curto prazo incluíram crises de pânico, ansiedade, perda de prazer e interesse, abuso moderado de álcool, estados mistos de humor, diminuição da concentração e insônia global (CASO DO PC, COMEÇA COM INSONIA). São sintomas tratáveis e modificáveis, na maioria dos casos, por exemplo, tratar ansiedade ou insônia graves em um paciente deprimido pode diminuir com rapidez o risco de suicídio. Os fatores de risco de longo prazo englobam ideação suicida, intenção suicida, desesperança grave e tentativasde suicídio anteriores (CASO DO PC). A transparência do diagnóstico é essencial na avaliação do risco de suicídio. Todos os transtornos mentais, exceto o retardo, estão associados a um risco de suicídio aumentado. Pacientes com transtornos psiquiátricos do eixo I, como esquizofrenia, transtornos de ansiedade, transtornos do humor maiores e transtornos por uso de substâncias (especialmente álcool), com Problemas mentais e do comportamento 18 Mírian Santos da Silva – 5° semestre frequência apresentam fatores de risco agudo (estado) para suicídio. Pacientes com transtornos do eixo II com frequência apresentam fatores de risco crônicos (traço) para suicídio. A exacerbação de um transtorno da personalidade ou uma comorbidade com uma patologia do eixo I (incluindo abuso de substâncias) pode transformar um fator de risco crônico para suicídio em um fator agudo. Transtornos da personalidade associados a sintomas depressivos e transtornos de abuso de substâncias foram muito representativos em indivíduos que completaram o suicídio. Os transtornos da personalidade do grupo B, especialmente o borderline e o antissocial, aumentam o risco de suicídio. Em pacientes borderline, a impulsividade foi associada a várias tentativas de suicídio após controle para abuso de substâncias e diagnóstico de transtorno depressivo durante a vida. A ideação do suicídio é um fator de risco considerável, que deve ser diferenciado da intenção de suicídio. A ideação suicida pode ser passiva, transitória, intermitente, ativa, intensa, com ou sem a intenção de morrer. A intenção suicida, por sua vez, é a expectativa e o desejo subjetivos de morrer por meio de um ato autodestrutivo. Por exemplo, uma pessoa que toma 10 aspirinas por acreditar erroneamente que isso vai matá-lo tem a intenção de cometer o suicídio, apesar de o método não ser fatal. Um indivíduo que acidentalmente morre enforcado, devido à asfixia autoerótica, não tem a intenção de morrer. Cerca de 25% dos pacientes em risco de suicídio não admitem a ideação suicida para o médico, mas a relatam aos familiares, por isso a importância de conhecer a família do paciente. Quando o Problemas mentais e do comportamento 19 Mírian Santos da Silva – 5° semestre paciente permite falar com os familiares, o psiquiatra pode ouvi-los sem violar o sigilo. A história familiar de doença mental, especialmente de suicídio, é um fator de risco substancial, porque filhos de pacientes com transtornos do humor que tentam suicídio exibem chance bastante aumentada de suicídio. A transmissão genética e familiar do risco de suicídio independe da transmissão das doenças psiquiátricas. Mann e colaboradores propuseram um modelo estresse-diátese para comportamento suicida. Para que o suicídio ocorra, deve haver um gatilho (estresse), normalmente um transtorno psiquiátrico, e uma vulnerabilidade preexistente a comportamentos suicidas (diátese). Fatores de proteção Uma avaliação de risco competente examina tanto os fatores de risco quanto os de proteção. O Reasons for Living Inventory, é um formulário para autorrelato, que quantifica crenças que podem agir como fatores de proteção contra o suicídio. Tais fatores incluem habilidades de sobrevivência e enfrentamento, responsabilidade com a família, preocupações com os filhos, medo de suicídio, receio de desaprovação social e valores morais/religiosos. Outros fatores de proteção envolvem a disponibilidade e o acesso comunitário a cuidado clínico efetivo para transtornos orgânicos, mentais e de abuso de substâncias; adesão aos tratamentos recomendados; apoio da família e comunidade; valores culturais pró-vida que desencorajam o suicídio; habilidades para solução de problemas e dissolução não violenta de conflitos; crianças em casa; e gestação. O inventário pode ser usado para monitorar pacientes em alto risco crônico de suicídio e avaliar a efetividade do tratamento. Dervic e colaboradores (2004) observaram que a afiliação religiosa estava associada a menos risco de suicídio em indivíduos deprimidos. Contudo, pacientes em depressão grave podem ter raiva de Deus e sentirem-se abandonados por Ele ou acreditar que “Deus vai entender”, aumentando o risco de suicídio. O estabelecimento da aliança terapêutica é um fator e proteção significativo contra o suicídio. A aliança terapêutica é influenciada por vários outros fatores, especialmente a gravidade e a natureza do transtorno mental do paciente. Todavia, ela pode mudar de uma sessão para a outra; portanto, não se pode presumir que a aliança terapêutica permanecerá um fator de proteção entre as Problemas mentais e do comportamento 20 Mírian Santos da Silva – 5° semestre sessões. A ausência de uma aliança terapêutica com o paciente com risco de suicídio é um fator de risco significativo. Os fatores de proteção, assim como os de risco, variam de acordo com a apresentação clínica de cada paciente com o risco de suicídio. A identificação e a ordenação dos fatores de proteção são aspectos imprescindíveis do plano de alta do paciente. É possível identificar padrões de suicídio pela obtenção de uma história detalhada das crises ou tentativas de suicídio anteriores do paciente. A compreensão das respostas psicodinâmicas do paciente a estressores passados e presentes também é fundamental. Uma tentativa de suicídio, especialmente se for recente, pode ser um ensaio para o suicídio completo. População em risco Crianças e adolescentes Os fatores de risco para o suicídio de adolescentes incluem tentativas anteriores, transtorno do humor, abuso de substâncias, morar sozinho, sexo masculino, idade igual ou superior a 16 anos e história de abuso físico ou sexual. Experiências adversas na infância, como abuso físico, emocional e sexual, estão associadas a maior risco de tentativa de suicídio durante a vida. Idosos Em adultos acima dos 65 anos, os fatores de risco para suicídio no fim da vida incluem depressão, doenças físicas, incapacidade funcional, traços de personalidade neurótica, isolamento social e perda de relacionamentos significativos. O índice de suicídio para homens acima dos 85 anos aumenta substancialmente. Dentre os adultos de idade mais avançada que haviam cometido suicídio, 41% tinham consultado com seu médico do atendimento primário até 28 dias antes do ato. Minorias Sexuais Nenhum estudo avaliou os índices de suicídio completo entre gays, lésbicas e bissexuais. Pesquisas recentes observam de forma consistente que os jovens homossexuais e bissexuais têm maior chance de tentativa de suicídio do que os grupos comparativos heterossexuais. O risco de suicídio pode ser maior em indivíduos que vivenciam altos índices de estresse resultantes de experiências de homofobia, assédio e revelação da orientação sexual para familiares e amigos, bem como outras dificuldades. População carcerária O uso e a dependência de substâncias são altamente prevalentes na população carcerária. A taxa de suicídio em prisões Problemas mentais e do comportamento 21 Mírian Santos da Silva – 5° semestre (prisões rurais e urbanas e cadeias na delegacia de polícia) é alta em comparação àquele entre prisioneiros do sistema penitenciário. O perfil da vítima de suicídio é jovem, branco, solteiro, sem história carcerária, cometimento do primeiro crime (não violento) sob intoxicação, história de abuso de substâncias, em isolamento, método de enforcamento com os lençóis e morte em 24 horas após a prisão. Tratamento O tratamento do paciente com riscode suicídio exige comprometimento total de tempo e esforço do médico. Uma autoavaliação realista auxilia o clínico a decidir se pode ou não se envolver a tal ponto. O tratamento dos pacientes em risco de suicídio pode ser emocionalmente desgastante e ameaçador em termos profissionais. Alguns clínicos recusam-se a atender pacientes suicidas, quando possível. Reações de contratransferência podem ocorrer durante o tratamento desses pacientes; elas precisam ser identificadas e manejadas de forma construtiva para não interferir no manejo terapêutico. Raiva, desespero, frustração, desesperança, ódio e ameaça à competência são alguns dos sentimentos experienciados pelos médicos. Agir como salvador e tentar recriar a figura do pai são armadilhas da contratransferência. Os médicos devem ser capazes de manejar as inevitáveis ansiedades e vicissitudes que surgem no tratamento dos pacientes suicidas. Psicoterapias As psicoterapias são recursos essenciais no tratamento e manejo dos pacientes em risco de suicídio. As pesquisas baseadas em evidência identificaram as psicoterapias que reduzem os riscos de tentativas de suicídio ou de suicídios completos em pacientes psiquiátricos. Linehan e colaboradores (2006) demonstraram, em um ECR de dois anos, que a terapia comportamental dialética (TCD) apresentou efetividade única na redução das tentativas de suicídio. Comparada à terapia por especialistas em comportamentos suicidas e transtornos da personalidade borderline, a TCD apresentou melhores desfechos durante o período de tratamento e seguimento de 2 anos. Intervenções Somáticas O lítio diminui significativamente o risco de suicídio em pacientes com transtorno bipolar. O risco de tentativas de suicídio em pacientes bipolares sob tratamento com lítio é mais de oito vezes menor do que nos indivíduos sem o uso do medicamento. Problemas mentais e do comportamento 22 Mírian Santos da Silva – 5° semestre Em alguns pacientes com resposta positiva, os medicamentos antidepressivos podem fornecer ganho terapêutico considerável dentro de várias semanas. A maioria dos pacientes com resposta positiva precisa de 8 a 12 semanas para o efeito máximo após o início do tratamento com antidepressivos. Informar aos pacientes que o antidepressivo requer tempo para demonstrar efeito e que os sintomas depressivos costumam apresentar oscilação de intensidade durante o processo de melhora ajuda a combater a desesperança. A ideação, a intenção e o planejamento do suicídio em determinados indivíduos com transtornos do humor são indicações para eletroconvulsoterapia (ECT), especialmente quando os tratamentos alternativos não são adequados ou não apresentaram benefícios. A ECT deve ser o tratamento de escolha quando são necessários resultados rápidos para o paciente sob alto risco de suicídio e cuja vida está em perigo na demora da intervenção. A FDA alerta os fabricantes de antidepressivos para que emitam avisos na bula sobre o monitoramento de pacientes adultos e pediátricos para emergência de ideação suicida e piora da depressão. Anteriores ao agravamento da depressão e à depressão suicida estão os sintomas de síndrome de atividade, como ansiedade, agitação, crises de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, impulsividade, acatisia, hipomania e mania. Os psiquiatras devem registrar o raciocínio, incluindo avaliações de risco-benefício, para prescrever um medicamento antidepressivo para crianças ou adolescentes. O foco clínico do psiquiatra deve ser obrigatoriamente o tratamento da condição atual do paciente. A intervenção do episódio vigente da doença psiquiátrica tem com frequência resultados positivos em relação à diminuição ou à eliminação do risco agudo de suicídio. Tratamento Colaborativo ou Compartilhado A avaliação e o manejo de pacientes em risco de suicídio são um desafio à parte para os arranjos de tratamento compartilhado. A duração da internação é breve para a maioria dos pacientes psiquiátricos. Os indivíduos encaminhados para hospitalização parcial recebem alta rapidamente, sendo enviados para tratamento compartilhado em contexto ambulatorial. O manejo medicamentoso de pacientes sob risco de suicídio em tratamento compartilhado exige monitoramento Problemas mentais e do comportamento 23 Mírian Santos da Silva – 5° semestre cuidadoso. Os psiquiatras têm o dever de cuidar de seus pacientes enquanto durar a prescrição do medicamento. Os pacientes em risco de suicídio normalmente possuem mais de um diagnóstico psiquiátrico e costumam estar sob tratamento com vários medicamentos. Quando há mais de um profissional atuando no tratamento, a comunicação entre eles é essencial de acordo com as necessidades clínicas do paciente. O monitoramento cuidadoso dos pacientes sob risco de suicídio em tratamento com quantidades potencialmente fatais de medicamento é a prática psiquiátrica- padrão. Manejo de segurança No manejo de segurança dos pacientes suicidas, a tensão entre a oferta de segurança e a liberdade de movimento gera incertezas. A avaliação sistemática de risco de suicídio fornece informações sobre o manejo de segurança dos pacientes sob tal risco. Os indivíduos determinados a cometer suicídio sempre encontram uma forma de fazê-lo. Mentiras e falta de cooperação por parte dos pacientes complicam as avaliações de segurança. É necessário manejo de segurança em relação a armas. O psiquiatra normalmente solicita que um responsável da família remova as armas e munições da casa; contudo, o paciente suicida também pode ter armas no carro, no escritório ou em outros locais. Pacientes ambulatoriais A capacidade de controlar pacientes ambulatoriais em risco de suicídio, incluindo os que participam de programas de internação parcial, é restrita. Em contexto ambulatorial, a segurança do paciente normalmente é administrada por meio de intervenções clínicas como aumento na frequência das visitas, fortalecimento da aliança terapêutica, fornecimento ou ajuste de medicamentos e envolvimento da família ou de outros indivíduos no tratamento, se o paciente permitir. A internação voluntária, ou involuntária, se necessária, continua uma opção para pacientes suicidas em alto risco que não podem mais ser tratados de maneira segura em caráter ambulatorial. Pacientes internados Com um paciente em risco de suicídio, as precauções-padrão de segurança devem ser observadas, como a remoção de cadarços dos sapatos, cintos, objetos pontiagudos ou de vidro e até mesmo fronhas de travesseiro que possam ser usadas para sufocação, assim como outros instrumentos potencialmente letais. Problemas mentais e do comportamento 24 Mírian Santos da Silva – 5° semestre A tensão entre a promoção da liberdade individual e a prevenção da autolesão induz uma incerteza inerente no manejo de segurança dos pacientes suicidas. Contratos de Prevenção de Suicídio Um contrato de prevenção de suicídio é um acordo clínico, não jurídico. É um entendimento mútuo entre clínico e paciente quanto à colaboração para a prevenção do suicídio. O quão digno de confiança é o acordo depende de muitas variáveis. O contrato estabelece que o paciente está em risco de suicídio, porém não determina que tal risco tenha sido avaliado. As medidas de prevenção de suicídio funcionam melhor quando há aliança terapêutica entre o psiquiatra e o paciente. Essa aliança é uma interação dinâmica e mutável influenciada pelo curso da doença e por outros fatores, como a situação em determinado momento. Após o Suicídio Após o suicídio, o clínico passa portensões conflitantes entre a manutenção do sigilo do paciente, a oferta de apoio aos sobreviventes e a implementação de princípios de manejo de riscos que limitem sua exposição a processos. Os indivíduos que viviam com o paciente antes do suicídio não só experienciam intensa dor emocional, mas também o sofrimento compartilhado com o paciente antes de sua morte. Alguns processos são abertos devido à recusa do clínico de expressar de alguma forma sentimentos de condolência, simpatia e desapontamento pela morte do paciente. O cuidado após o suicídio é semelhante a qualquer outra terapia ou consulta relacionada ao luto.
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