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1 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 Síndromes depressivas • Problema de saúde pública. A depressão costuma ser crônica e recorrente, o que a torna a 3ª doença mais onerosa para a sociedade (causa mais prejuízo do que angina, asma, artrite, diabetes) e, a estimativa é que em 2030 será a 1ª causa de incapacidade. • As síndromes depressivas têm como elementos mais salientes o humor triste (tristeza intensa) e o desânimo (apatia). Entretanto, a depressão não é constituída apenas por esse sintoma, mas pela a persistência/duração dessas emoções, com abrangência das repercussões para diversas áreas da vida do indivíduo interferindo no seu funcionamento fisiológico, psicológico e funcional a partir de uma resposta desproporcional ao fator desencadeante. • Caracterizam-se por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos e cognitivos, relativos à autovaloração, à vontade e à psicomotricidade. • Em formas graves de depressão, podem estar presentes: sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações), marcante alteração psicomotora (geralmente lentificação ou estupor) e fenômenos biológicos (neuronais ou neuroendócrinos) associados. • A síndrome depressiva é encontrada no transtorno depressivo maior, no transtorno bipolar e no transtorno esquizoafetivo. Ela também pode ser causada por diversas condições médicas gerais, como hipotireoidismo, carcinoma de pâncreas, infecção pelo vírus influenza etc.; e por várias substâncias, como anti-hipertensivos, neurolépticos, cinarizina (medicamento para o tratamento de labirintite). • É importante causa de morbidade, pois costuma estar presente em conjunto com outras doenças clínicas (DPOC, câncer, enxaqueca, problemas de coluna.) e, em pacientes com doenças crônicas, está associada ao aumento de sintomas físicos, prejuízo na funcionalidade e má adesão ao tratamento. • Os indivíduos com transtornos depressivos têm maiores riscos de apresentar outros transtornos comórbidos como: abuso/dependência alcoólica, transtorno do pânico, transtorno obsessivo- compulsivo e transtorno de ansiedade. • Quanto à prevalência por sexo, fala-se de uma prevalência de depressão de 2 a 4 vezes maior em mulheres. • O acometimento em faixa etária possui pico bimodal: sendo maior entre 15-30 anos e depois entre 45-60 anos. Fisiopatologia ❖ Possui origem multifatorial abrangendo fatores biológicos, genéticos e psicossociais. ❖ A hipótese mais aceita no que diz respeito ao aspecto biológico é a dos neurotransmissores monoaminérgicos, sobretudo, serotonina e noraepinefrina (aminas biogênicas), que estariam em queda pela alteração nos receptores β2 pré- sinápticos. ❖ CURIOSIDADE: Estudos demonstram que a depleção de serotonina é mais pronunciada em pacientes com impulsos suicidas. Desencadeantes das síndromes depressivas • Fatores biológicos, genéticos e neuroquímicos têm importante peso nos diversos quadros depressivos. • Do ponto de vista psicológico, as síndromes depressivas têm uma relação fundamental com as experiências de perdas significativas: de pessoa muito querida, relações familiares, emprego, moradia, status socioeconômico, ou de algo puramente simbólico. • No aspecto genético, dados familiares indicam que se um dos genitores possui um transtorno de humor um dos filhos tem entre 10-25% de risco de também apresentar, já se ambos os genitores possuírem o risco praticamente duplica para o filho. • O risco é maior entre parentes de primeiro grau e aumenta quanto mais membros da família forem afetados. Depressão 2 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 • É importante também estar atento a condições hormonais como a gravidez/ puerpério em que quadros de depressão podem ocorrer. FATORES DE RISCO PARA TRANSTORNOS DEPRESSIVOS ❖ História pessoal ou familiar de depressão; ❖ Presença de doenças crônicas; ❖ Gravidez/puerpério; ❖ Luto, violência; ❖ Condições socioeconômicas; ❖ Outros transtornos psiquiátricos; ❖ Fadiga e insônia; ❖ Condições estressantes na família ou trabalho. Classificação • Os episódios depressivos são classificados, pela CID-10, em leve, moderado ou grave, de acordo com o número, a intensidade e a importância clínica dos sintomas. CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE DO QUADRO DEPRESSIVO ❖ Leve: Sofrimento importante, mas sem repercussão pro funcionamento do indivíduo; ❖ Moderado: Comprometimento das funções e incapacidade parcial. ❖ Grave: Incapacidade mais acentuada. Subtipos de síndromes e transtornos depressivos • Os transtornos depressivos incluem transtorno disruptivo da desregulação do humor, transtorno depressivo maior (incluindo episódio depressivo maior), transtorno depressivo persistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo induzido por substância/medicamento, transtorno depressivo devido a outra condição médica, outro transtorno depressivo especificado e transtorno depressivo não especificado. • Os subtipos de síndromes e transtornos depressivos mais utilizados na prática clínica são: EPISÓDIO OU FASE DEPRESSIVA E TRANSTORNO DEPRESSIVO RECORRENTE. ❖ Evidentes sintomas depressivos devem estar presentes por pelo menos duas semanas, e não mais que por dois anos de forma ininterrupta. ❖ Os episódios duram geralmente entre 3 e 12 meses (com mediana de seis meses). ❖ Quando o paciente apresenta, ao longo de sua vida, mais de um episódio depressivo, que nunca foram intercalados por episódios maníacos ou hipomaníacos, faz-se estão o diagnóstico de transtorno depressivo recorrente. TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR ❖ Representa a condição clássica desse grupo de transtornos. ❖ Caracteriza-se por episódios distintos de pelo menos duas semanas de duração envolvendo alterações nítidas no afeto, na cognição e em funções neurovegetativas, e remissões interepisódicas. DISTIMIA OU TRANSTORNO DEPRESSIVO PERSISTENTE ❖ Trata-se de uma depressão crônica, geralmente de intensidade leve, muito duradoura. ❖ Começa no início da vida adulta e persiste por vários anos. A característica comum desses transtornos é a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são os aspectos de duração, momento ou etiologia presumida. 3 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 ❖ Os sintomas depressivos mais comuns são diminuição da autoestima, fatigabilidade aumentada, dificuldade em tomar decisões ou se concentrar, mau humor crônico, irritabilidade e sentimento de desesperança. ❖ Os sintomas devem estar presentes de forma ininterrupta por, pelo menos, dois anos. DEPRESSÃO ATÍPICA ❖ Subtipo de depressão que pode ocorrer em episódios depressivos de intensidade leve a grave, em transtorno unipolar ou bipolar. ❖ Além dos sintomas depressivos gerais, ocorrem: Aumento do apetite (principalmente para doces, chocolate) e/ou ganho de peso; Hipersomnia (>10h/dia ou duas horas a mais que quando não- deprimido); Sensação do corpo muito pesado (paralisia plúmbea ou inerte); Sensibilidade exacerbada a “indicativos” de rejeição; Reatividade do humor aumentada (melhora rapidamente com eventos positivos e também piora rapidamente com eventos negativos); Fobias e aspecto histriônico (afetação, teatralidade, sugestionabilidade) associados. DEPRESSÃO TIPO MELANCÓLICA OU ENDÓGENA ❖ Tipo de depressão de natureza mais neurobiológica, com sintomas classicamente endógenos, mas independente de fatores psicológicos. ❖ Sintomas típicos: Lentificação psicomotora, demora em responder às perguntas; Perda do apetite e de peso corporal; Alterações do sono, sobretudo se apresentar insônia terminal (indivíduo acorda de madrugadae não consegue mais dormir); Anedonia (incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida); Depressão pior pela manhã, melhorando ao longo do dia; Hiporreatividade geral; Tristeza vital “sentida no corpo” (qualitativamente diferente da tristeza normal); Diminuição da latência do sono REM (inversão da arquitetura do sono); Ideação de culpa. DEPRESSÃO PSICÓTICA ❖ Depressão grave, na qual ocorrem, associados aos sintomas depressivos, um ou mais sintomas psicóticos, como delírio de ruína ou culpa, delírio hipocondríaco ou de negação de órgãos ou alucinações com conteúdos depressivos. ❖ Se os sintomas psicóticos são de conteúdo negativo, depressivo, são classificados como sintomas psicóticos humor-congruentes (de culpa, doença, morte, punição, etc.). ❖ Caso os sintomas psicóticos não sejam de conteúdo negativo, são denominados sintomas psicóticos humor-incongruentes (delírio de perseguição, de inserção de pensamentos, auto-referentes, etc.). ESTUPOR DEPRESSIVO ❖ Estado depressivo grave, no qual o paciente permanece dias na cama ou sentado, em estado de catalepsia (imóvel; em geral rígido), com negativismo que se exprime pela ausência de respostas às solicitações ambientais, geralmente em estado de mutismo, recusando alimentação, muitas vezes urinando e defecando no leito. ❖ O paciente pode, nesse estado, desidratar e vir a falecer por complicações clínicas (pneumonia, insuficiência pré-renal, desequilíbrios hidroeletrolíticos). DEPRESSÃO AGITADA OU ANSIOSA ❖ É a depressão com forte componente de ansiedade e inquietação psicomotora. ❖ O paciente queixa-se de angústia intensa associada aos sintomas depressivos; não para quieto; insone; irritado; anda de um lado para outro; desespera-se. ❖ Aqui, nos casos graves, há sério risco de suicídio. DEPRESSÃO SECUNDÁRIA OU ORGÂNICA ❖ Síndrome depressiva causada ou fortemente associada a uma doença ou um quadro clínico somático, seja ele primariamente cerebral ou sistêmico. ❖ Síndromes e doenças como hipo ou hipertireoidismo, hipo ou hiperparatireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Parkinson e acidentes vasculares cerebrais (AVCs) apresentam, com significativa frequência, quadro depressivo que faz parte da própria condição patológica. ❖ No caso dos AVCs, ocorre depressão após o episódio agudo, sendo que, de modo geral, AVCs no hemisfério esquerdo e mais próximos do pólo frontal desencadeiam mais frequentemente depressões secundárias. 4 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 Manifestações clínicas Os sintomas depressivos costumam comprometer a qualidade de vida da pessoa, levando a incapacitação funcional e comprometimento da saúde física. Sintomas afetivas • Tristeza intensa, sentimento de melancolia; • Choro fácil e/ou frequente; • Apatia (indiferença afetiva; Tanto faz); • Sentimento de falta de sentimento (“É terrível: não consigo sentir mais nada!”); • Sentimento de tédio, de aborrecimento crônico; • Irritabilidade aumentada (a ruídos, pessoas, vozes); • Angústia ou ansiedade; desespero; desesperança. Sintomas de alteração instintiva e neurovegetativa • Anedonia (incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida); • Fadiga, cansaço fácil e constante (corpo pesado); • Desânimo, diminuição da vontade (hipobulia; “Não tenho pique para mais nada.”); • Insônia ou hipersomnia; • Perda ou aumento do apetite; • Constipação, palidez, pele fria com diminuição do turgor; • Diminuição da libido (do desejo sexual); • Diminuição da resposta sexual (disfunção erétil, orgasmo retardado ou anorgasmia). Alterações ideativas • Ideação negativa, pessimismo em relação a tudo; • Ideias de arrependimento e de culpa; • Ruminações com mágoas antigas; • Visão de mundo marcada pelo tédio (“A vida é vazia, sem sentido; nada vale a pena.”); • Ideias de morte, desejo de desaparecer, dormir para sempre; • Ideação, planos ou atos suicidas. Alterações cognitivas • Déficit de atenção e concentração; • Déficit secundário de memória; • Dificuldade de tomar decisões; • Pseudodemência depressiva. Alterações da autoavaliação • Sentimento de autoestima diminuída; • Sentimento de insuficiência, de incapacidade; • Sentimento de vergonha e autodepreciação. Alterações da volição e da psicomotricidade • Tendência a permanecer na cama por todo o dia (com o quarto escuro, recusando visitas, etc.); • Aumento na latência entre as perguntas e as respostas; • Lentificação psicomotora até o estupor; • Estupor hipertônico ou hipotônico; • Diminuição da fala, redução da voz, fala muito lenta; • Mutismo (negativismo verbal); • Negativismo (recusa à alimentação/interação). Sintomas psicóticos • Ideias delirantes de conteúdo negativo: ❖ Delírio de ruína ou miséria; ❖ Delírio de culpa; ❖ Delírio hipocondríaco e/ou de negação dos órgãos; ❖ Delírio de inexistência (de si e/ ou do mundo). • Alucinações, geralmente auditivas, com conteúdos depressivos. • Ilusões auditivas ou visuais. • Ideação paranóide e outros sintomas psicóticos humor-incongruentes. Marcadores biológicos (não específicos) • Inversão cronobiológica (p. ex., da arquitetura do sono, com diminuição da latência para o primeiro ciclo de sono REM). • Ausência de resposta ao teste de supressão do cortisol pela dexametasona. • Em depressões graves: SPECT, PET hipofrontalidade. • Em depressões graves: ventrículos e sulcos alargados, redução do volume do hipocampo. • Em adultos maduros ou idosos: sinais de alterações vasculares. Obs. Os 6 ¨AS¨da depressão: Anedonia, apatia, ansiedade, avolição, alteração do apetite, alteração do peso. 5 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 Critérios diagnósticos • Critérios diagnósticos para os transtornos depressivos segundo o DSM-IV-TR, pelo menos cinco critérios por duas semanas, com prejuízo no funcionamento psicossocial ou sofrimento significativo. Pelo menos um dos sintomas é humor deprimido ou perda do interesse ou prazer (anedonia). CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO Abordagem ao paciente depressivo • Ao se deparar com uma pessoa com tristeza intensa, perturbações depressivas ou outro tipo de sofrimento, o primeiro passo deve ser fazer uma boa escuta e permitir que a pessoa relate aquilo que está lhe afligindo. • É possível também realizar um breve teste de rastreio, com sensibilidade 96-97% e especificidade 57-67% o que o torna bom para triagem, questionando se: ❖ Durante o último mês você se sentiu incomodado por estar ‘’pra baixo’’, deprimido ou sem esperança? ❖ Durante o último mês você se sentiu incomodado por ter pouco interesse ou prazer pra fazer as coisas? • É fundamental que logo no primeiro momento o médico da Atenção Primária em Saúde (APS) faça a distinção entre os pacientes com quadro leve/moderado/grave. • A OMS defende que os cuidados com a saúde mental devem ser iniciados na APS, tratando o mais rápido possível e próximo da casa/comunidade do paciente. • SEMIOTÉCNICA DE EPISÓDIOS DEPRESSIVOS NO PASSADO • Você teve períodos em que se sentiu muito triste ou desanimado (claramente diferente do habitual)? Nesses períodos, não achava graça em nada, perdeu o interesse ou o prazer pelas coisas? Percebeu que o apetite diminuiu ou aumentou? Emagreceu ou engordou? Sentia-se também irritado ou nervoso? Tinha insônia ou dormia demais/ Sentia-se mais cansado que o habitual? Perdeu o ¨pique? Tinha dificuldade para trabalhar ou estudar? Sentia dificuldade para se concentrar ou tomar decisões? Tinha ideias negativas, como pensar em morrer? Sentia-se culpado ou arrependido? • Em caso positivo: Quando foi que isso aconteceu pela primeira vez? Ocorreu mais de uma vez? Quanto tempo duravam esses períodos? Quando foi o último período? O que o ajudou a melhorar? O que o fazia piorar? Abordagem terapêutica• É bastante diversa com orientações que passam por mudanças no estilo de vida/prática de exercícios, terapia cognitivo-comportamental (TCC), terapia de resolução de problemas (TRP) com o médico de família. • Tratamento medicamentoso: Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), inibidores seletivos da recaptação de serotonina e noradrenalina (ISRSN) ou antidepressivos tricíclicos (ADTC). • O objetivo do tratamento é a remissão total da depressão, pois estudos já evidenciaram que a presença de sintomas “residuais” está associada a Pelo menos 5 critérios por duas semanas Humor deprimido; Desânimo, perda de interesse; Apetite; Sono; Anedonia; Fadiga, perda de energia; Pessimismo; Baixa autoestima; Concentração prejudicada; Pensamentos de morte ou suicídio; Retardo/agitação psicomotora. 6 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 pior prognóstico a longo prazo, piora da qualidade de vida e aumento do risco de suicídio. • A redução dos sintomas nos primeiros 6 meses chega a 50% com permanência da queda ao longo dos meses. ❖ Fase aguda do tratamento: Abrange 2-3 primeiros meses de sintomas; Já aqui é possível reduzir os sintomas depressivos ou até mesmo eliminá-los completamente. ❖ Fase continuada do tratamento: 4-6 meses de sintomas; O objetivo visa manter a melhora obtida na fase anterior e evitar recaídas. ❖ Fase de manutenção: Consiste em evitar novas crises e é recomendada nos pacientes em que se prevê uma probabilidade de recaídas. • O tratamento leva em consideração a classificação de gravidade do quadro: ❖ Quadro leve: Pode ser manejado a partir de medidas não farmacológicas como prática de exercício físico, o qual já tem se mostrado efetivo para o tratamento da depressão em adultos, mas também podem ser oferecidas outras medidas, tais como: psicoterapia, psicoeducação, uso de práticas integrativas e complementares, etc. ❖ Quadro moderado/grave: além das medidas não farmacológicas, deve ser inserido o tratamento farmacológico sendo a 1º escolha os ISRS (sertralina, fluoxetina, citalopram). • OBS. Como a diferença na efetividade dos antidepressivos é pequena, a escolha pode ser direcionada pelas necessidades da pessoa, disponibilidade e preço do remédio, ponderando se o paciente já fez uso prévio de algumas das classes e como foi a resposta e informando os efeitos colaterais de cada uma delas. • Os ISRS e ISRSN (venlafaxina, duloxetina, milnaciprano) costumam causar reações adversas em cerca de 63% dos pacientes, tais como: náuseas, diarreia, tontura, boca seca, disfunção sexual, cefaleia e ganho de peso. • Já os ADTC (amitriptilina, clomipramina, nortriptilina) têm como efeitos colaterais a presença de efeitos colinérgicos (boca seca, visão turva, constipação, retenção urinária), maior sedação, hipotensão postural e ganho de peso. Erros ao lidar com a depressão e quando referenciar • Rotular de depressão sem explorar o verdadeiro contexto; • Manter/renovar prescrições de medicamentos sem reavaliar o paciente; • Não aprofundar no sofrimento de pacientes que se apresentam com dores crônicas inespecíficas e mal-estar; • Evitar oferecer terapia medicamentosa como opção de tratamento ou prescrever dose inadequada/insuficiente; • Não conversar sobre suicídio ou não pedir ajuda da equipe multiprofissional. INDICAÇÃO PARA REFERENCIAR ❖ Na presença daqueles alertas vermelhos; (isolamento social, prostração intensa, grande perda de peso, sintomas psicóticos, tentativa de suicídio ou plano elaborado), a equipe de saúde mental deve ser prontamente acionada, assim como em situações de dúvida diagnóstica ou presença de sintomas psicóticos. ❖ Em caso de risco de suicídio, o paciente deve ser encaminhado para um serviço de urgência. Depressão e hipotireoidismo • O hipotireoidismo (disfunção no eixo hipotálamo- hipófise-tireoide que altera a síntese e a secreção de T4 e T3), pode manifestar-se com alterações psicocognitivas, como déficit cognitivo, depressão e, quando severo, melancolia e demência. Logo, os pacientes com distúrbios da glândula tireoide podem apresentar desde alterações do humor até distúrbios da cognição. • A depressão é frequente em disfunções tireoidianas, surgindo como primeira manifestação da doença em pacientes sintomáticos, com prevalência de 50%. • Vale ressaltar que a via tireoidianapsíquica é bidirecional, portanto, tanto alterações tireoidianas podem provocar sintomas depressivos ou exacerbar uma patologia psiquiátrica prévia, quanto a depressão pode promover distúrbios tireoidianos, sendo este segundo caso menos frequente. 7 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 • Um estudo observou a presença de disfunção tireoidiana entre os depressivos, o que é mais frequentemente caracterizado como "Síndrome da Tireoide Baixa", supondo que haja uma forte evidência que a etiologia e os resultados do tratamento da depressão podem estar relacionados com o estado da tireoide. • Ainda que não seja claro o papel desempenhado pelos hormônios tireoidianos na fisiopatologia dos transtornos mentais, tem sido sugerido que pequenas mudanças nos níveis de hormônio da tireoide, mesmo dentro da faixa normal, podem estar relacionadas à alteração da função cerebral na depressão. • Atualmente, existem 2 hipóteses explicativas: ❖ Déficit de serotonina no sistema nervoso central; ❖ Déficit de noradrenalina no sistema nervoso central. • Sabe-se que o hipotireoidismo tem uma ação depressora sobre as vias serotonérgica e noradrenérgica. • Na depressão há um aumento de T4 que pode ser explicado pela hipercortisolemia. • O cortisol estimularia o hipotálamo a produzir o hormônio estimulador de tireotropina (TRH) e, com isso, haveria um estímulo da função tireoidiana. • A hipercortisolemia deve-se a um defeito no funcionamento do hipocampo, o que leva a um efeito inibidor do eixo hipotálamo-hipófise. • Por isso, em alguns casos de depressão, uma desconexão funcional entre o hipotálamo e outras áreas do cérebro removeria a influência inibitória do hipocampo que iria favorecer a hipercortisolemia levando a um aumento do T4. • Assim, sugere-se que a inclusão de um teste de triagem da tireoide entre os pacientes depressivos pode ser útil para o manejo adequado dos casos. • Em doentes hipotireoideos, evento depressivo precipitado (depressão secundária ao hipotireoidismo), a sintomatologia psiquiátrica é abolida após a reversão para o estado eutireoideo. • Essas manifestações serão revertidas a partir da administração da levotiroxina quando o paciente atingir a estabilidade de seu quadro clínico. • Por outro lado, pacientes com depressão primária necessitam de tratamento com antidepressivos a fim da estabilização do quadro psiquiátrico com consequente abolição da disfunção tireoidiana. • Entretanto, o tratamento com antidepressivos pode alterar a fisiologia da tireoide. Assim, é necessário monitorar sua função antes, durante e após a realização desse tratamento • Em casos refratários, indica-se, com efeito potencializador, a administração associada de antidepressivos e de levotiroxina. Suicídio • Ato deliberado executado pelo próprio indivíduo cuja intenção seja a morte, de forma consciente e intencional, usando um meio que ele acredita ser letal. • Alguns outros elementos fazem parte do que se chama de comportamento suicida: pensamentos, planos e tentativa. • O suicídio deve ser considerado como o desfecho de uma série de fatores que se acumulam na história do indivíduo, não podendo ser considerado de forma causal e simplista apenas a determinados acontecimentos pontuais da vida do sujeito. É a consequência final de um processo. • O Brasil é o 8º país em números absolutos de suicídio, com uma variabilidadegrande de taxas entre as regiões do país, além de uma provável subnotificação. • Estudos revelam que cerca de 17% das pessoas no Brasil já pensaram, em algum momento, em tirar a própria vida. • É possível prevenir o suicídio, por isso, é tão importante sua abordagem e que os profissionais de saúde saibam identificar aqueles pacientes que possuem fatores de risco para tal. • Aqueles pacientes que possuem um plano definido, os meios e planeja realizar ou aquela que tentou recentemente ou tentou várias vezes em curto espaço de tempo, são consideradas de alto risco de cometer suicídio. • O risco de suicídio é uma urgência, devendo a avaliação sistemática do risco ser feita na rotina da prática clínica. • Os 2 principais fatores de risco para suicídio são: 1. Tentativa prévia; 2. Presença de algum transtorno psiquiátrico (quanto mais comorbidades psiquiátricas, maior o risco. 8 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 Sendo a depressão a doença que está mais associada ao suicídio). • Outros fatores de risco são: ser jovem, homem (óbitos é maior em H, mas as tentativas são maiores em M), sentimentos de desesperança/desamparo/desespero, presença de doenças clínicas, histórico familiar e poucos laços sociais. • Os fatores protetores são menos estudados, mas considera-se que suporte familiar e de amigos, religiosidade, ausência de doença psiquiátrica, estar empregado, etc. • Quando se identifica alto risco: é importante dar suporte à pessoa, não deixando-a sozinha, tomar cuidado com possíveis meios de realizar o ato, informar a família e fazer um “contrato de não suicídio”. • Além disso, deve-se encaminhar o paciente para um serviço de psiquiatria ou para um serviço de emergência mais próximo, acionando a equipe de saúde mental da Unidade. Mitos e verdades sobre o suicídio ❖ Mito - O suicídio é uma decisão individual, já que cada um tem pleno direito a exercitar o seu livre arbítrio; Verdade – Os suicidas estão passando quase invariavelmente por uma doença mental que altera, de forma radical, a sua percepção da realidade e interfere em seu livre arbítrio. O tratamento eficaz da doença mental é o pilar mais importante da prevenção do suicídio. Após o tratamento da doença mental, o desejo de se matar desaparece. ❖ Mito - Quando uma pessoa pensa em se suicidar terá risco de suicídio para o resto da vida; Verdade – O risco de suicídio pode ser eficazmente tratado e, após isso, a pessoa não estará mais em risco. ❖ Mito - As pessoas que ameaçam se matar não farão isso, querem apenas chamar a atenção; Verdade – A maioria dos suicidas fala ou dá sinais sobre suas ideias de morte. ❖ Mito - Se uma pessoa que se sentia deprimida e pensa em suicidar-se, em um momento seguinte passa a se sentir melhor, normalmente significa que o problema já passou; Verdade – Se alguém pensava em suicidar-se e, de repente, parece tranquilo, não significa que o problema passou. Uma pessoa que decidiu suicidar-se pode sentir-se ¨melhor¨ e ¨aliviada¨ simplesmente por ter tomado a decisão de se matar. ❖ Mito - Quando o indivíduo mostra sinais de melhora ou sobrevive à uma tentativa de suicídio, está fora de perigo; Verdade – Um dos períodos mais perigosos é quando se está melhorando da crise que motivou a tentativa, ou quando a pessoa ainda está no hospital, na sequência de uma tentativa. A semana que se segue à alta do hospital é um período durante o qual a pessoa está particularmente fragilizada. Como um preditor do comportamento futuro é o comportamento passado, a pessoa suicida muitas vezes continua em alto risco. ❖ Mito - Não devemos falar sobre suicídio, pois isso pode aumentar o risco; Verdade – Falar sobre o suicídio não aumenta o risco. Muito pelo contrário, falar com alguém sobre o assunto pode aliviar a angústia e a tensão que esses pensamentos trazem. ❖ Mito - É proibido que a mídia aborde o tema suicídio. Verdade – A mídia tem obrigação social de tratar desse importante assunto de saúde pública e abordar esse tema de forma adequada. Isto não aumenta o risco de uma pessoa se matar; ao contrário, é fundamental dar informações à população sobre o problema, onde buscar ajuda ... Cronologia suicida 1. Sofrimento psíquico: Paciente e sofrimento, porém, sem pensamento de morte. 2. Pensamento de morte: ¨seria bom se eu morresse¨ 3. Ideação suicida: ¨Seria bom se eu me matasse¨, ¨sou um peso¨. 9 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 4. Planejamento: A família precisa estar avisada sobre a estratégia do paciente. 5. Tentativa de suicídio: precisamos descobrir como, quando e onde foi realizada. 6. Suicídio. Avaliação e manejo do paciente • O primeiro passo é a identificação dos indivíduos de risco por meio da avaliação clínica periódica, considerando que o risco pode mudar rapidamente; • A OMS aponta 3 características psicopatológicas comuns no estado mental dos suicidas: 1. AMBIVALÊNCIA: O desejo de viver e de morrer se confundem no sujeito. Há urgência em sair da dor e do sofrimento com a morte, entretanto há o desejo de sobreviver a esta tormenta. Se for dado oportunamente o apoio emocional necessário para reforçar o desejo de viver, logo a intenção e o risco de suicídio diminuirão. 2. IMPULSIVIDADE: O suicídio, por mais planejado que seja, parte de um ato que é usualmente motivado por eventos negativos. O impulso para cometer suicídio é transitório e tem duração de alguns minutos ou horas. Acolher a pessoa durante a crise com ajuda empática adequada pode interromper o impulso suicida do paciente. 3. RIGIDEZ: Quando uma pessoa decide terminar com a sua vida, os seus pensamentos, sentimentos e ações apresentam-se muito restritivos, ou seja, ela pensa constantemente sobre o suicídio e é incapaz de perceber outras maneiras de enfrentar ou de sair do problema. Todo o comportamento está inflexível quanto à sua decisão: as ações estão direcionadas ao suicídio e a única saída possível que se apresenta é a morte; por isso é tão difícil encontrar, sozinho, alguma alternativa. NA AVALIAÇÃO DEVE-SE QUESTIONAR: ❖ Presença de doença mental; ❖ História pessoal e familiar de comportamento suicida; ❖ Suicidabilidade – pensamentos atuais de suicídio; ❖ Características de personalidade; ❖ Fatores estressores crônicos e recentes – falência, prisão e traição; ❖ Fatores psicossociais e demográficos – trabalho, matrimônio, religião, abuso físico ou sexual; ❖ Outras doenças – HIV/AIDS, doenças neurológicas, neoplasias, AVE... • OBS. Todo paciente que fala sobre suicídio tem risco em potencial e merece investigação e atenção especial. São fundamentais a escuta e o bom julgamento clínico. • A abordagem verbal deve ser estimulada para auxiliar o tratamento medicamentoso, visto que ela estimula o paciente a se sentir aliviado, acolhido e valorizado, fortalecendo a aliança terapêutica. • Identificação e tratamento prévio de transtorno psiquiátrico existente. • As perguntas devem ser feitas em dois blocos: o primeiro para todos os pacientes, e o segundo apenas para aqueles indivíduos que responderam às três perguntas iniciais que sugerem, pelas respostas, um risco de suicídio. 10 Beatriz Machado de Almeida Depressão – Caso 10 Depressão e luto • O luto pode induzir grande sofrimento, mas não costuma provocar um episódio de transtorno depressivo maior. • Quando ocorrem em conjunto, os sintomas depressivos e o prejuízo funcional tendem a ser mais graves, e o prognóstico é pior comparado com o luto que não é acompanhado de transtorno depressivo maior. • A depressão relacionada ao luto tende a ocorrer em pessoas com outras vulnerabilidades a transtornos depressivos, e a recuperação pode ser facilitada pelo tratamento com antidepressivos. • Não precisa esperaro tempo do luto (3 meses a 1 ano) para diagnosticar a depressão. • Se perdeu alguém e parou de comer, perdeu peso, não levanta da cama hora nenhuma, chora o tempo todo, para de se cuidar (tomar banho, escovar os dentes...), apresenta tristeza o tempo todo, não tem prazer nas coisas que antes tinha, isso já caracteriza um episódio depressivo (só precisar ter pelo menos 15 dias de sintoma). O médico diante da violência doméstica • Informar à mulher sobre seus direitos e que o comportamento violento não deve ser tolerado. • Explicar que a agressão não precisa ser necessariamente física para configurar em situação de violência. Agressões verbais também são situações de violência doméstica. PARA ALÉM DA DETECÇÃO, COMPETE AINDA AO MÉDICO ❖ Tratar as lesões físicas. ❖ Avaliar as repercussões psicológicas da violência e apoiar psicologicamente a vítima, mostrando disponibilidade, ajudando a aumentar a autoestima e a descobrir estratégias para lidar com a agressão. ❖ Avaliar a segurança da vítima e dos filhos e elaborar com a vítima um plano de segurança; o acesso fácil a dinheiro e documentos pessoais e dos filhos para a eventualidade de fuga, o ter à mão telefones da polícia, de familiares ou amigos ou a combinação de códigos com familiares e amigos para comunicar em caso de agressão; esconder armas ou munições existentes em casa são exemplos de medidas de segurança a ter presentes. ❖ Proceder ao registo clínico completo e pormenorizado das lesões e patologias observadas e elaborar um atestado médico quando solicitado pela vítima. ❖ Fornecer informação sobre os recursos disponíveis na comunidade. ❖ Referenciar a outros especialistas ou instituições, nomeadamente, serviços sociais, serviços jurídicos e serviços de acompanhamento de vítimas de violência doméstica. ❖ Encaminhamento de agressores quando o problema for expresso por estes; terapias cognitivo- comportamentais parecem ser uma opção adequada. • Sempre que possível o médico não deverá trabalhar isoladamente neste tipo de situações, pelo que a procura ativa de outros parceiros que na comunidade trabalhem nesta área se torna necessário; o trabalho em rede é imprescindível. • Também na prevenção primária da violência familiar, o médico tem um papel importante a desempenhar: ❖ Participando com outros profissionais em ações de educação para a saúde onde o problema de violência seja abordado. ❖ Procedendo ao encaminhamento de adolescentes e jovens da sua lista para grupos ou atividades onde a aprendizagem da negociação na resolução de conflitos seja estimulada. ❖ Oriente a mulher a fazer a denúncia. Para isto, ela terá que ser encaminhada a uma Delegacia da Mulher ou à Delegacia da Polícia. A vítima também deverá ser orientada a fazer exame de corpo de delito no Departamento Médico-Legal, principalmente se houver marcas de agressão. ❖ Caso a paciente se recuse a denunciar neste momento, ou os encaminhamentos anteriores não forem possíveis, solicite informações e orientações através do “Ligue 180”. As vítimas também podem e devem usar o serviço.
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