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563191950-EVANGELHO-DE-SA-O-MARCOS-CHED-MYERS-Lido

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o
EVANGELHO
DE
SÃO MARCOS
CHED MYERS
GRANDE COMENTÁRIO BÍBLICO
e p
Este é o primeiro comentário sobre o Evangelho de Marcos que aplica 
sistematicamente um a abordagem multidisciplinar, chamada “método socio- 
literário”. Myers integra a crítica literária, a exegese sócio-histórica e a 
hermenêutica política em sua investigação sobre Marcos, como “manifesto do 
discipulado radical”.
Insistindo na fidelidade ao texto e ao contexto, Myers lê a narrativa de 
Marcos sobre a vida de Jesus e a prática messiânica encarando-as primeiro 
dentro das circunstâncias históricas da Palestina do primeiro século e, depois, 
dentro do quadro de opressão e de violência contemporâneas. Myers argu­
menta que o Jesus de Marcos apresenta um modelo estimulante de uma prática 
cristã de resistência não-violenta à dominação social, econômica e política.
Organizador e ativista da paz, escritor, educador, conferencista e pregador, Ched 
Myers trabalha com o Comitê de Serviço Regional dos Amigos Americanos na 
Califórnia. Ele é formado em Estucfos do Novo Testamento na União Teológica de 
Gradução, Berkeley, Califórnia.
coleção
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Comentário
Bíblico [SBN
 
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coteçâo
Bíblico
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Myers, Ched.
O Evangelho de São Marcos / Ched Myers ; [tradução I.F.L. Ferreira; revisão H. 
Dalbosco], — São Paulo : Edições Paulinas, 1992. — (Coleção Grande Comentário 
Bíblico)
Bibliografia.
ISBN 85-05-01292-5
1. Bíblia N.T. Marcos — Crítica e interpretação I. Titulo. II. Série.
91-1713 CDD-226.306
índices para catálogo sistemático:
1. Evangelho de Marcos : Crítica e interpretação 226.306
2. Marcos : Evangelho : Crítica e interpretação 226.306
GRANDE' c o m e n t á r io bíblico
• OApooalipse da São João, E. Corsini
• Êxodo, Ç. .V, Rixlqy
• Profetas I, L. A. Schõkel e J. L. Sicre Diaz
• O Evangelho de São João, J. Mateos e J. Barreto
• Profetas II, L. A. Schõkel e J. L. Sicre Diaz
• Carta aos Romanos, C. E. B. Cranfield
• O Evangelho de São Marcos, Ched Myers
• Os Salmos, Arthur Weiser
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ÍNDICE
Apresentação
Prefácio
Agradecimentos
Abreviaturas
PRIMEIRA PARTE:
TEXTO E CONTEXTO
Capítulo 1:
UMA POSIÇÃO E UMA ESTRATÉGIA DE LEITURA PARA MARCOS
A. POR QUE UMA LEITURA POLÍTICA?
I. O círculo hermenêutico
II. Locus Imperium
III. Discipulado radical
B. POR QUE MARCOS?
I. “Luta pela Bíblia”
II. Marcos como manifesto
III. Novas estratégias de leitura
C. DISCURSO POLÍTICO E A “GUERRA DE MITOS”
I. Simbólica e prática social
II. Estratégias ideológicas de legitimação e subversão
III. Teologia como literatura ideológica
D. O EVANGELHO COMO NARRATIVA IDEOLÓGICA
I. “Janelas”: crítica histórica e exegese sociológica
II. “Espelhos”: formalismo e crítica literária
III. Toda narrativa é política: sociologia literária
IV. Ficção, história e narração ideológica
E. UMA ESTRATÉGIA DE LEITURA SOCIOLITERÁRIA
I. Análise narrativa: estrutura e estória
II. Análise social: discurso e significado
III. Algumas condições
66 Capítulo 2:
A POSIÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA NARRATIVA DE MARCOS 
SOBRE JESUS
67 A. O EVANGELHO NO TEMPO E NO ESPAÇO POLÍTICOS: PALES­
TINA ROMANA DO SÉCULO I 
67 I. O mundo de Jesus e de Marcos
70 II. "Mapeando” um mundo social: filtros e modelos
72 III. História como exercício transcultural
75 B. TENSÕES SOCIOECONÔMICAS 
75 I. Economia política
79 II. Relações de classe
82 III. Conflitos geopolíticos
83 C. TENSÕES SOCIOPOLÍTICAS E A GUERRA JUDAICA
84 I. A Palestina ocupada
87 II. Resistência popular
91 III. Movimentos proféticos
93 IV. Ideologias da realeza popular
95 D. O MOVIMENTO HISTÓRICO DE MARCOS:
A REVOLTA DE 66-70 d.C.
96 I. Os primeiros dois anos: os governos provisórios
98 II. Os dois segundos anos: a coalizão zelota
101 E. TENSÕES SOCIOCULTURAIS: A ORDEM SIMBÓLICA 
101 I. O que é uma ordem simbólica?
105 II. A ordem simbólica do judaísmo antigo: um modelo de matriz
106 III. Pureza e débito
110 IV. A Torá e o Templo
113 F. ESTRATÉGIAS IDEOLÓGICAS E SOCIAIS
113 I. Colonialismo e colaboração
115 II. Movimentos de renovação: reforma e retirada
117 III. Radicalismo de lealdade: a quarta filosofia
118 IV. Alienada, de confronto, não-alinhada: uma hipótese
SEGUNDA PARTE:
LEITURA DA PRIMEIRA METADE DE MARCOS
125 Capítulo 3:
INTRODUÇÃO AO ESTILO LITERÁRIO E À ESTRATÉGIA DE 
MARCOS: O “PRIMEIRO” PRÓLOGO E O CHAMADO AO 
DISCIPULADO (Mc 1,1-20)
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A. “COMO ESTÁ ESCRITO”: A IDEOLOGIA DA TEXTUALIDADE 
E DA INTERTEXTUALIDADE
I. Marcos e a tradição oral: as palavras não-domesticadas de Jesus
II. O campo semântico de Marcos: a política da língua
III. Marcos e a tradição escrita: o “script” do radicalismo bíblico
B. “BOA NOVA”: A IDEOLOGIA DO GÊNERO
I. Ditos de sabedoria ou narrativa dramática?
II. A estratégia narrativa da apocalíptica
III. Narrativa realista
IV. “Sobre” quem é o Evangelho? Tempo narrativo e histórico
C. NARRATIVA ABSTRATA: A ESTRUTURA DE MARCOS
I. Estrutura e função
II. Simetria nos dois “Livros” de Marcos: modelo sincrônico
III. O discurso da estrutura
D. COMPÊNDIO NARRATIVO: O RELATO DE MARCOS
I. Em tomo da Galiléia: Livro I
II. Rumo a Jerusalém: Livro II
III. Os três principais fios da trama
E. UMA NARRATIVA SUBVERSIVA DE COMO O MUNDO FOI 
CRIADO (1,1-8)
I. O título: subverter o código cultural romano
II. “Isaías”: subverter o código cultural judaico
III. O começo do fim: João Batista como Elias
F. UMA MISSÃO SUBVERSIVA INAUGURADA (1,9-20)
I. Jesus batizado: primeiro momento apocalíptico
II. O Kairos realizado: o poder do tempo conjurado
III. Chamado ao discipulado: interrompendo a atividade comum
IV. O Evangelho como novum ideológico: estratégia socioliterária 
de Marcos através de 1,20
Capítulo 4:
PRIMEIRA CAMPANHA DE AÇÃO DIRETA: O ASSALTO DE JESUS 
À ORDEM SOCIAL JUDAICA EM CAFARNAUM (Mc 1,21-3,35)
A. CARÁTER NARRATIVO DA CAMPANHA DE CAFARNAUM
I. Estrutura
II. Narrativa
B. A MISSÃO MESSIÂNICA E O SENTIDO DA “AÇÃO SIMBÓLI­
CA” DE JESUS
I. Desafiando a autoridade: Jesus, o exorcista
II. Bem-estar e ordem simbólica: Jesus como aquele que cura
III. Ação simbólica
IV. Espaço simbólico: posição narrativa e esfera social
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C. DESAFIANDO A HEGEMONIA IDEOLÓGICA DO SACERDO­
TE E DO ESCRIBA (1,40-2,15)
I. Ataque contra o código de pureza: cura de leproso
II. Ataque contra o sistema de débito: cura de paralítico
III. A “multidão”: Jesus entre os pecadores e os pobres
D. DESAFIANDO O PRIVILÉGIO E O PODER FARISAICOS 
(2,16-28)
I. Santidade: convívio à mesa e jejum
II. Sábado: desobediência civil em campo de trigo
E. REJEIÇÃO E CONSOLIDAÇÃO: A PRIMEIRA “COSTURA GE­
RADORA” (3,1-19)
I. Desobediência civil como mestre: ultimatum deuteronômico de 
Jesus
II. Novo Sinai: Jesus forma uma “confederação”
F. O CLÍMAX DA CAMPANHA: JESUS DECLARA GUERRA IDEO­
LÓGICA (3,20-35)
I. Polarização: Jesus versus o “homem forte”
II. Cisão: repúdio do sistema de parentesco
Capítulo 5:
“ESCUTAI!” O PRIMEIRO SERMÃO SOBRE A PACIÊNCIA REVO­
LUCIONÁRIA (Mc 4,1-36)
A. DISCURSO EM PARÁBOLAS
I. Estrutura do primeiro sermão
II. “Ouvidos para ouvir”: o reino como mistério?
B. O SEMEADOR: REFLEXÃO SOBRE A MISSÃO DO REINO 
(4,1-23)
I. A semente remanescente em solo hostil
II. Â colheita escatológica: ideologia da terra
C. O MISTÉRIO DOS FINS E DOS MEIOS, I (4,24-34)
I. Realismo cínico ou semente de esperança?
II. A despeito das aparências, o reino prevalecerá
D. SUBVERSÃO DO MUNDO: ESTRATÉGIA SÓCIOLITERÁRIA 
DE MARCOS EM 4,36
I. Discurso
II. Significado
Capítulo 6:
A CONSTRUÇÃO QUE JESUS FAZ DE NOVA ORDEM SOCIAL, I: O 
CICLO DO MILAGRE (Mc 4,36-8,9)
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A. O CARÁTER NARRATIVO DO CICLO DA HISTÓRIA DO DU­
PLO MILAGRE
I. Estrutura
II. Narrativa
B. O SEGUNDO EXORCISMO INAUGURAL (5,1-21)
I. O endemoninhado geraseno
II. Exorcismo como rejeição política
C. O REINO COMO RECONCILIAÇÃO RACIAL: DUAS TRAVES­
SIAS PERIGOSAS (4,35-41; 6,45-53)
I. Um discurso sobre viagens pelo mar
II. O drama da passagem difícil
D. O REINO ANTES DA REJEIÇÃO:
AS DUAS DUPLAS DE CURAS (5,21-43; 7,24-37)
I. Dinâmica sociocultural da honra e da vergonha
II. Relações judaicas de classe: cura de duas "filhas”
III. Uma comunidade ecumênica: cura de dois gentios
E. O REINO COMO SATISFAÇÃO ECONÔMICA: DUAS DISTRI­
BUIÇÕES DE ALIMENTO NO DESERTO (6,33-44; 8,1-9)
I. Distribuir alimento às massas judaicas: a economia da partilha
II. Rebanho sem pastor: polêmica política?
III. Alimentar as massas pagãs: sustento para o caminho
Capítulo 7:
EXECUÇÃO DE JOÃO E O “PRIMEIRO” EPÍLOGO (Mc 6,1-32; 7,1­
23; 8,10-21)
A. UM PROFETA SEM HONRA, I: A SEGUNDA “COSTURA GERA­
DORA”^ , 1-13.30-32)
I. Rejeição em Nazaré: estranho em casa
II. Missão e hospitalidade: em casa entre estranhos
B. UM PROFETA SEM HONRA, II: O “FERMENTO” DE HERODES 
(6,14-29)
I. Assassínio em locais importantes: a morte de João como paródia 
política
II. Jesus como sucessor de João: o destino político da missão do 
reino
C. AS ESTRUTURAS DE SEGREGAÇÃO: O “FERMENTO” DOS 
FARISEUS (6,53-7,23)
I. Atacar o convívio exclusivo à mesa: prática farisaica
II. Atacar a tradição oral: a ideologia farisaica
274 D. DECIFRADA A SIMBÓLICA DE JESUS: O PRIMEIRO EPÍLOGO 
(8 , 10-21)
274 I. Nada de sinal do céu e mau fermento: comentário político
276 II. Apenas um pão: comentário social
278 E. A CONSTRUÇÃO DO MUNDO: ESTRATÉGIA SOCIOLITERÁRIA 
AO LONGO DA PRIMEIRA METADE DA NARRATIVA 
278 I. Discurso
281 II. Significado
TERCEIRA PARTE:
LENDO A SEGUNDA METADE DE MARCOS
287 Capítulo 8:
O PONTO QUE FICA NO MEIO DA HISTÓRIA: O “SEGUNDO” 
PRÓLOGO E O CHAMADO AO DISCIPULADO (Mc 8,22-9,30)
288 A. O CARÁTER DA NARRATIVA SOBRE O CATECISMO DO
DISCIPULADO 
288 I. Estrutura
290 II. Narrativa
291 B. NOVO DISCURSO SIMBÓLICO: JESUS CURA O SURDO E
CEGO (8,22-26)
291 I. As curas como contradiscurso de esperança
292 II. Olhos que vêem; primeira etapa: Betsaida
294 C. CRISE CONFESSIONAL (8,27-33)
294 I. “Quem dizeis que eu sou?”
295 II. A primeira predição
297 III. A tríplice repreensão e a “contraconfissão” de Jesus
298 D. A VERDADEIRA SEDE DA CONFISSÃO:
O TRIBUNAL E A CRUZ(8,34-9,1)
298 I. Segundo chamado ao discipulado: “Vida/Morte”
301 II. O Humano: defensor ou perseguidor?
303 E. A CRUZ CONFIRMADA: DUAS CONCLUSÕES SIMBÓLICAS 
(9,2-29)
303 I. Jesus transfigurado: segundo momento apocalíptico
306 II. Visão escatológica ou escrito confirmado?
308 III. O menino surdo-mudo: a luta pela fé
312 Capítulo 9:
A CONSTRUÇÃO QUE JESUS FAZ DE UMA NOVA ORDEM SOCI­
AL, II: O CICLO DO ENSINAMENTO (Mc 9,30-10,52)
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A. SEGUNDO CICLO: UM CATECISMO SOBRE A NÃO-VIOLÊN- 
CIA (9,30-50)
I. Retórica e estrutura no segundo ciclo
II. Segunda predição: primeiro/último
III. Fronteiras sociais: o "bom que está do lado de fora”
IV. Solidariedade comunitária: os "maus de dentro”
B. O PODER SOCIAL E A FAMÍLIA: AS RAÍZES DA VIOLÊNCIA 
(10,1-16)
I. Matrimônio e divórcio: uma crítica do patriarcado
II. "Como criança”: a solidariedade de Jesus com o "menor dos 
menores”
III. A criança, o sistema de família e as raízes da violência
C. O PODER ECONÔMICO E A PRÁTICA DA COMUNIDADE 
(10,17-31)
I. O homem rico na qualidade de não-discípulo: questão de classe
II. O buraco da agulha: humor camponês
III. A comunidade de bens: sobre a propriedade
D. PODER POLÍTICO E LIDERANÇA NA COMUNIDADE: O TER­
CEIRO CICLO (10,32-52)
I. Rumo a Jerusalém: terceira predição
II. Crítica da dominação política: grande/servo
III. Patriarcado e dominação: mulheres como verdadeiras líderes
IV. Olhos para ver; segunda etapa: Bartimeu
E. A REVOLUÇÃO VINDA DE BAIXO: A ESTRATÉGIA 
SOCIOLITERÁRIA DE MARCOS EM 10,52
I. Discurso
II. Significado
Capítulo 10:
SEGUNDA CAMPANHA DE AÇÃO DIRETA: O CONFRONTO DE 
JESUS COM OS PODERES EM JERUSALÉM (Mc 11,1-13,3)
A. O CARÁTER NARRATIVO DO CICLO DE CONFLITO EM JERU­
SALÉM
I. Estrutura
II. Narrativa
B. DENTRO DA CIDADE SANTA: PROCISSÃO SIMBÓLICA 
(11, 1-10)
I. Libertador montado em jumento? Teatro de rua de cunho 
político
II. O reino de Davi? Aclamação messiânica
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C. DENTRO DO LUGAR SAGRADO: AÇÃO DIRETA SIMBÓLICA 
(11,11-26)
I. Uma figueira estéril: “Eles não darão fruto”
II. O Templo exorcizado: “Eu os expulsarei da minha casa”
III. Covil de ladrões: “Todos os seus chefes são desobedientes”
IV. Montanha removida: a fé como imaginação política
D. ENFRENTAR A AUTORIDADE POLÍTICA DO CONDOMÍNIO 
COLONIAL (11,27-12,17)
I. Batismo de quem? O poder do Estado judaico
II. Os chefes como servos: a parábola política central
III. De quem é a moeda? O poder do Estado romano
IV. Não-alinhamento e “cilada” política marcanos
E. EM CONFRONTO COM A AUTORIDADE IDEOLÓGICA DA 
CLASSE ESCRIBA (12,18-34)
I. A casuística dos saduceus: escatologia versus patriarcado
II. Piedade escriba: a ortodoxia não basta
F. CLÍMAX DA CAMPANHA: JESUS FAZ O JULGAMENTO SOBRE 
O TEMPLO (12,35-13,3a)
I. Contra-ofensiva de Jesus: contra o messianismo davídico
II. Polarização: escribas ricos versus viúvas pobres
III. Cisão ou racha: rejeição do templo
Capítulo 11:
SEGUNDO SERMÃO SOBRE A PACIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA 
(Mc 13,4-37)
A. O SERMÃO COMO DISCURSO PARENÉTICO
I. Intertextualidade apocalíptica no segundo sermão
II. A narrativa e o “momento” histórico: Marcos e a revolta
B. UM PEDIDO DE ORIENTAÇÃO (13,3s)
I. Dupla pergunta
II. Estrutura narrativa do segundo sermão
C. A REVOLTA NÃO É O REINO (13,4-23)
I. “Quando ouvirdes”: Marcos versus os recrutadores rebeldes
II. “Vós sereis perseguidos”: o destino político dos discípulos
III. “Quando virdes”: chamado ao abandono da defesa de Jerusalém
IV. “Não acrediteis nisto”: os rebeldes e a realeza messiânica
D. O SERMÃO COMO DISCURSO MÍTICO
I. O “fim do mundo”: revolução
II. “Guerra no céu”: resistência
E. O MISTÉRIO DOS FINS E DOS MEIOS, II (13,24-37)
I. O advento do Humano e a queda dos poderes
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II. Parábola da figueira: clímax da simbólica política de Marcos
III. “Ficai acordados!”: o mundo como Getsêmani
F. PORVENTURA OBEDECEMOS ÀS “REGRAS DA CASA” OU AO 
“SENHOR DA CASA”?: A ESTRATÉGIA SOCIOLITERÁRIA DE 
MARCOS ATRAVÉS DE 13,37 
I. Discurso
II. Significado
Capítulo 12:
PRISÃO D JESUS E SEU JULGAMENTO PELOS PODERES 
(Mc 14,1-15,20)
A. O CARÁTER NARRATIVO DO RELATO DA PAIXÃO
I. Estrutura
II. Narrativa
B. INTIMIDADE E TRAIÇÃO: ÚLTIMOS DIAS DA COMUNIDADE 
(14,1-25)
I. “Unção” messiânica: “meu corpo para ser sepultado”
II. Jesus fugitivo: as autoridades agem secretamente; a comunidade 
subterrânea
III. “Banquete” messiânico: “Meu sangue a ser derramado”
C. “CHEGOU A HORA ”: O COLAPSO DA NARRATIVA DO 
DISCIPULADO (14,26-52)
I. Última predição de Jesus: dispersão e reunião
II. Getsêmani: os discípulos adormecem
III. A prisão: os discípulos se dispersam
IV. O “jovem”: indício de re-união
D. DUPLO JULGAMNTO DE JESUS: HISTÓRIA E PARÓDIA
I. Julgamentos paralelos: apologia marcana?
II. Plausibilidade histórica na narrativa do julgamento
E. DIANTE DOS PODERES JUDAICOS: “ÉS TU O MESSIAS?” 
(14,53-15,1)
I. Acusação diante do Sinédrio
II. A negação de Pedro: a narrativa da traição termina
F. DIANTE DOS PODERES ROMANOS: “ÉS TU REI?” (15,2-20)
I. Processo diante de Pilatos
II. Quem é o revolucionário real? Jesus e Barrabás
Capítulo 13:
EXECUÇÃO DE JESUS E “SEGUNDO” EPÍLOGO(Mc 15,21-16,8)
A. O CAMINHO DA CRUZ (15,21-32)
I. O olhar triunfal de Roma
II. O escárnio dos judeus
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B. JESUS CRUCIFICADO: TERCEIRO MOMENTO APOCALÍPTICO 
(15,33-38)
I. O fim do mundo
II. O advento do Humano
C. O “DEPOIS”: TRÊS RESPOSTAS PARA A MORTE DE JESUS 
(15,39-47)
I. O centurião: Roma derrotou Jesus
II. José: o Sinédrio derrotou Jesus
III. As mulheres: discípulas verdadeiras
D. RESUMO DA NARRATIVA DO DISCIPULADO (16,1-7)
I. As mulheres e o jovem
II. Terceiro chamado ao discipulado: a narrativa recomeça
E. “QUAL É O SENTIDO DA RESSURREIÇÃO?” (16,8)
I. Silêncio e medo: como responderemos?
II. Finais apócrifos: reflexão sobre as “reedições imperiais”
F. PERDENDO A VIDA PARA SALVÁ-LA: A ESTRATÉGIA 
SOCIOLITERÁRIA DE MARCOS POR MEIO DE 16,8
I. Discurso
II. Significado
QUARTA PARTE:
MARCOS E O DISCIPULADO RADICAL
Capítulo 14:
SUMÁRIO: A IDEOLOGIA E A ESTRATÉGIA SOCIAL DA COMU­
NIDADE DE MARCOS
A. SITUAÇÃO HISTÓRICA DA PRODUÇÃO DE MARCOS
I. O discurso apocalíptico e a tendência da sociologia de seita
II. Será o Evangelho de Marcos apologia da destruição do Templo?
III. “O irmão entregará o irmão”: Marcos e a guerra
IV. Teria a comunidade de Marcos sua base perto de Cafarnaum?
B. O EVANGELHO COMO CRÍTICA SOCIOPOLÍTICA
I. “Fim para os administradores”: a classe dirigente judaica
II. “Meu nome é Legião”: o imperialismo romano
III. “Negando os mandamentos de Deus”: 
os movimentos de reforma
IV. Crucificado entre dois bandidos: os rebeldes
C. O EVANGELHO COMO CRÍTICA SOCIOECONÔMICA
I. “Contra a lei fazer o bem?”: a ordem simbólica
II. “Devorando a propriedade das viúvas”: economia política
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D. NOVA PRÁTICA POLÍTICA
I. “Não seja assim entre vós”: política construtiva
II. “Senhor do sábado e da casa”: política subversiva
III. “Tomai vossa cruz”: a não-violência revolucionária
E. NOVA PRÁTICA SOCIOECONÔMICA
I. “Um pão”: solidariedade com os pobres e com os gentios
II. “Todos comeram e ficaram satisfeitos”: a comunidade e a nova 
ordem econômica e simbólica
F. QUEM ERA JESUS DE NAZARÉ? OBSERVAÇÕES PARA UMA 
CRISTOLOGIA POLÍTICA
I. Profeta, sacerdote e rei na tradição do radicalismo bíblico
II. O Humano: o caminho para novo céu e nova terra
POSFÁCIO:
SOBRE A CONTINUAÇÃO DA NARRATIVA DO RADICALISMO 
BÍBLICO
A. TÚMULO VAZIO, NARRATIVA QUE JAMAIS TERMINA
B. ARREPENDIMENTO
C. RESISTÊNCIA
D. DISCIPULADO E FRACASSO: “TODOS VÓS ME 
ABANDONAREIS”
APÊNDICE:
FAZENDO O EVANGELHO DESCER À TERRA: REVISÃO DAS 
LEITURAS SOCIOPOLÍTICAS DA NARRATIVA DE JESUS
A. HERMENÊUTICA POLÍTICA TEMÁTICA
B. HERMENÊUTICA DA LIBERTAÇÃO
C. EXEGESE SOCIOLÓGICA
D. A CRÍTICA MATERIALISTA
E. AVALIAÇÃO: PORVENTURA A CRUZ É UMA PEDRA DE TRO­
PEÇO PARA A HERMENÊUTICA POLÍTICA?
BIBLIOGRAFIA
CHED MYERS
O EVANGELHO 
DE SÃO MARCOS
li
EDIÇÕES PAULINAS
Título original 
Binding the strong man 
A Political Reading o f Mark’s Story o f Jesus 
© Orbis Books, Maryknoll, Nova Iorque, 1988
Tradução 
I.F.L. Ferreira
Revisão 
H. Dalbosco
ep EDIÇOES PAULINASTELEX (11) 39464 (PSSP BR) 
FAX (011) 575-7403 
Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 
04117-040 São Paulo - SP 
End. Telegr.: PAULINOS
© EDIÇÕES PAULINAS — SÃO PAULO, 1992 
ISBN 85-05-01292-5 
ISBN 0-88344-621-9 (ed. original)
A Phil, Liz e Ladon
Para cada 10.000 palavras 
há um fato
voando por algum lugar 
de cabeça para baixo, não nascido.
As palavras não podem fazê-lo acontecer.
Podem somente empurrá-lo para longe 
como indesejado.
Ainda Criança, e Criança necessária . . 
a não ser que você volte para minhas mãos 
E por que m inhas mãos afinal dé contas? 
Sua época, seus gritos
são a pele que as revestem, 
são a razão de elas existirem.
Daniel Berrigan
APRESENTAÇÃO
Bem antes de sua publicação, este trabalho de Ched Myers começou a 
acumular os dados de uma história interessante. Da costa ocidental à oriental, 
seção por seção, revisto repetidas vezes, o manuscrito foi percorrendo o seu 
caminho.
Aqui de fato, rapidamente concordamos, estava um estudo escriturístico 
que merecia ser examinado. Ele requeria (e em breve conseguiu receber) uma 
análise séria: leitura, meditação, discussão apaixonada.
Por meio de Myers, Marcos falou, como dizem os Quakers, à nossa 
condição. Falou de maneira mais forte àqueles cuja condição parecia extrema­
mente parecida com a das comunidades primitivas: aqueles para os quais, 
segundo nos disseram, o Evangelho de Marcos foi escrito primeiro.
Os que entre nós tiveram a felicidade de chegar ao manuscrito de Myers, 
aí viram nossas vidas sendo ao mesmo tempo honradas e mencionadas. 
Durante algum tempo nós (como o Marcos de Myers; na verdade, como o 
Jesus de Marcos) estivemos fazendo nossas experiências em terreno firme. 
Muitos de nós, que nos reuníamos para retiros e estudo com uma versão 
corrente de Amarrar o homem forte* na mão, estávamos atraindo a ira dos 
deuses titulares: os demônios que guardam os limites impassíveis do império, 
os pastos de multicorporações e os santuários nucleares.
Tais cristãos, que se reúnem para tomar fôlego, rezar e reconfortar-se, 
tendem a encarar-nos como uma espécie de ‘pessoas ocupadas’, que lutam 
para libertar-se do jugo e do lastro da cultura.
E é então que, por meio de Myers, encontramos os cristãos primitivos 
que formam a comunidade de Marcos.
Pode-se ver isto em suas faces, nas faces desses filhos de um Deus 
máximo, o Deus dos rejeitados, dos renegados e dos resistentes. O olhar deles 
se voltava para um campo emocional amplo, que ia desde algo próximo do 
desespero até a determinação, até — de vez em quando — algo próximo ao 
êxtase.
* Este é o título original deste livro (nota do Editor).
Sua determinação era uma “maneira” diferente. Diferente em relação ao 
trabalho e à sua natureza e retribuições, em relação aos filhos e às mulheres, 
em relação aos direitos dos seres humanos— e ao desprezo em nada universal 
e oficial de tais direitos. Uma visão muitíssimo diferente da lei; especialmente 
das leis cujo objetivo evidente era o de manter as pessoas na ignorância, no 
temor ou na indiferença.
O evangelho de são Marcos 8
Os instrumentos e as armas do “Homem Forte” eram uma espécie de 
ladainha demoníaca da cultura. Os cristãos conheciam-na de cor; concupis­
cência e violência sancionada, o orgulho, a força, o ataque, a luta, que 
constituem, todos eles, formas da raiva (em vários sentidos).
E os cristãos se recusavam a entoar a ladainha. Não faziam seu gênero 
as agressões, as arrogâncias, as coações; nem o fascismo brando ou duro do 
principal método empregado pela Igreja e pelo Estado, tal como era geralmen­
te praticado.
Para eles tinha pouca importância o fato de que a cultura, na realidade, 
se havia posicionado em seu favor. (Ou, pelo menos, era o que lhes assegu­
ravam freqüentemente o sacerdote e os pais.)
Você tentava escapar, mas não adiantava; a coisa estava presente. E 
qualquer demônio (ou um abrigo municipal, ou um arquivo de documentos, 
ou um hospital de doentes mentais, ou um instituto médico legal) se 
apropriava dos que ocupavam os últimos lugares. Eram um “estilo” oriundo 
da selva, que atingia direto a jugular. Ele agia de frente, de cabeça erguida; era 
a clássica “maneira” americana usada no mundo.
Bem, por que não correr com ele? Você tinha “classe”, nasceu para ter 
posses, para trabalhar num mercado por vezes fascinante, para ser dono de 
rebanho numerosíssimo. Nasceu para o empreendimento livre, para a “segu­
rança” nuclear e o nocivo mito político.
Nasceu, se é que falavam a verdade, para viver e morrer, predestinado 
a seu lugar na sepultura; como metrônomos, computadores, parasitas bem- 
educados e impecáveis.
Chamavam a isso destino. E em grande escala, a escala imperial, destino 
evidente.
Mas algo mais — Alguém — se intrometeu. Vocação.
Alguns dos incômodos marcanos, prosseguiram, “desclassificados”no 
sentido marxista. Eles não podiam participar das idiotices sociais, sexuais ou 
econômicas vigentes, incompatíveis com a paixão, a imaginação, a fé, o 
trabalho com as próprias mãos.
9 Apresentação
Começando nos dias dos direitos civis dos últimos anos de 50, os cristãos 
interromperam o modelo vigente. Romperam com as leis iníquas e injustas. 
Compareceram ao tribunal, foram para a cadeia. E muitos foram embora com 
seus próprios pés intemperantemente buscando algo mais.
Se havia falta a ser encontrada neles (eles encontravam uma porção de 
faltas em si mesmos), ela vinha à tona inevitavelmente quando o tempo 
mostrava a verdadeira face das coisas, assim como ficou evidente que a 
América, tendo aprendido pouco ou nada de Selma a Hanói, continuava 
inclinada sobre suas perenes obsessões: ambição e violência. De fato, estas em 
breve estariam inseridas na política; alto crime em altos lugares.
Ele chegou em casa. A resistência deveria ser o teor e o ritmo difíceis da 
própria vida.
Será que estávamos preparados para isso? Não estávamos.
Nossas disposições eram sérias. Quanto deveria durar a resistência, para 
mostrar-se perseverante e consistente nesta terra de Nid e Nod, de Maybe e 
M ananal
Parecíamos deficientes decididos a participar de uma difícil competição 
atlética. O prêmio era grande; os meios para chegar a ele eram seriamente 
questionáveis. Como continuar o árduo compromisso, o longo trajeto rumo 
ao reino de Deus?
Nossas necessidades poderiam ser imaginadas sob dupla imagem.
Um mapa que nos indicaria, qual seta certeira, a direção das fontes. Mais 
importante do que as palavras é a necessidade de sabermos, viva e concreta- 
mente, de onde viemos, que símbolos, palavras, eventos, comunidades 
viveram o evangelho, em bons e maus tempos, desde o começo.
E então vem a outra imagem. Precisávamos de um manual que tratasse 
com coragem: histórias, instrução, disciplina, reprovação, ironia, esperança, 
valentia no ramo; precisávamos da mão segura— vinda de outro tempo e lugar 
(mas não realmente outra) — de Alguém em quem pudéssemos confiar. 
Alguém que indicasse o caminho a ser percorrido.
O manuscrito de Myers, meticuloso em conhecimentos e ousado em 
objetivo, surgiu entre nós. E as coisas nunca mais foram as mesmas.
Que dádiva ele foi e é! Myers desempenha o papel de mediador de 
Marcos, mais ou menos como Marcos serviu de mediador de Jesus. Avaliar o 
manuscrito era como que entrar em clássico cenário de reconhecimento,
pesado com ironia e esperança, ponderando a imaginação, iluminando 
lugares escuros, desafiando suposições. Encontramos nossos verdadeiros 
antepassados, aprendemos com eles e os escutamos. Respiramos o ar vigoroso 
de novos começos, fomos introduzidos no Caminho de Jesus, anunciado e 
vivido no meio de ideologias e frenesis conflitantes, do prurido que incita à 
colaboração e à violência.
O que Jesus verificou nos primeiros discípulos, Marcos verificou com 
desconcertante exatidão em sua comunidade, cuja posição em relação à 
sociedade mostrou ser bem semelhante à dos primeiros discípulos.
Como as nossas também.
Isso equivale a dizer: uma comunidade debaixo do fogo.
O evangelho de são Marcos 10
Sob o fogo nós certamente estávamos e estamos; mas quem pode 
descrever o fogo, quem consegue opor-se a ele, quem o controla? O fogo é a 
imagem mais próxima de nossa situação; ele arde, destrói e modifica à medida 
que destrói.
A isca é mais profunda e mais sutil do que a decadência e as ruínas, do 
que a camada letal que fumega e murmura debaixo da fina crosta de cultura, 
sob a bonomia criminosa, sob as instalações nucleares, nas fronteiras cruel­
mente vigiadas, nos tribunais e nas prisões de lacaios.
Para andarmos pela paisagem ígnea, tínhamos de ambas saber se nossa 
resistência era mera curiosidade ou perversidade (freqüentemente ela era 
estigmatizada como sendo ambas as coisas). Ou, então, tínhamos que saber 
se, desajeitados como muitas vezes éramos e bastante inclinados a olhar para 
trás, temendo e tremendo, ainda deveríamos ser qualificados como discípu­
los, em virtude de um resumo mais do que um relato.
A cultura desceu pesada sobre tais aspirações. Durante as décadas 
anteriores, uma espécie de arranjo procusteano, às vezes sutil, às vezes 
brutalmente direto, foi posto em prática. Os cristãos que resistiam ao racismo 
e à guerra eram persuadidos a se “adaptarem”. O secularismo era extrema­
mente popular. As declarações de fé, quaisquer fossem as suas formas, eram 
encaradas como inoportunas, como impróprias.
Uma “esquerda religiosa” e uma “esquerda católica”? Se isso fosse tu­
do, se os indícios correspondessem aos fatos, estaríamos realmente em 
dificuldades.
Procusto e seu leito demonstraram ser um ardil, por sinal que um ardil 
tormentoso. Adequar-se à medida cultural significava morrer.
As regras do jogo eram rigorosas e rígidas, de fato; havia poucas opções. 
Alguns que falavam ou agiam abertamente eram julgados extremamente,
inspirados demais. Deviam levar um corte; somente assim, eles se adaptariam 
à situação de pigmeus da época. A cadeia ajudaria isso; também o exílio 
serviria. •
Outros, segundo achavam, estavam infectados por uma modéstia incon­
veniente; precisavam ser persuadidos a assumir o disfarce do super-homem 
tecnológico. E assim se fez; eles foram destinados a se “adaptarem”, a 
aderirem à cultura; boa, sensível, sólida, pronta a pagar impostos, em suma: 
“desapareceram”.
Eventualmente (éramos aprendizes lentos nessa escola sem compaixão), 
os cristãos chegaram ao ponto de compreender. Alguém desejava ser humano 
em uma época desumana? Se desejasse, jamais bastaria (se é que algum dia 
já bastou) descrever-se ou identificar-se como simplesmente americano, 
esconder ou deixar em segundo plano a própria fé (o adjetivo “cristão” era 
usado como apêndice, idéia posterior, questão de devoção pessoal; uma 
espécie de gramática do velhaco, palavra pronunciada com ar de vaga 
apologia difusa).
A lição foi aprendida a duras penas. Precisamos ter à nossa disposição 
outros recursos bem diferentes do que a uniformidade torturante do cavalete. 
Os recursos deveriam ser mais antigos, menos questionáveis, mais solidamen­
te testados do que os tempos permitiam, ou iriam possivelmente permitir.
Em época assim, o Evangelho de Marcos e os pontos de vista espantosos 
de Myers formaram, em feliz conjunção, um roteiro de vida. Muitos de nós 
hesitaríamos em designar o evento como provincial. E não vacilaríamos em 
captá-lo e assimilá-lo com todas as nossas forças.
11 Apresentação
Ocorre-nos uma frase: o trabalho de Myers é marcado por “nova 
autoridade”.
Da autoridade escriturística mais antiga havíamos aprendido algo nas 
universidades e nos seminários; ela mostrou ser de pouco auxílio no mundo 
em que devíamos viver, com fogo debaixo dos pés.
Demasiado abstrata, demasiado especializada, cautelosa com os tempos 
e seus problemas, um jogo de astuciosos cheios de artifícios e deisolacionistas 
acadêmicos. O método despedaçava o texto, lidava com ele como se se tratasse 
de espécimem morto, virava-o de um lado para outro como se estivesse 
usando instrumento de dissecar. Palavras, palavras, palavras.
A dedução era clara; na mão tinha-se um texto determinado, estrangeiro 
e indubitavelmente venerável. E havia outros textos, igualmente veneráveis, 
de origens pagãs.
E será que havia uma diferença digna de nota — ainda que isto fosse 
percebido de modo apaixonado — entre o texto de Marcos e o texto de Cícero 
ou de Sófocles? E, se havia, para uma mente pormenorista, qual deveria ser
a diferença? Poderia ser questão de fé, de estilo inconfundível (por vezes 
eloqüente) no mundo de então, daquele “caminho” que não devia ser 
confundido com nenhum outro, quer na direção, quer na fonte ou no fim? 
Causaria porventura horror esse assunto desagradável da cruz?
Tais perguntas muitas vezes eram deixadas de lado.' O texto evangélico 
era cuidadosamente percorrido, honrado pela serenidade. Suas palavras 
deviam penetrar na vida,despertando este ou aquele estudante. Mas todos 
esses problemas ou eventos estavam fora do objetivo e do alcance da aula, do 
estudo, do método, do campo de trabalho e... do inevitável dia da avaliação 
— o exame.
Como sofríamos com tais professores! Alguns considerariam uma 
expressão de fé ou de compromisso ardoroso ou de penetração do texto na 
vida como um ramo de polidez acadêmica, que devia ser levado em conta, 
apesar de ignorado, de acordo com o código dos funcionários do clube ou do 
colégio universitário.
Os copistas não tinham oportunidades, ou encontravam muito poucas, 
as oportunidades que quem ditava a verdade tirara, e que sofria por ter tirado.
Mas a verdade mesmo, nunca aparecia.
O evangelho de são Marcos 12
Myers soube aproveitar as oportunidades, teve a ousadia de se mostrar 
ardoroso, indignado, irônico ou amável. Renovou o sabor do texto, o gosto, 
retomou os pontos arriscados e a esperança de terminar. Introduziu o texto 
na vida, nas nossas vidas, onde de fato se supunha que o texto não encontraria 
guarida, sentir-se bem, ser valorizado.
Seu método fez do Evangelho de Marcos verdadeiro marco no tempo. 
Marcos anunciava a “nova autoridade” de Jesus: profundo sentido de tradição 
e respeito igualmente vivo pela experiência.
Tradição: uma comunidade voltada para sua fé— um drama e uma crise. 
Isto, segundo Marcos, era a vontade de Cristo, como tinha sido a vontade dos 
profetas antes dele. Como material inflamável seco, o anúncio colocou seu 
povo, cerceado como se achava, ocupado por poder inclemente, humilhado 
e destituído de poder, em situação e atitude eivadas de esperança.
E a experiência — a vida com seus fatos — salienta as vítimas desconhe­
cidas, ignorada, anônimas. Quais delas? Quem fala pelos sem voz? Hoje o 
evangelho deve falar! Deve discernir as realidades e os subterfúgios políticos, 
deve proclamar a verdade desprezada, defender as vítimas, julgar os execu­
tores, responsabilizá-los. Ou fazemos isso, ou o evangelho é livro fechado e 
nós somos os traidores da esperança de Cristo.
E então? Os principados, as armas, as mentiras, os ídolos e seus devotos, 
a força espúria do Homem Forte dizem tudo o que querem com suas próprias 
palavras.
13 Apresentação
Em suas primeiras páginas Myers refere-se à suposição absurda de que 
os exegetas (ou qualquer outra pessoa) possam chegar ao Evangelho de 
Marcos como se se tratasse de tábula rasa, de mero conhecimento aplicado ao 
texto, como se não houvesse nenhum interesse, ardor, sensibilidade, econo­
mia ou gênero interferindo ou precisando ser levado em conta.
A suposição não é de todo inútil; de fato, ela dita o método. Os exegetas 
se tomam uma espécie de “repórteres objetivos”.
Estamos apenas começando a ver, principalmente por intermédio de 
teólogos e de estudiosos do Terceiro Mundo, não só o absurdo, mas ainda a 
arrogância que está por baixo da suposição de “objetividade”. Enquanto isso, 
pesadas sugestões e fatos mais pesados ainda, realidades tais como machismo, 
capitalismo, racismo, pressionaram a exegese, de um modo aqui, de outro 
modo acolá, em todo caso imprimindo-lhe colorido e tendência.
Em compensação, como Myers salienta, a exegese bíblica, corretamente 
entendida, deve muito e com razão à vida: à sua fúria e injustiça, às suas 
divisões e à sua política, às suas loucuras e aos seus crimes.
Evidentemente, Myers imprime ao texto sua própria tendência; o autor 
mostra-se intensamente interessado pelo texto. A “tendência”, no seu caso, 
resume-se em uma análise atenta da política de Jesus; esse Caminho de 
desafio, amor, coragem, em face dos poderes terrenos que no seu tempo e no 
nosso arruinam o mundo e legalizam o alto crime.
A autoridade iníqua, sem lei e espúria, deve ser deposta do seu trono 
ilegítimo; a justiça deve ser entronizada. Esta é a obra de Jesus. Ela se realiza 
na comunidade de Jesus.
Amor, desafio. Afeição instintiva às pessoas, mesmo aos poderes terrenos; 
desafio diante do poder que exercem, de seu mau funcionamento e de seus 
malefícios.
Sentimos na obra de Myers um Jesus que seria considerado estranho por 
muitos biblistas do mundo ocidental.
Mas dificilmente seria um Jesus novo para os que resistem em nos­
sos tempos, para as comunidades de base, para os cristãos obrigados a 
comparecer diante de tribunais e entrar em prisões aqui e em outros lugares, 
para esse nobre “terceiro mundo” que invadiu o nosso próprio mundo com seu 
sublime evangelho da libertação. Um Jesus representado na arte, na música, 
na poesia e na dança, nobres testemunhos e testamentos dos torturados e 
desaparecidos.
Que olhar tem esse Jesus de Marcos! Olhar que ele lança sobre o mundo, 
em nossa direção também. Um olhar que leva muita coisa em consideração, 
que é a um tempo misericordioso e corajoso, que se dirige para onde ele quer, 
para o explorado, a mulher, a criança, o destituído de energia ou de 
entusiasmo e o herói; para a colheita, a moeda, o esconderijo, o escriba, os 
orgulhosos, os parasitas e traidores, os soldados e seus superiores cheios de 
vanglória. Um olhar que pousa com tranqüilidade sobre os poderes que o 
destruirão.
O olhar pousa sobre os discípulos — até alimentando seu orgulho —; 
esses discípulos que compreendem as coisas pela metade, só sabem querer 
parcialmente, são corajosos nos bons momentos e medrosos e infantis nos 
difíceis. E Jesus sabe olhar também levando tudo isso em consideração.
E depois o fim, ou o fim intencional, o declínio.
Mas no terceiro dia...
O evangelho de são Marcos 14
E que dizer do intervalo, do nosso tempo, esse longo e grande hiato entre 
o Agora e o Depois?
É necessário e. justo dizermos que, por meio de Myers, conhecemos 
melhor nossa tarefa e talvez nos coloquemos diante dela com maior deter­
minação. Entrar na casa da morte amarra o Homem Forte em nome do Mais 
Forte! E retomar os bens roubados, emitindo o grito sufocado. Reclamar 
nosso mundo em nome de Mestre bem diferente. Porque a esperança renovou 
este mundo na gratidão, para “a beleza, a coragem e a ação”.
Daniel Berrigan
PREFÁCIO
Este livro situa-se dentro de uma tradição norte-americana ainda jovem, 
que surgiu em fins dos anos 70 sob a inspiração e a orientação de Norman 
Gottwald, estudioso da Bíblia hebraica. Esta nova forma de estudar a Bíblia 
tem sido designada de maneira variada como “hermenêutica política”, “soci­
ologia da Bíblia”, “leitura da libertação na escritura”. Gottwald resumiu a 
questão assim:
Esforço fundamental para conectar entre si aspectos do estudo da Bíblia 
que foram deixados de lado e tratados como não relacionados entre si, 
até como antagônicos, na academia e nas igrejas. [...] Muitas cisões 
gritantes que atualmente separam os diversos aspectos integrais da 
hermenêutica política e social podem e devem ser solidamente ligados 
entre si pela reflexão crítica e pela prática [1983: 2].
Amarrar o homem forte* esforça-se por prosseguir essa tradição, levando 
avante a tarefa de “estabelecer pontes” na leitura do Evangelho de Marcos.
Gottwald identificou as maiores cisões ou “abismos” como sendo os 
existentes entre (1) pensamento e prática; (2) estudo bíblico acadêmico e 
estudo popular da Bíblia; (3) religião e o resto da vida; (4) o passado como 
“história morta” e o presente como “vida real”. Quanto ao primeiro abismo, 
este livro se mantém à distância dos comentários acadêmicos em seu compro­
misso fundamental com prática contemporânea de disciplina radical, e do 
lugar do Evangelho de Marcos em face dessa prática. Aceito o axioma da 
teologia da libertação de que a prática deve colocar-se de ambos os lados da 
reflexão. Ao adotar o modelo do “círculo hermenêutico” (abaixo, 1,A), 
explicitei a minha posição com referência a graves questões de nosso tempo. 
Esses recursos constituem as “lentes” através das quais o texto de Marcos é 
lido; o texto, por seu turno, responde ao nosso esforço com perguntas 
extraídas dele próprio e que perturbam. Desejo encarar seriamente, como diz 
Karl Barth, fidelidade à Bíblia e ao jornal, àPalavra e ao mundo.
Compensar o segundo abismo pareceu-me tarefa mais difícil. Este livro 
situa-se na metade do caminho entre campos profundamente alienados da 
exegese bíblica profissional e o estudo “leigo” da Bíblia. Procedi com plena
* O Autor está comentando o título do texto original (nota do Editor).
consciência de que muitos no último setor acharão este livro demasiado 
difícil, ao passo que alguns do primeiro setor deixá-lo-ão de lado, julgando- 
o insuficientemente sereno, matizado ou sofisticado. Mas o campo da 
interpretação bíblica passou a ser tão técnico que o leitor médio, não 
familiarizado com a literatura em curso, rapidamente pode sentir-se desani­
mado. A colaboração, por sua vez, renunciou à sua responsabilidade de tomar 
a Bíblia mais inteligível e não menos.
E verdade que esses textos antigos são artefatos culturais, que não 
podem ser interpretados cuidadosa e atentamente sem instrumentos históricos 
e críticos. No entanto, como escritura, eles não são meramente artefatos, 
porque continuam a moldar o mundo como documentos de ideologia e de 
prática vivas. Além do mais, a Bíblia se considera pertencente ao povo de 
Deus, e não aos exegetas; o próprio Marcos reserva sua crítica mais acerba 
para as classes dos escribas. Isso, porém, não nos autoriza simplesmente a 
buscar novos caminhos para extrair do texto a “importância” imediata. Nós, 
norte-americanos, somos particularmente suscetíveis à propensão de nos­
sa cultura, saturada dos elementos transmitidos pelos meios de comuni­
cação, para a gratificação imediata. As pessoas deveriam ser estimuladas a 
trabalhar mais com os difíceis problemas de interpretação bíblica de textos 
(abaixo, 1,B).
Por outro lado, um trabalho exegético mais sério deveria dirigir-se mais 
a uma audiência popular do que ao mundo auto-referencial de estudos. Como 
ativista treinado na academia bíblica, tenho consciência da enorme riqueza de 
perspectivas que ali se acha encerrada, riqueza que os ativistas muitíssimas 
vezes se sentem contentes de desprezar. Isso apenas empobrece nossos 
esforços em favor da reflexão crítica, com a qual estamos firmemente 
comprometidos. Considero mal menor arriscarmo-nos a supersímplificar 
conceitos complexos mais importantes do que deixarmos o estudo popular 
por conta de lugares-comuns e de futilidades. Saber se fui bem sucedido nessa 
tentativa de arrombar a casa dos exegetas em benefício do povo é algo que 
certamente compete ao julgamento de ambas as partes, mas principalmente 
à última.
Para superar a terceira dicotomia, recusei-me a adotar a distinção típica 
entre formas “religiosa” e “política” de discurso. A razão que me levou a isso 
foi dupla. Primeiro, a distinção é simplesmente inadequada ao estudo da 
antiguidade bíblica, como também da maioria das culturas pré-modemas 
(abaixo, 2, A, III). Segundo, em nossos tempos a relação estabelecida entre 
teologia e política teve como resultado apenas a domesticação da primeira e 
a sacralização da segunda. No contexto da América do Norte isso foi 
claramente articulado nos escritos de William Stringfellow. Meu livro se 
esforça por levar adiante sua grande obra de descoberta tanto do caráter 
político do discurso teológico, quanto do caráter teológico do discurso 
político. Com essa finalidade empreguei o conceito unificado de “ideologia”,
O evangelho de são Marcos 16
criticamente examinado no sentido de manter suas funções sociais libertadoras 
e opressoras (abaixo, 1,C).
A terceira cisão é a mais perigosa para estudantes da Bíblia. Um bom 
exemplo de como os sentidos históricos e presentes são rigorosamente 
separados entre si pode ser visto na maioria das interpretações da literatura 
bíblica apocalíptica. Desde que E. Kãsemann redescobriu que “o apocalipticismo 
é a mãe da teologia cristã”, sempre houve algo que pudesse assemelhar-se a 
renascimento no estudo histórico-crítico desse gênero antigo. Poucos exegetas, 
porém, arriscaram-se a fazer uma “tradução” da ideologia apocalíptica para a 
nossa própria época: “não resta a menor dúvida de que os velhos elementos 
apocalípticos foram negociados pelas várias versões da teologia moderna a 
taxas de câmbio bem altas” (Braaten, 1971:482). Os que se esforçam por ler 
a Bíblia politicamente (isto é, teólogos da libertação e intérpretes marxistas) 
também tenderam a evitar o discurso apocalíptico. Parece que os últimos que 
realmente tentam descobrir a importância da simbólica apocalíptica são os 
“aproveitadores” do destino, que espalham suas gratuitas previsões do futuro.
Acredito que a ideologia da apocalíptica fornece a chave para cuidadosa 
leitura política de Marcos, como também da maior parte do Novo Testamento. 
A fim de traduzir essa ideologia em termos significativos para os leitores 
modernos, uso as noções gandhianas de ahimsa (não-violência), swaraj 
(libertação) e satyagraha (força-da-verdade) como chave hermenêutica 
“heurística” (explicada adiante, 2, A, III). Não se trata de uma abordagem 
inteiramente nova, pois já houve tentativas propostas tanto por exegetas 
bíblicos (ver as obras citadas por J. e A. Y. Collins) como por teólogos (ver as 
obras citadas por }. Douglass), embora ela vá bem além das tentativas 
anteriores de representar }esus como um revolucionário não-violento (por 
exemplo, Yoder, 1972; Trocmé, 1962; abaixo, Apêndice, A). Explicação 
completa dessa tese referente à ideologia apocalíptica e à não-violência, 
porém, bem como outras conexões hermenêuticas, a que aludo daqui para a 
frente, estão muito além do objetivo deste livro.
Embora minha leitura de Marcos procure manter a visão sinótica do que 
o Evangelho significava em seu contexto sócio-histórico e do que ele significa 
no nosso, essas duas tarefas necessárias de interpretação não são idênticas, 
nem podem ser realizadas simultaneamente. Desejo que o leitor saiba que este 
comentário é apenas a primeira de um projeto em duas partes sobre Marcos 
e o discipulado radical. Ele se concentra na primeira tarefa, embora sem nunca 
afastar-se da perspectiva da seguinte. Minhas reflexões sobre a forma do 
chamado de Marcos ao discipulado radical em nosso contexto deve manter- 
se aqui geral e breve, por causa da extensão atemorizadora deste livro. Elas 
serão exploradas em profundidade no próximo volume, complementar deste, 
a segunda parte de minha leitura política de Marcos.
Algumas palavras sobre o modo como os elementos deste comentário 
são distribuídos. Bem ou mal, se desejamos não só evitar, mas reverter o tipo
17 Prefácio
de leituras simplistas da Bíblia, usadas por toda parte para justificar ideologias 
cristãs aberrantes, desde a Casa Branca até a Catedral de Cristal, precisamos 
saber lidar com as numerosas dificuldades decorrentes do emprego da 
metodologia. Os “simples crentes da Bíblia”, que descartam a necessidade da 
hermenêutica, são os intérpretes mais suspeitos de todos. Por outro lado, os 
estudos sociopolíticos da Bíblia hoje são notórios pela sua tendência de 
perturbar o leitor com o aparato metodológico (por exemplo, “teoria semiótica”, 
“modos de produção”, etc.), a ponto de impedir que ele vá além dos 
preliminares! Todavia, deixar de lado a metodologia também só serve para 
fazer o leitor ficar dependente do uso da palavra do autor para sua interpre­
tação, o que apenas perpetua uma hermenêutica de “dependência”.
Evidentemente, o meu estudo não está isento desse problema. No 
capítulo 1 defino, de maneira popular, os termos e as características salientes 
da minha “estratégia de leitura socioliterária”. Um tratado pormenorizado das 
questões metodológicas existentes tomaria a leitura um tanto densa, especi­
almente para os que não se acham familiarizados com os campos da sociologia 
e da crítica literária. Acredito que minhas generalizações referentes ao “texto 
como discurso ideológico” serão suficientes para os objetivos da leitura de 
Marcos, onde estou ansioso por conquistar o leitor o mais rápido possível. 
Refiro-me a outras obras exegéticas, onde as questões foram tratadaslongamente, deixando os leitores livres para posteriores aprofundamentos se 
o desejarem. Espero que isso elimine um obstáculo psicológico a este 
comentário para os que se sentem menos interessados pela metodologia do 
que pelos seus frutos. Os leitores que acharem que a primeira parte caminha 
devagar poderão começar logo pelo comentário, que tem início na metade do 
capítulo 3, e depois voltar a recorrer ao material introdutório se e quando as 
questões referentes ao método o exigirem.
A estratégia de leitura que proponho situa-se no limiar entre os erros em 
dupla da crítica bíblica contemporânea. No porto fica a Cila do despojamento 
que a crítica histórica realiza nos textos narrativos; a bordo está a Caribde da 
nova crítica literária, que separa o significado narrativo do mundo histórico 
(abaixo, 1, D). Insisto na necessidade de conservarmos tanto a integridade 
literária quanto a integridade sócio-histórica do texto inteiro. Chamo minha 
abordagem “socioliterária” para distingui-la de três escolas de crítica vigentes, 
cada uma das quais utilizo em parte, sem, porém, endossar plenamente 
nenhuma delas: a exegese sociológica, a narratologia e a crítica materialista 
(abaixo, 1, E, III).
A extensão deste comentário é deidda às exigências de profundidade e de 
amplitude. Um método socioliterário estipula que a narrativa evangélica deve 
ser interpretada toda, não em partes isoladas. Como no caso da política 
hermenêutica, ela tendeu a situar-se nas generalizações exegéticas ou a limitar 
suas investigações a textos selecionados. Se a longa tarefa, porém, consiste em 
recuperar a Bíblia libertadora, precisamos apresentar comentário sistemático
O evangelho de são Marcos 18
sobre os textos na sua inteireza, e não apenas sobre os que parecem à primeira 
vista favorecer uma leitura política!
Este não é tanto um comentário versículo por versículo, mas antes uma 
exposição “episódio por episódio”, estudando o sentido de cada unidade 
literária e sua relação com as outras unidades e com a estratégia ideológica 
global de Marcos. Fiz todos os esforços possíveis para evitar ficar atolado em 
pormenores de exegese ou de estrutura narrativa— como é tão fácil acontecer 
— e fazer apologia antecipada dos lugares que o leitor pode achar inadequa­
damente esclerosados. Também tentei preservar estilo narrativo na minha 
redação própria, em vez dé usar a prosa usual desprovida de comentários. E 
mais: este é livro para estudo da Bíblia, destinado a ser trabalho que sirva de 
instrumento e de referência. É inútil dizer que ele deve ser lido com o texto 
de Marcos na mão, pois não o transcrevi aqui. Em minhas citações bíblicas 
mantenho-me muito próximo do texto da Revised Standard Version (RSV), 
exceto onde há indicação diferente; a RSV continua sendo o melhor texto para 
estudo em inglês. Incluí o grego transliterado quando necessário para clareza.
Como há muitas obras valiosas sobre Marcos, procurei manter distância 
dos pontos de vista solidamente estabelecidos e concentrar-me, ao invés, em 
textos, temas ou características literárias que acredito serem subvalorizadas. 
Minha tese sobre o Evangelho como um todo é tão importante quanto o meu 
tratado de qualquer das partes específicas, e o leitor é convidado a debater o 
assunto em ambos os níveis. Por ser meu método eclético e interdisciplinar, 
ele tem toda a seqüência positiva ou negativa decorrente do seu tipo. Embora 
muitas das minhas conclusões sejam originais, extraí com liberdade muita 
coisa de vasta gama da literatura exegética tradicional, bem como dos campos 
sociológico e literário mais novos e recentes. Na verdade, uma das minhas 
intenções foi a de expor o leitor a algo da exegese excitante apresentada em 
estudos contemporâneos sobre Marcos. Para evitar encher as páginas com 
referências secundárias, decidi usar apenas muito poucas notas de rodapé. 
Preferi orientar os leitores para fontes que achei particularmente úteis, quan­
do se virem diante de assunto que desejem pesquisar mais profundamente.
Tenho a esperança de que este comentário possa incentivar trabalhos 
posteriores seguindo linhas similares, sobre Marcos ou outros textos bíblicos. 
Mas, acima de tudo, ele é oferecido, como o próprio Evangelho o é, às 
comunidades de discípulos — ainda que desanimadas e cansadas — como 
parte de nossa pesquisa constante em busca de orientação e de esperança 
renovadas em nossa luta para seguir o caminho de Jesus em épocas difíceis. 
Uma verdadeira leitura de Marcos nos compele a chegarmos a uma conclusão 
sobre a nossa fé e, com maior certeza, sobre a nossa falta de fé (Mc 9,24). Rezo 
para que este estudo possa colaborar para que Marcos fale e o leitor tenha 
“ouvidos para ouvir” a Boa Nova que promete inverter as estruturas de 
dominação de nosso mundo.
19 Prefácio
AGRADECIMENTOS
O Evangelho de Marcos foi escrito para e em benefício de um círculo de 
comunidades de discípulos. O mesmo se pode dizer deste livro. Ele é reflexão 
sobre a praxe real (não imaginada), que crescia durante uma década, 
organizando-se e agindo com irmãs e irmãos no meio do país e no meio do 
mundo, que lutava para discernir e encarnar um modo diferente de ser 
humano e cristão. O primeiro solo em que germinou o trabalho foi constituído 
de oito anos passados em uma comunidade em Berkeley, Califórnia, que 
recebeu o nome de Bartimeu, por causa do discípulo mendigo e cego de 
Marcos. O material, que eventualmente se transformou em Amarrar o homem 
forte, foi primeiro testado ali por meio do magistério e da pregação e, 
posteriormente, em outras comunidades. Esses lugares permanecem como o 
crisol mais importante.
O método e grande parte da exegese utilizada para este estudo foram 
originalmente preparados para uma tese de mestrado na Graduate Theo­
logical Union. Desejo expressar a minha gratidão a diversos dos meus 
professores pela sua força e estímulo: a James Mclendon, que me ensinou 
teologia; William Herzog, que me introduziu na crítica literária da Bíblia; a 
Athol Gill, que fielmente tem ensinado Marcos a várias gerações de discípulos 
radicais; e, especialmente, a Norman Gottwald, que, além de ser pioneiro no 
campo da hermenêutica sócio-política, é modelo do “exegeta do povo” e a 
chave que sustentou este projeto. Evidentemente, esses amigos não têm 
responsabilidade por alguns erros de julgamento ou de exegese que possam 
ser encontrados aqui.
Este manuscrito tomou forma dentro do espaço de três anos e de dois 
continentes depois que deixei Berkeley. Para mim fói tempo de itinerância, de 
reflexão, de autoconfronto, de cura. Como dizia Jung, “o caminho para a 
plenitude é feito de retornos momentâneos e de voltas erradas”. Diversas 
comunidades me ajudaram ao longo do caminho com sua hospitalidade e 
apoio. Na costa oriental dos Estados Unidos, Sojourners em Washington, D.C.; 
Jonah House em Baltimore; e a Convenant Peace Community em New Haven. 
Na costa oriental australiana, House o f the Gentle Bunyip em Melboume; 
Avalon Baptist Peace Memorial Church em Sydney; e a House ofFreedom em 
Brisbane. Parte considerável da redação foi feita na Califórnia meridional (na 
realidadé o seu tecido estrutural e ainda as suas raízes), onde recebi apoio
emocional e financeiro profundamente apreciado de meus pais e da família 
Spurgin.
Muitos habitantes das ilhas do Pacífico entraram neste livro sem o 
conhecer: Juliano, Darlene, Romano, Hilda, o Revdo. Welepane e, princi­
palmente, o velho homem Kabokal, que nunca o lerá, mas cujas palavras que 
embalaram a noite da Semana Santa de 1985 permanecem profundamente 
dentro de mim. Inúmeros outros que lutaram pela justiça e pela paz no mundo 
e pela fidelidade ao evangelho contribuíram para o que há de valioso neste 
livro. Como Siddhartha à margem do rio, vejo as faces de muitas pessoas 
queridas passando: John e Carol, Sandy, Jeanette, Libby, George e Jocelyn, 
Chris, Skip e Margaret, Katy e Dean, Dan, Bill e Jeanie, Jim e Joyce, Danny, 
Gene e Faith, Richard, Neil e Denise, Scott, Bob e Janet, Giff,Jim e Shelly, 
todos os bons amigos das comunidades de vida do Atlântico e do Pacífico... 
e sobretudo Maggi, minha companhia na estrada percorrida durante todos 
esse anos.
Embora seus lábios não possam repetir agora 
todas as alegrias e todos os sofrimentos [...] 
continuem sonhando, suaves sonhadores. [...]
Peter Campbell
As palavras não são o caminho para a libertação. Se este estudo pode 
oferecer algum esclarecimento ou inspiração, ele quer fazê-lo em benefício 
dos resistentes não-violentos atualmente na prisão por causa do seu testemunho 
contra o Golias imperial. “Tomemo-nos o vento que desvia a tempestade 
iminente!” (Bemard Narakobi).
Amarrar o homem forte é dedicado a três pessoas que estiveram comigo 
durante uma manhã fria no Pentágono, no Dia de Ação de Graças de 1976, 
um momento para o qual eu me volto encarando-o como meu segundo 
chamado ao discipulado. Elas me ajudaram, e continuam ajudando-me, com 
esse longo e permanente catecismo da realidade, em que a verdade da América 
imperialista, com sua vasta desigualdade entre ricos e pobres, sua permanente 
economia de guerra e seu racismo institucionalizado, é posta às claras. A Phil 
Berrigan e a Liz McCallister agradeço o fato de haverem com suas vidas 
analisado criticamente o sentido do radicalismo apocalíptico em nossos dias. 
E quanto a Ladon Sheats, que delicadamente me chamou (como chamou 
muitos outros) para seguir Jesus, eu, como Pedro, me arrependi e chorei por 
causa da minha traição e da de meus companheiros. Bem, amigos, pelo seu 
discipulado continuo a avaliar o meu próprio.
21 Agradecimentos
ABREVIATURAS
A. M. Assunção de Moisés
Ant. Flávio Josefo, Antiguidades judaicas
BibTheoBul Biblical Theology Bulletin
BJRL Bulletin o f the John Rylands Library
CBQ Catholic Biblical Quarterly
HTR Harvard Theological Review
JAAR Journal o f the American Academy o f Religion
JBL Journal o f Biblical Literature
JSNT Journal for the Study o f the New Testament
JSOT Journal for the Study o f the Old Testament
JSSR Journal for the Scientific Study o f Religion
LXX Setenta (tradução grega da Bíblia Hebraica)
NedTheoTijd Nederlands Theologisch Tijdschrift
NovTest Novum Testamentum
NTS New Testament Studies
SBL Society o f Biblical Literature
TDNT Theological Dictionary o f the New Testament
(10 volumes. G. Kittel e G. Friedrich, editores; Grand 
Rapids: Eerdmans)
TheoZeit Theologische Zeitschrift
Guerra Flávio Josefo, Guerra judaica
ZAW Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft
ZDPV Zeitschrift des Deutschen Palästina-Vereins
ZeitNTWiss Zeitschrift für die Neutestamentliche Wissenschaft
PRIMEIRA PARTE
TEXTO E CONTEXTO
CAPÍTULO 1
UMA POSIÇÃO E UMA ESTRATÉGIA 
DE LEITURA PARA MARCOS
Parece-me que a hermenêutica é animada por esta dupla motivação: 
disposição para suspeitar, disposição para escutar; propósito de rigor, 
propósito de obediência. Em nossos tempos ainda não conseguimos 
afastar de todo os ídolos e simplesmente começamos a escutar os sím­
bolos.
Paul Ricoeur (1970: 27)
Durante a campanha presidencial de 1984 nos Estados Unidos, Ronald 
Reagan repetia freqüentemente sua singular interpretação do momento 
histórico: “A América está mal”, afirmava ele, “e vem recuperando-se”. A 
estratégia da administração adotada era simples: alimentar o povo e a 
imprensa igualmente crédula com uma dieta firme de “festivas” garantias 
sobre a unção divina da América para a dominação do mundo e, desdenho­
samente, afastar toda evidência social e política em contrário. Ficava claro 
(mais uma vez) que Reagan havia identificado e estava explorando com 
sucesso o sentimento dessa parte significativa do eleitorado ansiosa por 
suprimir as contradições crescentes do império.
Havia evidentemente alguns que constituíam raras exceções às deter­
minações do presidente. Durante as duas últimas semanas da campanha, 
alguns deles se reuniam diariamente fora da Casa Branca para registrar sua 
discordância e dissidência. Eles, como o sr. Reagan, escolhiam a linguagem 
da metáfora e do símbolo, só que a deles contrastava grandemente com a do 
candidato à presidência. Alguns instalaram um acampamento no Lafayette 
Park, ao longo da rua desde a Casa Branca, para dramatizar a realidade das 
classes burguesas dos pobres sem teto. Outros jejuavam, como recordação 
pública dos milhões de pessoas que morrem de fome como resultado direto 
ou indireto da preferência ardorosa da administração por “bombas em 
detrimento de pão”. E ainda outros entravam todo dia nos- jardins da Casa 
Branca, derramando sangue no pórtico e, em seguida, ajoelhando-se e 
rezando. Citando as escrituras judaicas, insistiam em dizer que o sangue dos 
inocentes, vítimas dos policiais de Reagan desde a América Central até a 
África do Sul e a Coréia do Sul, estava clamando por meio dessas pilastras 
brancas e limpas.
O evangelho de são Marcos 26
Mas as palavras suaves pronunciadas pelo presidente com cuidado 
abrandavam as imagens do orgulho imperial e a piedade prevalecia: ele foi 
reconduzido ao cargo para segundo período. Os que protestavam, por causa 
das perturbações causadas, foram jogados na prisão. Mas o contexto de 
metáforas arrancadas e espalhadas pelo chão dos jardins da Casa Branca na 
tarde do dia da eleição em 1984 representa fenômeno que ocupará o lugar 
central deste livro: era uma “guerra de mitos”. O evangelista Marcos também 
se alistou na guerra de mitos em seus dias; ele o faz escrevendo seu Evangelho, 
recontando a história de Jesus de Nazaré e de sua luta com os “poderes” da 
Palestina Romana. Hoje em dia, a maneira como interpretamos esse Evangelho 
depende de nossa leitura e de nosso compromisso em face da guerra de mitos 
que ainda prossegue.
1. A. POR QUE UMA LEITURA POLÍTICA?
I. O círculo hermenêutico
Qualquer estudo sério de texto bíblico deve começar com discussão de 
“hermêneutica”. Este termo, como a maioria do vocabulário técnico dos 
teólogos e filósofos profissionais, intimida os leitores leigos. Ele se refere à arte 
(ou “ciência”) da interpretação, principalmente de textos escritos. Nenhum 
texto “fala por si mesmo”, argumenta Ricoeur; ele é vulnerável, dependente 
de intérprete para reconstituir a sua voz:
O discurso escrito não pode ser “resgatado” por todos os processos 
mediante os quais o discurso falado se sustenta para ser compreendido: 
entonação, pronúncia, mímica, gestos. [...] Por conseguinte, somente o 
sentido “resgata” o sentido, sem a contribuição da presença física e 
psicológica do autor. Mas dizer que o sentido resgata o sentido equivale 
a dizer que somente a interpretação é o “remédio” [1977: 320].
Obviamente, um texto elaborado em uma época, local e cultura muito 
distante do tempo, lugar e cultura do intérprete— como é o caso do Evangelho 
de Marcos — é muito mais vulnerável.
Suposto isso, a etimologia de “hermenêutica” é germânica. Hermes era 
o “mensageiro dos deuses” no panteão grego; é fácil percebermos por que do 
nome dele proveio a palavra “intérprete”. No entanto, Hermes também era o 
deus protetor da invenção, da astúcia e do furto (Kealy, 1982: 236). A lição 
para os possíveis exegetas é evidente: a tarefa crítica de restauração muito 
facilmente pode transformar-se em roubaria\ É com bastante razão, pois que 
a hermenêutica contemporânea está preocupada com a “suspeita”, com a 
“desconfiança”.
Na crítica histórica, a suspeita hermenêutica significou a tarefa de criar 
distância crítica entre o texto e o intérprete. Os leitores tentam suspender suas 
suposições, de modo que o mundo e a voz do texto possam ser compreendidos 
o mais possível dentro de seus próprios termos lingüísticos, culturais e 
históricos. O problema aí é que essa distância crítica era entendida como 
desapego, tendo como meta a exposição do texto que se alega ser “objetiva”. 
Aí surge segunda suspeita, reconhecendo o fato de que não é possível nem 
desejável que o intérprete suspenda todos os preconceitos. Assim sendo, 
devemos também “interpretar o intérprete”, levando em consideração as 
tendências e pré-compreensõesque inevitavelmente modelam o “sentido” que 
ele ou ela tira do texto. Esta suspeita pode ser aplicada não só às idéias do 
intérprete, como igualmente à sua classe social e aos seus compromissos 
políticos no mundo real em que vive.
Esse labirinto mais complicado de suspeita constitui o domínio da 
hermenêutica moderna. Afirmar que o sentido do texto é “óbvio” e que não 
exige qualquer interpretação, ou de que há quem o interprete em seguir 
tendências próprias são coisas que não merecem mais crédito. A hermenêutica 
assume seriamente o peso e a responsabilidade de reconhecer o intérprete 
como “tradutor”, tentando estabelecer ligação entre dois mundos muitíssimo 
diferentes. Além do mais, a interpretação é conversa entre o texto e o leitor, 
sem requerer desapego, mas incluindo envolvimento. Essa conversa muitas 
vezes é chamada “círculo hermenêutico”. Nossa situação de vida necessari­
amente determinará as perguntas que faremos sobre o texto e, portanto, 
influenciará fortemente o que ele diz e significa para nós. Ao mesmo tempo, 
o texto mantém sua integridade própria e nós devemos respeitá-la para nós e 
para o texto em si, tentando entrar no seu mundo o mais possível. Então, se 
estivermos escutando autenticamente o texto, permitiremos que ele influencie 
o modo como o entendemos e o que ele opera em nossa situação (ele nos 
“interpreta”). Enquanto o círculo partindo do contexto para o texto e voltando 
para o contexto não se completar, não podemos dizer que conseguimos 
interpretar verdadeiramente o texto. Recomendo a clara discussão de W. 
Wink sobre esse processo para posterior consideração (1973: 19ss).
A teologia hermenêutica, como tantos outros aspectos do discurso 
teológico tradicional, foi desafiada pela teologia da libertação. O axioma de 
que a prática deve pregar a reflexão teológica, quando aplicada à interpretação 
bíblica, resulta numa versão um pouco diferente do círculo hermenêutico. De 
acordo com Juan Luis Segundo, o círculo começa quando nossas experiências 
de “prática cristã empenhada” nos levam à percepção crítica das ideologias 
dominantes e das estruturas sociais que moldam o mundo em que vivemos. 
Isso conduz à suspeita sobre as formas de exegese bíblica que prevalecem e 
suscita “perguntas profundas e enriquecedoras” que fazemos ao texto. Dessa 
interação emergimos com a interpretação mais viva da Bíblia (1986: 66).
O resto deste capítulo traçará brevemente meus próprios passos em
27 Posição e estratégia
tomo do círculo hermenêutico de Segundo, começando por reconhecer meu 
contexto histórico e meus compromissos, ou os dados a que me referirei como 
sendo a minha “posição de leitura” (abaixo, II, III). Elementos-chave que 
emergem dessa posição não são tratados na interpretação bíblica tradicional; 
o que é exigido é uma “estratégia de leitura” mais expressamente política 
(abaixo, B). Em seguida, discutirei brevemente a base para uma estratégia de 
leitura (abaixo, C, D), e enfatizarei meu método “socioliterário” alternativo 
(abaixo, E). O Capítulo 2 volta a investigar a “posição” sócio-histórica de 
Marcos, que nos prepara para a leitura do seu texto. Na vida real, naturalmente, 
este círculo é dinâmico: nossa prática nos conduz ao texto, nossa leitura nos 
orienta para a prática, etc. Este comentário está empenhado em estimular tal 
processo em todas as suas partes.
II. Locus Imperium
Os cristãos norte-americanos brancos, principalmente aqueles entrenós 
que pertencem às camadas privilegiadas da sociedade, precisam reconhecer 
o fato de que nossa posição de leitura diante do Evangelho de Marcos é o 
império, locus imperium. Pode ser verdade, como afirma o historiador W. A. 
Williams, que “as palavras império e imperialismo não gozam de boa acei­
tação nas mentes e nos corações da maioria dos americanos contemporâneos” 
(1981: VIII). Mas isso serve apenas para confirmar sua asserção de que 
“estamos somente começando nosso confronto com nossa história imperial, 
com nossa ética imperial e com nossa psicologia imperial” (ibidem: xi).
Encarar essa verdade é tremendamente difícil para aqueles entre nós 
que, por questão de raça, sexo ou classe, são os “herdeiros de direito” do 
projeto imperial, ou a quem pelo menos foi prometida existência metropolitana 
confortável em troca de nossa conformidade política. Acima de tudo:
Os americanos do século XX gostam do império pelas mesmas razões 
que levaram seus antepassados a favorecê-lo nos séculos XVIII e XIX. 
Ele lhes propicia oportunidades renováveis, riqueza e outros benefícios 
e satisfações, inclusive o sentimento psicológico de bem-estar e de poder 
[ibidem: 13].
No entanto, deixar de reconhecer o império significa ter que se agarrar 
cada vez mais desesperadamente a ilusões sobre nossa cultura (o que equivale 
a dizer: sobre nós mesmos). Somos, evidentemente, bem capazes de 
autodecepção, como ficou demonstrado pela vigorosa reabilitação de fanta­
sias imperiais na era Reagan. O custo humano de nossa desilusão, porém, 
oscila, pois restitui os mecanismos que mantêm a supremacia americana por 
toda parte e o “fascismo amistoso” no seu canto por mais criminoso seja 
(Gross, 1980). .
O evangelho de são Marcos 28
/
Não é minha intenção questionar o fato do império, mas, sim, afirmá-lo 
claramente como suposição. Concordo com W. A. Williams em que o “sentido 
irredutível” do império é o controle geopolítico das periferias pelo centro:
Adam Smith disse uma vez por todas: a cidade aproveita e explora a 
vantagem estrutural sobre o campo. [...] A essência do imperialismo 
reside na dominação metropolitana da economia mais fraca (e de sua 
superestrutura política e social) para assegurar a extração de retribui­
ções econômicas [W. A. Williams, 1980: 7s].
A “metrópole” é, na realidade, uma imagem apropriada para a tecnocracia 
moderna que existe nos Estados Unidos hoje. Evidentemente, jamais devemos 
esquecer que a linha entre o centro e a periferia nunca é linha rigorosamente 
geográfica: há muitos dentro dos limites da metrópole que ainda estão nas 
periferias e uma minoria dos que se acham fora dela que goza do privilégio e 
do poder imperiais.
Há uma coisa importante a propósito desta posição de leitura que o leitor 
do presente comentário precisa conservar em mente. O modelo “centro- 
periferia” é sob muitos aspectos apropriado também para o mundo, e por 
conseguinte para a posição, do próprio Marcos. O mundo mediterrâneo 
antigo era dominado pela lei de Roma imperial. No entanto, se eu leio 
situando-me no centro, Marcos escreveu da periferia palestina (ver abaixo, 2, 
A, I). Seu principal auditório era constituído por aqueles cujas vidas diárias 
suportavam o peso explorador do colonialismo, ao passo que os meus 
ouvintes são os que se acham em posição que lhes possibilita usufruir os 
privilégios do colonizador. Neste sentido, os teólogos da libertação do 
Terceiro Mundo, que hoje também escrevem partindo da perspectiva da 
periferia colonizada, têm a vantagem de certa “afinidade de posição” em sua 
leitura dos Evangelhos. Como Jon Sobrino escreve:
Existe nitidamente notável semelhança entre a situação aqui na América 
Latina e a em que Jesus viveu [...] [entretanto, ela] não reside apenas nas 
condições objetivas de pobreza e exploração [...] [mas também] na 
experiência que se extrai da situação [1978: 12].
Embora muita coisa possa ser feita com esta afinidade— o imperialismo 
da antiguidade romana era bem diferente do imperialismo dos tempos 
modernos americanos (ver abaixo, 2, A, III) —, o fato é que os que se acham 
na periferia têm “olhos para ver” muitas coisas que nós, que estamos no 
centro, não vemos. Isto, no entanto, não nos exime da responsabilidade de ler 
o Evangelho e corresponder a ele. Com efeito, escutarmos a perspectiva da 
periferia (tanto de Marcos quanto de hoje) é fundamental para nosso 
despertar em face do chamado ao discipulado no locus imperium.
29 Posição e estratégia
O evangelho de são Marcos
III. D iscipulado radical
30
Os que fizeram a reflexão teológicade ponto vantajoso da periferia 
focalizaram adequadamente temas de libertação na história do êxodo 
(Gutiérrez, 1973:153ss). Nós que nos achamos no centro, porém, não temos 
outra opção senão a de “fazer teologia na casa do faraó” (Sõlle, 1979), ou seja, 
ficar do lado dos hebreus mesmo sendo cidadãos do Egito. Há significativa 
minoria de cristãos nos Estados Unidos e em outros países do Primeiro Mundo 
lutando para encontrar um estilo de vida e uma política que faça exatamente 
isso. Tal movimento também constitui a posição de onde leio Marcos.
Os chamados cristãos de esquerda, como muitos outros dissidentes 
exagerados, surgiram em meio à crise de credibilidade da cultura imperial 
durante o movimento pelos direitos civis e a guerra na Indochina. Esse 
período trouxe decepção também com as igrejas — liberal e conservadora, 
católica e protestante — que, pelo seu silêncio em relação à guerra, sugeriam 
que talvez o evangelho fosse irrelevante para a história. Sentindo-se traídas, 
muitas pessoas sensíveis deixaram sua igreja, buscando novos e poderosos 
mitos oferecidos pela secularização e pela Nova Esquerda. Outras, apesar de 
igualmente desgostosas, preferiram procurar a fonte da traição examinando 
suas raízes (radix latino, daí “radical”). Para muitas havia a redescoberta de 
herança não-imperial dentro de suas próprias tradições: os luteranos en­
contraram Bonhoeffer, os batistas se lembraram dos anabatistas, os metodistas 
releram Wesley e os abolicionistas, os católicos descobriram Francisco e uma 
quantidade de mártires e santos, etc. (Gish, 1973).
Houve muitos afluentes desse rio. Um dos mais importantes foi o 
testemunho da igreja no Terceiro Mundo e a teologia da libertação, que 
começou a ser percebida de maneira mais ampla na América do Norte em 
meados dos anos 70. Desafios às ideologias da igreja dominante também 
partiram de teologias feministas, negra, hispânica, pacífico-asiática e ameríndia. 
A década de 80 viu o começo da solidariedade real entre igrejas do centro e 
da periferia através de esforços populares como movimento de santuários, a 
campanha de libertação da África do Sul e movimentos contra a política dos 
Estados Unidos na América Central, na Coréia e nas Filipinas. Enquanto isso, 
•a participação cristã na paz doméstica e nos movimentos antinucleares 
fòriemèntê 'sê ampliava, bem como a prática da resistência não-violenta se 
âpTòfühdâva gradualmente.
Acima de tijdo, porém, a fonte da renovação era a redescoberta da 
históriq flq evangelho sobre o Jesus eminentemente não-metropolitano, cuja 
voz ainda é ouvida ao longo dos tempos no chamado ao discipulado. É como 
Sobrino afirma: “O Acesso ao Cristo da fé só se dá mediante o nosso 
seguimento do Jesus histórico” (1978 : 305). Por isso, em meu livro e no 
volume que o acompanha refiro-me a esse movimento usando a rubrica 
“discipulado radical”. É rótulo que alguns no movimento adotaram e outros
evitaram, principalmente agora que o termo “radical” está fora de moda na 
cultura popular. Mas esta' parece ser mais uma razão para adotá-lo, pois ele 
não está em voga, porém enraizado no evangelho não-imperial que sustentará 
o movimento.
Não é minha intenção aqui apresentar um retrato do discipulado radical 
contemporâneo; isso pode ser encontrado alhures (por exemplo, Wallis, 
1976; D. Brown, 1971)e eu explorá-lo-ei com certa profundidade em volume 
próximo que prossegue a segunda parte deste projeto. Aqui introduzirei 
simplesmente dois temas-chave que, acredito, caracterizariam nossa reflexão 
teológica e orientariam nossa prática no locus imperium. O primeiro é o ar­
rependimento, que para nós implica não só conversão do coração, mas ainda 
processo concreto de afastamento do império, de suas distrações e seduções, 
de sua maldade e iniqüidade. O segundo é a resistência, que supõe libertar- 
se da poderosa sedação de uma sociedade que recompensa a ignorância e 
vulgariza tudo o que é político, a fim de discernirmos e assumirmos posições 
concretas em nosso momento histórico, e de encontrarmos caminhos plenos 
de sentido para “impedir o progresso imperial”. Ambos os temas requerem 
compromisso com a não-violência, como forma pessoal e interpessoal de vida 
e como militância e prática política revolucionária. Esses temas servirão de 
pano de fundo para esta leitura de Marcos e voltarei a eles outra vez, ainda que 
brevemente, no meu Posfácio (ver também abaixo, 2, A, III).
Por entendermos que a presente crise de império tem muito a ver com 
a organização do poder, com a distribuição de riqueza e com a praga global 
de militarismo, o discipulado radical necessariamente estuda a Bíblia con­
servando em mente questões sociais, políticas e econômicas. Que tem Marcos 
a dizer com referência às nossas lutas para superar o racismo? Ou no sentido 
de encontrarmos formas mais próximas de solidariedade com os pobres 
enquanto trabalhamos pela justiça? Ou para aprofundarmos nosso uso da 
ação não-violenta direta? Estas perguntas explicam por que podemos intitular 
este comentário de “leitura política”, apesar de saber que tal linguagem 
suscitará a suspeita da maioria dos norte-americanos. Há mais uma razão, 
porém: eu a uso com a finalidade de me distanciar dos tratados predominantes 
da interpretação bíblica nos círculos do Atlântico Norte.
1. B. POR QUE MARCOS?
I. “Luta pela Bíblia”
Propor uma leitura política é, de imediato, entrar em choque com todo 
um aspecto de escolas exegéticas. Há, por exemplo, os que ainda acreditam 
que os problemas cruciais da interpretação bíblica são os definidos pelas 
velhas discussões fundamentalistas-modemistas do fim do século XIX e do
31 Posição e estratégia
início do século XX; eles ainda tentam defender uma doutrina da “autoridade 
bíblica” contra adversários seculares e liberais reais e imaginários. De 
qualquer maneira, muitos da direita e da esquerda teológicas divergiriam 
apenas filosoficamente, já que suas respectivas práticas políticas têm mais 
semelhanças do que diferenças com relação ao império. Da perspectiva do 
discipulado radical, a “autoridade bíblica” só tem sentido quando nos leva ao 
arrependimento e à resistência!
Um rival bem-estabelecido é a tradição da hermenêutica teológica, tanto 
escolástica quanto pietista. Esta tradição expôs os Evangelhos de maneira 
análoga à busca de metais preciosos: o “ouro” do princípio teológico perene 
e universal ou dogma eclesial é cuidadosamente extraído do “minério” das 
peculiaridades históricas ou sociais, que são eliminadas. Distanciado da 
história e da prática, o kerygma transforma-se, assim, no domínio do pen­
samento abstrato ou da reflexão “espiritual”, isto é, no domínio dos teólogos\ 
Esta “ideologia teológica, que sempre está em ação na exegese burguesa” lê 
o texto tomando a “posição idealista de interioridade”, de preferência à 
“posição encarnada de exterioridade” (Belo, 1981 : 259). Com tal supressão 
do homem completo, concretamente o caráter sócio-histórico do Evangelho 
passa a ser nada menos do que a perpetuação da heresia docetista.
Mais inseridas no cristianismo popular são as hermenêuticas do 
privatismo. Fundamentalistas e existencialistas modernos podem ser filoso­
ficamente antagônicos, mas compartilham de compromisso essencial com a 
discussão do texto sobre a busca, respectivamente, de “santidade” e de 
“existência autêntica” pelo indivíduo. A conversão é problema fundamen­
talmente individual. O “Salvador pessoal” do evangelismo americano é 
domesticado, não é mais o Senhor do mundo, mas é o Senhor dos nossos 
corações, para os quais o convidamos. A preocupação da teologia contem­
porânea com os estragos da Angst e com a busca de integridade pessoal é, de 
modo semelhante, captada pelo “labirinto da intersubjetividade” (Hunter, 
1982: 40). Ambos refletem a tendência moderna a fugir de uma história 
crescentemente incerta e dirigida pelo conflito, para refugiar-se na auto- 
absorção ou no que Christopher Lasch chamou a “cultura do narcisismo” 
(1979). E inútil dizermos que os poderes políticos

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